quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Luta armada - tirando ensinamentos


Wladimir Pomar - Correio da Cidadania

Aproveitando as declarações do ex-major Curió sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como o clima morno da conjuntura, por algumas semanas me dediquei a fazer um sumário da minha participação nos acontecimentos que precederam e depois sucederam aquela guerrilha. Espero não haver cansado os leitores com memórias de um passado que teima voltar, talvez porque nem todos tenham acertado suas contas com ele.
 
Para finalizar essa série, embora não tenha tido a pretensão de esgotar o assunto, gostaria de sistematizar um pouco do que aprendi. Primeiro, a lição de que não se deve cair na armadilha de que se pode, de antemão, determinar o caminho, ou a forma principal de luta, a ser seguido para realizar as transformações econômicas, sociais e políticas que o país necessita para ingressar no socialismo.
 
Isso poderia não ter mais importância se, 40 anos depois daquelas experiências, a idéia não continuasse viva na cabeça de muita gente. Há os que nutrem a suposição de que só nos resta o caminho armado. Paradoxalmente, no momento em que consideram as grandes massas populares inebriadas por promessas de demagogos populistas. E há também os que juram, de braços abertos, que o único caminho viável é o pacífico, das eleições sucessivas. Para eles, basta manter-se firme no trabalho institucional que as urnas nos levarão ao paraíso.
 
Como deuses onipotentes, uns decretam que o inimigo será inflexível e incapaz de fazer qualquer concessão, enquanto os outros determinam que o inimigo não tem mais qualquer condição de tentar aventuras golpistas, nem ditaduras sanguinárias. E ambos já previram, cada um a seu modo, que o povão vai agir como supõem.
 
Nessa questão eu aprendi que é a prática de luta que vai determinar o caminho, e não o inverso. Assim, se do ponto de vista geral é melhor estar preparado para a pior situação, do ponto de vista prático é fundamental estar ligado, quase fundido, ao dia a dia dos trabalhadores e das demais camadas populares, de modo a acompanhar o seu aprendizado, conhecer sua disposição e ganhar influência sobre eles.
 
Esta é a única maneira de saber como o povão vai agir, caso a burguesia decida resolver suas contradições com os trabalhadores e o povo da mesma forma que sempre resolveu, num passado não muito longínquo. Diante disso, as massas populares tanto podem partir para a luta, quanto fazer uma retirada estratégica, como fizeram em 1964 e 1968. As duas possibilidades existem e é muito difícil supor que alguém seja capaz de determinar qual delas vai prevalecer.
 
O mesmo pode ser verdade para o caso de a burguesia continuar, por um longo período, constrangida a seguir a tendência atual, de solução passo a passo das contradições. É lógico que ela trabalhará sempre, sejam suas alas moderadas, sejam suas alas radicais, para praticar fraudes ou levar as forças de esquerda a cometerem erros sérios, de modo a lhes impor uma derrota eleitoral de caráter estratégico. Numa situação dessas, a derrota pode tanto empurrar as camadas populares para lutas mais radicais quanto para uma nova retirada estratégica, dependendo do contexto em que a derrota ocorrer.
 
Assim, sem medir muito claramente as questões políticas em jogo, estamos sempre correndo o perigo de ajudar o inimigo. Por isso, fico sempre impressionado de ver, ou ouvir, militantes ditando o que os trabalhadores e o povo devem fazer, sem que tenham qualquer laço orgânico com segmentos sociais concretos, no chão de fábrica ou nas comunidades de bairros e favelas. Nestas condições é realmente muito difícil saber o que as massas estão pensando e o que pretendem.
 
É isso que exige da esquerda a necessidade de combinar os processos eleitorais com as lutas sociais e políticas. E, mais do que antes, essas lutas precisam ser com razão e com limite, de modo a evitar que os movimentos sociais sejam fragmentados, como resultado de ações que permitam à burguesia se passar por vítima e reconquistar influência sobre a classe média e mesmo sobre parcelas menos politizadas da população trabalhadora pobre.
 
Em relação ao baixo nível atual de mobilização social, não adianta morder os calcanhares, nem xingar o povão de medíocre, como fazem alguns. Mesmo porque as massas populares nem sempre conseguem tirar todas as lições de suas experiências de luta. Seja porque, antes, não passaram por experiências idênticas, seja porque essas lutas sofrem de descontinuidade, ou ainda porque tais experiências não foram sistematizadas, nem devolvidas, de modo conveniente às massas.
 
Porém, também aprendi que não podemos tomar qualquer situação, por pior que seja, como algo estático e invariável. Sempre haverá fatores, às vezes silenciosos e imperceptíveis à primeira vista, que estarão processando mudanças e vão determinar uma cascata de outras modificações. No período da guerrilha do Araguaia fomos incapazes de acompanhar essas mudanças e nos ajustarmos a elas. Mas também não faz muito tempo que, sem reparar o que estava acontecendo na base da sociedade, em virtude dos programas sociais do governo Lula, muita gente acreditou que ele e o PT seriam liquidados pela crise de 2005. Enganaram-se redondamente.
 
Por fim, aprendi que é preciso, sempre, manter espírito crítico, a todo momento, avaliando a correção ou não de cada teoria, de cada ação, de cada luta, mesmo que isso seja doloroso. Isto é verdade tanto para processos de lutas massivas, quanto para processos de estagnação da mobilização social. Num e noutro caso, nem sempre as massas estão certas, do mesmo modo que nós. Em qualquer das situações, só participando e vivendo com elas as experiências de luta, ou da falta de luta, podemos tirar lições dos erros delas e dos nossos, se tomarmos a prática como o critério da verdade.
 
Wladimir Pomar é escritor e analista político.