segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Direitos democráticos. E seletivos?

Para a grande mídia, a democracia para o povão é como o pão faltando para Maria Antonieta: por que não comem brioches, ora...

Brizola Neto no Tijolaco

A mídia está “indignada” com a quebra do sigilo fiscal de alguns altos tucanos. Um crime – não é possível usar meias palavras para o que é este acesso ilegal – que, até agora, carece de autoria mas, sobretudo, de motivação. Precisa, também, de uma mudança de nome porque o que existe, até agora, é o acesso ilegal, mas não o vazamento de informações sigilosas porque, exceto no caso de Eduardo Jorge, que tem tido a visita frequente a estes dados por ordem – e parece que também sem ordem – judicial, nada vazou. O caro leitor viu ou ouviu algo sobre o que conteriam as tais declarações violadas? Não? E espero que nenhum de nós venha a ouvir nada sobre elas, senão em razão de investigações fiscais ou judiciais, que é a única maneira legal e correta de que venham a público tais informações.
Embora, como eu tenha deixado claro, não tenha a menor condescendência com quem agiu assim – e quem teve a vida familiar devassada como os Brizola fala isso de cadeira – é estranho que nossa imprensa não demonstre nada parecido com a santa ira de que está possuída agora, quando se trata de outros atentados à democracia.
Não me recordo de um editorial dizendo que os níveis de pobreza do Brasil eram um atentado à democracia. Ou de que é uma vergonha um país imenso como o nosso tenha tanta gente sem um pé-de-chão. Ou que o lucro dos bancos brasileiros é obsceno e transfere para quem não produz e não apóia a produção boa parte da renda do trabalho, das pensões e aposentadoria e das empresas que produzem e empregam.
Não me lembro de nada disso; estarei desmemoriado? Mesmo as matérias sobre as deficiências na saúde e na educação eu só as vejo quando os governantes estaduais ou municipais não são da predileção da grande mídia.
O estado democrático de direito, que inclui, pela nossa Constituição, os sigilos bancário, fiscal e telefônico é, também, condicionado ao “dono” . O sigilo fiscal de Guilherme Estrella, diretor de Exploração da Petrobras foi violado em plena tribuna do Senado e não houve um artigozinho condenando.
E o estado democrático de Direito, para a nossa mídia, não inclui os direitos sociais do povão. Qualquer melhoria para ele é “demagogia”, “populismo”, “clientelismo”. Governante que os promove, mesmo sem tirar nada de quem tem, é “messiânico”, “personalista”, “ignorante”.
As próprias garantias do pleito democrático são abertamente manipuladas. Serra tenta impugnar a candidatura Dilma com argumentos pífios, que não podem ser considerados sequer numa conversa de botequim e o máximo que se ouve é que isso é um erro. Um ex-presidente como FHC escreve e assina nos jornais, hoje, um artigozinho em que pede o mesmo – “chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas (pelo prestígio de Lula), senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso” – e não se considera isso uma ameaça à democracia.
Vejam bem: acham absurdo um presidente pedir votos e não acham um absurdo um ex-presidente, que tem candidato – pedir a cassação do registro da candidata favorita, que tem 50% ou mais da intenção de voto popular.
Nos custou muito atingir a democracia e, mesmo demorados, ela nos deu os frutos que colhemos agora. Nossa democracia, a depender de nossa imprensa, é assim: todos os direitos para poucos- “os nossos” – nenhum direito para muitos, “essa ralé”.
A democracia brasileira, para não ser uma fantasia, depende da democracia da informação. Com esta mídia, teremos nela, sempre, um inimigo da democracia real. Porque ela é parte de uma elite que despreza o povo brasileiro. E, quando o povo é desprezado, que democracia pode haver?

O pulso do tempo

Luís Carapinha*
Luís Carapinha 

«A ascensão contemporânea da China, indissociável do caminho iniciado com a revolução de 1949 e a fundação da República Popular (…) transformou-se numa fixação obsessiva para as grandes potências capitalistas e acima de tudo os EUA que a encaram como uma ameaça maior económica e, a prazo, militar.»

