sábado, 30 de junho de 2012

Um relampejo na memória social latino-americana


Em cartaz no Brasil, o filme “Violeta se fue a los cielos” debruça-se sobre a trajetória da artista chilena Violeta Parra

Deni Ireneu Alfaro Rubbo no BRASIL DE FATO

Representar avatares de personagens históricos, ainda mais aqueles de vida e obra carregadas de explosão e tortuosidade, na tela do cinema sempre trará incontornáveis riscos. Aplausos, vaias. Ainda mais quando o campo social contemporâneo está completamente dominado pela cultura da imagem e do visual.  Por exemplo, em Bird (1987), de Clint Eastwood, que procura dar luz e imagem ao percurso rebelde do músico Charlie Parker, a preocupação parece ter se centrado mais na reconstituição e recuperação estética dos lugares e objetos da época, expressando, no fim das contas, uma repetição do que é meramente representado, contemplação resignada, ou melhor – para ficarmos na expressão do crítico marxista Fredric Jameson –, um “pastiche nostálgico”, típico de uma época sedenta pelo espetáculo da estética.
Mas talvez seja exatamente o conteúdo do perigo dessa empreitada, da possibilidade da experiência vivida do contrassenso, que instigue ainda alguns (poucos) autores à sua realização. Porque apresentar e trazer à tona qualquer trajetória herética de um aventureiro(a), no sentido amplo e positivo da palavra, é também rememorar e sacudir o pensamento e a sociedade de determinada época. Assim, abrem-se fendas, bifurcações que buscam (re)colocar utopias e projetos da memória social coletiva e atualizá-la, transformando cinzas em fogo. Trata-se de uma preocupação, a um só tempo, que envolve a dimensão estética e política, forma e conteúdo.

“Violeta se fue a los cielos”, de Andre Wood (diretor do filme Machuca), em cartaz no Brasil, vem estimular esse terreno debruçando-se sobre a trajetória de Violeta Parra, uma querida personagem ainda pouco difundida no Brasil. Mulher. Chilena. Latino-americana. Mãe. Poetisa. Comunista. Índia. Pobre. Rebelde. Violeta nasce em 1917, no mês da revolução de Outubro. As marcas que leva no rosto a vida inteira são frutos deixados pela varíola contagiada durante a infância, que nutre para sempre insegurança com sua beleza. Vestia-se com a mesma simplicidade de uma camponesa, conservando os cabelos compridos e quase despenteados, em qualquer lugar que estivesse. Fez arte do bordado, da pintura, da cerâmica e, sobretudo, cantou: “a criação é um pássaro sem plano de voo que nunca vai chegar em linha reta”. Nas décadas de 1950 e 1960, sua criação barroca ecoou, continentalmente e universalmente, em meio a gerações vencidas que entoaram seu grito em diversas contestações nos países em que triunfava o partido dos vencedores provisórios, tanto em regimes de terror burocrático quanto em regimes de acumulação capitalista fordista.

Andarilha, como Che Guevara, Violeta viajou para muitas regiões, sempre junto de seus filhos, buscando e coletando a riqueza da música folclórica chilena e latino-americana, parte de extrema sensibilidade do filme de Wood. Certamente, foi pioneira em sua busca por uma música de raiz genuinamente popular, semelhante a muitos sambistas no Brasil. Considerava pertencer à linha musical da tradição camponesa, cantava sem artifícios, rusticamente, e quando sua doce voz se entrecruzava com os dedilhados no violão, como as mãos que se juntam de casais na primeira vez, parecia brotar da terra como um vulcão. Seguindo a estirpe dos românticos, amou loucamente e, por isso mesmo, jamais seus relacionamentos tiveram um curso sereno. Seu suicídio não foi exclusivamente amoroso, mas também por ter visto a dificuldade da universalização de uma cultura milenar relegada (“o mundo é maior do que eu imaginava”, diz à sua filha) ao passado em nome da técnica e do progresso que jamais evitaram os grandes desastres na periferia do capitalismo.
É preciso dizer, por fim, que o filme também contém suas fragilidades. As tensões entre vida privada e contexto político e social que vivia o país chileno, sem contar as mutações do mundo da Guerra Fria, são excessivamente suavizadas. Como se fossem secundários os cruzamentos dos ritmos sociais e culturais regionais e mundiais que eivavam à época, e como se isso não tivesse significado na formação da visão de mundo da folclorista chilena. É imperativo, no entanto, juntar os pedaços – ou os cacos, como preferem alguns – que fizeram sua materialização. É difícil também entender como o filme conseguiu simplesmente ignorar personagens que tiveram uma aproximação – inclusive pessoal – tão íntima com Parra como, por exemplo, o músico e diretor de teatro Victor Jara, assassinado pela contrarrevolução chilena, e o poeta Pablo Neruda.

Nesses casos, contudo, as músicas e os poemas sempre parecem salvar qualquer dificuldade que o filme supostamente apresenta. Talvez seja aquele paradoxal caso, mas não tão raro, de desencontro entre ritmo da protagonista e do filme – evidentemente, com a primazia do primeiro em relação ao segundo. Amamos Violeta, mas titubeamos se temos o mesmo sentimento apaixonado sobre o filme.
Em todo caso, o expectador brasileiro terá a oportunidade de conhecer essa artista tão autêntica e multifacetada, tão perigosa quanto uma guerrilheira. Para mais do que nunca, costurar, cantar e lutar pela radical diversidade na radical unidade latino-americana dos subalternos, nos milhares de “notas de pé de página”, como poderia dizer o escritor argentino Rodolfo Walsh, de ontem e hoje, dos sem-teto, dos sem-terra, dos camponeses, dos indígenas, dos operários, enfim, do conjunto heterogêneo da classe trabalhadora. Gracias Violeta. 

Deni Ireneu Alfaro Rubbo é cientista social.

Fala-se em nome dos pequenos agricultores, mas, de fato, beneficiam-se os grandes grileiros'

 Gabriel Brito, da Redação-Colaborou Valéria Nader   





Cada vez mais, os grandes debates políticos e projetos de infraestrutura são cercados pelas questões ambientais, levantando posturas apaixonadas e açodadas, mas nem sempre respaldadas por alguma profundidade argumentativa e conceitual. Tal vazio verificou-se novamente com a recém-encerrada Conferência Rio+20, promovida pela ONU em reedição da célebre Eco-92. Com a diferença de que o tema da preservação ambiental adquiriu centralidade muito maior nesses últimos 20 anos, sendo o Brasil palco de extremadas contradições na área.

