sábado, 30 de abril de 2011

“Crimes contra a humanidade não podem ser anistiados”


Em visita ao Brasil, Marcia Poole, diretora da Anistia Internacional, avalia a situação dos direitos humanos no País e no mundo e fala sobre o escritório que a Anistia vai inaugurar aqui. Por Celso Marcondes. Foto: Olga Vlahou

Quando falou ao repórter sobre a Lei da Anistia, Marcia Poole, diretora de Informações e Comunicações da Anistia Internacional,  foi taxativa: “existem crimes que são imprescritíveis e as famílias dos mortos e desaparecidos têm o direito de saber o que aconteceu com eles”, disse, ao ressaltar a importância que teria para o País a constituição da Comissão da Verdade.
Depois de 10 anos sem um posto no Brasil, a entidade vai reabrir seu escritório aqui, só falta decidir a cidade, Rio de Janeiro ou em São Paulo. Os avanços no desenvolvimento econômico do País e o novo papel que passou a representar no âmbito internacional são as motivações apresentadas por Marcia Poole, que visitou nesta quinta-feira 28 a Redação de CartaCapital.
Na entrevista, ela se mostrou bastante motivada pelo novo desafio, que começa no momento em que a Anistia Internacional completa 50 anos de vida.
Para preparar o lançamento do escritório brasileiro, que deve acontecer nos próximos meses, ela e o secretário-geral Salil Shetty cumprem extensa agenda de reuniões e encontros, que deve culminar com uma visita à presidenta Dilma Rousseff.
Para Marcia, as relações com o governo brasileiro são abertas e cordiais e a entidade constata um avanço no País em relação ao respeito aos direitos humanos nos últimos anos. Ela elogia os programas sociais criados no governo Lula e reconhece que atravessamos um período de diminuição das injustiças sociais.
Porém, não faltam ressalvas. A Anistia deve concentrar seu olhar nos casos de violência contra a mulher, no tratamento dado às nações indígenas e nas condições de vida dos pobres e miseráveis. “A Segurança Pública também será nosso foco”, a diretora acrescenta, ao ressaltar que apoia iniciativas como as UPPs no Rio de Janeiro, mas as vê “ainda como pouco abrangentes”.
Atenta a tudo que acontece pelo mundo, ela não deixou de falar sobre os eventos da Líbia, Síria,Tunísia e Egito. Instada a se posicionar sobre as recentes denúncias do site WikiLeaks sobre as condições dos presos da base americana em Guantánamo, ela foi categórica: “a Anistia Internacional defende o fechamento da base e levou sua posição ao presidente Obama antes dele tomar posse”.
A seguir, a entrevista que concedeu a CartaCapital:
CartaCapital: O que motiva a Anistia Internacional a montar seu escritório aqui no Brasil?
Marcia Poole: Basicamente, uma confluência de dois fatores: um ligado ao Brasil e outro ligado à Anistia. O Brasil está passando por um momento muito importante, a nível nacional e internacional. Nós estamos vendo um avanço da questão dos direitos humanos no Brasil. Mas com esses grandes eventos vindos para cá, as Olimpíadas e a Copa do Mundo, há, por um lado, uma oportunidade para o Brasil, se o País criar um modelo que beneficie os direitos humanos, mas, por outro, ainda há certas preocupações.
A voz do Brasil tem um peso cada vez maior nos organismos internacionais como as Nações Unidas e os fóruns, como o G-20. O Brasil já tem um papel de liderança econômica e política, mas poderia ter uma governança mundial, criar um novo paradigma.
A Anistia, em 28 de maio, completa 50 anos. Nesse momento, a nível global, está sendo revitalizada. 98% dos membros e simpatizantes da Anistia se encontram no chamado Norte global: Europa Ocidental, EUA e Canadá. Nós achamos que é preciso ter uma presença maior – a gente quer ser um movimento de fato global de direitos humanos – no Sul e, sobretudo nesses países que estão emergindo como líderes. Temos um projeto de expansão no Sul Global e nos chamados BRICS, porque a gente inclui o S de África do Sul.
CC: Como começou o trabalho de vocês aqui no País?
MP: Temos uma relação muito especial com o Brasil. Operamos de várias formas, mas tradicionalmente quando há gente correndo risco, defensores de direitos humanos, pessoas presas por motivos políticos, a Anistia mobiliza sua rede de membros e simpatizantes para escrever cartas, para pressionar as autoridades para defender a vida daquelas pessoas. A primeira ação urgente da nossa história foi no Brasil, em apoio ao Luiz Rossi, professor universitário que na época era preso político da ditadura. O nosso primeiro relatório global sobre a tortura foi no Brasil, o ex-presidente Lula foi um preso adotado e defendido pela Anistia, um preso de consciência da Anistia. Nós temos esse relacionamento com o Brasil que já vem lá do nosso começo, coincide nossa chegada aqui com o aniversário da Anistia. Não viemos para cá para comemorar a Anistia, mas para celebrar a luta pelos direitos humanos que temos feito pelo mundo. São três milhões de membros em todo o mundo e ainda tem muito a fazer. Queremos estar no Sul e esse é um momento muito importante para o Brasil também.
CC: Que estrutura vocês pretendem ter aqui?
MP: No Brasil, vamos começar com uma estrutura um pouquinho diferente. Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos temos membros locais, como eu ou você, que se reúnem e elegem uma junta de governança, dependendo do número de membros varia o número da junta e a junta seleciona por sua vez o staff e o quadro de funcionários, a começar por um diretor ou diretora. Aqui vamos começar abrindo um escritório que seria mais ou menos uma filial do secretariado internacional. No nosso plano de implantação no Brasil há uma estratégia de 5 anos e esperamos que no final desse período tenhamos esse modelo aqui. Nós vamos começar pelo escritório, até para ir um pouco mais rápido, por assim dizer. Normalmente, no escritório da Anistia você tem um diretor. A espinha dorsal do nosso trabalho é a apuração e monitoramento da situação de direitos humanos, por isso temos pesquisadores. Nesse momento, a maioria de nossos pesquisadores se encontra em Londres e atuam para todos os países. Estamos fazendo um projeto de descentralização para estar mais perto de onde ocorrem as violações. Até porque, em um momento inicial, a razão de ter todo mundo em Londres era por uma questão de segurança, pois se você estivesse no país onde ocorriam os problemas você sofria mais ameaças. Por exemplo, ter um pesquisador sobre o Zimbábue no Zimbábue. Ou antigamente, na época da ditadura aqui no Brasil, você ter um pesquisador brasileiro baseado em Londres era mais seguro. Estamos agora fazendo um modelo para trazer essas pessoas para mais perto. Para começar, os pesquisadores sobre o Brasil estarão em Londres, mas daqui a dois anos vamos trazê-los para cá e contratar mais pesquisadores para podermos trabalhar ainda mais no Brasil. Vamos encontrar pesquisadores de direitos humanos, pessoas que fazem as campanhas de mobilização em cima do que a gente apura. Vamos ter um diretor de captação de recursos e a parte da comunicação, que é fundamental. Estamos pensando entre 12 e 15 pessoas, no Rio de Janeiro ou São Paulo. Vendo essas questões relativas às Olimpíadas e a Copa do Mundo, a gente está começando a considerar  que num  primeiro momento talvez seja melhor ter o escritório no Rio.
CC: Vocês vão ter como foco as populações indígenas, a violência contra a mulher e os direitos dos mais pobres, não é isso?