A elevação da China à condição de grande potência económica não é coisa de somenos. Depois de, em 2007, ter ultrapassado a Alemanha, os dados trimestrais do PIB divulgados em Agosto mostram que a China já é a segunda maior economia do globo, atrás dos EUA. Posição que, tudo indica, conservará no final de 2010, relegando para o degrau inferior o Japão que, desde o desaparecimento da URSS, era a segunda economia mundial.
O país mais populoso do planeta é já o maior exportador mundial e detentor das maiores reservas cambiais. A China, que não faz parte do clube selecto capitalista do G7 (G8 com a Rússia atrelada), ostenta também o maior volume de investimento interno do mundo (mais do dobro do Japão em 2009).
Números, porém, que não fazem perder a noção da realidade à direcção chinesa. Em termos relativos, o PIB per capita chinês ocupa globalmente uma posição modesta (embora aumente consideravelmente se considerada a paridade de poder de compra).
De Pequim, a China continua a ser vista como um país em desenvolvimento, que se encontra ainda na fase primária da construção socialista. O crescimento económico e das forças produtivas permanece a prioridade central, ao mesmo tempo que as cavadas desigualdades e os desequilíbrios que acompanharam as taxas de crescimento sem precedentes registadas nas últimas três décadas, passaram a ser uma preocupação de primeira ordem do PCCh e do Estado chinês.
Se é verdade que as contradições e enormes desafios enfrentados pelo processo do «socialismo com características chinesas» não podem ser subestimados, muito menos pode ser ignorado o significado do impetuoso desenvolvimento económico, tecnológico e social do antigo império do meio para os povos do mundo e as forças da paz e progresso social.
A ascensão contemporânea da China, indissociável do caminho iniciado com a revolução de 1949 e a fundação da República Popular – deixando para trás um século de guerras do ópio e subjugação semi-colonial ao imperialismo –, transformou-se numa fixação obsessiva para as grandes potências capitalistas e acima de tudo os EUA que a encaram como uma ameaça maior económica e, a prazo, militar. A urgência de intimidação da China levou a que a escalada provocadora movida desde Washington atingisse neste Verão níveis inauditos com a realização de manobras militares em série e a presença de um inusitado potencial bélico de última geração dos EUA nos mares que confinam com as águas territoriais chinesas.
A Coreia do Sul e o Japão aliaram-se à provocação deliberada. A pretexto do estranho afundamento do vaso de guerra sul-coreano Cheonan – em que a RPDC já negou responsabilidades – e coincidindo com os 60 anos do início da guerra da Coreia, Washington foi ao ponto de acordar com Seul a realização mensal de manobras até ao final do ano (R. Rozoff, Global Research, 18.08.10). Manobras militares dos EUA que se estendem ao Mar do Sul da China: é evidente que o imperialismo está a procurar envolver militarmente os países do sudeste asiático na estratégia de contenção da China, servindo-se com astúcia do intricado contexto regional de disputas territoriais e de contradições no plano económico que não poderão ser sanadas sem uma exigente postura de diálogo e princípios políticos.
A demonstração de força dos EUA, visando também condicionar a atitude da China em outros focos de tensão no mapa-múndi exacerbados pela política da canhoeira do imperialismo, segue-se ao anúncio da venda de um novo lote de armas a Taiwan e a crescentes pressões comerciais, económicas e políticas que têm como destinatário o governo de Pequim. Com os últimos dados da economia dos EUA a confirmar o cenário de estagnação da mais grave crise capitalista desde 1945, a arrogância da Casa Branca em relação ao maior credor dos EUA é um mau augúrio para a paz e segurança internacionais.
Mas abusar da milenar paciência chinesa é um risco elevado. E o tempo não joga a favor da estratégia hegemónica do imperialismo…

* Analista de política internacional
Este texto foi publicado no Avante nº 1.918 de 2 de Setembro de 2010.