Por Cristina Soreanu Pecequilo
Os
Estados Unidos enfrentam gradual perda de espaços estratégicos,
proporcionais a sua crise e à vitalidade das “novas nações”. Mesmo que
lenta, e até negada pelos que discordam das hipóteses do declínio, esta
redução de projeção e de eficiência é concreta, caracterizada por um
avanço gradual das nações emergentes em alianças de geometria variável,
organizações internacionais governamentais e em zonas de influência
tradicionais do ocidente com a América Latina e África.
Enquanto a sociedade norte-americana e a
europeia continuam dando sinais de desgaste, os emergentes ocupam
espaços econômicos e políticos. Neste cenário destacam-se a eleição de
José Graziano da Silva como chefe da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), a presença de Lula como chefe da Missão
Diplomática na África para a 17ª Assembléia da União Africana, a
inclusão da África do Sul nos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China),
dentre outros. Com isso, os Estados Unidos enfrentam gradual perda de
espaços estratégicos, proporcionais a sua crise e à vitalidade das
“novas nações”.
Mesmo que lenta, e até negada pelos que discordam das hipóteses do
declínio, esta redução de projeção e de eficiência é concreta,
caracterizada por um avanço gradual das nações emergentes em alianças de
geometria variável, organizações internacionais governamentais e em
zonas de influência tradicionais do ocidente com a América Latina e
África. No Oriente Médio observam-se as Primaveras Árabes e a
dificuldade em sustentar no poder regimes aliados autoritários,
controlar as transições posteriores depois da queda destes aliados e, em
países não aliados, acelerar as movimentações populares para recuperar
espaços como na Líbia ou na Síria. Independente do desfecho que venha a
ter a situação de Kadafi na Líbia, incluindo o recente mandato para sua
prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional, é patente a
dificuldade da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Desde a
autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas (em votação na
qual os emergentes se abstiveram, Brasil, Rússia, Índia e China, ao lado
da Alemanha), a OTAN tem bombardeado fortemente o território líbio, sem
solução decisiva, subestimando a resistência do regime vigente.
Frente a esta realidade, desde a morte de Osama Bin Laden em maio de
2011, o Presidente Barack Obama tem empreendido uma significativa
ofensiva externa, acompanhado pela Secretária de Estado Hillary Clinton.
Tal ofensiva, além de representar um reposicionamento tático da
administração democrata visando ocupar espaços internos diante da
fragmentada oposição republicana, demonstra uma real preocupação dos EUA
com a crescente perda de espaços estratégicos.
A ofensiva, entre maio e junho, consistiu-se em quatro frentes, em ordem
cronológica: Oriente Médio e Norte da África, emergentes, África e
Afeganistão. Comum a todas, a “disposição” norte-americana em ajudar
aliados democráticos, mas, ao mesmo tempo, em reafirmar liderança. Outro
fator de convergência é a resposta aos emergentes. Em termos
específicos, a preocupação em sinalizar ao público doméstico que as
ações externas não significam desatenção aos problemas internos, mas que
a América precisa continuar presente no mundo.
No que se refere ao Oriente Médio e Norte da África, o discurso de Obama
em 19 de maio de 2011, ecoou o de janeiro de 2009 sobre a importância
da democracia na região, sob o signo de uma realidade diferenciada. Se
em 2009 a região mantinha-se à margem dos movimentos populares, em 2011,
a mesma tornou-se foco de renovadas dimensões sociais, muitas
contrárias aos interesses norte-americanos como no caso do Egito. Obama
procurou recuperar a influência na região, por meio de propostas de
parcerias comerciais e um “Plano Marshall” para o desenvolvimento local.
Retomou a iniciativa no processo de paz Israel-Palestina por meio da
proposta de constituição do Estado palestino nas fronteiras pré-Guerra
de 1967, sustentada na resolução 242 da ONU. A proposta, mesmo pelos
palestinos, foi recebida com desconfiança, e, em Israel e nos EUA, sob
protestos, o que a coloca em xeque. Uma proposta real? Ou uma tentativa
de desacelerar o processo de reaproximação entre facções palestinas,
Hamas e Fatah?