Após aprovar uma nova versão do Código Florestal, do agrado dos ruralistas e bombardeado por todas as vertentes do ambientalismo, a presidente Dilma Rousseff fez todo o esforço possível para angariar ao país uma imagem vanguardista de responsabilidade ambiental. No entanto, na análise de José Juliano de Carvalho Filho, entrevistado pelo Correio da Cidadania, tal visão simplesmente “não se aplica à realidade dos fatos da macroeconomia brasileira”.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), todas as medidas do governo em questão no campo vêm no sentido de prejudicar a preservação ambiental, além de favorecer a concentração de terras. “Fala-se em nome dos pequenos agricultores, mas, de fato, beneficiam-se os grandes grileiros, abrem-se terras ao mercado e permite-se o avanço das monoculturas”, critica, deixando claro que o mesmo vale para outras decisões, como as MPs 422 e 458, também em benefício do agronegócio e em detrimento do meio ambiente e da justiça fundiária.

Para além das discussões nacionais, Juliano desacredita de cima a baixo os novos conceitos de responsabilidade ambiental que o capitalismo tentar erigir e dos quais já se apropria. “Não sei se defino ‘economia verde’ como camuflagem, enganação, talvez falte um termo elegante. É preciso uma ruptura com a forma capitalista, principalmente o capitalismo financeiro, e tirar tudo da mão do mercado para se almejar uma ‘economia verde’. Essas conferências servem como um espaço pra discutir, aumentar a conscientização, mas o fato é que os Brics e os países ricos não se comprometeram em nada. Não se trata de ver quem é de direita ou esquerda, a coisa é transversal, todos adotaram esse modelo macroeconômico”, resume.

A entrevista completa pode ser conferida a seguir.

Correio da Cidadania: Como o senhor avalia o novo Código Florestal aprovado no Congresso e o processo político que conduziu a este novo Código?

José Juliano de Carvalho Filho: Acho que segue aquilo que sempre acontece na nossa organização histórica, desde a escravidão. Um código que criou necessidades. Quem criou tais necessidades não foi o país, foram os ruralistas. O processo, em minha opinião, é uma história antiga, de duas vertentes, a do latifúndio e a ambiental. A tática foi criar um clima de insatisfação com o Código Florestal que vigorava e depois colocar o bode na sala. A partir disso, com o bode na sala (as propostas ruralistas), mal cheiroso, se discutiu o Código e suas alterações.

Dessa forma, foi um avanço muito grande em prol dos interesses dos chamados ruralistas – digo “chamados” porque deve ser a classe mais poderosa do país. Vai implicar em impactos muito negativos. Ainda estou tentando estudar se a MP editada pelo governo melhora ou piora a situação, mas o fato é que, comparando com o código anterior, esse é muito pior, pois permite mais derrubada de reservas, transformação legal de propriedades enormes em várias propriedades pequenas, consolidação de áreas agrícolas, além de outras contravenções do campo, como a anistia a crimes ambientais, contando também com uma justiça patrimonialista a serviço do latifúndio. São contraventores do campo, não querem recompor área, desmataram, grilaram.

O fato é que, no contexto geral, aumentou-se a vulnerabilidade da conservação ambiental brasileira, com claras vantagens aos ruralistas.

Correio da Cidadania: O que pensa dos argumentos que ressaltam que o Código supostamente protege os pequenos agricultores, o que se daria, por exemplo, pela não exigência de recomposição da reserva pra propriedades de até 4 módulos fiscais?

José Juliano de Carvalho Filho: É o agravante: discursar em favor dos pequenos. É idêntico ao que aconteceu no programa Terra Legal, por exemplo. Fala-se em nome dos pequenos, mas, de fato, beneficiam-se os grandes grileiros, abrem-se terras ao mercado e permite-se o avanço das monoculturas.

Em relação às populações tradicionais, continuarão como pobres brasileiros. Em linhas gerais é isso, com consonância muito grande com as medidas que passaram a ser editadas desde o fim do primeiro mandato de Lula, tais como as MPs que legalizaram grilagem e titulação de terras, dificultando algumas lutas indígenas pela terra, por exemplo. Não podemos esquecer de vários casos, como o dos guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul, em que se chegou a uma situação de barbárie total, com assassinatos, suicídios, esquartejamentos de índios, o que temos visto fartamente no noticiário.

É tudo muito consistente da parte deles, pois mexem com todas as regras passíveis de serem burladas. É o mesmo discurso da Transposição das águas do São Francisco, do Terra Legal etc. Faço trabalhos no campo desde os anos 70, já cansei de presenciar casos de políticas para o campo anunciadas como benéficas ao pequeno agricultor e que na verdade os prejudicava. Quando se dava crédito para pequenos em alguma área, eram as grandes empresas quem pegavam, de fato, os créditos subsidiados. A história se repete, com as mesmas relações sociais. Agora é a mesma coisa com o Código Florestal, chegando a um ótimo resultado em favor dos ruralistas. O país pagará tanto em danos sociais como ambientais.

Correio da Cidadania: Ou seja, têm sido, realmente, muitas e notórias as MPs que, nos últimos anos, beneficiam o latifúndio e os ruralistas, em detrimento da pequena produção e da agricultura familiar. E os governos Lula e Dilma seguem a tendência, certo?

José Juliano de Carvalho Filho: Sem dúvidas. Desde o final do primeiro governo Lula. A partir disso, editaram-se as MPs 422, 458 e tivemos o Terra Legal.

São duas questões a respeito da política agrária: se pegarmos todos os documentos de política agrária do PT, à época da primeira campanha vitoriosa, e também da segunda, tudo que define reforma agrária, ou seja, mexe com a estrutura agrária, como a revisão dos índices de produtividade, foi sumindo. Não ficou nada, de modo que não há compromisso do governo com a reforma agrária.

Paralelamente, podemos elencar mudanças nas políticas agrárias, com medidas que invariavelmente beneficiam o agronegócio. É uma mistura de capital fundiário de pessoas que investem no Brasil em parceria com “brasileiros” (entre aspas, porque o capital e seus agentes não têm pátria), avançando cada vez mais sobre as terras. A cana tem capital externo, o petróleo tem, e essa é a regra geral em nossas commodities. Como exemplo, no estado de São Paulo, os índices de Gini eram razoáveis, mas agora o estado é dominado pela cana, que vai crescendo sem parar, e o índice de Gini só se deteriora.

De um lado, uma série de medidas que favorecem o agronegócio e, por outro, uma série de medidas que dificultam a vida dos pequenos agricultores. Agora vemos projetos de políticas que visam criar obstáculos para a titulação e homologação de terras indígenas e quilombolas. De vez em quando se faz um mise en scène, mas os fatos são esses.

