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sexta-feira, 28 de março de 2014

Professor dá aula de Venezuela e passa pito na Globo, em plena Globo



Uma aula de Venezuela e um pito na Globo, em plena Globo. Em debate na Globonews, Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da UFABC, explica a crise, derruba o mito da ‘falta de liberdade’ no país vizinho e desnuda a parcialidade da imprensa

igor fuser venezuela globonews
Professor Igor Fuser é doutor em Ciência Política pela USP (Reprodução)
Paulo Donizetti de Souza, RBA
O professor de Relações Internacionais da USP José Augusto Guillon e a apresentadora Mônica Waldvogel, do programa Entre Aspas, da Globonews, chegaram ao limite da gagueira, ontem (18), durante debate a respeito da crise na Venezuela com a participação do professor e jornalista Igor Fuser, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). O debate começa dirigido, ao oferecer como gancho para a discussão a figura de Leopoldo López, o líder oposicionista acusado de instigar a violência nos protestos das últimas semanas, e preso ontem.
Diz a narração de abertura: “Ele é acusado de assassinato, vandalismo e de incitar a violência. Mas o verdadeiro crime de Lopez, se podemos chamar isso de crime, foi convocar uma onda de protesto contra o governo de Nicolás Maduro. Protestos seguidos de confrontos que deixaram quatro mortos e dezenas de feridos”. E segue descrevendo que a violência política decorre da imensa crise no país – inflação, falta de produtos nas prateleiras, criminalidade em alta. Ainda no texto de abertura, na voz de Mônica, o governo é acusado de controlar a economia e a Justiça, pressionar a imprensa e lançar milícias chavistas contra dissidentes. E encerra afirmando que Leopoldo Lopez, na linha de frente, reivindica canais de expressão para os venezuelanos, e abrem-se as aspas para Lopez: “Se os meios de expressão calam, que falem as ruas”.
Do início ao fim do debate, com serenidade e domínio sobre o assunto, Igor Fuser leva a apresentadora e o interlocutor às cordas desde o início. Reconhece as dificuldades políticas do presidente Nicolás Maduro e a divisão da sociedade venezuelana. Mas corrige os críticos, ao enfatizar que o país vive uma democracia, e opinar que a campanha liderada por López é “golpista”, ao ter como mote a derrubada do governo legitimamente eleito com mandato até 2019.
Fuser informa que em dezembro se cristalizou um processo de diálogo entre governo e oposição, então liderada por Henrique Capriles, derrotado nas duas últimas eleições presidenciais por margem muito pequena de votos. E que a disposição ao diálogo levou a direita mais radical a isolá-lo, permitindo a ascensão de figuras como Leopoldo López. Indagado se não seria legítimo as manifestações da ruas pedirem a saída do governo, como foi no Egito ou está sendo na Ucrânia, o professor da UFABC resume que as manifestações na Ucrânia são conduzidas por nazistas, e no Egito a multidão protestava contra uma ditadura. Lembra que na Venezuela houve quatro eleições nos últimos 15 meses, que o chavismo venceu todas no plano federal, mas que as oposições venceram em cidades e estados importantes, governam normalmente e as instituições funcionam, e que a Constituição é cumprida.
Questionado sobre a legitimidade da Constituição – que teria sido sido aprovada apenas por maioria simples – informou que a Carta, depois de passar pelo Parlamento, foi submetida a referendo popular e aprovada por 80% dos venezuelanos – o que inclui, portanto, mais da metade dos que hoje votam na oposição. E à ironia dos debatedores, de que seria paranoia das esquerdas acusar os Estados Unidos de patrocinar uma suposta tentativa de golpe, esclareceu: os Estados Unidos estiveram por trás de tantos golpes da América Latina – na Guatemala nos anos 1950, no Brasil em 1964, no Chile em 1973, na própria Venezuela em 2002 – que não é nenhum absurdo supor que estejam por trás de mais um. E que também não é absurdo, em nenhum país do mundo, expulsar diplomatas que se reúnem com a oposição como se fossem dela integrantes.
O jornalista desmontou também os argumentos de que o país sofre de ausência de liberdade de expressão. Disse que o governo dispõe, de fato, de jornais, canais de rádio e de televisão importantes, mas que dois terços dos veículos de imprensa da Venezuela são controlados por forças oposicionistas. E que o que existe na Venezuela seria, portanto, a possibilidade de contraponto. E Fuser foi ferino no exemplo dos problemas que a ausência de diversidade nos meios de comunicações causam à qualidade da informação: “Sou jornalista de formação e nunca vi nem na Globo nem nos jornais brasileiros uma única notícia positiva sobre a Venezuela. Uma única. A gente pode ter a opinião que a gente quiser sobre a Venezuela, é um país muito complicado. Agora, será que em 15 anos de chavismo naõ aconteceu nada positivo? Eu nunca vi. Não é possível que só mostrem o que é supostamente ruim. Cadê o outro lado? Será que os venezuelanos que votaram no Chávez e no Maduro são tão burros, de votar em governo que só faz coisa errada?”
E fecha aspas! Fecha aspas!

sábado, 15 de março de 2014

Capitalismo: a maior ameaça à humanidade?


 
 
A teoria econômica ensina que os movimentos financeiros a preços e lucros livres garantem que o capitalismo produz o maior bem-estar para o maior número de pessoas. Perdas indicam atividade econômica em que os custos excedem o valor da produção, de modo que investimentos nestas áreas devem ser restritos. Lucros indicam atividades em que o valor de produção excede o custo, que fazem o investimento crescer. Os preços indicam a escassez relativa e o valor das entradas e saídas, servindo assim para organizar a produção mais eficientemente.
 