Somado a estes questionamentos, mencionou-se a ausência da Árabia
Saudita no texto, que recebeu diversas interpretações: a permanência da
tolerância com o regime ou um “recado” indireto pedindo mudanças
pró-democracia?
O tom “propositivo e positivo” foi substituído por Obama e, depois
Hillary Clinton, por “alertas” aos emergentes e sobre os mesmos. No
primeiro caso, diante do Parlamento britânico em 25 de maio, o
presidente deixou claro que os EUA não se encontram em declínio e que a
ascensão da China, Índia e Brasil é condicionada à hegemonia. O
argumento central é que sem a liderança prévia dos EUA para estabilizar o
sistema internacional política e economicamente, provendo-o de
estruturas de governança, o crescimento dos emergentes não seria
possível. A prevalência do “velho” mundo anglo-saxônico ocidental sobre
os “novos” pólos permanece.
Chegando à África, o teor é similar. Se em Westminter o “alerta” foi
para a conformação dos emergentes à ordem, em visita a diversos países
africanos para lançar pacotes de ajuda para o desenvolvimento (Ato de
Crescimento e Oportunidade Africano), a Secretária de Estado Hillary
Clinton “avisou” os africanos dos riscos de um novo colonialismo. Este
novo colonialismo seria praticado pela China e pela Índia,
principalmente a China via assistência financeira e projetos de
infraestrutura. A natureza da empreitada sino-indiana consistiria,
ainda, na busca de mercados, e no acesso a bens primários (alimentos e
minérios) e ao gás e petróleo africanos. Além disso, e nesta equação se
incluiria o Brasil, os emergentes estariam projetando seu poder no
continente visando objetivos políticos próprios. Paradoxalmente, o
mecanismo que Hillary critica é reprodução daquele desenvolvido pelas
potências europeias no ciclo imperialista do século XIX e XX, ao qual os
EUA se associaram posteriormente.
A repercussão das palavras da secretária foi vista de forma crítica. Se
há espaços no continente é porque o mesmo esteve colocado à margem dos
fluxos internacionais. A “redescoberta” norte-americana da África é
produto da percepção de que o vácuo está sendo ocupado e que será
preciso mais do que acenos positivos e discursos para recuperar espaço.
Por sua vez, os emergentes mantiveram sua postura. Isto sinaliza seu
reposicionamento político diante da hegemonia com uma ação mais autônoma e mais descolada de pressões e contenções.
Finalmente, o Afeganistão. Ainda que o discurso de Obama de 22 de junho
tenha sido recebido como uma declaração de mudança de missão, seu
conteúdo, pelo menos o da retirada das tropas até 2014, era
razoavelmente conhecido desde o encerramento oficial da missão militar
do Iraque. A principal diferença reside, portanto, na velocidade da
intervenção, encerrando em 2011 a ofensiva que se prolongaria até 2012. A
fala de Obama foi uma reação ao corte de verbas pelo Congresso e à
queda de apoio à guerra e à Presidência. Mais do que no Afeganistão, a
decisão residiu em Washington visando 2012.
Os resultados da ofensiva são parciais: geram visbilidade, mas não
revertem em apoio sustentado à Casa Branca. Para a maioria da opinião
pública, o principal problema dos EUA é econômico e os demais temas a
ele se subordinam. No campo internacional, as relações entre o “novo e o
velho” mundo reproduzem dinâmicas de reação e contra reação do líder.
Diferente do passado, talvez a “troca” hegemônica do século XXI não
ocorra por guerras mundiais, mas sim por um avanço e recuo mútuo de
posições estratégicas, que, enquanto não finalizado, alternará momentos
de estabilização e crise, no centro e na periferia do poder.
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Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Fonte:
Carta Maior