MP: Sim, mas a questão da violência policial também é importante, assim como a questão dessas grandes obras de infraestrutura, no que toca às condições de trabalho. Jirau, Belo Monte, Santo Antônio. Acompanhamos, sobretudo, a construção da hidrelétrica de Belo Monte, como emblemática de toda uma problemática dessa área. A questão do direito à moradia é uma coisa importante. Nesse contexto aqui, acompanhamos de perto a questão das remoções forçadas, até por causa desses grandes projetos no Rio de Janeiro. Trabalhamos de perto com comunidades da Restinga, no Recreio onde vemos essa situação. No Mato Grosso do Sul, os índios guarani-caiowa, acompanhamos a questão da demarcação de terras.
CC: Você vê nos últimos anos uma melhoria das condições de vida no Brasil? Distribuição de renda e justiça social:  progredimos nestes terrenos?
MP: Sim, olhamos a questão da distribuição de renda não tanto pelo modelo econômico, a nossa ótica é totalmente voltada para os direitos humanos. Toda gama de direitos humanos, liberdades políticas, civis e direitos socioeconômicos. Nesse sentido, não resta dúvida que certos programas do governo Lula –Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e outros –, houve uma melhora nas condições de vidas das populações mais carentes. Dito isso, ainda há muito que ser feito na área dos direitos socioeconômicos básicos, o direito à moradia. Na educação e na saúde, vimos que houve avanços, mas são áreas que a gente acha que precisa haver mais progresso.
CC: No que se refere ao direito à educação e à saúde gratuitas e de qualidade, você crê que o Brasil ainda está devendo muito nessas áreas?
MP: Ainda são áreas onde deve haver um progresso maior. Até porque a Declaração Universal dos Direitos Humanos não faz distinção entre direitos. É um debate interessante porque essa divisão que houve foi um fruto da “Guerra Fria”. Porque na época, os partidos ocidentais privilegiavam os direitos políticos e civis e os países do bloco socialista privilegiavam os direitos socioeconômicos, foi por isso que no final das contas houve duas convenções, a Convenção dos Direitos Políticos e a Convenção dos Direitos Socioeconômicos. E desde o final da Guerra Fria estamos vendo que não dá mais para dividir assim e o exemplo mais recente disso é o que está ocorrendo no Oriente Médio. A Tunísia é um dos países com melhor desenvolvimento econômico, população relativamente afluente dentro do Oriente Médio e, no entanto, seu desenvolvimento socioeconômico não foi suficiente e as pessoas começaram a reivindicar direitos políticos e civis. Na China, há um crescimento econômico absurdo, mas problemas seríssimos no que toca a liberdade política e civil. No Egito, por exemplo, um dos slogans, até muito interessante porque é um dos carros-chefe da Anistia a nível global é “exija dignidade”, que privilegia os direitos socioeconômicos. Um blogueiro lá do Egito escreveu em uma das convocações para chamar as pessoas para a Praça Tahrir: “venha se manifestar contra a repressão, contra a tortura, contra o desemprego e pela dignidade humana”. A gente não tinha mais nada a acrescentar: falou pouco e falou bem, como a gente diz aqui. É o que se vê no Brasil, onde está havendo avanços, inclusive na própria questão da segurança pública.
CC: A Anistia acompanha a situação do Rio de Janeiro e a constituição das UPPs?
MP: As UPPs são um passo importante e necessário, mas não suficiente. É importante que prestemos atenção na questão da Segurança Pública, não pode haver casos de impunidade em relação à violência policial.
CC: Vocês têm conhecimento que nas delegacias de polícia as torturas a presos comuns ainda acontecem?
MP: A gente recebe relatos documentados de tortura e de violência policial. Sobre a atuação da polícia, quando ela entra nas comunidades, até mesmo antes das Unidades Pacificadoras, no período de pacificação, sobre a atuação do Bope. Na segunda-feira nos reunimos com uma rede de comunidades e movimentos contra a violência, com parentes de vítimas e sobreviventes de operações no Complexo do Alemão no Rio, na Cidade Alta. Essas denúncias de abusos têm que ser apuradas.
Mas, a polícia também sofre violências, tem o direito de se proteger, tem o direito, mais do que o direito, a obrigação, de manter a ordem pública. Agora, isso não pode estar em contradição com a obrigação da polícia de observar os direitos humanos. A polícia tem, sim, que manter a ordem pública para proteger a população. A Anistia condena a ação do crime organizado, sobretudo quando há violência, não só em relação à população civil, mas também contra a polícia, que tem o direito de manter sua integridade física. Mas, quando há ocorrência de violência, ela tem que ser apurada e as pessoas têm que ser condenadas. Não pode haver impunidade.
CC: Vocês notam avanços nessa questão da punição da violência policial aqui no Brasil?
MP: Recentemente ocorreram dois casos, onde policiais foram investigados, não lembro agora se eles chegaram a ser condenados, mas houve investigações. Pelo que nós sabemos, o secretário de Segurança Pública Beltrame tem uma gestão bem vista, tem feito um bom trabalho, até por isso nós queremos conversar com ele, para incentivá-lo a continuar o trabalho, com seriedade e não esquecer da questão da impunidade. Mas, para além da questão das UPPs, há outras, como as reformas do sistema prisional e do sistema carcerário, aonde têm situações absurdas, devido até ao próprio excesso de lotação, com abusos graves.
CC: Você deve ter tomado conhecimento de casos graves que aconteceram no Norte e Nordeste, não?
MP: Exatamente, mas o sistema judicial também é importante. A gente soube inclusive de casos em que juízes sofrem pressão. As políticas sociais, no momento são a prioridade manifesta do governo, mas resta cumprir a promessa. É importante levar para essas comunidades os direitos socioeconômicos básicos: educação, saúde, segurança, moradia. Para resumir, a gente vê a questão das UPPs como passo positivo, um avanço, mas não suficiente: é necessário fazer todas as reformas, para que isso seja sustentável.
CC: Entremos agora na questão da Lei da Anistia. Você deve estar acompanhando o debate sobre a formação da Comissão da Verdade, a discussão sobre a Lei da Anistia e os crimes da ditadura. Como é que vocês estão vendo essa questão no Brasil?
MP: A Comissão da Verdade é muito importante. Nós ficamos muito decepcionados com a interpretação que foi feita aqui da Lei de Anistia, porque há certos crimes que para nós são inafiançáveis, que não podem ser perdoados. Crimes de tortura, crimes contra a humanidade, não podem ser anistiados, pelo nosso parecer. Deve haver sim essa reinterpretação para que esses crimes sejam punidos. A gente vê em outros países, para a sociedade isso faz parte do processo de reconciliação, é muito importante para a sociedade, para as vítimas. Estivemos na segunda-feira com familiares de pessoas que sofreram abusos de direitos humanos, inclusive uma mãe de uma menina que morreu em uma chacina há 20 anos no Rio. Na época não havia corpos, até hoje não acharam os corpos, mas finalmente eles receberam um documento, um atestado de óbito. E ela contou, até muito emocionada, como foi importante, 20 anos depois, ter aquilo. Ela disse: “não me resta nada, apenas um papel, mas é um testemunho de que aquela pessoa, aquela vida, existiu”. Antes de entrar para a Anistia, trabalhei para as Nações Unidas, com missões de paz no Timor Leste e no Kosovo e vi como era importante para nós das Nações Unidas eles terem a restituição dos restos dos familiares. Às vezes,  era uma urna do tamanho de uma caixa de sapato, com poucos restos que a gente tinha conseguido identificar, mas como isso era importante para os familiares! E, por outro lado, a questão da Justiça é muito importante também para impedir que outras pessoas façam o mesmo, não pode haver impunidade.