Essa teoria nao é o que funciona quando o governo dos EUA socializa custos e privatiza lucros, como vem sendo feito com o apoio do Banco Central aos bancos “grandes demais para quebrarem” e quando um punhado de instituições financeiras concentram tamanha atividade econômica. Bancos “privados” subsidiados não são diferentes das outrora publicamente subsidiadas indústrias da Grã Bretanha, França, Itália e dos países então países comunistas. Os bancos impuseram os custos de sua incompetência, ganância e corrupção sobre os contribuintes.
 
Na verdade, as empresas socializadas na Inglaterra e na França eram dirigidas mais eficientemente, e nunca ameaçavam as economias nacionais, menos ainda o mundo inteiro de ruína, como os bancos privados dos EUA, os “grande demais para quebrar” o fazem.  Os ingleses, franceses e os comunistas nunca tiveram 1 bilhão de dólares anuais, para salvar um punhado de empresas financeiras corruptas e incompetentes.
 
Isso só ocorre no “capitalismo de livre mercado”, em que capitalsitas, com a aprovação da corrupta Suprema Corte dos EUA, pode comprar o governo, que os representa, e não o eleitorado. Assim, a tributação e o poder de criação de dinheiro do governo são usados para bancar poucas instituições financeiras às custas do resto do país. É isso o que significa “mercados autorregulados”.
 
Há muitos anos, Ralhp Gomery alertou que os danos para os trabalhadores estadunidenses dos empregos no exterior seria superado pela robótica. Gomery me disse que a propriedade de patentes tecnológicas é altamente concentrada e que as inovações tornaram os robôs cada vez mais humanos em suas capacidades. Consequentemente, a perspectiva para o emprego humano é sombria.
 
As palavras de Gomory reverberam em mim quando leio o informe da RT, de 15 de fevereiro último, com especialistas de Harvard que construíram máquinas móveis programadas com com termos lógicos de auto-organização e capazes de executarem tarefas complexas sem direção central ou controle remoto.
 
 
A RT não entende as implicações. Em vez de levantar uma bandeira vermelha, a RT se entusiasma: “as possibilidades são vastas. As máquinas podem ser feitas para construir qualquer estrutura tri-dimensional por si sós, e com mínima instrução. Mas o que é realmente impressionante é a sua capacidade de adaptação ao seu ambiente de trabalho e a cada um deles; para calcular perdas, reorganizar esforços e fazer ajustes. Já está claro que o desenvolvimento fará maravilhas para a humanidade no espaço, e em lugares de difícil acesso e em outras situações difíceis”.
 
Do modo como o mundo está organizado, sob poucos e imensamente poderosos e gananciosos interesses privados, a tecnologia nada fará pela humanidade. A tecnologia significa que os humanos não serão mais requeridos na força de trabalho e que os exércitos de robôs sem emoção tomarão o lugar dos exércitos humanos e não há qualquer remorso quanto a destruir os humanos que os desenvolveram. O quadro que emerge é mais ameaçador que as previsões de Alex Jones. Diante da pequena demanda por trabalho humano, muito poucos pensadores preveem que os ricos pretendem aniquilar a raça humana e viver num ambiente dentre poucos, servidos por seus robôs. Se essa história ainda não foi escrita como ficção científica, alguém deveria se dedicar a fazê-lo, antes que se torne algo comum da realidade.
 
Os cientistas de Harvard estão orgulhosos de sua conquista, assim como sem dúvida estavam os participantes do Projeto Manhattan, em relação à conquista por terem produzido uma arma nuclear. Mas o sucesso dos cientistas do Projeto Manhattan não foi muito bom para os residentes de Hiroshima e Nagasaki, e a perspectiva de uma guerra nuclear continua a lançar uma nuvem negra sobre o mundo.
 
A tecnologia de Harvard provará que é inimiga da raça humana. Esse resultado não é necessário, mas os ideólogos do livre mercado pensam que qualquer planejamento ou antecipação é uma interferência no mercado, que sempre sabe melhor (daí a atual crise financeira e econômica). A ideologia do livre mercado alia-se ao controle social e serve a interesses de curto prazo de gananciosos grupos privados. Em vez de ser usada para a humanidade, a tecnologia será usada para o lucro de um punhado.
 
Essa é a intenção, mas qual é a realidade? Como pode haver uma economia de consumo se não há emprego? Não pode, que é o que estamos aprendendo gradativamente com a exportação de empregos pelas corporações globais, para o exterior. Por um período limitado uma economia pode continuar a funcionar na base de empregos de meio turno, rebaixamento de salários, cartões de benefícios sociais – de segurança alimentar e auxílio-desemprego.
 
Quando a poupança cai, no entanto, quando os políticos sem coração que demonizam os pobres cortam esses benefícios, a economia deixa de produzir mercado para consumir os bens importados que as corporações trazem para vender.
 
Aqui vemos o fracasso total da mão invisível de Adam Smith. Cada corporação em busca de vantagens gerenciais maiores, determinadas pelos lucros obtidos em parte pela produção da destruição do mercado consumidor dos EUA e da miséria maior de todos.
 
A economia smithiana aplica-se a economias nas quais os capitalistas têm algum sentido de vida comum com outros cidadãos do país, como o tinha Henry Ford.
 
Algum tipo de pertencimento a um país ou a uma cidade. A globalização destrói esse sentido. O capitalismo evoluiu ao ponto em que os interesses econômicos mais poderosos, os interesses que controlam o próprio governo, não têm sentido de obrigação com o país nos quais seus negócios estão registrados. Fora as armas nucleares, o capitalismo é a maior ameaça que a humanidade já teve diante de si.
 