Com as alianças que fez pra governar, vemos que o governo acabou refém dessa classe ultraconservadora e nociva.

Correio da Cidadania: Em sua opinião, o governo Dilma já deixou clara sua política para o campo? Ela pode vir a beneficiar em algum momento a agricultura familiar e a reforma agrária?

José Juliano de Carvalho Filho: Acho que ainda não está claro. Mas, novamente, pegando os documentos da campanha presidencial, em determinado trecho vemos que tanto Serra, candidato do PSBD, quanto Dilma, candidata do PT, com suas coligações e tal, ao apresentarem seus programas no TSE mostraram as semelhanças na “política” agrária. Assim como na Carta aos Brasileiros, do Lula, neste caso os dois programas deixaram claro, além dos discursos e convenções, que ninguém tinha compromisso com a reforma agrária. O documento do programa petista terminou apenas com generalidades.

No máximo, a Dilma poderia fazer algo como o Lula, ou seja, algumas pequenas medidas em favor dos pequenos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Entretanto, fazendo políticas que beneficiam acima de tudo o agronegócio em termos estruturais. O problema é que não se coloca a questão da propriedade como origem da pobreza e desigualdade social, o que é uma “aparente” contradição do programa petista.

Os ministérios da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário fazem política à parte um do outro. Aquilo que se entende como pequena política ficou subalterna; negros, pobres, índios, sem terras, podem fazer o que quiserem desde que não incomodem. Se começam a incomodar a grande política, isto é, aquilo que gira em torno da macroeconomia...

Não tenho esperança de grandes mudanças no mandato da Dilma. Os programas do PT têm a tendência de superconcentrar as terras e deixar avançar as grandes monoculturas de exportação. Já as MPs de benefício ao agronegócio tornam o governo refém de suas contradições políticas, o que redunda em políticas pífias para a reforma agrária. O que funciona mesmo é essa sustentação macroeconômica encampada pelo governo e suas metas. Temos uma especialização e reprimarização retrógradas, como diz o professor Reinaldo Gonçalves, opinião da qual compartilho.

Correio da Cidadania: Como o senhor situa as intervenções de Dilma, que não seguiu a campanha maciça de setores mais progressistas pelo veto ao novo projeto de Código Florestal, sancionando-o com 12 vetos e 32 emendas?

José Juliano de Carvalho Filho: É difícil responder com convicção, porque o melhor seria ter em mãos todas as versões: o Código Florestal anterior, de 1965, o novo, e aquelas versões que passaram e foram alteradas pela Câmara e Senado, comparando-as ponto a ponto e tendo uma avaliação mais concreta. É preciso ter cuidado com as matas ciliares, propriedades familiares, as águas... Tudo isso tem sido feito em prejuízo do meio ambiente, a exemplo também da questão das áreas consolidadas. É preciso ver tudo detalhadamente pra saber o que pode depois ser revertido na justiça. Mais que isso, não posso dizer ainda.

Correio da Cidadania: Como o senhor tem visto a atuação dos movimentos sociais, aqueles ligados ao campo em particular, bem como sua relação com o atual governo?

José Juliano de Carvalho Filho: Sou a favor dos movimentos, de modo que toda crítica que faço é no sentido construtivo, pois é neles que vejo esperança de mudanças reais na sociedade. Mas estão tímidos frente ao governo. Claro que fazem suas reivindicações por aí, mas estão tímidos. Reforma agrária e justiça no campo sempre foram conquistas, não concessões, mas as pressões por cooptação são muito fortes. E os movimentos deveriam estar mais agressivos.

Correio da Cidadania: O que pensa do papel jogado pelo Brasil, e da imagem que o país tentou vender de si, na conferência Rio+20? A propaganda oficial de desenvolvimento sustentável, com a exploração de “energia limpa”, condiz com nossa realidade?

José Juliano de Carvalho Filho: O papel do Brasil é uma grande contradição. Falando do documento final, de acordo com o próprio secretário da ONU, podemos falar que foi fraco. Não há medidas imediatas, de modo que é um fracasso maior ainda que a Eco-92, que pelo menos tinha propostas. O conceito de sustentabilidade não se aplica à realidade do nosso país e, na verdade, desde o documento que o criou, em 1987, não existiu de fato. Os povos do campo estão sendo prejudicados por essas medidas de dita sustentabilidade. Foi uma conferência muito fraca, do G-7 só a França esteve realmente presente, de modo que não saiu nada de muito importante desse encontro. Fica uma mistura de posições, ninguém sabe direito o que é isso (desenvolvimento sustentável), e todo mundo usa o conceito.

Correio da Cidadania: Falando em conceito, o que o senhor teria a dizer sobre a “economia verde”, a grande novidade no vocabulário do capitalismo global?

José Juliano de Carvalho Filho: O mercado se apropriou dessa história e começou a falar em “verde”. Um exemplo de agora, pequeno, mas emblemático do que acontece, é essa história das sacolinhas de supermercado. São eles, os supermercados, que vão mudar a cultura nacional sobre preservação ambiental? Na verdade, apenas defendem seu interesse econômico, que também está envolvido, uma vez que forneciam as sacolinhas gratuitamente aos seus clientes. A imagem que o Brasil deixou foi um pouco superior pela falta de representação dos outros países. Mas os resultados são fracos. Quais são os resultados e compromissos? Nenhuns.

Não sei se defino “economia verde” como camuflagem, enganação, talvez falte um termo elegante. Cada um entende de um jeito e passa a imagem de estar fazendo algo pela preservação. É o capitalismo buscando novas formas de se reproduzir. Com o atual momento, a Europa em sua crise não resolvida, além da concentração de renda de alguns países, é uma roupagem nova.

Não vejo esperanças de economia realmente verde, não vejo compromissos realmente sérios e um freio na acumulação capitalista. São questões políticas importantes e diretamente relacionadas. É preciso uma ruptura com a forma capitalista, principalmente o capitalismo financeiro, e tirar tudo da mão do mercado para se almejar uma “economia verde”.

Outro exemplo é esse mercado de carbono, que não faz sentido, seria muito melhor taxar as empresas poluidoras. Uma empresa poluidora compra créditos de Moçambique, polui por lá, contamina grande parte do meio ambiente local, das águas, e ficamos assim. Acontece aqui no Brasil também.

