sábado, 8 de março de 2008

UM DEUS FEROZ E VINGATIVO

Luiz Carlos Azenha

WASHINGTON - Terror. Terror. Terror. A palavra terror associada a mulheres cobertas de preto ou com um véu protegendo os cabelos. A palavra terror associada a crianças vestidas de guerrilheiros. A palavra terror associada a homens com cinturões que simulam bombas. A desumanização do outro. A diabolização do diferente. A pregação do ódio para combater o ódio.

Na outra ponta do mesmo fenômeno estão os anúncios de grandes fabricantes de armas nos jornais americanos. Anúncios que falam das virtudes do novo caça, das vantagens do novo helicóptero. Como leitor de jornal, com raríssimas exceções, não tem dinheiro para comprar um Apache, fico imaginando qual é o público alvo. Imagino que o objetivo seja convencer a opinião pública americana de que vale a pena torrar o dinheiro dos impostos comprando aquelas armas.

Os americanos inventaram o Plano Colômbia, para combater o tráfico de drogas. O tráfico continua firme e forte. O Tesouro americano dá dinheiro à Colômbia para que ela compre armas americanas. É política de transferência de renda: sai do bolso do contribuinte americano, vai para a Colômbia e volta para o bolso do fabricante de armas. Com outro nome está em andamento o Plano México, para combater a imigração. Nos aeroportos americanos, equipamentos de última geração escaneiam as malas. Impressões digitais são recolhidas. Essa máquina de "segurança" veio para ficar e custa caro.

Estados Unidos, Rússia, França, Alemanha e Reino Unido são os grandes exportadores de armas. Quem ganha tem nome e endereço: Boeing, General Electric, General Dynamics, Honeywell, Lockheed-Martin, Northrop Grumman, Raytheon Corporation, United Technologies. Há milhares de empresas do ramo aqui e em outros países.

Propagar o medo é essencial, uma tarefa que fica por conta da mídia. O medo paralisa. O medo divide. Medo da Venezuela. Medo do Irã. Medo dos muçulmanos. Medo de Fidel Castro. É preciso atacar a emoção das pessoas. E é preciso evitar que parem para pensar. Se fizerem isso, vão se dar conta: qual é o risco que Cuba representa para os Estados Unidos e suas milhares de armas de destruição em massa? Michael Moore capturou bem essa idéia no filme Bowling for Columbine.

Robert Fisk captura toda a hipocrisia de árabes, judeus e americanos no livro The Great War for Civilization. Os guerreiros da liberdade - "freedom fighters" - que expulsaram os soviéticos do Afeganistão, com ajuda americana, são os mesmos que depois foram rebatizados de "terroristas". Líderes de Israel que mataram civis com bombas quando lutavam para expulsar os britânicos do território que agora ocupam denunciam como "terrorismo" os que combatem com as mesmas táticas a ocupação ilegal israelense de territórios palestinos. Líderes árabes que "abraçam" a causa palestina assassinaram milhares de palestinos em seus próprios países.

"Terrorismo é uma palavra que se tornou uma praga em nosso vocabulário, a desculpa e a razão e a permissão moral para violência patrocinada pelo estado - nossa violência - que é agora usada em inocentes do Oriente Médio de forma ultrajante e promíscua. Terrorismo, terrorismo, terrorismo. A palavra se tornou pontuação, uma frase, um discurso, um sermão, tudo que precisamos odiar para ignorar injustiça e ocupação e assassinato em grande escala. Terror, terror, terror, terror. É uma sonata, uma sinfonia, uma orquestra reproduzida em toda emissora de TV, estação de rádio e agência de notícia, a novela do Diabo, servida no horário nobre e destilada por comentaristas de extrema-direita na costa Leste dos Estados Unidos, pelo Jerusalem Post ou por intelectuais europeus", escreveu Fisk.

Essa novela do Diabo nos faz fechar os olhos para as nuances, para as injustiças contra cristãos, muçulmanos e judeus que devem ser denunciadas sem que nossos preconceitos embotem a capacidade de indignação. Um ex-correspondente da TV Globo se negou a seguir a orientação do chefe, que queria o uso da palavra "terrorista" sempre que se falasse em "palestino" no texto. Ele se negou. Foi substituído por outro "jornalista" que topou.

A idéia é essa, mesmo: esquecer a História, descontextualizar a informação, "selecionar" os fatos que servem à campanha de propaganda e subestimar o ouvinte, o telespectador e o leitor, tratá-lo como o Homer Simpson incapaz de lidar com assuntos complexos. Bate a preguiça de ser didático, de oferecer mais de um ponto-de-vista, de ilustrar as reportagens com mapas, de procurar as nuances.