O capitalismo internacional levou a ganância a um patamar de força determinante da história. O capitalismo desregulado e dirigido pela ganância está destruindo as perspectivas de emprego no mundo desenvolvido e no mundo em desenvolvimento, cujas agriculturas se tornaram monoculturas para exportação a serviço dos capitalistas globais, para alimentarem a si mesmos. Quando vier a quebradeira, os capitalistas deixarão “a outra” humanidade à míngua.
 
Enquanto isso, os capitalistas declaram, em seus encontros de cúpula, “que há muita gente no mundo”.
 
* Paul Craig Roberts, Diretor do Institute for Political Economy. Versão original do artigo aqui.
 
Tradução: Louise Antônia León

Programa dos EUA para a deserção de médicos cubanos

Um escândalo oculto: o programa dos EUA para a deserção de médicos cubanos

Um escândalo oculto: o programa dos EUA para a deserção de médicos cubanos

Charge: Latuff


Uma das iniciativas mais mesquinhas na guerra de desgaste, do governo dos EUA contra Cuba é o chamado Cuban Medical Professional Parole, programa do Departamento de Estado  que tem como objetivo conseguir a deserção, mediante suborno, de médicos que integram as brigadas de solidariedade de Cuba no mundo.
 Trata-se de um verdadeiro escândalo moral em torno do qual os meios de comunicação, que possuem todos os detalhes sobre o caso, preferem silenciar, pois falar sobre este episódio lamentável iria forçá-los a revelar a imensa solidariedade prestada por Cuba no campo da medicina como, por exemplo, o fato de que este país tem mais de 37.000 profissionais de saúde cooperando em 77 países pobres, o maior índice mundial, representando 45% dos programas de cooperação Sul-Sul na América Latina; ou ainda que, 40% dos cuidados contra cólera no Haiti, das cirurgias oftalmológicas, realizadas gratuitamente e, que atingiram um milhão e meio de pessoas sem recursos, foram executadas neste país por profissionais de saúde cubanos; ou que Cuba 
tem atualmente cerca de 4.000 estudantes de medicina com bolsa de estudos de 23 países, incluindo os EUA.
 Que tudo isso que seja realizado por um país pobre e bloqueado como Cuba é algo muito forte para que se permita que seja dado a conhecer ao público, ao qual os grandes meios de comunicação só apresentam as deficiências e déficits cubanos.
 O programa Professional Parole Cuban Medical é uma iniciativa coordenada desde 2006 pelo Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos.  Como se pode ler nos sítios destes organismos, as embaixadas dos Estados Unidos em qualquer país mundo oferecem um tratamento especial e rápido que permite aos médicos (as) e enfermeiras (os) e técnicos de laboratório cubanos emigrarem para os EUA.
Um telegrama da embaixada dos EUA em Caracas, revelado por Wikileaks, mostra outros detalhes como, por exemplo, que as embaixadas norte-americanas fornecem transporte para Miami em aviões especiais para aqueles que são cooptados por este programa.
O jornal The Wall Street Journal, em janeiro de 2011, a titulo de propaganda, informou que, desde a criação do Parole Cuban Medical, há quatro anos e meio, 1.574 participantes das ações de solidariedade cubanas, em 65 países foram cooptados. O dado parece significativo, mas façamos um cálculo simples para avaliar o impacto real da iniciativa. 
Se considerarmos que, como alegado pelo jornal acima referido, apenas em um ano (em 2010), havia mais de 37 mil colaboradores cubanos e, que o período de permanência no exterior, embora variado, dependendo da missão, geralmente é de cerca de dois anos, nesses 4,5 anos Cuba enviou ao exterior pelo menos 83 mil profissionais da área médica. Desta maneira, os 1574 médicos capturados pelo programa dos Estados Unidos representam apenas 1,89% do total. Estes resultados revelam um claro fracasso, se considerarmos que a iniciativa tem orçamento federal, centenas de funcionários a sua disposição, que é impulsionado por todas as embaixadas dos Estados Unidos 
no mundo e, que tem poderosos aliados políticos e na mídia em diversos países.
 Não é gratuito que o maior número de profissionais que aderiram ao programa Professional Parole Cuban Medical  tenha exercido seu trabalho na Venezuela. Este país possui o maior número de médicos cubanos que cooperam em comunidades carentes, vinculados ao programa de saúde Missão Bairro Adentro. É evidente que, neste caso, ademais de atacar Cuba há um propósito suplementar: minar o prestígio social da Missão Barrio Adentro, sem dúvida o mais bem-sucedido programa social do governo Chávez e, no qual a cooperação médica de Cuba desempenha um importante papel.
Esta iniciativa do governo dos EUA revela a utilização da questão da emigração cubana com vistas a desestabilização social e política. Nos recordemos que a Lei 1.966, Lei de Ajuste Cubano , concede a todo cubano que pise em território norte-americano autorização de residência bem como, benefícios sociais e incentivos para conseguir emprego, algo negado ao restante da emigração latino-americana  a qual, aliás, é vítima de uma política sistemática de expulsão. No entanto, com tudo isso os números da emigração cubana para os EUA são claramente inferiores aos dos outros países da região.
 O programa de cooptação de profissionais de saúde cubanos tem o apoio, direto ou indireto, de outros agentes. Em primeiro lugar, da grande mídia. A grande imprensa privada dos países em que a ajuda cubana tem maior significação como, por exemplo, Venezuela, Nicarágua e Bolívia, tem ocultado o grande impacto social desses programas médicos, dando cobertura extraordinária ao abandono de médicos cubanos.
 Desde Miami, supostas "ONGs" também apoiam o recrutamento de médicos cubanos. Tal é o caso de "Solidariedade sem Fronteiras" , que chamou de "Bairro Fora" sua colaboração especial com o governo dos EUA. Em seu sítio web disponibiliza formulários à serem preenchidos pelos médicos bem como, 
os endereços das embaixadas e consulados dos Estados Unidos para que eles devem buscar.
 Esta organização promoveu ação judicial, junto ao Tribunal Federal de Miami, na qual vários médicos cubanos que desertaram buscavam da PDVSA indenizações no valor 450 milhões de dólares a titulo de compensação por alegado "trabalho forçado" ou, trabalho de "escravos modernos", expressões utilizadas para definir o trabalho de assistência médica de apoio exercida em bairros desfavorecidos e comunidades rurais da Venezuela, lugares onde, por sinal, ninguém os obrigou a ir. 
 De recordar que a cooperação médica cubana na Venezuela tem características especiais, em comparação com outros programas de ajuda médica cubana: é parte de um acordo bilateral que Cuba dispõe de milhares de profissionais da saúde, educação, esporte, agricultura e outros setores, e para o qual a Venezuela fornece petróleo para Cuba em condições preferenciais.
 Apesar do silêncio da mídia, Cuba ganhou com os seus programas de solidariedade internacional, uma sólida reputação junto população e governos de inúmeros países do Terceiro Mundo. Para destruí-lo, o governo dos EUA usa de seu poderio econômico e diplomático. Enquanto isso, a grande mídia, esquecendo sua função social, oculta da opinião pública o exemplo de solidariedade internacional que Cuba oferece ao mundo bem como, a existência de uma das iniciativas de diplomacia suja mais imoral dos últimos tempos.
 Fonte: http://www.cubadebate.cu

