sexta-feira, 3 de junho de 2011

Para entidades, interesses editoriais motivam críticas a material didático do MEC


Críticos acusam obra aprovada pelo MEC de incentivar os alunos a falar e escrever errado | Foto: Editora Global/Reprodução

Igor Natusch no Sul21

Enquanto os críticos seguem atacando o livro didático “Por Uma Vida Melhor”, o qual é acusado de ensinar os alunos a escrever de forma contrária à norma culta, entidades nacionais de educação permanecem na defesa do material. Cinco entidades subscreveram um nota oficial, baseada em depoimento da pesquisadora Marlene Carvalho, onde qualificam as críticas como “infundadas, além de contribuírem para o preconceito e a discriminação social”. Algumas das instituições insinuam até que o pano de fundo dos ataques é, na verdade, mercadológico, já que a obra foi produzida sem a participação direta de nenhuma das principais editoras de material didático que atuam no Brasil.
“Tenho procurado discutir a legitimidade dos falares populares, a necessidade de reconhecer que a língua dos pobres tem regras próprias, expressividade e economia de recursos”, diz a professora Marlene Carvalho, que é professora aposentada da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não é prestigiada socialmente, não tem valor no mercado de empregos de colarinho branco, não é admitida na Academia, mas, do ponto de vista linguístico, é tão boa quanto o dialeto chamado padrão. A diferença maior é que os falantes do dialeto padrão têm o poder político, social e econômico que falta aos pobres”.
Em outro trecho, o depoimento que serviu de base à nota oficial diz que “não cabe à escola ignorar, ou censurar as variantes populares, mas sim respeitar a fala dos alunos e, ao mesmo tempo, ensinar a todos a empregar também a norma culta em ocasiões sociais que exigem um registro formal da língua”. Chama a polêmica de “estéril”, insinuando que os críticos não leram a obra de forma adequada. E conclui: “uma ou duas frases, fora do contexto do capítulo, estão sendo utilizadas para condenar um livro e a posição da autora em favor da língua dos pobres”.
A nota é assinada pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), pelo Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
“É preciso reconhecer e respeitar o protagonismo do professor”
O material didático que motivou a polêmica pertence à série “Viver, Aprender” e foi produzido conjuntamente por 14 professores, envolvidos em uma organização não governamental (ONG) chamada Ação Educativa. O material foi aprovado para uso no Programa Nacional do Livro Didático do MEC, e destinado a uso em programas de Ensino a Jovens e Adultos (EJA). A parte polêmica refere-se à introdução da obra, que diferencia a norma culta da linguagem falada pelos alunos no dia a dia. Um dos trechos mais criticados diz que, dependendo do caso, não é errado dizer “nós pega o peixe”, ainda que isso não encaixe nas regras de concordância da linguagem culta. “Posso falar ‘os livro’? Claro que pode”, diz um dos trechos, explicando em seguida que isso seria compreendido em uma conversa do dia a dia, mas seria inadequado em situações onde a norma culta é mais indicada.
Outra entidade a manifestar-se em defesa do material didático é a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Na nota, a entidade defende a capacidade técnica e os critérios rígidos de ensino seguidos durante todo o processo de elaboração da obra. “O estudante de EJA enfrenta diversos obstáculos para continuar seus estudos, como a baixa autoestima causada pela defasagem idade/ série e a necessidade de dividir seu tempo e sua dedicação com trabalho, escola e família. A escola tem por obrigação ajudá-lo nesse processo. Reconhecer suas vivências, sua cultura, seu conhecimento, sua linguagem é o primeiro passo”.
Logo depois, a Undime explicita sua preocupação com as pressões mercadológicas que podem estar guiando boa parte das críticas ao livro. “É preciso garantir que os argumentos sejam expostos, lidos, interpretados sem conceitos preestabelecidos e que não haja manipulação por interesses políticos ou econômicos o que, sabe-se, é difícil de acontecer em um programa do porte do PNLD e que envolve o mercado editorial”. A nota, assinada pela presidenta da Undime, Cleuza Rodrigues Repulho, termina de forma incisiva. “Acaso o exemplo do livro, relativo à variante popular da norma culta, fosse “tava” (estava) ou expressões de cacofonias comumente usadas “lá tinha” ou “por cada”, a polêmica seria tão grande assim? É preciso reconhecer e respeitar o protagonismo do professor no processo de ensino-aprendizagem. É ele o profissional preparado para essa mediação e esse debate”.