Igor Natusch no Sul21
Enquanto os críticos seguem atacando o livro didático “Por Uma Vida
Melhor”, o qual é acusado de ensinar os alunos a escrever de forma
contrária à norma culta, entidades nacionais de educação permanecem na
defesa do material. Cinco entidades subscreveram um nota oficial,
baseada em depoimento da pesquisadora Marlene Carvalho, onde qualificam
as críticas como “infundadas, além de contribuírem para o preconceito e a
discriminação social”. Algumas das instituições insinuam até que o pano
de fundo dos ataques é, na verdade, mercadológico, já que a obra foi
produzida sem a participação direta de nenhuma das principais editoras
de material didático que atuam no Brasil.
“Tenho procurado discutir a legitimidade dos falares populares, a
necessidade de reconhecer que a língua dos pobres tem regras próprias,
expressividade e economia de recursos”, diz a professora Marlene
Carvalho, que é professora aposentada da Universidade Católica de
Petrópolis (UCP) e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). “Não é prestigiada socialmente, não tem valor no mercado
de empregos de colarinho branco, não é admitida na Academia, mas, do
ponto de vista linguístico, é tão boa quanto o dialeto chamado padrão. A
diferença maior é que os falantes do dialeto padrão têm o poder
político, social e econômico que falta aos pobres”.
Em outro trecho, o depoimento que serviu de base à nota oficial diz
que “não cabe à escola ignorar, ou censurar as variantes populares, mas
sim respeitar a fala dos alunos e, ao mesmo tempo, ensinar a todos a
empregar também a norma culta em ocasiões sociais que exigem um registro
formal da língua”. Chama a polêmica de “estéril”, insinuando que os
críticos não leram a obra de forma adequada. E conclui: “uma ou duas
frases, fora do contexto do capítulo, estão sendo utilizadas para
condenar um livro e a posição da autora em favor da língua dos pobres”.
A nota é assinada pela Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (Anped), pela Associação Nacional de Política e
Administração da Educação (Anpae), pela Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), pelo Centro de Estudos
Educação e Sociedade (Cedes) e pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE).
“É preciso reconhecer e respeitar o protagonismo do professor”
O material didático que motivou a polêmica pertence à série “Viver,
Aprender” e foi produzido conjuntamente por 14 professores, envolvidos
em uma organização não governamental (ONG) chamada Ação Educativa. O
material foi aprovado para uso no Programa Nacional do Livro Didático do
MEC, e destinado a uso em programas de Ensino a Jovens e Adultos (EJA).
A parte polêmica refere-se à introdução da obra, que diferencia a norma
culta da linguagem falada pelos alunos no dia a dia. Um dos trechos
mais criticados diz que, dependendo do caso, não é errado dizer “nós
pega o peixe”, ainda que isso não encaixe nas regras de concordância da
linguagem culta. “Posso falar ‘os livro’? Claro que pode”, diz um dos
trechos, explicando em seguida que isso seria compreendido em uma
conversa do dia a dia, mas seria inadequado em situações onde a norma
culta é mais indicada.
Outra entidade a manifestar-se em defesa do material didático é a
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Na nota, a
entidade defende a capacidade técnica e os critérios rígidos de ensino
seguidos durante todo o processo de elaboração da obra. “O estudante de
EJA enfrenta diversos obstáculos para continuar seus estudos, como a
baixa autoestima causada pela defasagem idade/ série e a necessidade de
dividir seu tempo e sua dedicação com trabalho, escola e família. A
escola tem por obrigação ajudá-lo nesse processo. Reconhecer suas
vivências, sua cultura, seu conhecimento, sua linguagem é o primeiro
passo”.
Logo depois, a Undime explicita sua preocupação com as pressões
mercadológicas que podem estar guiando boa parte das críticas ao livro.
“É preciso garantir que os argumentos sejam expostos, lidos,
interpretados sem conceitos preestabelecidos e que não haja manipulação
por interesses políticos ou econômicos o que, sabe-se, é difícil de
acontecer em um programa do porte do PNLD e que envolve o mercado
editorial”. A nota, assinada pela presidenta da Undime, Cleuza Rodrigues
Repulho, termina de forma incisiva. “Acaso o exemplo do livro, relativo
à variante popular da norma culta, fosse “tava” (estava) ou expressões
de cacofonias comumente usadas “lá tinha” ou “por cada”, a polêmica
seria tão grande assim? É preciso reconhecer e respeitar o protagonismo
do professor no processo de ensino-aprendizagem. É ele o profissional
preparado para essa mediação e esse debate”.