sexta-feira, 23 de março de 2012

Engodos e subterfúgios para descumprir o piso

Boletim da CNTE

Há tempos a CNTE tem afirmado que a Lei do Piso representa mais que uma legislação restrita aos interesses do magistério, na medida em que força a moralização e a transparência das contas públicas. Inadmissível, portanto, é a insistência de governadores e prefeitos em alegar falta de verbas para honrar a lei federal do piso, sem que apresentem uma única prova, à luz dos limites legais do marco regulatório do financiamento da educação (art. 212, CF e art. 60, ADCT-CF), sobre as pretensas contingências orçamentárias.
Após constatarem a crescente força da mobilização dos trabalhadores em educação de todo país, que promoveram greve nacional na última semana, alguns gestores passaram a municiar parte da mídia com informações sobre a incompatibilidade do piso com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Alegam estarem impedidos de promoverem a valorização da carreira do magistério em razão dos limites impostos pela LRF. Contudo, em momento algum, manifestam compromisso em abrir a “caixa-preta” dos gastos públicos para mostrar à sociedade onde estão sendo aplicados, de fato, os recursos da educação.
Outros gestores, contrariando o princípio jurídico de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la, dizem esperar a publicação do índice de atualização do piso em ato administrativo do MEC, numa inadmissível ignorância sobre a autocorreção assegurada no art. 5º da Lei 11.738. Ao Ministério da Educação, registre-se, compete o papel de induzir o cumprimento da legislação, por parte de estados e municípios, e de efetuar a suplementação financeira onde houver (comprovadamente) limitação de recursos para honrar o piso.
Desde 2009, contrariando a tese da falta de recursos, nenhum estado ou município brasileiro conseguiu provar com base nos requisitos listados na Portaria MEC nº 213/2011, a incapacidade financeira para honrar o piso na carreira do magistério. A mencionada portaria exige nada mais que o cumprimento das legislações básicas do marco regulatório educacional, coisa que quase todos os entes da federação não conseguem comprovar. Há, no entanto, quem alegue – e com razão – que também falta ao MEC divulgar os critérios de repasse da suplementação financeira ao piso, mas essa omissão do Ministério, embora reprovável, não impede que qualquer ente federativo que prove os requisitos da Portaria/MEC tenha acesso ao direito líquido e certo previsto no art. 4º da Lei 11.738. O problema, todavia, reside na prova da aplicação correta dos recursos educacionais, coisa que estados e municípios não fazem desde o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.167), quando o Supremo Tribunal Federal rejeitou o discurso evasivo da falta de recursos.
Sobre a (pseudo) celeuma em torno da incompatibilidade do piso com a LRF, vale destacar o Parecer nº 1/2007 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que esclarece o caráter de preservação do limite (mínimo) constitucional destinado à manutenção e ao desenvolvimento do ensino – fonte de financiamento dos salários do magistério e dos demais profissionais da educação – devendo o mesmo ser absorvido (integralmente) no cômputo das despesas de pessoal da LRF. Em outras palavras: desde que a carreira do magistério (e dos demais profissionais da educação) se enquadre no percentual constitucional vinculado à educação (25% no mínimo da receita de impostos e de transferências da União a estados e municípios), não há que se falar em descumprimento da LRF. Se assim não fosse, o compromisso firmado na meta 17 do projeto de lei do Plano Nacional de Educação seria considerado natimorto, pois não haveria possibilidade de equiparar a remuneração média do magistério à de outros profissionais com mesmo nível de formação acadêmica. Portanto, os ajustes para a LRF têm que ser feitos em outras áreas, e nunca dentro das verbas vinculadas à educação.
Diante do cenário de amplo descumprimento da lei do piso do magistério, a CNTE reforça o compromisso de mobilização nos estados e municípios, através de seus sindicatos filiados, visando o pleno cumprimento da Lei 11.738, ao mesmo tempo em que convida os gestores públicos compromissados com a educação de qualidade a lutarem por 10% do PIB para a educação, em âmbito do PNE. A Confederação também requer das administrações públicas o compromisso com a transparência dos recursos e o controle social, devendo o pacto pela educação proposto pelo ministro Mercadante caminhar no sentido da regulamentação do regime de cooperação institucional, onde a partilha do bolo tributário seja calibrada tanto pela capacidade contributiva de cada esfera (União, Estados, DF e Municípios) como pelo esforço fiscal (art. 75, I da LDB) dos entes federados em cumprirem com suas prerrogativas constitucionais – inclusive a de universalização das matrículas escolares com padrão de qualidade.
Importante dizer que o expressivo percentual de atualização do Piso, em 2012, que cumpre o objetivo de reparar a histórica defasagem salarial do magistério, tem como fator de indução (negativo) a diminuição das matrículas de estudantes nas redes públicas. Ou seja: ao não investirem na erradicação do analfabetismo e na inclusão de todas as crianças e jovens na escola, os entes federados – além de negarem um direito social previsto na Constituição – deixam de acumular mais verbas para a educação com base nos valores per capita do Fundeb, diga-se de passagem, ainda insuficientes. Com isso, os percentuais de reajuste do Fundo da Educação Básica e do Piso do Magistério, obtidos da relação entre a receita tributária e as matrículas, ao invés de aumentarem por pressão social sobre o orçamento, tendem a crescer em função da grave omissão do Poder Público em colocar na escola todas as crianças e jovens que dela estão fora.
Em suma: as contas públicas e a gestão educacional, a exemplo da relação professor-aluno no sistema de ensino, são a fonte para entender o (des)cumprimento do piso. Abrir esse debate na sociedade, tornando pública as contas da administração, é o primeiro passo para sanar a confusão que se tenta criar em torno dessa importante política pública, vital para o desenvolvimento sustentável do país.

