Turistas, de John Stockwell, é mais um roteiro com uma coleção de descabidos estereótipos sobre o Brasil que revelam o ranço da xenofobia e da ignorância típica do descomprometido cinema de entretenimento americano.
Silas Martí
Nós somos feios, sujos, selvagens e malvados. Eles são belos, ricos e inocentes. O Brasil é um país miserável e perigoso, onde todos são traidores e brutos. Não há infra-estrutura, nem autoridades. Nada funciona, as praias são tomadas pelo som de rap, violência desregrada, caipirinha, açaí e sexo fácil. Exuberante só a natureza, ainda assim tomada por saúvas carnívoras. Esse é o Brasil do filme Turistas, de John Stockwell, que chega nesta sexta-feira, 16, aos cinemas.
Na trama, um grupo de jovens turistas americanos e europeus tiram férias em busca de sol, aventura e mulheres, mas acabam sendo vítimas de um esquema de contrabando de órgãos liderado por um psicopata numa cidadezinha em algum lugar do litoral. Os turistas são mantidos em jaulas e têm os rins retirados para abastecer o mercado negro e vez ou outra salvar uma criancinha vitimada pela violência carioca.
Os estrangeiros todos falam a mesma língua, são todos loiros de olhos azuis e unem-se frente às atrocidades de um paraíso enganador. Os nativos são quase todos negros, com trejeitos indígenas, que rosnam e grunhem em vez de falar. É a selvageria do país incorporada aos costumes dos seqüestradores do grupo de mochileiros.
Num roteiro de excessos, cada fotograma parece jorrar sangue. Os capangas a serviço da máfia dos órgãos amarram as vítimas em pedaços de pau e os carregam como fariam selvagens imaginários em rituais canibais. O líder do bando fura o olho de um rival com um espetinho de queijo coalho, enquanto um dos turistas sutura um corte na cabeça de um brasileiro acidentado com um grampeador.
Turistas segue a linha de outras produções sobre estrangeiros em terras longínquas e cruéis como A Viagem (Brokedown Palace, 1999), de Jonathan Kaplan, A Praia (The Beach, 2000), de Danny Boyle, e o recente O Albergue (The Hostel, 2006), dirigido por Eli Roth e produzido por Quentin Tarantino. A diferença entre as produções é que, no caso do filme ambientado no Brasil, o país foi a bola da vez na onda de caricaturas grotescas a serviço do entretenimento barato.
Mas interpretar o filme como um ataque direto a um país específico seria dar crédito demais à produção, que não tem ambições políticas ou intelectuais. O roteiro original previa que a história se passasse na Guatemala, mas, segundo a produção, a falta de estrutura daquele país deslocou o enredo e elenco para o Brasil. É só mais um roteiro com o ranço da xenofobia e da ignorância, que poderia se passar na Indonésia, Camboja ou qualquer outro paraíso tropical procurado por americanos e europeus.
Num único momento em que parece haver o esboço de um discurso político, o médico responsável pela retirada dos órgãos, interpretado pelo brasileiro Miguel Lunardi, recapitula o histórico colonial do país. Lembra que, no Brasil, já foram explorados açúcar, ouro e borracha e descamba para a baboseira ao afirmar que é a hora da vingança com o roubo de fígados e rins dos filhos das potências imperialistas.
Se não fosse ficção tão ruim, poderia causar acidentes diplomáticos. Nos Estados Unidos, a campanha publicitária do filme apresenta o Brasil como uma terra selvagem, onde vale tudo. Mas, pensando bem, para eles, poderia ser qualquer lugar ensolarado bem distante da bonança norte-americana.