Essas farsas de mercado não vão deixar de seguir a lógica do capital. Daqui a pouco vão comercializar o ar que o teu neto vai respirar no futuro, vai tudo pro mercado. Dessa forma, tal como já vemos acontecer, teremos a monopolização das águas e bens naturais mais essenciais. Empresas como Nestlé e Coca Cola estão adquirindo territórios que lhes garantem abastecimento de água, o que na verdade é uma apropriação da natureza. A Monsanto é outro exemplo dessa monopolização, como se vê com as sementes, enquanto as propostas e denúncias da Via Campesina, ainda que sendo as melhores para os povos, são ignoradas.

Lendo os cientistas (aqueles que merecem consideração), vemos que podemos atingir um desequilíbrio mundial sem retorno, com falta de bens naturais, aumentando ainda mais a pobreza, a barbárie, as disputas, impedindo os agricultores de terem sementes, tendo que se suprir de Monsantos e afins... Tais conferências e governos beneficiam esse modelo, dando pouca esperança para a humanidade.

Servem como um espaço pra discutir, aumentar a conscientização, mas o fato é que os Brics e os países ricos não se comprometeram em nada. Não se trata de ver quem é de direita ou esquerda, a coisa é transversal, todos adotaram esse modelo. Usam seus argumentos de sustentabilidade e o mundo se encaminha para mais desastres, prejudicando as populações mais pobres, um dos resultados mais diretos desse “desenvolvimento sustentável”. Os resultados pífios, mornos, da reunião não mudarão isso. E o modelo macroeconômico do país beneficia tal lógica destrutiva. Elogiei algumas medidas do governo Lula, mas elas vêm acompanhadas dessas histórias, do aumento da força da monocultura e da concentração de terras. Os camponeses saem do campo, vão pra cidade e vemos se agravarem as questões agrárias, sociais e ambientais.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania; Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.

Fundamentalismo: muçulmano, judeu ou cristão?

Quem é o fundamentalista?


 
Definitivamente a mídia continua tratando seus leitores como idiotas.
Insiste em criar slogans usurpadores para catequizar os incautos.
De um lado temos o Ocidente Cristão “tolerante e democrático”.
De outro o Oriente muçulmano  “intolerante e fundamentalista”.
O Ocidente é representado por Estados Unidos e Europa.
O Oriente por Iraque, Líbia e Afeganistão ( não por coincidência nações invadidas, ocupadas e saqueadas”).
E a estes três últimos querem acrescentar a Síria e Iran e em quem mais eles estiverem cobiçando.
Enfim, de um lado temos os “tolerantes cristãos” e de outro os “fundamentalistas muçulmanos”.
Mas espera aí.
O Iraque de Saddam Hussein tinha como vice-presidente um cristão.
Em que país cristão há algum vice-presidente muçulmano?
No Afeganistão dos Talibãs  havia uma Mesquita de Maria.
Alguém conhece alguma igreja ou templo no Ocidente democrático de nome Muhamad?
Isso, claro, para ficar na superfície do texto.
Alguém pode dizer quando o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, a Síria ou Iran invadiram o Ocidente Cristão?
Não preciso perguntar quantas vezes o Ocidente cristão invadiu aqueles países.
Qualquer leitor minimamente ilustrado sabe  que o Ocidente Cristão fez e ( e continua fazendo) de sua razão a invasão, ocupação e saque de nações.
E não precisa ir longe.
A nossa maltratada America é um excelente exemplo.
Claro também que posso citar a África e a Ásia.
Agora falemos de Israel que, segundo seus psicopatas dirigentes, estaria ameaçado pelo muçulmano Iran.
Porque um dirigente iraniano “teria ameaçado os judeus de extinção”.
O interessante é que no Iran vivem mais de 35 mil judeus que vivem de acordo com os preceitos da religião judaica.
E jamais foram perseguidos ou maltratados.
Mas falemos de Israel, lamentavelmente, um posto militar euro-ocidental a serviço dos Estados Unidos.
Como os “judeus” foram parar ali?
Fugindo dos cristãos ocidentais.
Que jamais cessaram de persegui-los.
Basta consultar menos a mídia e mais a História para verificar essa verdade.
Foram os ocidentais cristãos que perseguiram  e maltrataram os judeus durante séculos.
Ao contrario dos muçulmanos, que sempre os abrigaram.
A lista é longa, longuíssima, mas esse é um simples blog e não uma defesa de tese.
Mas se você tiver algum tempo consulte a História e veja como Ocidente Cristão manipula vergonhosamente os fatos.
E veja quem é o fundamentalista.
E como a mídia trata os seus leitores como idiotas.
Depende apenas de você.
E abaixo você ouve Moshe Habusha, acompanhado por Ariel Cohen, cantando em árabe Ya Jarat Al Wadi, do egípcio Mohamad Abel-Wahab. Ressalte-se que Moshe possui um conjunto musical especializado em canções clássicas árabes. Muitas delas ele verteu para o hebraico. Eu o considero um dos melhores interpretes de musica árabe em todo o Oriente Médio.
 
 

A grande mídia ataca aprovação de 10% para educação

No blog do LUIZ ARAUJO
 
Os editoriais do Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo do dia de hoje expressam, de maneira límpida e clara, o pensamento do governo e do grande empresariado sobre a aprovação pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados de um percentual de 10% de investimento direto em educação ao final dos próximos dez anos.


Quais são os principais argumentos que a grande mídia, o governo e o grande empresariado enumeram nos dois editoriais:

1. A decisão da Comissão Especial representou um gesto eleitoreiro (“já comas atenções voltadas para a campanha eleitoral”);

2. Foi fruto da pressão das corporações da educação (de “movimentos sociais, ONGs e entidades de estudantes e de professores” ou de “de entidades ligadas ao ensino”);

3. Foi um gesto demagógico e de irresponsabilidade com as finanças nacionais (“Mais uma vez populismo, demagogia e chantagem política dão os braços no Legislativo para maquinar propostas que, sob a aparência de soluções generosas para os males do país, constituem gritante irresponsabilidade financeira” ou “sob o pretexto de valorizar o

magistério público e triplicar a oferta de matrículas da educação

profissional e técnica de nível médio”);

4. Os gastos atuais da educação já se encontram em patamar aceitável e semelhante à de outros países desenvolvidos (“o que está na média dos países desenvolvidos” ou “um percentual compatível com os padrões internacionais”);

5. A educação não precisa de mais recursos e sim gastar os existentes de forma mais responsável (“O problema da educação brasileira, contudo, não é de escassez de

recursos. É, sim, de gestão perdulária”)

