Os nove delegados da fundação do PCB
Felipe Prestes no SUL21
Em tempos democráticos, três siglas (PCB, PC do B e PPS) reivindicam um legado que tem como marco inicial a reunião entre nove pessoas, em Niterói, nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922. Eram poucos, mas representavam os primeiros 73 filiados oriundos de grupos comunistas já existentes nas principais cidades do país, que resolveram se juntar em uma estrutura nacional. Na época, não tinham condições para que o primeiro congresso, que fundou o Partido Comunista do Brasil (PCB), tivesse mais que nove pessoas.
Mas o passado que estes partidos reivindicam não é apenas este início difícil, que hoje soa engraçado. É a história de uma sigla que aglutinou as incipientes lutas de trabalhadores urbanos de um país que começa a se industrializar, disseminando os ideais comunistas na esteira da então recente Revolução Russa, dos dez dias que abalaram o mundo, como eternizou o jornalista e testemunha ocular John Reed, em outubro de 1917.
É um partido que conseguiu manter sua existência abaixo de repressão por décadas, disseminando as ideias hegemônicas da esquerda de sua época. Foi uma organização que, em torno da figura de Luis Carlos Prestes, arrebatou “as massas” após o fim do Estado Novo e chegou a ter 10% dos votos para uma eleição presidencial. Que se tornou o reduto político de intelectuais brasileiros como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Di Cavalcanti, Oscar Niemeyer, João Saldanha, Caio Prado Júnior, Mario Lago, Dyonélio Machado, Mario Schoenberg, entre outros.
Voltando em seguida à ilegalidade, continuou sendo protagonista de lutas mesmo durante a ditadura militar e após uma divisão interna, ocorrida em 1962. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) escreveram ambos páginas importantes da história brasileira. O PC do B, liderado por João Amazonas e Maurício Grabois, entre outros, optou pela luta armada no campo e foi vítima no Araguaia de uma das páginas mais sangrentas de nossa história, tema que ainda hoje segue atual, uma vez que gerou uma recente condenação ao Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O PCB, por sua vez, eternizou-se como o “Partidão”, embora o termo venha da época em que havia um único e grande partido comunista no Brasil. Capitaneada por Luis Carlos Prestes, a organização busca a legalidade, esbarra na ditadura militar, mas mesmo assim tenta a luta pacífica. O PCB se espalhava entre a classe média e a classe operária do Brasil. É difícil encontrar um brasileiro de uma grande cidade que não tenha tido um parente ou um amigo que fazia parte das fileiras do Partidão — seja ele engenheiro, médico, advogado, jornalista, professor – , sempre tentando, no local de trabalho, nas rodas de amigos, disseminar as ideias marxistas e arrebanhar mais gente para a organização, mesmo em pleno governo autoritário.
Este repórter mesmo tinha um tio-avô, já falecido, que integrou as fileiras do Partidão. Era filiado à direitista UDN, de Carlos Lacerda, e oriundo de uma família oligárquica, mas começou a carreira de treinador de futebol ainda jovem, nos anos 1950, e foi treinar o Nacional de Porto Alegre, o clube dos ferroviários. Comunistas, os dirigentes do clube conseguiram lhe apresentar as ideias marxistas e fazer com que integrasse o PCB. Ao longo das duas décadas seguintes, sua militância se resumia a
encontros clandestinos para debates sobre marxismo e outros temas, mas sempre se dizendo integrante do Partidão, embora, em tempos de ditadura, não houvesse evidentemente qualquer documento que o identificasse como tal e o partido já não tivesse grande organicidade. Logo mais, as mesmas pessoas estariam se reunindo nos primeiros tempos do Partido dos Trabalhadores.
Roberto Freire
Os partidos comunistas só foram legalizados em 1985. Em 1989, um grupo liderado Roberto Freire transformou o PCB em Partido Popular Socialista (PPS), mas muitos integrantes do partido não aceitaram e fundaram o PCB novamente. Os três partidos oscilaram ideologicamente e hoje pode se dizer que o PCB se aproxima mais da extrema-esquerda, o PC do B do centro-esquerda e o PPS do centro-direita. Apesar disto, os três reivindicam o passado quase centenário.
“É um falso debate”, opina o historiador da Universidade Federal de Santa Maria, Diorge Konrad. Apesar de ser ligado ao PC do B – foi um dos historiadores e jornalistas que escreveu sobre um livro sobre a história do partido – Konrad acredita que todos têm legitimidade para reivindicar aquele passado, mesmo quem hoje está cada vez mais longe de seus ideais.