CC: Você esperava mais em relação ao governo Lula nesse terreno? E quanto ao governo Dilma?
MP: Nós ficamos muito bem impressionados com as primeiras declarações da presidenta Dilma, ao dizer que vai priorizar os direitos humanos na sua pauta, inclusive pela própria história da presidenta, realmente esperamos que ela possa priorizar a questão dos direitos humanos no Brasil, e com isso apoiar a Comissão da Verdade, apoiar a questão da interpretação da Lei de Anistia para que se leve a julgamento os responsáveis pelos crimes que foram cometidos e internacionalmente também, onde, às vezes, há diferença entre o discurso brasileiro. Por exemplo, a maneira como o Brasil vota no Conselho das Nações Unidas deixa a desejar. Nós achamos que o Brasil, ao contrário, tem um papel de liderança. Nesse sentido, a última decisão de apoiar a renovação do mandato de um relator para a questão do Irã é uma coisa positiva, o Brasil tem uma posição de peso cada vez maior no cenário mundial.
CC: E como você vê a condenação do Brasil pela Corte Interamericana sobre o caso da guerrilha do Araguaia e a falta de posicionamento do governo até agora?
MP: Na realidade, a questão da guerrilha do Araguaia eu não acompanhei tanto de perto, eu estou mais a par de como o governo reagiu contra a medida cautelar da corte interamericana em relação à usina hidrelétrica de Belo Monte. Surpreendeu-me a reação brasileira a essa medida da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Isso volta à questão que eu falava da Comissão da Verdade. Isso não se refere só ao Brasil, mas a uma das maneiras de se superar um problema, há certa herança negativa, é preciso se conscientizar e aceitar que aquilo aconteceu. A partir daí, você tenta sempre através do processo legal, levar à Justiça aqueles responsáveis por terem cometido crimes tentar superar a questão.
CC: Nesse terreno a Argentina foi um exemplo, está num nível muito mais avançado da discussão, não é?
MP: Na América Latina, não necessariamente a Argentina, a gente não é de comparar um país com outro, mas achamos que outros países da América Latina estão mais avançados na questão de lidar com a herança do seu passado, mais do que o Brasil e a gente espera que o Brasil chegue lá também.
CC: A pressão contrária também é forte, para que não seja retomada a questão da Anistia.  Há quem diga que isso levaria a uma situação de confronto dentro da sociedade.
MP: Não deveria. Num âmbito diferente, veja o processo na África do Sul, há uma Comissão de Verdade e há reconciliação. No Timor Leste, por exemplo, onde já houve uma Comissão da Verdade, a Anistia defende a posição do Tribunal Internacional, porque tem sociedades, que não é o caso da brasileira, onde o estado não tem como lidar com isso, quando necessário até num tribunal internacional de justiça. No caso brasileiro, isso não deveria levar a conflitos, a sociedade brasileira está em um momento de avanço, de deixar para trás esse legado, avançar e superar sim, esquecer não. Para que o esquecimento não impeça que a coisa aconteça de novo. Não é uma postura de vingança, de reviver o passado, é uma questão de aprender e nós vimos isso em outros âmbitos, em outras situações. Por exemplo, durante a administração do governo Bush, a gente sempre achou que certas batalhas já haviam sido conquistadas. Nos EUA e na Europa achávamos que a questão dos direitos civis já havia sido superada e vimos na suposta guerra ao terror como essas liberdades foram ameaçadas. Achamos que é muito importante não se esquecer. É preciso superar, confrontar e ir adiante sempre, para que as coisas não se repitam, a gente nunca pode achar que as coisas foram conquistadas e acabou, é importante ter uma vigilância constante.
CC: Vocês têm uma relação boa com as autoridades brasileiras e os governos de estado?
MP: Sim, estamos tentando encontrar com a presidenta Dilma pelo menos uns 15 minutos, no âmbito do Fórum Econômico da América Latina que esta ocorrendo no Rio. Como ela diz que dá prioridade para os direitos humanos, 15 minutos à Anistia não devem ser problema.
CC: E sobre Guantánamo, como tem visto essas denúncias dos últimos dias a respeito dos presos, reveladas pelo WikiLeaks?
MP: A Anistia sempre defendeu o fechamento de Guantánamo, desde o começo, porque a gente acha que as pessoas que estavam lá deveriam passar por um processo legal. Se ao final do processo, se chegasse à conclusão que tivessem cometido crimes, que cumprissem então penas normais, mas se não tivessem provas, que fossem postas em liberdade, de uma maneira que não as colocasse em uma situação de perigo ou de ameaça. Mas sempre defendemos o seu fechamento. Inclusive, na visita do presidente Obama aqui, a gente pediu para a presidenta Dilma, por meio de cartas, que levantassem a questão de Guantánamo junto ao presidente Obama. Não sei se ela levantou ou não, mas geralmente fazemos isso. Se o presidente Obama vai à Inglaterra, nós enviamos uma mensagem ao primeiro-ministro inglês pedindo que ele levante certas questões com o presidente e vice-versa. Fizemos isso aqui no Brasil também e a questão de Guantánamo foi uma das questões. E nós continuamos a defender seu fechamento. Na época foi um dos primeiros decretos do Obama e, até hoje, Guantánamo ainda está lá.
CC: Nos países ricos a Anistia consegue também fazer essa interlocução? É respeitada pelos governos?
MP: Nós temos um bom relacionamento. Claro, como não poderia deixar de ser, quando a gente critica, ficam um pouco incomodados, mas é nosso papel. Não temos um papel de conflito, mas de crítica e denúncia, e vamos cobrar. A Anistia tem três milhões de pessoas no mundo inteiro, pessoas comuns, estudantes, professores, religiosos. Nós articulamos a voz dessas pessoas, foi assim que a Anistia surgiu, era um movimento de solidariedade internacional. Essa questão do movimento de pessoas comuns é muito importante. Quando a gente fala desses governos não é só a voz do secretário da Anistia, têm pessoas comuns, inclusive os eleitores deles. Eles têm interesse em acolher a anistia.
CC: Vocês se posicionaram em relação aos acontecimentos da Líbia?
MP: Somos uma organização que foca os direitos humanos, então temos condenado os ataques aos civis, seja feito por quem for. Sejam as forças líbias, sejam os rebeldes, seja a coalização internacional, não há justificativas a ataques contra civis inocentes. Isso é uma postura muito forte da Anistia. Também apoiamos a indicação do coronel Kadaffi ao Tribunal Penal Internacional. Estamos apoiando que o Conselho de Segurança também coloque o problema da Síria no Tribunal Penal Internacional.
E dentro do quadro do Oriente Médio, de uma forma geral, nós temos uma ação para a Tunísia e para o Egito, que é: remover uma pessoa autoritária é um avanço, mas o problema é também o regime. Nós acompanhamos já há muitos anos a situação lá. A remoção de Mubarak é um passo importante, mas no momento as autoridades de transição têm que respeitar os direitos humanos. Nas eleições que ocorrerão agora, tem que respeitar a voz das mulheres, um papel de peso tem que ser dados às mulheres, ainda há um aparato de leis repressivas. Em relação às pessoas que foram presas na época em que eles estavam reprimindo os protestos, é importante, primeiro que elas sejam restituídas em sãs condições, mas é importante que os responsáveis sejam punidos. Há toda uma agenda para a Tunísia e há também que cuidar da questão dos refugiados para a Europa.