A EXTREMA DIREITA E OS ATENTADOS NA FRANÇA

Mauro Santayana



A polícia francesa se encontrava, na noite de ontem, mobilizada a fim de identificar o homem que matou quatro pessoas, entre elas três crianças, e feriu outras, em uma escola judaica de Toulouse. Houve, tanto em França, como em Israel, preocupação em culpar os demônios do momento, ou seja, os “terroristas muçulmanos”. Antes de qualquer manifestação das testemunhas, os meios de comunicação e os porta-vozes oficiais quiseram inculpar os islamitas. Coube aos próprios policiais relacionar o atentado contra a escola judaica de Toulouse à morte de dois paraquedistas franceses, e graves ferimentos em dois outros, na mesma região, nestes mesmos dias, e de forma semelhante.
O detalhe que Tel Avive esqueceu: os dois paraquedistas mortos em Montauban, a 40 quilômetros ao norte de Toulouse, quinta-feira passada, eram muçulmanos, do norte da África: Abel Chenouf e Mohamed Legouard. Um terceiro muçulmano, Imad Ibn Ziaten também militar e igualmente paraquedista, fora alvejado na mesma cidade de Toulouse, no domingo anterior. Em todos os atentados, o assassino usava uma motocicleta. A arma que matou os soldados franceses é do mesmo calibre da que foi usada na escola judaica, ontem pela manhã. Apesar disso, há ainda quem tente atribuir os dois atentados aos muçulmanos. Quando examinamos os fatos com ódio, ou com leniência, é difícil ver as coisas em sua clareza. E há quem atribua os crimes aos muçulmanos em razão de seu próprio e calculado interesse.
Tudo é possível, em atos semelhantes, mas os primeiros indícios relacionam a brutalidade do matador de crianças judaicas à rearticulação da extrema direita racista na Europa de hoje. O atentado de Toulouse lembra - ainda que o número de vítimas tenha sido menor - a chacina da Noruega, plenamente assumida por um neonazista. As elites européias repetem os mesmos movimentos econômicos, políticos e culturais que promoveram, nos anos 20 e 30, o nazifascismo no continente, com os resultados conhecidos. Quando perceberam que Hitler tinha seu próprio projeto de ditadura universal, era quase tarde. Só a resistência desesperada dos russos, na defesa de sua pátria, pôde conte-los e empurra-los de volta a Berlim, onde foram vencidos. É de se ressaltar, também, o heróico sacrifício dos ingleses, durante os ataques aéreos sistemáticos a Londres e a outras cidades.
Os novos nazistas são os velhos nazistas e já não se inibem em manifestar-se. Um membro do SPD, Thilo Sarrazin, nascido no mesmo ano da derrota alemã, 1945, publicou violenta proclamação racista contra os muçulmanos - por ironia, seu sobrenome, vindo do francês, significa Sarraceno. Não poupou, como bom nazista, os judeus, insistindo na tese de que eles têm um gene particular e único. Seu livro “Deutschland Schafft Sich Ab” (A Alemanha se destrói) está sendo dos mais vendidos nos país. Apesar do caráter nazista do livro, o SPD ainda não o expulsou de seus quadros. Depois da morte de Willy Brandt, muitos socialistas alemães em nada diferem de seus adversários da CDU.
O caso mais grave, neste momento, é o da Hungria, onde o primeiro ministro Viktor Orban retorna aos anos terríveis da ditadura de Horthy, com a censura à imprensa e o racismo ensandecido. As milícias de seu partido, o “Jokkib”, semelhantes às S.A. dos nazistas, estão caçando ciganos a porretadas e aterrorizando as aldeias do país. Na Itália, os neofascistas atuam com toda ousadia, desde que Berlusconi, à frente de seu partido de extrema direita, assumiu o poder.
Para eles, judeus e muçulmanos pertencem a um só grupo de “inferiores” que devem ser eliminados, em nome da pureza dos soi-disant arianos. Em nosso país há também os que defendem a pureza racial européia e o seu direito a nos dominar. É hora de contê-los, antes que se faça tarde. Não podemos tolerar nenhuma violência racista, seja contra judeus ou muçulmanos, negros ou nordestinos. Se outra razão não houvesse, a imensa maioria de brasileiros é constituída de mestiços, e temos nos dado muito bem com essa mescla de sangues e de culturas diferentes.