6. O agravamento da crise econômica mundial indica que não se deveria apontar para aumentos de investimentos nas áreas sociais (“Como disse a presidente Dilma Rousseff, não é hora nem de promover aventuras fiscais nem de brincar à beira do precipício” ou “Um Congresso mais sério daria sua contribuição para melhorar, e não deteriorar, o quadro econômico”);

7. Certamente o Senado Federal será mais responsável que seus pares da Câmara dos Deputados (“No Senado, o Planalto espera que o projeto seja votado após as eleições, quando os senadores poderão agir mais responsavelmente do que os deputados”);

Não reconheço nos argumentos nada que não tenha sido dito e escrito por diferentes ministros da Educação e da Fazenda dos últimos governos (de FHC, passando por Lula e agora Dilma), mas cabe debatê-los de forma incisiva mais uma vez (e quantas vezes forem necessárias fazê-lo!):

1. As eleições sempre influenciam as decisões do legislativo. É justamente nesta época que os parlamentares precisam medir se seus votos implicarão em prejuízos eleitorais. Considero isso muito positivo, pois tal atitude de ouvir os anseios dos seus eleitores deveria ser seguida durante todo o mandato e não somente nos períodos eleitorais. É direito dos eleitores, dentre eles os milhões que possuem filhos em escolas públicas ou que não conseguiram exercitar este direito de forma plena, cobrar dos seus representantes que votem em propostas que ampliem e/ou consolidem direitos inscritos na Constituição, dentre eles o direito à educação de qualidade para todos e em todos os níveis;

2. Hás um reconhecimento importante feito pelos editoriais: a votação foi fruto da pressão da sociedade civil organizada. É óbvio que o olhar do empresariado (que financia a grande mídia) é que organizações não governamentais, entidades sindicais e estudantis são empecilhos ao desenvolvimento do país, leia-se desenvolvimento pleno do capital sem entraves que limitem a sua “desejável” taxa de lucros. Mesmo de maneira preconceituosa e conservadora os editoriais conseguiram captar uma verdade importante: com luta e organização a sociedade conquista direitos!;

3. Realmente os movimentos sociais se mobilizaram guiados pelo que a mídia chama de “pretexto”. Queremos a garantia plena do direito a educação. Isso significa mais vagas nas escolas (em todas as etapas), crescimento público da oferta de vagas, elevação do padrão de qualidade e assim por diante;

4. E, obviamente, que o centro das críticas é sobre a necessária responsabilidade fiscal e de como devemos enfrentar os efeitos da crise econômica mundial. Aqui fica clara uma concordância do empresariado e do governo: ambos advogam redução de gastos públicos como um bom remédio para equilibrar as finanças nacionais. Não há disposição para cortar recursos destinados aos bancos, especialmente os destinados a pagamentos de amortização, juros e rolagem da dívida pública, que é a principal fonte da crise mundial. Advogam a receita que está destruindo os direitos sociais gregos, portugueses, espanhóis e italianos. Todos que se levantarem contra esta política de jogar nas costas dos trabalhadores o ônus do pagamento de uma crise provocada pelo sistema financeiro serão tratados como “irresponsáveis”, que “querem jogar o país no precipício”. Eles jogaram o mundo no precipício e querem que nós paguemos a conta do resgate;

5. Não é verdade que o dinheiro aplicado em educação em nosso país seja suficiente, mesmo que parte destes recursos seja desviada pela corrupção e pela má gestão. No Nordeste, por exemplo, os governos municipais dispuseram de apenas R$ 1800,00 por aluno ano para garantir funcionamento de suas creches. Sem corrupção renderia um pouco mais estes recursos, mas mesmo assim seriam insuficientes. E temos milhões de brasileiros fora da escola, em todos os níveis e etapas. A campanha Nacional pelo Direito à Educação produziu Nota Técnica que demonstra a necessidade de pelo menos 10% para cumprir as metas necessárias à melhoria da educação brasileira;

6. Não é verdade que nossos investimentos estejam compatíveis com os realizados por outros países desenvolvidos. É necessário analisar duas variáveis: o quanto estes países desenvolvidos aplicaram em educação quando tinham desafios educacionais do tamanho dos que temos hoje no Brasil e qual o universo de educandos que precisam atender proporcionalmente ao PIB de cada país. Quem quiser conhecer melhor os limites destas comparações pode baixar a apresentação feita pelo professor Nelson Cardoso (UFG) em audiência pública da Comissão Especial da Câmara;

7. A esperança do governo, do empresariado e da mídia é que, passadas as eleições, os parlamentares voltem a se comportar de “maneira responsável”, ou seja, que no Senado Federal os nossos representantes ouçam a “voz do mercado” ou a “voz do governo” e tampem os ouvidos para “a voz do povo”. Certamente a sociedade civil organizada trabalhará para que as conquistas arrancadas pela mobilização na Câmara sejam consolidadas e novas conquistas sejam alcançadas.

Os editoriais são uma demonstração nítida de como será travada na próxima etapa de tramitação do Plano Nacional de Educação.

Vivendo no fim dos tempos: o apocalipse do capital



Em seu novo livro, "Vivendo no fim dos tempos" (Boitempo Editorial), Slavoj Zizek defende que o capitalismo global está se aproximando rapidamente da sua crise final.


Ele identifica os quatro cavaleiros deste apocalipse: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais.

Zizek apresenta sua obra como "parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta".

Não deveria haver mais nenhuma dúvida: o capitalismo global está se aproximando rapidamente da sua crise final. Slavoj Žižek identifica neste livro os quatro cavaleiros deste apocalipse: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais. E pergunta: se o fim do capitalismo parece para muitos o fim do mundo, como é possível para a sociedade ocidental enfrentar o fim dos tempos?

Para explicar porque estaríamos tentando desesperadamente evitar essa verdade, mesmo que os sinais da “grande desordem sob o céu” sejam abundantes em todos os campos, Žižek recorre a um guia inesperado: o famoso esquema de cinco estágios da perda pessoal catastrófica (doença terminal, desemprego, morte de entes queridos, divórcio, vício em drogas) proposto pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, cuja teoria enfatiza também que esses estágios não aparecem necessariamente nessa ordem nem são todos vividos pelos pacientes.

De acordo com Žižek, podemos distinguir os mesmos cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. “A primeira reação é a negação ideológica de qualquer ‘desordem sob o céu’; a segunda aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar (‘Se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes...’); quando a barganha fracassa, instalam-se a depressão e o afastamento; finalmente, depois de passar pelo ponto zero, não vemos mais as coisas como ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: ‘Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente’”.