Celso Marcondes

Celso Marcondes é jornalista, editor do site e diretor de Planejamento de CartaCapital. celso@cartacapital.com.br

Homenagem ao trabalhador que pensa....

Meu Maio

A todos que saíram às ruas,
De corpo-máquina cansado,
A todos que imploram feriado
As costas que a terra extenua
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
Derrete a neve com sol gaio.
Sou operário - este é meu maio!
Sou camponês - este é o meu mês!
Sou ferro - eis o maio que quero!
Sou terra - o maio é minha era!

Vladimir Maiakovski

Ser de Esquerda

Fernando Evangelista no blog Do Velho Cominista
 

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.

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É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
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É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
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Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
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Eventos tradicionais do RS foram usados para desviar recursos do Banrisul, denuncia MP



O período abrangido pelas investigações da Operação Mercari (18 meses) pega em cheio a gestão de Fernando Lemos na direção do Banrisul. Considerado da “quota do PMDB” e apontado como afilhado do senador Pedro Simon, Lemos participou, como presidente do banco, de uma grande ofensiva publicitária do governo tucano que despejou milhões de reais em anúncios, patrocínios de eventos e campanhas. Um dos 25 denunciados pelo MP, Rodolfo Rospide Neto, era seu assessor especial na época.
Parte das ações de comunicação ligadas à publicidade governamental deste período foi utilizada indevidamente para desviar recursos do Banrisul, conforme a denúncia do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Os fatos denunciados pelo MP na forma de peculato foram articulados por eventos nos quais o Banrisul desenvolveu ações de comunicação. Na denúncia encaminhada à Justiça, o MP afirma:
Um mesmo evento poderia gerar diversas ações de comunicação e, consequentemente, diversos pedidos de produção (PP) expedidos pelas agências de publicidade envolvidas e diversas solicitações de autorização para ação de comunicação (SAAC) emitidas pelo Banrisul. Em cada pedido de produção eram colhidos, no mínimo, três orçamentos (OC) para análise dos custos da ação de comunicação a ser realizada.
Várias destas ações de comunicação, diz ainda o MP, foram alvo de superfaturamento. Eventos tradicionais do Rio Grande do Sul como Expointer, Fenasoja, Festival de Cinema de Gramado e Festa da Uva foram utilizados para esse fim. Na Expointer 2009, por exemplo, teriam sido desviados R$ 854.032,02 em pagamentos superfaturados. Na Festa da Uva 2010, teriam sido R$ 39.421,80 também em pagamentos superfaturados. Na Fenasoja 2010, teriam outros R$ 79.992,00. E no 37° Festival de Cinema de Gramado outros R$ 30.536,00.
TCE apontou irregularidades nos gastos de publicidade do Banrisul
A publicidade oficial foi tema de denúncias e investigações durante o governo Yeda Crusius. A despesa total do governo tucano com publicidade aumentou consideravelmente a partir de 2008: cresceu 23% acima da inflação. Em dois anos, foram gastos em propaganda (a preços médios de 2008) cerca de R$ 306 milhões. Deste total, mais de 200 milhões foram gastos pelas estatais. Mais de 80% deste valor (cerca de 164 milhões de reais) vieram do Banrisul.
Segundo análise do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, relativa aos anos de 2007 e 2008, dos 164 milhões gastos pelo Banrisul em publicidade, menos da metade foi legalmente autorizada. Cerca de 90 milhões gastos pelo banco em publicidade contrariaram a Constituição Federal e as LDOs (Leis de Diretrizes Orçamentárias) de 2007 e 2008. Neste período, apenas 8% da despesa com publicidade se enquadra no item “publicidade legal obrigatória”. Cerca de 92% foram gastos com publicidade institucional, ou seja, propaganda do governo.
Em 2009, o governo Yeda gastou outros R$ 201 milhões em publicidade – quase três quartos do montante gasto em obras (271 milhões). Do total gasto em propaganda, quase a metade (99,5 milhões), veio do Banrisul. Cabe observar que só havia autorização orçamentária para o banco estatal despender 50 milhões, 49,5 milhões foram gastos ilegalmente, contrariando o disposto no artigo 149, § 7º da Constituição estadual.
Além da análise desses gastos, o Tribunal de Contas também realizou uma inspeção especial no banco a pedido do Procurador Geral do Ministério Público de Contas, Geraldo Da Camino. Em meio a esse processo de investigação, Fernando Lemos deixou a direção do banco no início deste ano, sendo premiado pela governadora Yeda Crusius com um cargo de juiz no Tribunal de Justiça Militar.