No final das contas o PCB é um elo comum entre esquerdas e entre as lutas dos trabalhadores brasileiros, com suas oscilações ideológicas, com suas idas e vindas entre se aliar com a burguesia ou lutar contra ela, seus farsantes, porque tudo isto o antigo partido teve, como têm hoje os atores da vida política do país. Ademais, houve determinado momento em que ser de esquerda no Brasil era praticamente ser do PCB. “O PCB foi a principal organização de esquerda do país e monopolizou o marxismo durante muito tempo. Nos anos 1920, ainda rivalizava com organizações anarquistas, mas, a partir dos anos 1930, o anarquismo arrefeceu”, afirma a doutoranda da UFRGS, Marisângela Martins, que estuda a história de militantes do antigo PCB.
Revolução Russa, modernismo e tenentismo
Naqueles dias de março, se encontraram Abílio Nequete, barbeiro de Porto Alegre, que tinha ligações com o PC do Uruguai; Astrojildo Pereira, jornalista de Niterói; Cristiano Cordeiro, funcionário público de Recife; Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP); João Jorge Costa Pimenta, gráfico de São Paulo; Joaquim Barbosa e Manoel Cendón, alfaiates, Luiz Peres, artesão vassoureiro e José Elias da Silva, funcionário público, todos do Rio de Janeiro, na época sede do Distrito Federal. Nequete foi escolhido secretário-geral, mas três meses depois eclodiu a revolta do Forte de Copacabana, a polícia aproveitou para destruir a sede do recém fundado partido e Nequete se mandou de volta para Porto Alegre, ficando Astrojildo como dirigente na Capital Federal.
Era o começo do tenentismo, em um ano já marcado também pela Semana de Arte Moderna. “O Brasil está em transformação. 1922 é o ano do modernismo, do tenentismo. O proletariado é cada vez maior nas cidades”, afirma Diorge Konrad. Além disto, havia o contexto internacional de sucesso da Revolução Russa, um dos fatos delineadores do século XX, que contribuiu decisivamente para que trabalhadores organizados optassem pela ideologia marxista, sempre com um olho nos desígnios de Moscou. “O sucesso da revolução e a construção da União Soviética favorecem a criação de partidos comunistas pelo mundo”, diz o historiador.
O diferencial do PCB foi a permanência, a capacidade de sobreviver à repressão e á ilegalidade. Antes do PCB houve, inclusive, um partido comunista, criado em 1919, mas de duração efêmera. Outros partidos ligados ao proletariado também duravam pouco àquela altura.
Entre o isolamento e as alianças
A história do PCB sempre foi permeada por mudanças na sua postura frente a outros atores políticos. Ora o partido estava mais propenso à luta armada, ora a alianças com a burguesia. Ora o partido negava totalmente o sistema vigente, ora tentava mudar o sistema participando dele. Essas idas e vinda seriam mais tarde o estopim da divisão entre PCB e PC do B.
Prestes no tempo da Coluna
Até a ascensão de Josef Stálin na União Soviética, em 1927, o PCB seguia as ideias de Lênin, que propagava que em países que ainda não havia tido uma revolução burguesa os proletários deveriam se aliar com camponeses, soldados e cabos, marinheiros e até com pequenos burgueses. Neste contexto, Astrojildo Pereira vai atrás de Luis Carlos Prestes na Bolívia, após o final da Coluna Prestes, em 1928, e apresenta as obras de Karl Marx ao já então mundialmente conhecido Cavaleiro da Esperança.
Tudo indica que Prestes nunca tinha tido contato com o comunismo, mas ele gostou do que leu. Em Buenos Aires, sede da Internacional Comunista (IC) na América Latina, ele se aproxima de influentes comunistas, mas o 6º Congresso da IC, também em 1928, definira que com a ascensão do fascismo a tática internacional de luta deve ser “classe contra classe”. Por isto, quando um tenente como Prestes pede sua filiação ao PCB, ela não é aceita. “O proletariado não faria mais alianças. A avaliação é de que os tenentes fazem parte da luta antirrevolucionária”, conta Diorge Konrad.
“O PCB era marcadamente stalinista e a forma de luta dependia essencialmente do contexto internacional”, afirma Marisângela Martins. Em 1931, Luis Carlos Prestes vai para a União Soviética e, mesmo assim, demora três anos para que se filie ao PCB, por determinação dos soviéticos, em 1934. Prestes vem ao Brasil em 1935 e utiliza a como uma estrutura legal para o partido a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento que havia sido formado por intelectuais e militares para combater o fascismo, e que se inspirava no tenentismo. “Alguns tenentes se somam ao PCB e o partido começa a se aproximar das massas”, relata Konrad.