Os cinco capítulos se referem a essas cinco posturas.

O capítulo 1, “Negação”, analisa os modos predominantes de obscurecimento ideológico, desde os últimos campeões de bilheteria de Hollywood até o falso apocaliptismo (o obscurantismo da Nova Era, por exemplo).

O capítulo 2, “Raiva”, examina os violentos protestos contra o sistema global, em especial a ascensão do fundamentalismo religioso.

O capítulo 3, “Barganha”, trata da crítica da economia política, com um apelo à renovação desse ingrediente fundamental da teoria marxista.

O capítulo 4, “Depressão”, descreve o impacto do colapso vindouro, principalmente em seus aspectos menos conhecidos, como o surgimento de novas formas de patologia subjetiva.

E, por fim, o capítulo 5, “Aceitação”, distingue os sinais do surgimento da subjetividade emancipatória e procura os germes de uma cultura comunista em suas diversas formas, inclusive nas utopias literárias e outras.

Žižek é otimista quanto ao que pode surgir desse processo de emancipação e apresenta sua obra como parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta. Para ele, engajar-se nessa luta significa endossar a fórmula de Alain Badiou, para quem mais vale correr o risco e engajar-se num Evento-Verdade, mesmo que essa fidelidade termine em catástrofe, do que vegetar na sobrevivência hedonista-utilitária. Rejeita, assim, a ideologia liberal da vitimação, que leva a política a renunciar a todos os projetos positivos e buscar a opção menos pior.

Trecho do livro

“Essa virada na direção do entusiasmo emancipatório só acontece quando a verdade traumática não só é aceita de maneira distanciada, como também vivida por inteiro: ‘A verdade tem de ser vivida, e não ensinada. Prepara-te para a batalha!’. Como os famosos versos de Rilke (“Pois não há lugar que não te veja. Deves mudar tua vida”), esse trecho de O jogo das contas de vidro, de Hermann Hesse, só pode parecer um estranho non sequitur: se a Coisa me olha de todos os lados, por que isso me obriga a mudar? Por que não uma experiência mística despersonalizada, em que ‘saio de mim’ e me identifico com o olhar do outro? E, do mesmo modo, se é preciso viver a verdade, por que isso envolve luta? Por que não uma experiência íntima de meditação?

Porque o estado ‘espontâneo’ da vida cotidiana é uma mentira vivida, de modo que é necessária uma luta contínua para escapar dessa mentira. O ponto de partida desse processo é nos apavorarmos com nós mesmos.

Quando analisou o atraso da Alemanha em sua obra de juventude Crítica da filosofia do direito de Hegel, Marx fez uma observação sobre o vínculo entre vergonha, terror e coragem, raramente notada, mas fundamental:

É preciso tornar a pressão efetiva ainda maior, acrescentando a ela a consciência da pressão, e tornar a ignomínia ainda mais ignominiosa, tornando-a pública. É preciso retratar cada esfera da sociedade alemã como a partie honteuse [parte vergonhosa] da sociedade alemã, forçar essas relações petrificadas a dançar, entoando a elas sua própria melodia! É preciso ensinar o povo a se aterrorizar diante de si mesmo, a fim de nele incutir coragem.”

Sobre o autor

Slavoj Žižek nasceu em 1949 na cidade de Liubliana, Eslovênia. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós‑modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é diretor internacional do Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck de Londres.

Vivendo no fim dos tempos é o seu sétimo livro traduzido pela Boitempo. Dele, a editora também publicou Bem‑vindo ao deserto do Real!, em 2003, Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917), em 2005, A visão em paralaxe, em 2008, Lacrimae Rerum, em 2009, Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa, os dois últimos em 2011.

Ficha técnica
Título: Vivendo no fim dos tempos
Título original: Living in the end times
Autor: Slavoj Žižek
Tradução: Maria Beatriz de Medina
Orelha: Emir Sader
Páginas: 368
Editora: Boitempo

Fonte: Redação Carta Maior

Um Congresso que debate “cura para gays”: Mais um capítulo da teocracia brasileira


Procurei bastante por aí, mas não encontrei. Até onde pude averiguar, não há precedente moderno, em nação democrática, de um Congresso Nacional prestando-se ao ridículo papel de discutir “cura para homossexuais”. Você encontrará, claro, deputados individuais dando declarações que sugerem “cura para gays”, como é o caso do homofóbico costarriquenho Juan Orozco. Mas não consegui achar, em casa legislativa de país democrático, um vexame comparável ao que se prestou a Câmara dos Deputados brasileira nesta quinta-feira. A Câmara se reuniu para um “debate”, uma audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família, acerca de um pedaço de lixo, em forma de Projeto de Decreto Legislativo, defecado por João Campos, evangélico tucano de Goiás e homofóbico-mor do Congresso. O projeto se arroga o direito de sustar uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que, com muito atraso, em 1999, definiu que os profissionais da área não patologizarão práticas homoeróticas e não colaborarão com serviços e eventos que proponham tratamento e cura da homossexualidade. Como notou Antonio Luiz Costa, da Carta Capital, mais esdrúxulo ainda é que o pseudo-debate, pasmem, foi convocado por um deputado do Partido Verde.

O estado de exceção em que vivemos se converteu em regra a tal ponto que uma monstruosidade dessas é discutida como se se tratasse de um debate razoável, com duas ou mais posições em comparável condição de reinvindicar a razão ou a verdade. O fato é noticiado como se não fosse absurdo. Votações online colocam as opções como se se tratasse de uma escolha entre termos simétricos, e não a justaposição entre uma posição consensualmente científica e um delírio de psicopatas fundamentalistas. No mundo realmente existente, claro, não há qualquer discussão, em nenhuma disciplina séria, sobre se a homossexualidade é ou não é doença, desvio, aberração ou anormalidade a ser curada. Num país em que se assassina um gay ou lésbica (ou cidadã[o] confundido[a] com gay ou lésbica) a cada 36 horas – lembrando sempre que esses números são brutalmente subrreportados –, aceitar um “debate” nesses termos já é, por definição, sujar as mãos de sangue.

É evidente que, no interior de uma sociedade homofóbica, a violência real e simbólica perpetrada contra gays e lésbicas produzirá sofrimento que, em maior ou menor grau, poderá ter consequências que se encaixam entre as tipicamente tratadas num consultório de psicólogo, psicanalista ou terapeuta. Também é evidente que, nesses casos, o que será tratado ou “curado” – e há toda uma discussão sobre o que essa palavra pode significar, seu clássico sendo o Análise Terminável e Interminável, de Freud – não será, jamais, o desejo, a afetividade ou a prática homoerótica em si, e sim a condição produzida no sujeito, seja lá ela qual for, a partir da violência homofóbica. A Resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia simplesmente estabelece, como parâmetro ético inegociável para o exercício da profissão, o reconhecimento desse fato, em conformidade com resolução análoga da Organização Panamericana de Saúde.