Por José Manzaneda, no site Cubadebate
Tradução: Lúcio Costa

Uma das iniciativas mais mesquinhas na guerra de desgaste, do governo dos EUA contra Cuba é o chamado Cuban Medical Professional Parole, programa do Departamento de Estado (1) que tem como objetivo conseguir a deserção, mediante suborno, de médicos que integram as brigadas de solidariedade de Cuba no mundo.

Trata-se de um verdadeiro escândalo moral em torno do qual os meios de comunicação, que possuem todos os detalhes sobre o caso, preferem silenciar, pois falar sobre este episódio lamentável iria forçá-los a revelar a imensa solidariedade prestada por Cuba no campo da medicina como, por exemplo, o fato de que este país tem mais de 37.000 profissionais de saúde cooperando em 77 países pobres, o maior índice mundial, representando 45% dos programas de cooperação Sul-Sul na América Latina; ou ainda que, 40% dos cuidados contra cólera no Haiti, das cirurgias oftalmológicas, realizadas gratuitamente e, que atingiram um milhão e meio de pessoas sem recursos, foram executadas neste país por profissionais de saúde cubanos; ou que Cuba tem atualmente cerca de 4.000 estudantes de medicina com bolsa de estudos de 23 países, incluindo os EUA.

Que tudo isso que seja realizado por um país pobre e bloqueado como Cuba é algo muito forte para que se permita que seja dado a conhecer ao público, ao qual os grandes meios de comunicação só apresentam as deficiências e déficits cubanos.

O programa Professional Parole Cuban Medical é uma iniciativa coordenada desde 2006 pelo Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos.  Como se pode ler nos sítios destes organismos, as embaixadas dos Estados Unidos em qualquer país mundo oferecem um tratamento especial e rápido que permite aos médicos (as) e enfermeiras (os) e técnicos de laboratório cubanos emigrarem para os EUA.

Um telegrama da embaixada dos EUA em Caracas, revelado por Wikileaks, mostra outros detalhes como, por exemplo, que as embaixadas norte-americanas fornecem transporte para Miami em aviões especiais para aqueles que são cooptados por este programa.
O jornal The Wall Street Journal, em janeiro de 2011, a titulo de propaganda, informou que, desde a criação do Parole Cuban Medical, há quatro anos e meio, 1.574 participantes das ações de solidariedade cubanas, em 65 países foram cooptados. O dado parece significativo, mas façamos um cálculo simples para avaliar o impacto real da iniciativa. 
Se considerarmos que, como alegado pelo jornal acima referido, apenas em um ano (em 2010), havia mais de 37 mil colaboradores cubanos e, que o período de permanência no exterior, embora variado, dependendo da missão, geralmente é de cerca de dois anos, nesses 4,5 anos Cuba enviou ao exterior pelo menos 83 mil profissionais da área médica. Desta maneira, os 1574 médicos capturados pelo programa dos Estados Unidos representam apenas 1,89% do total. Estes resultados revelam um claro fracasso, se considerarmos que a iniciativa tem orçamento federal, centenas de funcionários a sua disposição, que é impulsionado por todas as embaixadas dos Estados Unidos no mundo e, que tem poderosos aliados políticos e na mídia em diversos países.

