domingo, 10 de agosto de 2008

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Clássico de Bernardo Bertolucci



A Morte
(La Commare Secca)

Sinopse:

A morte (La commare secca, Bernardo Bertolucci, Itália, 1962)


À margem do rio Tibre, na periferia de Roma, é encontrado um corpo de uma prostituta assassinada. A polícia faz vários interrogatórios com uma série de suspeitos para tentar desvendar o caso. O policial, cujo rosto não aparece, sabe que cada um deles passara pelo parque Paolino, o último lugar que a prostituta se encontrava com vida. Cada um conta como foi seu dia até chegar ao parque na noite do assassinato. Primeiro um assaltante relata a sua história, depois um ex-condenado, um soldado, o homem dos chinelos de madeira e Pipito, um jovem carente da periferia. As histórias acontecem em flashbacks e são intercaladas com a prostituta acordando no fim da tarde com um temporal. Todos os relatos são divididos em antes e depois do temporal, que serve para marcar o início da noite. No final, a polícia descobre que um homossexual foi testemunha do assassinato e essa testemunha reconhece o assassino e ele é preso.



Informações sobre o Filme e o Release:

Gênero: Drama / Mistério
Diretor: Bernardo Bertolucci
Duração: 88 minutos
Ano de Lançamento: 1962
País de Origem: Itália
Idioma do Áudio: Italiano
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0055858/

Qualidade de Vídeo:
DVD Rip
Vídeo Codec: XVID
Vídeo Bitrate: 943 Kbps
Áudio Codec: MP3
Áudio Bitrate: 94
Resolução: 592 x 352
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 23.976 FPS
Tamanho: 700 Mb
Legendas: Em anexo


Premiações:

Ao atingir a maioridade, o cineasta italiano Bernardo Bertolucci ganhou a chance de dirigir seu primeiro longa-metragem com roteiro do mentor Pier Paolo Pasolini (1922-1975), amigo de seu pai, o grande poeta Atillio Bertolucci (1911-2000). A Morte (La Commare Secca,1962), que está sendo lançado pela Versátil Home Vídeo, é uma estréia desconcertante. Bertolucci, assistente de direção de Pasolini em Desajuste Social (Accatone, 1961), também lançado no Brasil pela Versátil, aproveitou bem essa experiência e retratou o submundo romano segundo o espírito pasoliniano, embora com um discurso surpreendentemente maduro para um garoto de 21 anos.

O argumento original de Pasolini elege a história da investigação do assassinato de uma prostituta num parque romano. Os suspeitos são cinco párias presentes na noite do crime: um cafetão, dois garotos prontos a extorquir dinheiro de um homossexual, um pequeno ladrão que surpreende casais em pleno ato sexual e um soldado sulista e provinciano flanando pela cidade grande. Desnecessário dizer que nenhum deles assume ter visto o crime, embora sejam todos potenciais criminosos. Essa é justamente a tese de Pasolini: não existem inocentes numa cidade que empurra seus deserdados para as margens. No centro, um corpo sem vida. Na periferia, apenas almas mortas.

O fascínio que exerciam sobre Pasolini os “ragazzi di vita”, ou seja, os vadios de Roma, não é dividido por Bertolucci, a despeito de sua compaixão pelos desajustados. Bertolucci, filho pródigo de grandes proprietários de terra na província, aponta o dedo para esses cinco suspeitos e não livra nenhum da culpa. Mesmo que o rufião Bustelli (Alfredo Leggi) não tenha cometido o crime, é um perverso delinqüente que explora miseráveis locatários de sua amante mais velha, igualmente usada. Vagabundo por vocação, Bustelli não difere muito do larápio que rouba casais ou dos dois meninos que seguem o homossexual atrás de dinheiro. O pequeno ladrão de Bertolucci, aliás, é parente não muito distante do marginal de Mamma Roma, que Pasolini rodava simultaneamente ao filme de seu pupilo.