Há que se atentar que a iniciativa homofóbica dos Deputados João Campos (PSDB-GO) e Roberto de Lucena (PV-SP) vem, toda ela, embrulhada no discurso da liberdade de expressão.  “Deixa a pessoa ter o direito de ser tratada”, diz a pseudo-psicóloga homofóbica Marisa Lobo, estrela do “debate” e convidada de Gleisi Hoffmann a eventos oficiais no Palácio do Planalto (enquanto a tropa de choque governista nas redes sociais inventa cada vez mais malabarismos para dizer que o governo não tem responsabilidade no surto de assassinatos homofóbicos). A baliza ética expressa na resolução do CFP e universalmente aceita entre profissionais de todas as psicoterapias – a saber, a de que homossexualidade não é doença a ser “tratada” – é apresentada por João Campos nos seguintes termos: “É como se o Conselho Federal de Psicologia considerasse o homossexual um ser menor, incapaz de autodeterminação”. No mundo realmente existente, claro, é o jovem gay de 15 anos de idade, e não a corja fundamentalista, que é morto a pauladas na rua. Mas os nossos Deputados acham que é o seu ódio que ainda está sendo cerceado em seu direito de expressão.

Alguns amigos acharam que minha ênfase, ao longo desta sexta-feira no Twitter, no ineditismo desse fato – um Congresso nacional discutindo o direito de se “curar” gays – era contraproducente. Discordo. É importante afirmar: barbárie como esta que está acontecendo no Brasil é raramente encontrada em sociedades democráticas modernas. O evento desta quinta-feira no Congresso é mais uma reiteração dessa barbárie. A única postura que cabe em relação a esse “debate” é denunciar sua própria existência.

Marcio Porchmann lança "Nova Classe Média?"

Por Caio Zinet
Caros Amigos
Nova-Classe-Media-MPorchman-iDurante a última década, o Brasil vivenciou um intenso fenômeno político e econômico, a ascensão de milhões de pessoas à chamada “nova Classe C”. Para analisar esse novo elemento social brasileiro, o presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Márcio Porchmann, escreveu o livro "Nova Classe Média?" pela editora Boitempo. O livro tem lançamento e debate programados para o dia 29 desse mês de maio, às 19h30, no prédio da Economia da PUC, em São Paulo.
Para o pesquisador há uma disputa sobre o que represente essa nova Classe, principalmente em torno da discussão se ela pertence a um setor da classe média, ou se é um setor da classe trabalhadora. Para ele, essa discussão tem intensas repercussões sobre a atuação e o papel do Estado .
“Se a identidade que nos estamos tendo é a de classe média a pressão para que o Estado subsidie o setor privado tenderá a ser maior. Se nós entendemos que se trata de novos segmentos no interior da classe trabalhadora a pressão é de outra natureza”, afirmou.
Ele traçou ainda um perfil dessas novas pessoas que ascenderam da base da pirâmide social, que pare ele escaparam da influência das instituições políticas democráticas. Para ele isso tem repercussões importantes na política brasileira.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Caros Amigos - Quais são as principais características dessa nova classe C?

Marcio Porchmann - Ao meu ver todo esse processo não constituiu o surgimento de uma nova classe, pelo contrário são segmentos novos no interior da classe trabalhadora. Essa ascensão tem características muito individualistas, muito movidas pelo próprio consumo. É um segmento especialmente concentrado no setor de serviços, e que as instituições civil-democráticas, como por exemplo, associações de bairro, associações estudantis e de trabalhadores, os próprios partidos políticos, não conseguiram capturar.
Esse segmento ascende, emerge, mas é movido fundamentalmente pelo consumo. Isso é até natural, eu diria. Nós tivermos durante a década de 1970 outro momento de ascensão social importante, especialmente porque durante esse época vivenciamos o chamado “milagre econômico”, quando a economia cresceu em média 10% ao ano. Então houve um forte crescimento econômico que foi puxado pelos empregos na indústria. Nessa época a mobilidade social foi muito forte, porque eram as pessoas que vinham do campo, ainda nos anos 1960 e 1970 havia o campo que não conhecia luz elétrica, água encanada, etc.
Essas pessoas vieram para as grandes cidades basicamente por conta do emprego industrial, só que as cidades brasileiras não estavam preparadas para receber esse fluxo de imigrantes que vinham do campo e do interior do Brasil e com isso as pessoas acabaram indo morar nas favelas, onde não tinham acesso a água encanada, luz elétrica, etc. É dessa época parte significativa das favelas nas grandes cidades do Brasil. Isso gerou um estranhamento, e esse estranhamento na segunda metade dos anos 1970 foi de alguma maneira capturado por instituições que se formaram durante a transição política brasileira, da ditadura para o regime democrático. Instituições como as comunidades eclesiais de base, associações de bairro, o próprio renascimento do movimento estudantil, o renascimento do sindicalismo, a construção dos partidos políticos, e a transição para a democracia, e até mesmo a constituição de 1988 que de certa maneira é fruto do que aconteceu com esse novos segmentos emergentes que eram basicamente classe trabalhadora do ramo industrial. Eles foram protagonistas dessa transição.
O que nos estamos vendo agora é que o setor que é protagonista na geração de emprego nessa primeira do século XXI é o setor de serviços, e aí são postos de trabalho vinculados a atividades de terceirização, por exemplo, atividades temporárias. É um segmento que não tem suas aspirações capturadas pelas instituições democráticas, e isso aponta para um segmento onde justamente uma das características é a baixa escolarização.
É um segmento, que obviamente, depende do desenvolvimento econômico e da geração de empregos. Por outro lado se mostra conservador em outros valores como é o caso da pena de morte, religião, aborto, assim por diante. Então as características desse segmento são até naturais na medida em que não tenham um envolvimento com instituições democráticas. Esse é o desafio, eu diria assim, do movimento estudantil e sindical. Nós tivermos 1 milhão de estudantes de origem humilde que ascenderam ao nível superior por conta do ProUni (Programa Universidade para todos), por exemplo. Então esse segmento que ascendeu, de certa maneira, não foi fortalecer, não foi fazer parte do movimento estudantil, que é uma das instituições importantes da democracia. Em um país que não tem tradição democrática como é o nosso, que é um país que completou agora 50 anos de experiência democrática em 500 anos de história, isso é um fato bastante significativo a ser considerado.