Fui ao Marrocos, à Jordânia e ao Iraque nos últimos anos. Estive na Índia, em Serra Leoa e Ghana, onde também há milhões de muçulmanos. Fui às mesquitas, aos restaurantes, andei nas ruas. Conversei com motoristas de caminhão, jogadores de futebol e vendedores ambulantes. Não vi chifres, nem gente morando em cavernas. Testemunhei uma religião com forte apelo comunitário, que coloca o interesse coletivo acima do individual e que conforta milhões de fiéis economicamente deserdados.

Os ideólogos da guerra de civilizações não fazem mais que justificar o combate ao ódio com mais ódio, empurrando a vasta maioria dos muçulmanos para o colo dos que se sentiram agredidos pela presença militar ostensiva de soldados americanos em território que consideram sagrado - perto de Meca e Medina, na Arábia Saudita -, da mesma forma que os cristãos se sentiriam ofendidos pela presença de tropas muçulmanas estacionadas na praça de São Pedro, no Vaticano.

A pregação da intolerância não interessa à esmagadora maioria de terráqueos. Quem ganha com ela? Eu não ganho. Nem o Mazen, meu amigo palestino que é muçulmano praticante em Amã, na Jordânia; nem meu amigo Regis Nestrovski, que muito raramente vai à sinagoga. O Mazen está preocupado em dar educação aos três filhos. O Regis está preocupado com a prática do bom jornalismo.

Quem ganha? Os fabricantes de armas, com certeza. E os que de alguma forma se acreditam iluminados por um Deus particular, que requer a destruição alheia para sua satisfação. Esse Deus feroz e vingativo pode até estar escrito em algum livro, tábua ou pedra. É invenção do pior que existe no ser humano. Ou quer tirar o pior do ser humano que criou.

DIA INTERNACIONAL DA MULHER



Rosangela Bion de Assis

Vem mulher,
que é hora de cruzar a última fronteira
e levar nossa delicadeza e nossos rompantes
aos confins do poder.

Vem mulher,
deixa para depois a limpeza,
não deixa para amanhã o livro,
não deixa para depois o beijo.

Vem mulher,
que já somos tantas e já sonhamos muito,
vamos caminhar pela floresta secreta
e ocupar os primeiros lugares.

Vem mulher,
que já treinamos o suficiente,
estudamos o necessário
e agora o mundo precisa da nossa doçura
e da nossa força.

Vem mulher,
do escritório e do campo,
levanta a tua voz,
precisamos nos apresentar ao comando.

Créditos: Pobres & nojentas

Mal Waldron - Left Alone (1959)

http://i28.tinypic.com/sfdtdy.jpg


Mal Waldron - Left Alone (1959)



Personagens:
Jackie McLean, alto sax;
Mal Waldron, piano;
Julian Euell, bass;
Al Dreares, drums

Faixas:
1. Left Alone
2. Catwalk
3. You Don't Know What Love Is
4. Minor Pulsation
5. Airegin
6. Mal Waldron: The Way He Remembers Billie Holiday



Uma pequena homenagem...

Mulheres


José Eduardo Degrazia



A visão da história se repete
E designa simples mortais,
Heróis, armaduras e batinas,
Mulheres santas, cafetinas,
Brancas das Ilhas, mulatas da Bahia,
Negras de Angola,
Italianas da Lombardia,
Alemãs da Pomerânia,
Mulheres lindas e vadias,
Levando odres de vinho,
Ouvindo dobres de sino
Batendo na freguesia.
Mulheres agüentando machos
Em seus corpos e sesmarias,
Mulheres de tantas cores
Parindo na ventania.
Mulheres índias fazendo cestos,
Fazendo filhos no meio do mato,
Rezando para o deus dos vencidos,
Mulheres índias mascando inhame
Para a chicha dos guaranis.

Mulheres de tantas cores
Palmilhando campo e história,
Mulheres esquecidas lavando panos e memórias,
Mulheres guerreiras de faca e pistola,
Mulheres montando potros
Plantando milho e vitórias.
Mulheres sangrando lua nas terras ainda sem dono.

Mulheres levando bivaques
Acompanhando batalhas,
Para enterrar os mortos,
Outras para saqueá-los.
Mulheres levando fronteiras nas aspas dos touros,
Mulheres sendo princesas de perdidos mouros.

Mulheres fazendo terra,
Tremendo os horizontes,
Mulheres amamentando
Machos e fêmeas
Bezerros e bizontes.

Mulheres são Ana Terra,
Heroínas de romances,
Mulheres são santificadas
Como Marias-degoladas.

Mulheres são Marias
E são Madalenas,
São puras e são matreiras,
São virgens
Namoradeiras.

Mulheres vão povoando
Os campos, as sesmarias,
Vão levando seus maridos,
Seus amantes, seus quebrantos.

Mulheres foram tantas
E fizeram tempo e história,
Mulheres dóceis e valentes,
Parindo guerreiros e gentes.

Mulheres e mais mulheres,
De todas as etnias,
Mulheres de fartos seios amamentando
O futuro que se anuncia