Bertolucci, um cinéfilo desde os 15 anos, certamente conhecia o projeto do mestre, embora insista em afirmar até hoje que ignorava o clássico filme de Kurosawa, Rashomon (1950), ao iniciar as filmagens de La Commare Secca. Sua obra de estréia guarda impressionante semelhança com o filme japonês, sobre um estupro e um assassinato relatados segundo quatro diferentes pontos de vista. Não que isso diminua a importância e o impacto de La Commare Secca. Ao contrário. Uma comparação entre os dois explica como o Oriente se distancia do Ocidente em questões éticas. Se Kurosawa fala de uma verdade subjetiva impossível de virar objetiva, Bertolucci, ainda marcado pelo ímpeto juvenil, deixa-se seduzir ocasionalmente pelo cinismo de seus jovens marginais e sucumbe a uma solução legal provisória, ao localizar o autor do crime.

Evidentemente, trata-se de uma solução fácil, uma concessão, talvez sugerida pelo produtor Antonio Cervi, que teria preferido Pasolini na direção. Isso não compromete o resultado final de La Commare Secca, econômico na compacta montagem de Nino Baragli e na interpretação neo-realista de atores anônimos. Bem diferente do filme seguinte de Bertolucci, A Estratégia da Aranha - este mais próximo de uma alegoria política godardiana (ou glaube-rochiana)-, seu primeiro filme anuncia um esteta que valoriza cenas intimistas, aparentemente fora do contexto da história. A dança entre as duas adolescentes ante a recusa dos tímidos pretendentes é apenas um exemplo, repetido anos mais tarde numa seqüência antológica de O Conformista, em que Stefania Sandrelli dança com a bela Dominique Sanda.

Muitos anos antes de a Itália se curvar ao ideal da comunidade européia e ficar com vergonha de seus dialetos, abraçando um cosmopolitismo falso, Bertolucci já falava desses acanhados e inocentes provincianos, jovens moldados pela cultura de seus pais, aparentemente impermeáveis a modismos alienígenas. Eles parecem imunes a ideologias, mas, em verdade, são as primeiras vítimas da opressão econômica que se rendem a forças políticas reacionárias como o fascismo, quando obrigados a resistir às tensões do sistema.

O testemunho verbal dos suspeitos, repleto de mentiras, contrapõe-se ao flashback em que Bertolucci refaz o itinerário verdadeiro dos cinco investigados . Sua câmera passeia pelo escuro parque romano como se seguisse os passos de mortos sociais condenados ao Hades. Logo no prólogo, o corpo da prostituta assassinada (Wanda Rocci) justifica os sonetos blasfemos e obscenos escritos em dialeto romano por Giuseppe Giocchino Belli, poeta do século 19. Parece um corpo destituído de alma, como se a alienação do físico da prostituta acontecesse também numa dimensão espiritual.

Até o título original, La Commare Secca, diz respeito a essa personificação da morte como uma entidade viva de fundamental influência sobre a evolução humana. Se a Morte é uma figura simbólica no clássico filme de Bergman, O Sétimo Selo, jogando com um cavaleiro já condenado antes do primeiro lance, ela assume, no filme de Bertolucci, o papel de guardiã das chaves do inferno, como no clássico poema de Milton, O Paraíso Perdido. Ela não é a libertadora, mas o espectro que ronda a periferia romana. É ela que prevalece na imagem final da ‘comare secca’ gravada para sempre na pedra, lembrando que a figura imaginada na Idade Média como representação da morte (um esqueleto com robe) pode ser mais assustadora que o anjo caído criado pelo Senhor no primeiro dia.

Bertolucci já realizou outros 22 filmes desde La Commare Secca. Conheceu o sucesso com O Último Tango em Paris (1972), ganhou nove Oscars com O Último Imperador (1987) e tentou voltar à velha forma com Os Sonhadores (1983), seu balanço da geração 68. Mas jamais teve tanta liberdade como em La Commare Secca. É outro bom motivo para revisitar seu marco zero.

Crítica:

O filme conta a história do assassinato de uma prostituta não muito jovem através de inúmeros flashbacks que ocorrem nos depoimentos dos suspeitos, ao estilo de Rashomon, de Akira Kurosawa (Bertolucci afirma que não tinha visto o filme do japonês antes de filmar A morte). Vemos como um jovem assaltante foi parar no último lugar em que a prostituta fora vista com vida, e não só ele, mas todos os outros personagens suspeitos do assassinato. Aos 21 anos de idade, Bertolucci teve o desafio de filmar essa história, de Pier Paolo Pasolini – Bertolucci trabalhou como assistente de produção no bem sucedido Acattone, dirigido por Pasolini -, e fazer com que esse seu primeiro filme fosse parecido com os próprios filmes de seu mentor de cinema. Entretanto, ele tinha que unir essa tentativa de fazer um filme “pasoliniano” com o seu estilo próprio, que estava surgindo. Será que Bertolucci conseguiu?