Não é gratuito que o maior número de profissionais que aderiram ao programa Professional Parole Cuban Medical  tenha exercido seu trabalho na Venezuela. Este país possui o maior número de médicos cubanos que cooperam em comunidades carentes, vinculados ao programa de saúde Missão Bairro Adentro. É evidente que, neste caso, ademais de atacar Cuba há um propósito suplementar: minar o prestígio social da Missão Barrio Adentro, sem dúvida o mais bem-sucedido programa social do governo Chávez e, no qual a cooperação médica de Cuba desempenha um importante papel.
Esta iniciativa do governo dos EUA revela a utilização da questão da emigração cubana com vistas a desestabilização social e política. Nos recordemos que a Lei 1.966, Lei de Ajuste Cubano (2) ,concede a todo cubano que pise em território norte-americano autorização de residência bem como, benefícios sociais e incentivos para conseguir emprego, algo negado ao restante da emigração latino-americana  a qual, aliás, é vítima de uma política sistemática de expulsão. No entanto, com tudo isso os números da emigração cubana para os EUA são claramente inferiores aos dos outros países da região.
O programa de cooptação de profissionais de saúde cubanos tem o apoio, direto ou indireto, de outros agentes. Em primeiro lugar, da grande mídia. A grande imprensa privada dos países em que a ajuda cubana tem maior significação como, por exemplo, Venezuela, Nicarágua e Bolívia, tem ocultado o grande impacto social desses programas médicos, dando cobertura extraordinária ao abandono de médicos cubanos.

Desde Miami, supostas "ONGs" também apoiam o recrutamento de médicos cubanos. Tal é o caso de "Solidariedade sem Fronteiras" (3), que chamou de "Bairro Fora" sua colaboração especial com o governo dos EUA. Em seu sítio web disponibiliza formulários à serem preenchidos pelos médicos bem como, os endereços das embaixadas e consulados dos Estados Unidos para que eles devem buscar.

Esta organização promoveu ação judicial, junto ao Tribunal Federal de Miami, na qual vários médicos cubanos que desertaram buscavam da PDVSA indenizações no valor 450 milhões de dólares a titulo de compensação por alegado "trabalho forçado" ou, trabalho de "escravos modernos", expressões utilizadas para definir o trabalho de assistência médica de apoio exercida em bairros desfavorecidos e comunidades rurais da Venezuela, lugares onde, por sinal, ninguém os obrigou a ir.

De recordar que a cooperação médica cubana na Venezuela tem características especiais, em comparação com outros programas de ajuda médica cubana: é parte de um acordo bilateral que Cuba dispõe de milhares de profissionais da saúde, educação, esporte, agricultura e outros setores, e para o qual a Venezuela fornece petróleo para Cuba em condições preferenciais.

Apesar do silêncio da mídia, Cuba ganhou com os seus programas de solidariedade internacional, uma sólida reputação junto população e governos de inúmeros países do Terceiro Mundo. Para destruí-lo, o governo dos EUA usa de seu poderio econômico e diplomático. Enquanto isso, a grande mídia, esquecendo sua função social, oculta da opinião pública o exemplo de solidariedade internacional que Cuba oferece ao mundo bem como, a existência de uma das iniciativas de diplomacia suja mais imoral dos últimos tempos.

1 - http://www.state.gov/p/wha/rls/fs/2009/115414.htm
2 - http://www.uscis.gov/green-card/other-ways-get-green-card/green-card-cuban-native-or-citizen
3  - http://www.ssfin.org/

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Democratização da Mídia.

Há espaço para jornal diário e de compromisso popular?


Três professores – Venício Lima, Aloysio Castelo de Carvalho e Bernardo Kucinski – e o representante da Telesur no Brasil, Beto Almeida, analisam o tema

