quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Entrevista com Taoufik Ben Abdallah


O senegalês de origem tunisiana Taoufik Ben Abdallah afirma, em entrevista à Carta Maior, a importância de se realizar o FSM pela segunda vez na África, destaca que todo povo é capaz de fazer sua revolução -- e que as contribuições com os valores universais não são monopólio dos países ricos.

Mudou Lula ou mudou o FSM?

Emir Sader na Carta Maior

Na reunião do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial de 2001 com Lula, este foi duramente interpelado por todas as intervenções, seja sobre o papel do Brasil na OMC, sobre as relações do governo brasileiro com as empresas de agronegócios, seja pelo lugar do governo na polarização politica mundial.

Neste Fórum de 2011, Lula foi aclamado como ninguém, aparece como um grande líder de projeção mundial. Naquela que deveria ser a reunião correspondente à de 2001, com o Ministro Secretario Geral do governo, Gilberto Carvalho, ninguém levantou nenhum questionamento – nem sobre Belo Monte, São Francisco, OMC, Haiti ou qualquer outra questão -, ao contrário, houve enorme congraçamento, especialmente entre ONGs e governo.

Mudou Lula e o governo brasileiro ou mudou o FSM?

Ambos mudaram. Basta dizer que a abertura deste FSM teve apenas duas intervenções – a do presidente da Bolívia, Evo Morales, e a do Ministro do governo Dilma, Gilberto Carvalho. Isto é, ao contrário dos Foros anteriores, incluído o de Belém, em que a presença de 5 presidentes latino-americanos teve que encontrar um espaço paralelo à programação do Fórum, desta vez dois representantes de governo ocuparam lugar central e – tirando a corda excessivamente para o outro lado - nenhum movimento social falou na abertura do FSM.

De qualquer maneira avançou-se de uma atitude de exclusão de governos, partidos, políticos, para a incorporação de representantes de governos progressistas da América Latina no corpo mesmo do FSM. Certamente mudou a situação politica e isto representa um reconhecimento de que os governos progressistas da América Latina estão construindo o outro mundo possível.

Lula, antes objeto de grandes críticas, aparece como um grande líder dos povos de Sul do mundo, engajado na construção de um mundo multipolar, na critica dura à dominação do mundo pelas potencias tradicionais, na crítica à forma como os países do centro do capitalismo geraram a crise atual e não conseguem sair dela, por se manterem no marco das posições neoliberais.

Mas certamente também mudou o FSM. Se vê uma participação relativamente menor dos movimentos sociais e mesmo das próprias ONGs. A situação destas ficou mais explicita em intervenções na reunião com Gilberto Carvalho, onde representantes das ONGs expressaram a crise financeira que as afeta, além da visão de que nunca teriam sido anti governamentais, mas contra governos neoliberais e aceitando a proposta do governo de uma comissão permanente de intercambio entre o governo do Brasil e o Comitê Internacional do FSM.

É bom que seja assim, mas sempre que o FSM fortaleça a presença dos movimentos sociais – sua forma central de existência.

Lula tampouco é o mesmo de 2003. Seu discurso foi se desenvolvendo conforme o mundo foi mudando e, com ele, a politica externa brasileira foi se tornando mais abrangente. O diagnóstico da crise feito por Lula aponta para responsabilidades centrais das potências capitalistas e sua forma de resgatar aos bancos, mas não a economia dos seus países e a massa da população – vitimas diretas da crise.

O Brasil foi desenvolvendo uma estratégia internacional centrada nas alianças com os países do Sul do mundo – sela na América do Sul, assim com os Brics -, trabalhando na direção de um mundo economicamente multipolar. Da mesma forma que o Brasil foi incorporando temas como a questão palestina e o conflito dos EUA com o Irã, no entendimento de que outros atores deveriam intervir, não apenas para buscar evitar novos focos de guerra, mas também para desarticular focos existentes, com soluções que contemplem todas as partes envolvidas.

São todos temas caros ao próprio FSM, que não teria mesmo como não se alinhar com os governos progressistas latino-americanos que, mesmo com matizes distintos, buscam a construção de alternativas ao neoliberalismo.

Desse ponto de vista, o Fórum de Dacar foi um avanço na superação das barreiras artificiais entre forças sociais e forças politicas, entre resistência e construção de alternativas. Pela evolução do FSM e de Lula foi possível a passagem das diferenças e dos conflitos de 2003 à convergência de 2011.
O próximo – que, ao que tudo indica, será realizado em Porto Alegre – pode permitir uma formatação distinta, talvez colocando no centro mesmo do FSM a relação desses governos com os movimentos sociais, especialmente nos temas em que existem diferenças e tensões – como as questões do meio ambiente, da reforma agrária, da exploração dos recursos naturais, da democratização dos meios de comunicação, entre outros. Assim o FSM assumiria um formato adequado às condições atuais de luta pela superação do neoliberalismo, que representam uma vitória das teses defendidas desde sua origem pelo Fórum e que, por isso mesmo, demandam a atualização de suas formas de existência, para estar à altura dos desafios atuais da construção do outro mundo possível.

Chomsky: EUA estão seguindo seu manual no Egito




Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, Noam Chomsky analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações: "Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome".

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Yemen de abandonar o cargo ao final de seu mandato. O Democracy Now falou com o professor do MIT, Noam Chomsky, acerca do que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”.

Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?

Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?

Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?

Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Amy Goodman: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?

Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?

Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

Tradução: Katarina Peixoto