Danny Glover vê Brasil como "laboratório" para mundo melhor

Por: Anselmo Massad e Paulo Salvador, da Rede Brasil Atual e Revista do Brasil


Danny Glover vê Brasil como "laboratório" para mundo melhor
Danny Glover, com um boné da CUT, diz que se considera, nesta ordem, pai, cidadão e, também, ator (Foto: © Jailton Garcia)

São Paulo - O ator e produtor de cinema Danny Glover acredita que o Brasil é um "laboratório" no sentido de se buscar um mundo melhor e mais digno para todos. Em visita à capital paulista para participar das comemorações do 1º de maio e de uma campanha internacional de trabalhadores da multinacional Sodexo, Glover concedeu entrevista de duas horas e 15 minutos a veículos da Rede Brasil Atual na manhã deste sábado (30). 
Com um boné da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o ator de 64 anos mostrou muito bom humor e disposição, apesar de  dois dias de viagens seguidas de avião. Rapidamente ele superou o cansaço inicial para falar a respeito de seu engajamento social e de pontos de vista sobre o movimento negro, de trabalhadores e de mulheres.
Glover considera que o mundo todo presta atenção no Brasil neste momento, já que o país passa por importantes transformações, com sua economia a caminho de tornar-se a quinta maior do mundo. Ele lembrou que o movimento sindical emergiu e cresceu em um período de grandes mudanças e, neste momento, está na linha de frente da construção das formas para se lidar com essas alterações.
"A importância dos sindicatos no Brasil pode ser expressa pelo fato de que os dois últimos presidentes do país vêm de forças políticas ligadas a trabalhadores", destacou. "Mas o que vai acontecer no futuro é o que vai definir este país na relação com sindicatos."
Apesar de mostrar interesse pelos caminhos trilhados no país até aqui, ele sustenta que é preciso encontrar respostas para os novos desafios. "Sentar à mesa para negociar é uma forma de lidar com essa realidade, que inclui tudo, pobreza, segurança alimentar, como proteger a Mãe Terra", enumera.
"Tudo isso vai estar no 'laboratório' do Brasil", insiste. "Não podemos estar à margem, nem ser coadjuvantes, temos de apoiar esses esforços, se eles nos levarem a um mundo melhor, que permita uma vida digna a todos nós."

Pai, cidadão e também ator

Um dos sócios da produtora L'Overture, Glover falou ainda sobre cinema e a indústria cultural. Ele acredita que é possível apostar em produções diferentes das atuais, em que apenas filmes de ação e certa dose de violência têm espaço. "Bom, é o que meu neto quer assistir", diverte-se. "Mas não precisa haver apenas isso, as pessoas acabam sendo condicionadas na medida em que há apenas esse tipo de produção", criticou.
Ele explicou que, muito antes de se tornar um ator de Hollywood, já se considerava um ativista social, engajado em lutas do movimento de afrodescendentes e, especialmente, em questões comunitárias. "Antes de tudo, sou pai – aliás, tenho certeza de que é meu melhor trabalho (risos). Depois, sou um cidadão. E só depois, ator", resumiu.
Os principais trechos da entrevista serão publicados na edição de junho da Revista do Brasil, além de ser veiculada pela Rádio Brasil Atual. A TVT também participou da coletiva.

Um novo sentido para os produtos orgânicos




Em vigor há dois anos, uma nova regulamentação europeia permitiu 0,9% de organismos geneticamente modificados nos produtos orgânicos e o adiamento da aplicação de leis referentes ao uso de agrotóxicos. Aliada à produção em grande escala e por empresas do setor alimentício, a medida colocou em xeque a própria definição
por Phillipe Baque no LeMonde-Brasil

