Wladimir Pomar no Correio da Cidadania | |
O fim da civilidade, decretado pela direita tucano-pefelista, neste
último mês de campanha, está trazendo à luz pelo menos três aspectos da
realidade brasileira.
Primeiro, a natureza reacionária e antidemocrática dos novos
representantes políticos da burguesia financeira e da burguesia agrária.
Segundo, a oposição de grandes parcelas das camadas populares e das
classes médias a tal reacionarismo. E, terceiro, as clivagens da
esquerda diante dessa polarização.
A nova direita política é, em grande parte, formada por parcelas
oriundas da intelectualidade política democrática e de esquerda que se
defrontou com a ditadura militar. No curso da emergência das lutas
operárias e populares e da formação do PT, assim como da ofensiva
ideológica e política do neoliberalismo, muitos de seus membros se
transformaram no oposto do que representaram no passado.
Com isso, repetem uma experiência histórica peculiar da esquerda
brasileira, que teve em Carlos Lacerda seu expoente mais significativo.
Quem conheceu esse personagem da história brasileira certamente se
lembrou dele ao assistir ao candidato Serra deblaterando sobre a suposta
tolerância de Lula com "quem rouba", e qualificando a candidata Dilma
de "envelope fechado". A grande desvantagem de Serra é que não tem a
oratória de Lacerda, nem um ambiente de conspiração militar
generalizada. Mas a natureza golpista e reacionária é a mesma.
Essa truculência tucano-pefelista também está colocando em evidência
algo que uma parte da esquerda se nega a ver. Isto é, que grandes massas
do povo brasileiro consideram as atuais eleições como um acerto de
contas com a herança de FHC e depositam uma firme confiança em Lula e no
PT. Ou seja, além de encararem as atuais eleições como polarizadas e
plebiscitárias, grandes parcelas do povo estão convictas de que as
mudanças implantadas pelo governo Lula, mesmo contendo erros e
problemas, relacionados ou não com suas alianças políticas, apontam para
um caminho seguro de transformação social e política.
Uma parte da chamada esquerda democrática se encontra perdida na enseada
tucano-pefelista, sem se dar conta de que está dormindo com o inimigo. É
doloroso ver candidatos dessa esquerda, com discursos de mudanças
democráticas e populares, sendo apresentados por FHC, Serra, César Maia e
outros personagens que quase quebraram o Brasil e levaram o povão ao
desemprego e à miséria.
A parte da esquerda que se considera revolucionária está na oposição.
Embora procure se distanciar da direita que também é oposição, seu
inimigo principal e alvo de seus ataques tem sido o governo Lula e a
esquerda que apóia Dilma. Na prática, o povão acaba confundindo-a com
seus inimigos de direita.
A maior parte da esquerda, que apóia Dilma, também se debate diante da
realidade complexa do país. Isto parece ser mais evidente dentro do PT,
onde havia uma corrente que pregava abertamente a impossibilidade de uma
eleição polarizada e trabalhava para construir pontes com o tucanato. A
evolução da campanha eleitoral, apesar da ausência de ataques petistas
ao tucanato, está demonstrando que aquela corrente estava totalmente
enganada, pelo desconhecimento da natureza antidemocrática e reacionária
do tucano-pefelismo.
Também é dentro do PT que continuam se apresentando brechas relacionadas
com a tibieza em adotar procedimentos ideológicos, políticos e
organizativos condizentes com um partido de esquerda que quer
transformar o Estado e a sociedade. Um partido desse tipo não pode ter
aloprados, filiados facilmente cooptáveis por dinheiro fácil, nem
agentes infiltrados que possam navegar tranqüilamente por suas fileiras.
Se o PT não adotar procedimentos que o blindem contra os arrivistas e
oportunistas que procuram fazer carreira em qualquer partido que seja
governo, aquelas brechas podem se tornar voçorocas, deixando-o indefeso
diante das armações que tendem a crescer nas disputas institucionais.
Nessas condições, a vitória do PT e Dilma não representará apenas um
acerto de contas com a ideologia e as políticas neoliberais, condensadas
na candidatura Serra. Nem apenas um impacto muito sério na esquerda que
se aliou à direita, formal ou informalmente, nos ataques ao governo
Lula e à candidatura Dilma. Ela deverá representar também uma
reestruturação ideológica, política e organizativa do PT, se esse
partido quiser enfrentar com sucesso os desafios para aprofundar as
mudanças democráticas, econômicas e sociais que as camadas populares
reclamam.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
O futuro da esquerda
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