Por Maria do Rosário Caetano no BrasilDeFato

Por que segmentos progressistas da população brasileira, em especial os movimentos sociais organizados, jamais conseguiram implantar um jornal diário e alternativo no país? Por que repórteres, de forma cooperativada, também não conseguiram lançar um “jornal de jornalistas”, nos moldes do italiano Il Manifesto ou do francês Le Monde? Mesmo a imprensa partidária brasileira tem história modesta. Nada vicejou por aqui que lembre veículos de prestígio como o L´Humanitè francês ou o L’Unità, da Itália.
Há quem entenda que Última Hora, diário criado por de Samuel Wainer, durante o segundo governo Vargas (1951-1954), com financiamento do Banco do Brasil e participação de alguns empresários (Francisco Matarazzo, Euvaldo Lódi, Ricardo Jaffet, Francisco Peixoto Gomide e Walter Moreira Salles) constituiu instigante e renovadora experiência alternativa ao jornalismo mantido por grandes grupos empresariais. Muitos deles, proprietários, além de jornais impressos, de emissoras de TV, rádio e editoras de livros.
Samuel Wainer (1912-1980) assegura, na página 180 de seu livro de memórias, Minha Razão de Viver, que Última Hora foi o exemplo de “uma imprensa genuinamente popular”. Quando o jornal contava dois anos de existência, ele registrou em uma de suas páginas: “Eis-nos na posse de plena vitalidade criadora. Melhor do que qualquer outro argumento, atestam-no a nossa circulação e publicidade. E estamos apenas no começo. Reivindicamos para nós o dever de criar no Brasil a primeira grande imprensa popular, os primeiros grandes jornais de massas, isentos de pressão de grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, vivendo exclusivamente do apoio de seus leitores e anunciantes, podendo sem receios nem hesitações erguer cada vez mais alto a bandeira, cuja legenda constitui a nossa própria razão de ser: emancipação econômica, liberdade política, justiça social para o povo brasileiro”.
No terceiro ano de existência de Última Hora, Samuel Wainer reafirmou o papel do veículo do qual era proprietário e editor: “Iniciamos no Brasil o ciclo da imprensa popular e nacional”. Aloysio Castelo de Carvalho, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de dois livros sobre a imprensa brasileira – O Caso Última Hora e o Cerco da Imprensa ao Governo Vargas e A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal e o Jornal do Brasil na Queda do Governo Goulart (1961-1964) – reavalia os propósitos anunciados por Samuel Wainer:
“O Última Hora era um jornal que atingia sobretudo os setores médios, progressistas, de esquerda. Jamais foi um jornal que atingisse os setores populares, ou seja, os trabalhadores da cidade, o proletariado, embora o jornal falasse em seu nome, procurando representar e dar voz a esses setores. Há uma enorme diferença entre falar em nome dos interesses nacionais e populares, ou seja, defender um projeto de Nação que inclua os setores populares e atingir em termos de vendas o público popular, os trabalhadores. Se hoje fosse criado um jornal alternativo, de esquerda, a situação se repetiria. O jornal atingiria, sobretudo, as camadas altas e médias. Talvez pudéssemos observar alguns trabalhadores qualificados lendo o jornal”.  
Em 1964, com o triunfo do golpe militar, Última Hora, que teve edições no Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, entre outros estados, conheceu momentos difíceis.
Seu proprietário e editor exilou-se na Europa. Voltou ao Brasil alguns anos depois, mas não havia mais clima para jornal que assumisse posições ligadas ao ideário da esquerda nacionalista.
Era digital
Se a experiência de Última Hora foi possível no tempo do jornal impresso, que apresentava o complexo e dispendioso desafio da distribuição física – num Brasil de dimensões continentais – um diário semelhante ao de Samuel Wainer seria viável em tempos de suporte digital? Afinal, não há mais necessidade de parque gráfico, nem de grandes quantidades de papel, nem de caminhões para entrega de exemplares às bancas e aos assinantes.
Venício A. de Lima, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), especialista em mídia e autor de livros como Comunicação e Cultura: As Ideias de Paulo Freire e A Mídia nas Eleições de 2006, destaca que, na verdade, setores importantes da esquerda brasileira, inclusive partidos políticos, sempre trabalharam com a hipótese de “conquistar” o apoio da mídia privada comercial, ao invés de pensar em patrocinar seu próprio veículo. Ele entende que prioritário seria o apoio estatal à mídia pública – caso da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que engloba TV, rádios e agência de notícia – de forma que ela pudesse se constituir numa alternativa de qualidade. Algo semelhante ao que faz a BBC, na Inglaterra.
O professor, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estudos de doutorado e pós-doutorado nos EUA, qualifica de “complexa e difícil” qualquer comparação com a experiência do diário Última Hora, já que os tempos são outros. Tempos em que “os jornais impressos, que ainda sobrevivem, estão migrando para a internet. A nova geração – nossos filhos e netos – não ‘consome’ mais mídia impressa. A questão é nova e as respostas, necessariamente, têm que ser pensadas neste novo contexto”.
O cientista político e professor da USP Bernardo Kucinski, autor do livro Jornalistas e Revolucionários – Nos Tempos da Imprensa Alternativa, define Última Hora como “um jornal de linha política popular e antioligárquica, nisto diferindo e se contrapondo à mídia convencional oligárquica e antipopular”. Mas pondera que Última Hora “nunca foi um jornal alternativo”, pois “era produzido por uma grande empresa”.
Beto Almeida, da junta diretora da TeleSur – emissora de TV, bancada pelo governo da Venezuela em parceria com outros países da América Latina – , é um entusiasta da experiência histórica do jornal Última Hora e defensor apaixonado da possibilidade de criação de um jornal diário, de esquerda. “Penso nisto todos os dias”, confessa. “E acredito na viabilidade de uma Cooperativa Nacional de Jornalistas. Temos mais de 100 mil jornalistas atuando no Brasil: será que não reuniríamos mil deles para este projeto?”
Viabilidade de um diário
O diretor da TeleSur-Brasil tem idéias claras sobre a estruturação do suporte financeiro capaz de viabilizar o diário alternativo e de esquerda. “Montaremos uma cooperativa nacional de jornalistas e apoiadores, com cotas pertencentes a mil jornalistas, além de escritores, ilustradores, pensadores e intelectuais de todas as formações. Luiz Inácio Lula da Silva será o presidente de honra do novo veículo. Que empresário progressista se negaria a atender a uma solicitação do ex-presidente da República para que contássemos, durante seis meses, com anúncios frequentes na fase inicial do jornal?”
Militante do Partido dos Trabalhadores (PT), Beto Almeida lembra que “a criação de um jornal popular foi aprovada em vários congressos do PT, mas nunca implementada”. E que esta questão “perturba o equilíbrio interno do partido, no qual há muita gente interessada apenas em assegurar e manter posições de mando, seja nos estados, no Congresso Nacional ou nas prefeituras”.
Para ele, “um jornal estimula a fruição intelectual e política dos quadros partidários, promove um terremoto, bota a direção para mexer-se, ganhar ritmo”. Isto, porém – lamenta – “contraria muita gente, mas constitui necessidade histórica do Brasil e de seu povo, vai além de uma bandeira partidária”.
No projeto que acalenta a cada dia, Beto Almeida vê “um diário que não seja apenas um jornal petista, mas sim um veículo de todas as forças que apóiam o processo de mudanças iniciado com o governo Lula”.
“Na Argentina, na Venezuela, na Bolívia e no Equador” – defende – “ já foram criados jornais públicos e jornais populares, alguns diretamente estatais , outros com o apoio das forças que sustentam o governo, mas pertencentes a entidades criadas para este fi m, lançar um jornal”. E constata: “Para uma democratização das mídias eletrônicas, necessitamos de mudanças constitucionais e de maioria parlamentar. O que é muito difícil”.
Já “no caso de um jornal impresso popular, diário, de massas, tudo depende apenas de nós. Claro que, hoje, este jornal seria também digital, online, com recursos de multimídia”.
Dores do povo
Na compreensão do jornalista da TeleSur-Brasil, “um jornal popular é um veículo que assuma as dores do povo de maneira respeitosa, questionadora, informativa e transformadora”. Cita verso de Chico Buarque, em Gota D´Agua: A dor da gente não sai no jornal . “O povo está em luta, mas isto não aparece no jornal. O povo cria, e isto, apenas eventualmente sai no jornal. Há um amplo apoio popular ao programa Mais Médicos e isso permitiria fazer reportagens criativas sobre como o povão está reagindo ao programa em cada município. Onde estão estas reportagens?”.
Beto sabe que o Le Monde francês, que nasceu como um jornal de jornalistas, já não é mais propriedade de sua Redação. “Sim, eu sei que o Le Monde está, hoje, sob controle majoritário de um banco”. Mesmo assim, não perde as esperanças, nem o humor: “por que os programas sociais podem distribuir camisinha, dentadura, farinha, macarrão e não podem também distribuir jornal?
Na França, a Previdência Social tem um jornal distribuído gratuitamente a todos os segurados. E a publicação não aborda apenas temas ligados à seguridade social. Trata-se de um jornal com informação sobre política, economia, cultura, cinema, esportes, saúde etc”.
O professor Aloysio Castelo de Carvalho também acredita que “um jornal diário e alternativo, de esquerda, pode ser criado desde que tenha suporte financeiro como foi o caso da Última Hora, que divulgava valores democráticos com foco nos temas da justiça e da igualdade social”.
Para tanto – pondera – “seria necessário a união das forças políticas de esquerda, do PT e outros partidos próximos, com suporte de um empresariado disposto a apoiar uma nova visão do Brasil. Seria um passo importante na democratização dos meios de comunicação”.

