‘Por que vou para Gaza’ |
Escrito por Iara Lee - Correio da Cidadania | |
Em alguns dias eu serei a única brasileira a embarcar num navio que
integra a Gaza Freedom Flotilla. A recente decisão do governo
israelense de impedir a entrada do acadêmico internacionalmente
reconhecido Noam Chomsky nos Territórios Ocupados da Palestina sugere
que também seremos barrados. Não obstante, partiremos com a intenção de
entregar comida, água, suprimentos médicos e materiais de construção às
comunidades de Gaza.
Normalmente eu consideraria uma missão de boa vontade como esta
completamente inócua. Mas agora estamos diante de uma crise que afeta os
cidadãos palestinos criada pela política internacional. É resultado da
atitude de Israel de cercar Gaza em pleno desafio à lei internacional.
Embora o presidente Lula tenha tomado algumas medidas para promover a
paz no Oriente Médio, mais ação civil é necessária para sensibilizar as
pessoas sobre o grave abuso de direitos humanos em Gaza.
O cerco à Faixa de Gaza pelo governo israelense tem origem em 2005, e
vem sendo rigorosamente mantido desde a ofensiva militar de 2008-09, que
deixou mais de 1.400 mortos e 14.000 lares destruídos. Israel argumenta
que suas ações militares intensificadas ocorreram em resposta ao
disparo de foguetes ordenado pelo governo do Hamas, cuja legitimidade
não reconhece. Porém, segundo organizações internacionais de direitos
humanos como a Human Rights Watch, a reação militar israelense tem sido
extremamente desproporcional.
O cerco não visa militantes palestinos, mas infringe as normas
internacionais ao condenar todos pelas ações de alguns. Uma reportagem
publicada por Anistia Internacional, Oxfam, Save the Children e CARE
relatou que "a crise humanitária (em Gaza) é resultado direto da
contínua punição de homens, mulheres e crianças inocentes e é ilegal sob
a lei internacional".
Como resultado do cerco, civis em Gaza, inclusive crianças e outros
inocentes que se encontram no meio do conflito, não têm água limpa para
beber, já que as autoridades não podem consertar usinas de tratamento
destruídas pelos israelenses. Ataques aéreos que danaram
infra-estruturas civis básicas, junto com a redução da importação,
deixaram a população de Gaza sem comida e remédios de que precisam para
uma sobrevivência saudável.
Nós que enfrentamos esta viagem estamos, é claro, preocupados com nossa
segurança também. Anteriormente, alguns barcos que tentaram trazer
abastecimentos a Gaza foram violentamente assediados pelas forças
israelenses. No dia 30 de dezembro de 2008, o navio ‘Dignity’ carregava
cirurgiões voluntários e três toneladas de suprimentos médicos quando
foi atacado sem aviso prévio por um navio israelense, que o alvejou três
vezes a aproximadamente 90 milhas da costa de Gaza. Passageiros e
tripulantes ficaram aterrorizados, enquanto seu navio fazia água e
tropas israelenses ameaçavam com novos disparos.
Todavia eu me envolvo porque creio que ações resolutamente não
violentas, que chamam a atenção ao bloqueio, são indispensáveis para
esclarecer o público sobre o que está de fato ocorrendo. Simplesmente
não há justificativa para impedir que cargas de ajuda humanitária
alcancem um povo em crise.
Com a partida dos nossos navios, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy
mandou uma carta de apoio aos palestinos para o governo de Israel. "Eu
me considero um amigo de Israel e simpatizante do povo judeu" escreveu,
acrescentando, "mas por este meio, e também no Senado, expresso minha
simpatia a este movimento completamente pacífico… Os oito navios do Free
Gaza Movement (Movimento Gaza Livre) levarão comida, roupas,
materiais de construção e a solidariedade de povos de várias nações,
para que os palestinos possam reconstruir suas casas e criar um futuro
novo, justo e unido".
Seguindo este exemplo, funcionários públicos e outros civis devem exigir
que sejam abertos canais humanitários a Gaza, que as pessoas recebam
comida e suprimentos médicos, e que Israel faça um maior esforço para
proteger inocentes. Enquanto eu estou motivada a ponto de me integrar à
viagem humanitária, reconheço que muitos não têm condições de fazer o
mesmo. Felizmente, é possível colaborar sem ter que embarcar em um
navio. Nós todos simplesmente temos de aumentar nossas vozes em protesto
contra esta vergonhosa violação dos direitos humanos.
Iara Lee é cineasta brasileira de origem coreana e está na flotilha
humanitária que levava suprimentos à Faixa de Gaza quando foi atacada
pelo exército israelense em águas internacionais, o que causou a morte
de onze voluntários turcos.
|