Tendo muita liberdade criativa para dirigir o filme, Bertolucci optou por fazer muitos movimentos de câmera. Mesmo em momentos em que não há deslocamento de personagens a câmera se movimenta. De acordo com o diretor, ele quis mostrar que nunca estamos parados seja fisicamente ou psicologicamente, estamos em constante modificação e evolução, logo os movimentos de câmera aproximariam o espectador dos personagens em suas dúvidas, mentiras, tristezas e, é claro, movimentação física. Ele conseguiu esse efeito; entretanto, nem sempre os movimentos de travelling, panorâmica e zoom funcionam. Não é raro o momento em que a imagem fica embaralhada e confusa, beirando a tosquice. Além disso, em outros momentos a câmera treme muito, fica instável, parecendo um filme amador. Todavia, o dinamismo do dia dos suspeitos foi alcançado e, com isso, Bertolucci conseguiu mostrar seu estilo, diferenciando-se muito do estilo frontal-religioso do seu mentor Pasolini.

Bertolucci disse que quis mostrar, com o filme, o passar do tempo, o decorrer do dia de cada personagem e como suas vidas eram, chegando a dar muito mais importância a isso do que à solução assassinato em si. As cenas dos jovens Francolicchio e Pipito com duas moças são o principal exemplo disso: os jovens passando fome, as conversas despreocupadas, a célebre dança das duas moças quando os garotos estão com vergonha e, é claro, do ápice do flashback deles, quando eles vão atrás de um homossexual só para conseguirem dinheiro. Com isso, o diretor fez uma admirável crítica social. Ele mostrou como os jovens que estavam à margem da sociedade romana do início da década de 60 sofriam, e como essa sociedade estava se corrompendo aos poucos. E através dos outros personagens vemos que toda a periferia de Roma estava infectada com essa perda de valores (o cafetão bon-vivant; o soldado solitário, desabrigado e desesperado; o ladrão). O filme mostra inclusive, nas cenas em locações externas (o Coliseu, por exemplo) pessoas reais interagindo com personagens, dando até mesmo um aspecto documental do caráter do povo.

Sendo poeta, Bertolucci quis fazer não um simples filme narrativo, mas um filme lírico. Desde a seqüência de abertura do filme, em que vemos papel voando por áreas desoladas da periferia de Roma e o corpo da prostituta, à seqüência final, em que o assassino é capturado em um baile, percebe-se esse lirismo de Bertolucci. Um lirismo pessimista quanto ao futuro da gente humilde italiana. Essa “aura” que Bertolucci pôs em seu filme também pode ser vista na cena em que a prostituta acorda com um temporal, temporal esse que acontece no crepúsculo do dia e marca o início da noite, o início do fim. As intercalações dos flashbacks com os trechos dessa cena dão certo retorno no tempo, onde ele estaria parado, a calmaria, preparando-se para o grande acontecimento. A certa quebra de ritmo que ocorre funciona muito bem e só adiciona ao espírito poético do filme, a montagem ficou, portanto, muito boa, pois conseguiu transmitir o que o diretor pensou, tornando o lirismo imaginado por Bertolucci mais tangível ainda. O espectador consegue sentir o impacto daquela morte e como a sociedade está corroída e, na visão pessimista do diretor, sem uma solução aparente. Aspecto que também é ressaltado pela bela música de Piero Piccioni e Carlo Rostichelli, que tem uma melodia bonita, mas depressiva.

A morte, com todo o seu lirismo, sua crítica social e movimentos de câmera ousados e planos-seqüência interessantes, conseguiu, por isso, dar início à carreira do brilhante diretor Bernardo Bertolucci. O filme pode não ter sido um sucesso nas críticas italianas, que acharam o filme “pasoliniano” demais, mas a crítica internacional aclamou o filme, dizendo que era uma obra fantástica e que entraria para a história do cinema italiano. A crítica internacional estava corretíssima, e A morte é um filme que se tornou indispensável para quem quer entender e estudar o diretor italiano e a sociedade da época.


Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.

Créditos: Makingoff - Santoro


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