Certo desalento

Bernardo Kucinski lembra que “já houve jornal diário e alternativo, na época do Partidão (PCB), que tinha uma concepção de jornal organizador e funcionava sob o conceito de ‘centralismo’”.
Hoje, o professor da USP vê com certo desalento a possibilidade de implantação de um jornal de esquerda e de grande alcance, mesmo que no suporte digital. “A nova esquerda (leia-se PT) é constituída de facções que disputam espaço entre si, cada uma com sua imprensa; os poucos projetos de frente entre várias facções logo sucumbem devido à luta interna pelo controle exclusivo.
Pelo mesmo motivo torna-se difícil um veículo digital de grande porte alternativo, capaz de fazer frente a uma UOL, mesmo sem a necessidade de arcar com todos os problemas de custo e distribuição que caracterizavam a imprensa antiga.
No entanto, obviamente tornou-se facílimo produzir, hoje, veículos digitais alternativos, e eles aí estão aos milhares. Na verdade, a comunicação digital é por sua natureza libertária e alternativa.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Golpe na Venezuela


Venezuela é vítima de uma nova tática intervencionista da direita


Vermelho entrevistou o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Ricardo Alemão Abreu, para entender a conjuntura política da Venezuela. Segundo ele, há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina e o que está acontecendo no país é a aplicação desta tática de desestabilização, uma vez que a oposição não tem força política suficiente para enfrentar os governos de esquerda de forma democrática. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho


Manifestação a favor do governo de Nicolás Maduro em Caracas. Foto: Alba.

Como avalia o momento pelo qual a Venezuela está passando atualmente?
Há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina, que diz defender a democracia e a liberdade, mas que na verdade sempre foi antidemocrática e autoritária. A direita vem se apropriando dos discursos da esquerda, para implantar a dúvida de quem são os reais democratas e quem são os ditadores.

A Venezuela é um caso mais flagrante disso atualmente, mas essa mesma tática está sendo usada na Argentina e no Brasil. Trata-se da tentativa de criar um ambiente de desestabilização com o desabastecimento, que gera uma guerra econômica e o caos que força uma crise cambial. Por sua vez, isso provoca uma violência política que dá a sensação de que o governo não tem controle da situação e de que é culpado pela situação caótica.

Como os opositores conseguem o apoio popular utilizando essa tática?
Na Venezuela há uma parcela da população que ora vota no chavismo, ora vota contra. Esse grupo não cai no discurso fácil de que o presidente Nicolás Maduro é culpado por tudo, mas pode não votar novamente nele por conta da situação do país. Com isso, os opositores reforçam sua porcentagem de eleitores (cerca de um terço dos votantes) e disputam outra franja de apoio popular. Por meio da desestabilização do governo, o golpe de Estado se torna mais palpável para esses grupos de ultradireita, que utilizam quaisquer artifícios para manipular informações.

A manipulação e a desestabilização de governo rumo a um golpe de Estado são uma resposta à força da integração latino-americana?
Claro. À medida que temos a democracia e liberdade para o povo na América Latina, surgem ainda mais alternativas, mais à esquerda, progressistas e até revolucionárias, que sempre foram sufocadas ou por golpes militares, ou por invasão dos Estados Unidos, ou por apoio às ditaduras. O golpe militar de 1964 no Brasil é um exemplo, assim como o golpe que derrubou Salvador Allende no Chile, na década de 1970.

