Dias antes do golpe, o presidente Jango, num comício gigantesco na Central do Brasil, Rio de Janeiro, apresentou ao povo brasileiro as reformas de Base que seu governo iria fazer. Uma delas era a reforma agrária, entre outras que apontavam para mudanças estruturais e uma transformação verdadeira do país. Naquele histórico comício Jango anunciou a desapropriação das terras devolutas às margens das rodovias federais e informou que estavam limitadas as remessas de divisas ao exterior. Isso gerou a reação imediata das forças conservadoras que apenas esperavam nas sombras, depois de terem tentado, por diversas vezes, tirar o poder das mãos do presidente, herdeiro da era Vargas.
Como resposta ao comício do Rio, os conservadores realizaram a Marcha com Deus e a Família pela Liberdade. A inspiração veio de campanhas muito parecidas organizadas nos Estados Unidos pelo padre Patrick Peyton, contra o que chamava de "manobras vermelhas". Era o auge da luta contra o comunismo naquele país. Qualquer semelhança com o discurso atual do presidente estadunidense George Bush não é mera coincidência. Só que agora os inimigos não são mais os comunistas, e sim os "terroristas", que, no fundo, para ele, é a mesma coisa. Basta falar em mudanças para melhorar a vida do povo que lá vêm os poderosos com mão de ferro defender o que chamam de democracia e liberdade. Universalizam um discurso de algo que só eles desfrutam. É o mesmo ataque que faz hoje a elite na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Os presidentes que iniciam uma caminhada de mudanças são demonizados. Reformas ou transformações sociais são sempre consideradas "ameaças" à democracia.
Naqueles dias, de um triste 64, aqui no Brasil foi igual. João Goulart e suas reformas de base eram a ameaça comunista. E, assim, quando o primeiro de abril amanheceu, os tanques estavam nas ruas, obedecendo - diziam - ao chamado das famílias cristãs que pediam a liberdade. Na verdade, os militares assumiram o governo porque era meros "gerentes" da doutrina estadunidense de dominação na América Latina. Cuba era uma ferida recente e as lutas populares fervilhavam em todo o continente. O grupo golpista do exército brasileiro, acatando a vontade do mestre do norte, não queria as mudanças estruturais, não queria o povo conquistando direitos, não queria a terra repartida. E, ao longo dos anos de ditadura - também assessorados pelos Estados Unidos - provocaram o terror, o assassinato de lideranças populares, a tortura e a destruição dos movimentos sociais. Foram mais de 20 anos de feroz desmonte da vida social e seus efeitos ainda são sentidos até hoje.
Neste dia 31 de março muita gente, saudosa, vai lembrar dos "bons tempos" e não vai faltar na mídia quem fale do perigo vermelho que ainda está por aí travestido de Hugo Chávez, Rafael Correa, Fidel Castro e Evo Morales. É que existe muita gente que prefere o povo calado, assustado, com medo, submisso, sem poder. Porque se o povo se vê como sujeito, a coisa muda e eles perdem seus privilégios de classe dominante.
Mas, gente há que sonha e luta por um tempo de claridão, em que o povo recupere sua palavra, em que as terras sejam repartidas, que a vida seja solidária e as bênçãos coletivas se dêem na reciprocidade. Gente há que não tem medo de caminhar abrindo caminhos, de descortinar o que está apenas vislumbrado, de desvelar o escondido. Gente há que tem orgulho de ser socialista e acreditar que é possível uma vida diferente da que é proposta pelo capital.
Sempre haverá, é certo, os que caminharão, cegos, nas passeatas pela "liberdade" dos poderosos. Mas, os que lembram dos nomes dos desaparecidos, dos mortos, dos torturados, estes seguirão por outras veredas. As almas dos caídos no tenebroso espaço de tempo da ditadura iniciada em 1964 aqui estão, a nos olhar nos olhos. Vamos abraçá-las neste dia, um abraço de irmão. Porque nenhum de nós vai esquecer, nunca. E elas viverão nas lutas que travamos e nas que virão!
Companheiros mortos e desaparecidos da ditadura militar! Presentes!