Entretanto, a malfadada tentativa de insurreição em novembro daquele ano, conhecida como Intentona Comunista, põe por água abaixo os planos do partido. A repressão é cada vez maior e culmina com o golpe dado pelo próprio Getúlio Vargas, em 1937, que pôs fim à relativa democracia da época e deu lugar ao autoritário período do Estado Novo. “Em 1939, o partido inexiste organicamente”, afirma Konrad.
Sucesso eleitoral
Em 1943, comunistas se reúnem clandestinamente na Serra da Mantiqueira e reorganizam o partido. Liderados por João Amazonas e Pedro Pomar, eles decidem que Prestes, que estava preso, seria o secretário-geral. Mas assim que sai da cadeia, em 1945, o Cavaleiro da Esperança surpreende a todos, com uma mudança radical na estratégia de luta: defende em uma carta a “União Nacional para a Democracia e o Progresso”.
Inebriado pela aliança exitosa entre potências comunistas e capitalistas que derrotaram o fascismo, Prestes defende que a democracia burguesa pode ser uma ponte para um governo de esquerda. “Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador”, escreve o líder do PCB.
A postura do líder comunista, que estendeu a mão até mesmo para Getúlio Vargas, quem enviou sua mulher Olga Benário para morrer na Alemanha nazista. “Os militantes não entendiam como Prestes queria se aliar até mesmo com Getúlio, mas isto acabou sendo aceito pelo partido”, afirma Marisângela Martins.
O final da Segunda Guerra também amoleceu o coração da elite nacional quanto ao comunismo e à União Soviética. O PCB pôde finalmente se tornar legal e disputar eleições. “Com o sucesso da URSS na guerra, houve uma projeção fantástica do comunismo no Brasil”, conta a doutoranda da UFRGS. “A legalização do PCB tem a ver com os Aliados, com a luta da URSS em conjunto com as potências capitalistas para derrotar Hitler. Os comunistas passaram a ser vistos por muitos brasileiros como aliados importantes”, concorda Diorge Konrad.
Na verdade, o partido já disputara eleições na década de 1920, com o Bloco Operário Camponês (BOC), um biombo legal do PCB para concorrer. Em 1930, inclusive, o BOC lança um candidato à presidência, Minervino de Oliveira, negro e operário, que obtém votação inexpressiva. Nada comparado à explosão eleitoral do PCB em 1945.
Luis Carlos Prestes concorre ao Senado por vários estados, o que era permitido à época, e é o senador mais votado do Brasil. “Num comício dele em Porto Alegre, o Parque da Redenção ficara completamente lotado”, conta o historiador da UFSM. A sigla faz 14 deputados federais, entre eles o escritor Jorge Amado. No Rio Grande do Sul, o escritor Dyonélio Machado é eleito deputado estadual. Na época da legalidade do partido, sobressai a simpatia dos intelectuais pela sigla. Mesmo criado por operários, o PCB sempre teve intelectuais em seus quadros, como o jornalista Astrojildo Pereira, um de seus fundadores.
Marisângela Martins conta que os “intelectuais” dentro do partido não eram apenas os escritores, pensadores ou artistas. “Havia um conceito amplo de intelectual. Eram todos aqueles que não faziam trabalhos manuais. Médicos, jornalistas, advogados, funcionários públicos — dependendo da função que tivessem – eram considerados intelectuais”, afirma. Apesar de Astrojildo ter sido um importante dirigente do partido, em geral, os intelectuais não tinham poder dentro da organização, diz a historiadora. Muitos dos intelectuais, entre eles Jorge Amado, se desiludiram com o PCB depois que Nikita Kruschev divulgou os crimes do stalinismo em 1956.
Guerra Fria e divisão
A amizade entre comunistas e capitalistas no pós-guerra não demoraria muito a virar uma nova batalha. A Guerra Fria se tornou evidente, e o Governo Dutra se aliou aos Estados Unidos. Não tardou para que o PCB voltasse à ilegalidade, mesmo porque o sucesso eleitoral assustara aos conservadores. A clandestinidade, a Guerra Fria e o surgimento do trabalhismo, um concorrente no campo da esquerda, contribuíram para que apenas os mais radicais permanecessem no PCB.