Em junho de 2009, um técnico da cooperativa Terres du Sud, no sudoeste da França, organizava uma jornada de visitas às criações intensivas de frangos orgânicos. O desempenho das instalações, entregues prontas para o uso, assim como os créditos e o apoio público propostos visavam converter os agricultores convidados. Para garantir o fornecimento aos grandes distribuidores e às empresas de alimentação1, as poderosas cooperativas agrícolas mergulham, agora, numa concorrência selvagem para a criação de frangos acima de qualquer suspeita. Elas se beneficiam da nova regulamentação europeia, que permite ao criador produzir até 75 mil frangos de corte orgânicos por ano e não limita o tamanho das criações orgânicas de galinhas poedeiras.
Essas cooperativas perceberam que poderiam ganhar muito dinheiro com um tipo de agricultura que, por muito tempo, elas haviam criticado. “Os produtores perderam toda a autonomia”, conta Daniel Florentin, membro da Confédération Paysanne [Confederação Camponesa], ex-criador de aves orgânicas, que trabalhou com a cooperativa Maïsadour. “Eles estão endividados por pelo menos 20 anos e devem fornecer toda a sua produção para a cooperativa que se comprometer a comprá-la, sem preço predeterminado.”
Desde 1999, devido a problemas de saúde e relacionados ao meio ambiente, o consumo de produtos alimentares orgânicos vem crescendo 10% ao ano na França. Em 2009, apesar da crise, o volume de negócios de produtos orgânicos aumentou 19%.2 Este mercado, por muito tempo marginal, tornou-se relevante e foi ocupado pelos grandes distribuidores, que respondem atualmente por mais de 45% das vendas. Entretanto, em 2009, apenas 2,46% da superfície agrícola usada era destinada a produtos orgânicos. Para atender à demanda dos consumidores, os atores que dominam o mercado escolheram duas soluções: um apelo maciço às importações e o desenvolvimento de uma agricultura orgânica industrial e intensiva.
A noção de agricultura orgânica nasceu na Europa em reação à agricultura química e produtivista que se generalizou após a Segunda Guerra Mundial. No início dos anos 1960, uma rede de pequenos agricultores orgânicos e de consumidores criou a Nature & Progrès (N&P). A associação atraiu  grande parte das populações urbanas, que decidiu voltar à terra e tecer relações com os diferentes movimentos ecologistas e políticos, como o sindicato Paysans-travailleurs (Camponeses-trabalhadores) nos anos 1970 e a Confederação Camponesa e os antiOGM (Organismos Geneticamente Modificados) a partir dos anos 1990. Feito isso, a Nature et Progrès adotou alguns princípios: rejeição a produtos sintéticos, tratamentos naturais, diversificação e rotação das culturas, autonomia das explorações, energias renováveis, defesa dos pequenos camponeses, biodiversidade, sementes orgânicas etc. Para dar um novo sentido ao consumo e recriar relações sociais, a venda dos produtos orgânicos é assegurada por mercados locais, feiras e grupos de compras que formaram a rede Biocoop3. A carta da Nature et Progrès inspirou a da Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam), datada de 1972, que associava aos critérios agronômicos, objetivos ecológicos, sociais e humanistas.
Coerência
Mas o movimento camponês ligado a este tipo de cultura sofre para encontrar coerência interna. Nos anos 1980, a declaração oficial de finalidade da Nature et Progrès coabitava com uma quinzena de outras, criadas por diferentes movimentos. Em 1991, Bruxelas impôs uma definição de escopo para o conjunto da União Europeia, cuja aplicação pelo Estado francês fornece o selo nacional AB. Encarregados de fiscalizá-lo, os organismos certificadores, privados e comerciais, entram em confronto com o controle participativo realizado até então pelas comissões de produtores, consumidores e beneficiadores.
A Natute et Progrès vive uma grave crise. Alguns membros decidiram boicotar o selo. Outros, tentados por um mercado certificado em plena expansão, deixaram a associação. “A certificação favoreceu os grandes distribuidores em detrimento das redes solidárias”, explica Jordy Van Den Akker, ex-presidente da Nature et Progrès. “A ecologia e o social, que para nós são valores importantes, não estão mais associados ao econômico. O selo e a regulamentação europeia permitiram o desenvolvimento de um mercado internacional, facilitando a livre circulação dos produtos, o comércio e a concorrência.”
Em vigor a partir de 1o de janeiro de 2009, uma nova regulamentação europeia permitiu, entre outras coisas, 0,9% de organismos geneticamente modificados nos produtos orgânicos e o adiamento da aplicação de leis referentes ao uso de agrotóxicos.4 “O orgânico é incompatível com os organismos geneticamente modificados”, reagiu Guy Kastler, criador do departamento de Hérault e militante da N&P. “Nós continuamos exigindo 0% de OGM! A nova regulamentação definiu normas e não se preocupa mais com as práticas agrícolas. Passaram de uma obrigação de meios – qual método de cultura utilizado? – a uma obrigação de resultado – qual resíduo é recuperado no produto final? É a porta aberta para a generalização de uma agricultura orgânica industrial.”
As cooperativas agrícolas estão no auge. Graças, em particular, à alimentação das aves que elas produzem e fornecem aos agricultores, suas margens de lucro são consideráveis. A antiga regulamentação francesa impunha ao criador de orgânicos a produção de 40% da alimentação animal em suas terras. Essa ligação com o solo não existe mais na nova regulamentação europeia. O criador compra das cooperativas a totalidade dos alimentos, entre os quais a soja é um dos componentes principais. Em 2008, na França, a produção de aves orgânicas teve um aumento de 17%, enquanto a de soja orgânica caiu 28%. A soja importada, muito mais barata, se impôs.
Frutas e legumes
A França importa mais de 60% das frutas e legumes orgânicos que consome. A ProNatura é a líder francesa de comercialização nas lojas especializadas e supermercados. Em menos de dez anos, esta empresa do sudeste da França multiplicou seu volume de negócios por dez e absorveu quatro outras sociedades. Um quarto de seus produtos provém da França, mas o resto é importado da Espanha (18%), do Marrocos (13%), da Itália (10%) e de cerca de 40 outros países. A ProNatura foi a primeira sociedade a comercializar frutas e legumes orgânicos fora das estações. Isso não impede que seu fundador, Henri de Pazzis, preconize o respeito à terra, ao meio ambiente, ao camponês e ao consumidor.
Mas a lei ditada pelas empresas distribuidoras está bem longe desses princípios. “Elas adotam para o orgânico os mesmos mecanismos de compra destruidores que usam no convencional”, explica Pazzis. “Elas encorajam a concorrência de um modo agressivo. Alguns de nossos produtos são retirados do mercado, pois outros fornecedores propõem preços muito inferiores aos nossos.” Nessa guerra de preços, da qual a ProNatura e as outras empresas de importação e exportação escolheram participar, o social e o respeito ao meio ambiente têm bem pouco espaço.
Há 12 anos, a ProNatura importa morangos orgânicos da Espanha, produzidos pela sociedade Bionest. Os donos, Juan e Antônio Soltero, possuem 500 hectares de estufas que, à primeira vista, não se diferenciam em nada das milhares de estufas convencionais que cobrem a região de Huelva, prejudicada por uma monocultura de morangos particularmente poluidora e exploradora de mão de obra. Como outras empresas, a Bionest situa-se no seio do parque natural de Doñana, inscrito no Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura5. Segundo a WWF-Espanha, as estufas se multiplicam de maneira mais ou menos ilegal no parque, prejudicando o meio ambiente e ameaçando principalmente as reservas de água6.
A Bionest não respeita a biodiversidade – as poucas variedades de morangos utilizadas são as mesmas das estufas convencionais –, pratica a monocultura e aplica fertilizantes nas plantas através de um sistema de irrigação por gotejamento. Seus métodos de cultura não são radicalmente diferentes dos usados pelas estufas convencionais de Huelva. Apenas os insumos certificados lhes garantem o selo orgânico. Para a colheita, a Bionest emprega centenas de romenas, polonesas e filipinas, com uma relação trabalhista precária. O assunto é muito delicado e os donos da Bionest recusam-se a receber jornalistas para dar explicações.
Essas mulheres vêm todo ano para a Espanha, diretamente recrutadas em seus países pelas organizações patronais, com contratos e vistos de duração limitada. Não conhecendo seus direitos, elas ficam totalmente submissas aos empregadores, que as exploram à vontade.7 Francis Prieto, membro local do Sindicato dos Trabalhadores dos Campos (SOC), improvisa uma visita aos acampamentos das trabalhadoras da Bionest. Totalmente isoladas no meio das estufas, elas devem se submeter a um regulamento rigoroso: proibição de visitas, saídas controladas, passaportes confiscados. “Elas são aterrorizadas por seus patrões”, explica Francis Prieto, “e sofrem a mesma exploração que os outros empregados temporários de Huelva, com condições de trabalho particularmente difíceis.”
A Bionest não é um caso isolado na Andaluzia. Nos arredores de Almería, a AgriEco produz, embala e comercializa, de setembro até o final de junho, mais de 11 mil toneladas de tomates, pimentões e pepinos orgânicos. Nas estufas dotadas de tecnologias de ponta, os insumos são certificados como “eco” e as trabalhadoras temporárias são romenas e marroquinas. Miguel Cazorla, dirigente sorridente e afável, prevê com orgulho uma nova expansão da sociedade. Transportados em caminhões para todas as lojas especializadas em produtos orgânicos da Europa, os legumes da AgriEco estão concorrendo diretamente com os produtos das estufas “orgânicas” da Itália, do Marrocos e de Israel. No circuito do Mediterrâneo, a guerra comercial tornou-se acirrada para o proveito dos intermediários.
Bem longe dessa profusão de produtos orgânicos industriais, a pequena cooperativa agrícola La Verde, na serra de Cadix, foi criada nos anos 1980 por trabalhadores membros do SOC que conduziram, no final do franquismo, lutas para obter terras. Seis famílias cultivam ali legumes e frutas e criam algumas vacas e carneiros em 14 hectares. Elas comercializam toda a sua produção na Andaluzia por meio de outra cooperativa, a Pueblos Blancos, que agrupa 22 pequenos agricultores e cooperativas. “Nós fomos os primeiros a nos lançar na agricultura orgânica”, lembra Manolo Zapata. “Ela se assemelhava à agricultura de nossos bisavós e ia ao encontro da nossa luta. Se a agricultura orgânica não conseguir restabelecer a justiça, a autonomia, a autossuficiência e a soberania alimentar, ela não terá sentido algum. E os certificadores não nos ajudam. Um agricultor que diversifica suas culturas e cultiva muitas variedades será mais pesadamente taxado que aquele que pratica a monocultura intensiva.”
Por ter denunciado publicamente o apoio do principal organismo certificador espanhol – o Comitê Andaluz de Agricultura Ecológica (CAAE) – às grandes empresas do “biobusiness”, a La Verde sofreu uma avalanche de inspeções. Enquanto seus membros criaram o mais importante banco de sementes orgânicas da Espanha, que lhes permitiu garantir sua cultura e abastecer todos os pequenos produtores de orgânicos da região, eles temem que a repressão caia sobre eles. “Existem leis e normas que reprimem o direito ancestral de reproduzir sementes e que nos impedem de certificar essas variedades antigas que nós preservamos.” A regulamentação europeia de agricultura orgânica impõe de fato ao agricultor utilizar sementes certificadas orgânicas. Se elas não existem, ele deve recorrer às sementes convencionais do mercado autorizadas. “Por enquanto, tudo se passa no limite da legalidade, mas se amanhã a venda de nossos produtos for proibida, seremos obrigados a usar as sementes orgânicas vendidas pela Monsanto8.” Tomando como exemplo alguns camponeses da Nature et Progrès, os membros da La Verde pensam em se retirar da certificação orgânica.
Exemplos como o da La Verde se multiplicam atualmente, na Colômbia, Bolívia, Brasil, Índia, Itália e França. A resistência ao biobusiness organiza-se em todo o planeta. Cada vez mais camponeses, comunidades rurais e pequenas cooperativas de produtores defendem uma agricultura tradicional e tipos de culturas agroecológicas que privilegiem a produção com uma dimensão humana, respeitando a biodiversidade e a soberania alimentar. Muitos rejeitam as certificações e praticam os sistemas participativos de garantia fundados numa relação de troca e confiança entre produtores e consumidores. Redes de defesa das sementes orgânicas se desenvolvem para impor o direito dos camponeses de produzir e comercializar suas próprias sementes.
Na França, as associações para a manutenção da agricultura tradicional (Amap), que estabelecem trocas diretas entre produtores e consumidores sem passar pelo mercado, vivem tal euforia que não conseguem dar conta da demanda. A associação Terre de Liens coleta, com sucesso, fundos solidários para possibilitar o estabelecimento de jovens agricultores de orgânicos. Para se distinguir da regulamentação europeia, a Federação Nacional da Agricultura Biológica (FNAB) criou uma nova marca: a Bio-Cohérence. Ela complementará a certificação oficial, exigindo o respeito a metas muito mais rigorosas e a adesão a princípios inspirados naqueles adotados pela Ifoam em 1972. À parte da regulamentação, a Nature et Progrès segue defendendo a agricultura orgânica tradicional.
A integração, ou não, dos valores sociais e ecológicos no centro das preocupações dos produtores, intermediários e consumidores dos orgânicos determinará seu futuro. Tornar-se-á uma simples face do mercado, submissa aos únicos interesses do liberalismo econômico? Ou será ainda mensageira de uma alternativa a esse liberalismo?
Phillipe Baque
é jornalista, coordenador do projeto do livro De la bio alternative aux derives du “bio”-business, quel sens donner à la bio?, que será lançado no final de 2011; site: alterravia.com