CA - A inserção dessas pessoas se deu pela via do consumo, mas pouco pela via do direito. Quais as consequências disso?

MP - Se não tiver a cultura política o que ocorre é que cada um acha que a ascensão dependeu do seu próprio esforço físico, porque afinal de nova-classe-media-icontas foi ele que conseguiu o emprego, esse emprego veio com melhor salário e permitiu a ele ascender socialmente, então dá a perspectiva individualista, porque na verdade está faltando a cultura política. A expansão do emprego foi fruto de uma decisão política de uma nova maioria que se constituiu no país a partir de 2003 que entendeu que o Brasil não poderia mais seguir em uma trajetória de voo de galinha, que cresce um pouco um ano, no outro não crescia, que foi a experiência dos anos 1990.
A falta de uma política leva a esse quadro de uma visão mais individualizada. Ao mesmo tempo esses novos segmentos que ascenderam que são trabalhadores que não poupam, e que têm toda sua renda adicional voltada para o consumo, está sendo visto por alguns como nova classe média. O que está por trás disso é uma disputa sobre como deve ser a atuação do Estado, porque se eu identifico que esses segmentos são de estratos de classe média, o que está por trás disso não é a defesa, por exemplo, de políticas públicas universais. A classe média está preocupada com a educação e a saúde privada, está interessada em uma previdência privada, então isso é uma lógica diferente daqueles que nós poderíamos entender como sendo a de uma classe trabalhadora que está preocupada com políticas universais, como saúde e educação pública de qualidade.
Então esse é o embate que tem repercussões grandes no papel do Estado. Porque se a ideia é de classe média possivelmente a ação do Estado tende a ser cada vez mais dissociada de políticas voltadas para a universalização.
Durante os anos 1990 tinha-se uma clareza que o Estado não era eficiente, de que eficiente era o setor privado. Agora que essa tese, digamos assim, caiu, porque o Estado se mostrou absolutamente necessário. Agora se inicia um debate sobre como o Estado deve atuar, especialmente em termos de políticas públicas. Como se coloca esse dinheiro na sociedade, se é subsidiando a iniciativa privada. A receita federal, por exemplo, subsidia o gasto da saúde privada, da educação privada, da previdência privada, da assistência privada dos segmentos de maior renda no país. Porque quando você declara o imposto de renda pode-se abater do valor devido esse tipo de gasto. Então o Estado brasileiro financia o gasto privado nas áreas de educação, saúde, etc., desses segmentos que declaram imposto de renda, que não são os pobres.
Então se a identidade que nós estamos tendo é a de classe média, a pressão para que o Estado subsidie o setor privado tenderá a ser maior. Se nós entendemos que se trata de novos segmentos no interior da classe trabalhadora a pressão é de outra natureza.

CA - Essa política de crédito é uma política que pode se manter no longo prazo?

MP - A inteligência da política pública desde o início do governo Lula foi de viabilizar maior renda para esses segmentos da base da pirâmide social para ampliar o consumo, e ao ampliar o consumo nós fomos gradualmente ocupando a capacidade ociosa das empresas sem a necessidade de grandes investimentos. Agora estamos em condições mais difíceis para viabilizar essa perspectiva porque já há certa saturação da capacidade ociosa, e o grande desafio colocado é o do investimento, da ampliação da capacidade produtiva para atender as possibilidades de incorporação de novos segmentos, e ao mesmo tempo gerar empregos de classe média tradicional como bancários, professores. Mas isso só virá em grande quantidade com a ampliação nos investimentos, porque com mais investimentos se amplia a capacidade produtiva, o que significa a incorporação de novas tecnologias e a necessidade de incorporação de trabalhadores com maior escolaridade típica de classe média. O desafio, portanto, passa a ser o investimento e parece que o governo brasileiro está inclinado nesse sentido, especialmente quando nós olhamos as medidas mais recentes de reforço do setor produtivo com os subsídios fiscais, a queda na taxa de juros, as medidas de desvalorização da moeda. Esse conjunto de ações muito positivas está culminando para que o investimento produtivo ganhe maior dimensão.

CA - As condições de emprego que foram geradas durante a última década são diferentes das que foram geradas durante a década anterior?

MP - De fato o grosso das ocupações geradas foi de remuneração ao redor do salário mínimo, mas eu entendo que foi fundamental a geração desse universo de vagas, porque se nós tivéssemos gerados empregos tradicionais de classe média, esses segmentos que foram beneficiadas não teriam chance de disputar esses postos de trabalho, por terem um perfil em sua maioria de baixa escolaridade e de certa maneira ficariam marginalizados de empregos de maior requisito de contratação. Então é isso que explica o sucesso brasileiro de permitir que a inclusão social fosse o motor principal do próprio dinamismo econômico que inverteu a lógica anterior de crescer para depois distribuir. Para dar continuidade a essa política de mobilidade social é preciso de empregos de maior qualidade.

CA - Quais são os principais desafios do governo com relação a esse novo fenômeno?

MP - Inegavelmente você entra no tema de reformas, nós temos um padrão de arrecadação de recursos pelo Estado brasileiro que reforça a desigualdade, porque se arrecada fundamentalmente dos pobres e não dos que têm mais dinheiro. O Estado, nesse sentido, mostra que é muito forte para arrecadar dinheiro do pobre, mas é muito fraco para arrecadar dinheiro dos mais ricos. E esse tipo de receita, que é uma receita regressiva, não ajuda a diminuir a desigualdade, pelo contrário. Do ponto de vista do gasto do Estado nós percebemos que também não há um padrão homogêneo de intervenção do Estado. Por exemplo, na área de assistência social eu diria que é um padrão de característica social-democrata porque os segmentos mais pauperizados é que são beneficiados pelas políticas de assistência social. O mesmo não pode-se dizer em relação ao tema cultural, por exemplo. O Estado brasileiro, seja União, governos estaduais ou municipais não coloca os principais aparelhos de cultura na periferia, que é onde o povo pobre está. Os principais aparelhos culturais estão nas áreas mais ricas. Se olhamos do ponto de vista dos bancos, especialmente dos públicos, a presença dos bancos não estão nos pequenos municípios de maneira mais organizada. Nas favelas a mesma realidade. Então nós ainda temos um serviço bancário público em um formato para um segmento de renda um pouco maior. Portanto a reorientação do papel do Estado com esse olhar de enfrentamento da pobreza e da desigualdade é um grande desafio.