“Os mais moderados migravam para o PTB. Prestes se desiludiu (com as alianças) e radicalizou forte. Em 1950, ele defendeu publicamente a criação de um Exército popular para fazer a revolução. O anticomunismo também cresceu muito”, conta Marisângela Martins. Ela ressalta que os anais da Assembleia Legislativa, gaúcha mostram, por exemplo, que o próprio Leonel Brizola, quando deputado estadual, era anticomunista, o que não escondia em seus discursos.
Apesar disto, as medidas mais nacionalistas ou antiimperialistas dos governos progressistas de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e de seus partidos tinham apoio de muitos militantes comunistas. “Muitos deles participaram do ‘Petróleo é nosso’ e da ‘Campanha pela Paz’, que pedia o fim das ameaças nucleares entre as potências”, diz a historiadora. Ainda assim, o PCB era forte crítico do Governo Getúlio, tanto que no dia do suicídio do presidente, populares depredam não só sedes da UDN e jornais de Assis Chateaubriand, mas também espaços do PCB.
No Governo JK, com o fim do stalinismo, o discurso comunista se abranda um pouco. E as autoridades também não combatem ferrenhamente o PCB. Diorge Konrad relata que durante o Governo JK e, posteriormente, no Governo Jango, os comunistas tinham certa liberdade, embora na ilegalidade. “Prestes percorre o Brasil, falando em praça pública”, conta. “O Governo JK fazia vista grossa ao PCB, tanto que comunistas concorriam nas eleições, por outras siglas”, diz Marisângela Martins.
Este período de relativa abertura fez com que Luis Carlos Prestes fizesse em 1960 uma campanha pela legalidade do partido, o que foi um dos motivos da cisão com o grupo de João Amazonas. “Eles argumentavam que Prestes estava fugindo aos ideias do partido”, diz Marisângela. Para Diorge Konrad, a divergência também se dá porque Prestes segue a linha soviética que no momento era de “coexistência pacífica”.
XX Congresso
“O racha se dá essencialmente em torno da decisão do 20º Congresso da IC, na URSS, em que se propõe a coexistência pacífica. Esta posição divide o partido. O grupo de João Amazonas não aceita esta tese”, afirma o historiador. Konrad conta que comunistas que não aceitam abandonar a tese da luta armada vão acabar formando vários grupos, que lutarão, de fato, quando se instaura a ditadura militar. “Outros grupos de comunistas também se formam, que preconizam a luta armada, como a ALN, de Marighella”.
Hoje
Atualmente o PCB está organizado em 20 estados brasileiros. Tem uma reduzida quantidade de militantes, decorrente de sua baixa representatividade social e sindical. Antes da crise do mensalão, o PCB rompeu com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, pois, segundo resolução de seu congresso, sua política se caracterizava pela continuação de política neoliberal. Participou da Frente de Esquerda, coalizão de visão socialista e classista formadas por PSOL e PSTU, apoiando a candidata Heloísa Helena nas eleições presidenciais de 2006.
Seu secretário-geral do PCB é Ivan Martins Pinheiro. Em 2005 foi reativada a UJC – União da Juventude Comunista. Em Conferência Política Nacional realizada em Março de 2008, o PCB deixou de ter o cargo de Presidente, retomando o cargo histórico de Secretário Geral.
O ano de 2007 começa com o PCB tendo cerca de 20 vereadores e mais dois vice-prefeitos, além de um deputado estadual no Amapá, Jorge Souza, reeleito em 2006. Porém, nas mesmas eleições parlamentares — de 2006 — o PCB não conseguiu eleger representantes ao Congresso Federal, obtendo votações abaixo de 0,5% do total de votos válidos no território nacional. Em 2009, promoveu seu XIV Congresso Nacional no RJ, onde elaborou e aprovou as teses da fase monopolista do capitalismo no Brasil, e a necessidade da construção de uma ampla frente anticapitalista e anti-imperialista para a construção da revolução socialista. Em 2010, lançou seu secretário-geral, Ivan Pinheiro presidente da república, além de candidatos na maioria dos estados, divulgando o programa comunista.
Na ocasião, dizia Ivan Pinheiro:
Não entramos em uma campanha eleitoral, mas em uma campanha política. Na busca pelo voto, os discursos se rebaixam e todos se colocam como salvadores do capitalismo. Queremos deixar claro que não abriremos mão de nossas bandeiras políticas de solidariedade aos palestinos, da defesa de Cuba socialista, dos avanços na Bolívia e na Venezuela, pela libertação dos presos políticos nos cárceres da Colômbia, contra as bases ianques, além dos grandes temas nacionais, sem enganar ninguém, sem mentir para ninguém: não é possível humanizar um sistema que tem no lucro sua maior expressão; o capitalismo é incompatível com a vida humana.