1 Para atingir um dos objetivos fixados pela Grenelle de l’Environnement [Grenelle do Meio Ambiente], o Estado pretende introduzir, até 2012, 20% de mercadorias provenientes da agricultura orgânica no cardápio dos restaurantes das administrações e estabelecimentos públicos.
2 A maioria das cifras citadas provém do dossiê de imprensa da Agence Bio “Les chiffres de la bio sont au vert”, serviço de imprensa da Agence Bio, 2010, e da obra Agriculture biologique, chiffres clés, Agence Bio, Montreuil-sous-Bois, edição 2009.
3 Pascal Pavie e Moutsie, Manger Bio. Pourquoi? Comment? Le guide du consommateur éco-responsable, Edisud, Aix-en-Provence, 2008.
4 “Bio/OGM: o voto dos deputados europeus em detalhes”, 21 de maio de 2009, www.terra-economica.info
5 Ler “Importer des femmes pour exporter du bio?” [Importar mulheres para exportar orgânicos?], Silence, n° 384, novembro de 2010.
6  Communicado da WWF: “Fraises espagnoles: exigeons la traçabilité” [Morangos espanhóis, exijamos a identificação da origem], 23 de março de 2007.
7 Emmanuelle Hellio, “Importer des femmes pour exporter des fraises (Huelva)” [Importar mulheres para exportar morangos], Etudes rurales, Paris, julho-dezembro de 2008.
8 “A qui profite la récolte? La politique de certification des semences biologiques” [Quem se beneficia com a colheita? A política de certificação das sementes orgânicas], relatório da Grain, Barcelona, janeiro de 2008; www.grain.org

Mantida por Dilma, política de publicidade cria disputas 'intestinas'



 

Ampliação da lista de veículos pagos em troca de propaganda oficial incomoda adversários políticos do governo e cria dificuldade para entidades representantes de empresas administrar interesses conflitantes dos sócios.


BRASÍLIA – A política que desde a última década democratiza a verba publicitária federal, destinando-a a um número crescente de veículos espalhados hoje por metade do Brasil, tem sido até agora preservada pela presidenta Dilma Rousseff, mesmo sob críticas e alguma desconfiança. Os adversários do PT acham que se trata da “compra” de órgãos de imprensa pequenos sem fôlego para resistir à sedução. Já entidades representantes das empresas estão, no geral, de acordo, mas precisam lidar com uma questão que às vezes opõe associados.

Para a recém criada Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular, a política publicitária federal merece ser preservada. “Tem que descentralizar tudo na comunicação. Comunicação é um direito humano”, afirma a coordenadora-geral da Frente, deputada Luíza Erundina (PSB-SP).

A Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação (Altercom), que congrega órgãos de comunicação menores, sobretudo da internet, apoia a descentralização. Condena, no entanto, o uso da “mídia técnica” como critério definidor do rumo do dinheiro. Acredita que dar verba só para quem já está no mercado, e de acordo com o alcance de cada um, impede o desenvolvimento de novos veículos e daqueles de menor porte.

“O critério anterior à mídia técnica era elitista e tecnicamente injustificável, muito mais subjetivo e muito mais político”, diz o vice-presidente da Altercom, Renato Rovai. “Mas o investimento federal ainda é muito pequeno. E o governo trata de forma igual os desiguais. Devia investir mais nos veículos pequenos, é muito importante para democratizar a comunicação.”

De 2000 a 2010, o gasto do governo federal com propaganda, descontada a inflação, cresceu a um ritmo equivalente à metade do avanço da economia. E, quando as estatais entram na conta, ficaram 20% aquém da inflação.

Internet versus jornal
Celeiro de uma infinidade de pequenos veículos e da maioria dos sócios da Altercom, a internet fica atualmente com 3% da verba destinada à publicidade pelo governo. Cerca de R$ 15 milhões anuais, sem estatais. Mas, ao lado de cinemas, outdoors e mídia estrangeira, a internet representa mais de 30% dos oito mil órgãos de comunicação a receber dinheiro de propaganda do governo. Antes de 2002, quando não tinha o peso de hoje como fonte de informação, levava uma parcela irrisória da publicidade, inferior a meio por cento.

O avanço da internet no bolo publicitário federal, de três pontos percentuais, se deu em cima dos jornais de papel, cuja fatia diminuiu quase na mesma magnitude. Aos impressos, destinam-se hoje R$ 30 milhões por ano, 6% do total. No início da década passada, antes do governo Lula, eles recebiam R$ 19 anuais, 10% do total. Além de perder espaço, ocorreu desconcentração no segmento. Se antes havia menos de 200 jornais a receber verba oficial, hoje são mais de 2 mil. Resultado da expansão dos jornais populares e dos jornais regionais, por meio dos quais o governo federal atinge mais pessoas, quando quer divulgar informações sobre políticas públicas.

Esse é um problema para os veículos maiores que a Associação Nacional dos Jornais equilibra-se para tentar administrar. Por meio da assessoria de imprensa, a entidade diz que defende o uso da mídia técnica e de critérios transparentes pelo governo, na distribuição do dinheiro de propaganda. Afirma ainda reconhecer que havia problemas para se medir o alcance dos jornais menores, mas que fez um acordo com o Instituto de Verificação de Circulação (IVC) para criar método simplificado de aferição das tiragens deles. Espera, em troca, que aqueles jornais filiem-se ao instituto e aceitem auditagens. O IVC é a referência para o governo aplicar mídia técnica no segmento impresso.

Emissoras versus emissoras
Na radiodifusão, também acontece disputa intestina pela verba publicitária oficial. E onde houve o mais significativo rearranjo interno nos últimos tempos, uma vez que é o tipo de mídia que mais movimenta dinheiro. Em número de veículos que contam com publicidade oficial, as emissoras de rádio e TV representam 40%. Mas, dado o alcance junto à população, ficam com mais de 70% do dinheiro, há mais de uma década. As TVs receberam R$ 288 milhões no ano passado e as rádios, R$ 141 milhões. Nos dois casos, de 2000 a 2010, a verba destinada a cada tipo de mídia mais ou menos dobrou. O número de emissoras atendidas, no entanto, subiu bem mais - vinte vezes entre as TVs e dez entre as rádios. Consequência: a briga pelo quinhão acirrou-se.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) prefere não comentar a política oficial. No governo Lula, o então presidente da entidade, Daniel Slaviero, era publicamente a favor. Carta Maior apurou que, por ora, o novo presidente da Abert, Emanuel Carneiro, compartilha da posição do antecessor, que considerava importante regionalizar e democratizar a distribuição da verba. A maior parte dos associados da Abert é formada de emissoras pequenas, que se beneficiam de tal política, ao contrário das grandes.

Até 2007, por exemplo, a principal TV brasileira tinha audiência no patamar de 50% e recebia mais de 70% dos recursos publicitários federais. Hoje, os dois números aproximaram-se e estabilizaram-se em torno de 45%.

Já o segmento “revistas” recebe cerca de R$ 30 milhões anuais de propaganda oficial, sem contar as estatais. A cifra é quase o dobro daquela de 2000 (R$ 14 milhões) e o triplo da de 2002 (R$ 10 milhões). Na última década, a participação deste tipo de mídia no bolo da publicidade oficial oscilou sempre na casa dos 7%. Já a quantidade de revistas atendidas, ao menos no governo Lula, caiu de 3% para 2%. Procurada, a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) não se manifestou.

CONTRA OS CHEFES, CONTRA AS OLIGARQUIAS


O nome dado ao livro com algumas entrevistas de Richard Rorty é bastante perspicaz para estabelecer algo que não está na plataforma dos governos petistas, mas que deveria ser um dos primeiros tópicos de qualquer “reforma política” que não fosse apenas uma mudança formal sem capacidade de mover o que especificamente merece ser movido.
Grande parte dos “escândalos” noticiados pela mídia envolvem o nome de Roseana Sarney. E no entanto sabemos que se trata de uma aliada do Governo Federal. Trata-se da aliança mais espúria e repugnante que o PT realizou ao longo dos últimos anos. Para mim e para tantos outros, com essa aliança o PT (enquanto projeto) simplesmente acabou. Se o Governo Dilma não fosse eminentemente uma tecnocracia de esquerda, saberia que o primeiro tema da política nacional deveria ser atacar chefes e oligarquias, dentre as quais a mais forte de todas – a Sarney.
Retomar a política não significa simplesmente se reduzir ao discurso moralista do combate à corrupção, como se tudo estivesse correto e o problema fosse do caráter individual. A corrupção no Brasil é endêmica não por ser abastecida por alguns indivíduos de correção duvidosa, mas porque ela consiste na privatização da esfera pública, ou seja, da democracia como fachada para o governo pactuado das oligarquias. Lula não tocou um dedo nisso nem parece que Dilma irá tocar. Ao contrário: ambos, aderindo a uma visão maquiavélica (no sentido técnico) de política, pactuaram com os fatores reais de poder que, como Lassalle sabia e os juristas fazem questão de esconder, são a verdadeira Constituição do nosso país.
Enfrentar as oligarquias em seu poder que produz miséria, desigualdade, violência e dominação nos lugares onde elas estão situadas significa aderir a uma política de alto nível, isto é, atacar verdadeiramente o poder que atinge nossas formas-de-vida. A luta contra a oligarquia Sarney, portanto, não é uma cruzada anticorrupção (como o jornalismo conservador gostaria de fazer crer, sacrificando um bode expiatório a fim de manter o resto como está), mas um conflito em nome da justiça para a vida nua que está sujeita ao poder descomunal de tais oligarquias, geralmente imposto com violência e não raro crueldade em seus domínios. Com isso, transformar-se-ia a “política” de baixo nível que frequenta o noticiário – a política dos acordos, das negociatas, das barganhas por cargos, das fofocas e dos diz-que-me-diz-que (o que faz o jornalismo político ser indissociável da Revista Caras) – numa verdadeira política, em que cujo centro não pode estar outra coisa se não o estado de exceção em que todos vivemos.