Tivemos, a partir do final dos anos 1990, um avanço no processo de democratização latino-americano e, consequentemente, a vitória de governos mais progressistas e até de forças revolucionárias que passaram a democratizar ainda mais esses países – a Venezuela teve 15 eleições no período de 10 anos. Por tanto, o processo é contrário ao que dizem dos governos de esquerda: que são ditaduras.

O governo de Cristina Kirchner democratizou os meios de comunicação na Argentina, o mesmo aconteceu no Uruguai e no Equador. Quer dizer, quanto mais os governos de esquerda avançam em reformas democráticas, os grupos de direita opositores ficam sem alternativa e buscam uma saída fascista.

Por isso o presidente Nicolás Maduro considera que a conjuntura na Venezuela é uma consequência da ação de grupos fascistas?
A oposição está mudando de tática e de líder na Venezuela. Veja bem, Henrique Capriles não dá mais conta de fazer oposição ao governo em eleições. Já perdeu para o Hugo Chávez e, posteriormente, para Nicolás Maduro. Nas eleições municipais de dezembro passado, eles achavam que teriam ao menos um empate técnico com o partido governista, mas as medidas que Maduro tomou contra a guerra econômica foram muito eficientes e, com isso, o mandatário teve a confirmação do apoio popular.

Então precisa ser alguém mais radical, como é o caso de Leopoldo López. Tanto que, anteriormente, ele e Capriles faziam parte da mesma coligação contra o chavismo e agora estão divididos. Ou seja, pelas vias democráticas a oposição não tem mais espaço. A cena golpista fica impaciente com os governos que vão se reelegendo e que dão continuidade e aprofundamento aos programas progressistas. A partir disto, a direita passa a fortalecer uma alternativa neofascista, de golpe de Estado, de ditadura e de violência.

Para ter uma ideia, em 2002, López liderou a agressão armada à embaixada de Cuba e hoje prega um discurso pacífico. Ele, na época, já organizava esses grupos neofascistas de ultradireita. O opositor continua sendo o mesmo, mas agora utiliza essa “fachada” de defensor da paz, da democracia e de José Martí. Isso é tudo jogo de cena.

E assim Leopoldo López ganha o apoio popular...
Sim, mas essa campanha denominada “A Saída” que ele comanda é ditatorial e acusa o governo que construiu um Estado com base na democracia popular, que é o conteúdo real da Revolução Bolivariana, de ser uma ditadura.

Podemos afirmar que há uma tentativa de golpe de Estado na Venezuela, tal e qual o presidente Nicolás Maduro vem denunciando?
Sim, há uma tentativa de golpe, mais complexa, mais sofisticada e que utiliza o discurso da democracia e da liberdade, mas com o conteúdo de um golpe fascista. Essa inversão de sinais e essa apropriação dos termos de esquerda promove uma confusão ao desconstruir a imagem da real democracia. Há uma falsificação que tenta enganar o povo para a saída golpista.

Qual o papel dos Estados Unidos no que está acontecendo na Venezuela?
Os Estados Unidos e as direitas locais não suportariam mais 10 anos de governos progressistas e anti-imperialistas na América Latina. Como disse anteriormente, existe hoje um novo padrão de intervenção política do imperialismo, que prepara a guerra midiática, a guerra econômica, o terror psicológico e a falsificação.

Gene Sharp, um escritor que possui ligações com a CIA, escreveu um livro no qual ele levanta 198 estratégias de desestabilização de governo. Tudo o que está sendo feito na Venezuela está nesse “manual”. Isso foi aplicado no Irã em 1953 e no Chile em 1970.

O opositor Leopoldo López tem muita ligação com os EUA. O próprio fato de o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ter se pronunciado contra a prisão de López pode ser uma demonstração da ligação entre eles.

Qual é a nossa tarefa para prevenir essa “infiltração” fascista?
Nós precisamos defender a democracia e os governos eleitos de forma legítima e denunciar essa tentativa de “fascistização” da América Latina. É importante agir agora para desmoralizar essa tática e essa estratégia da direita para implantar o golpe de Estado a qualquer custo.

Na Venezuela é importante aproveitar que a oposição não está totalmente unida nisso e desmascarar esse tipo de discurso fascista para evitar que a onda golpista cresça. Não acredito que possa haver um golpe na Venezuela manhã, mas pode ser criada uma situação favorável a isso. Temos que nos preparar para uma nova fase de contraofensiva.

Qual o papel da mídia na propagação desse discurso “falsificado”?
As redes sociais repercutem o que a grande mídia diz. Manipulam imagens e divulgam sempre aquilo que é lhes é favorável. A multiplicação de um discurso que parece a favor do povo, mas que tem por trás grupos de extrema direita merece atenção especial.

Há algum perigo para a integração latino-americana?
Os três países fundamentais para a integração latino-americana são a Venezuela, o Brasil e a Argentina. Para quebrar a integração hoje, é preciso quebrar esses três países. Isso abalaria o todo o processo de avanço consolidado com o Mercosul, Unasul, Celac, Alba e outros.

Por isso, hoje, a direita intensifica sua campanha nesses três países. O plano era derrotar o Polo Patriótico, em dezembro passado, na Venezuela – o que não aconteceu – para criar uma alternativa para o próximo referendo revogatório daqui a dois anos. Também querem derrotar a presidenta Dilma Rousseff nas presidenciais deste ano e a o partido de Cristina Kirchner na Argentina, em 2015.

É possível, portanto, encontrar semelhanças nos acontecimentos recentes nesses países no último ano. Há uma guerra midiática, uma guerra política e econômica que acontece em intensidades diferentes contra esses três governos. Os opositores apostam que o caos e que um governo cada vez mais desprestigiado perca o apoio popular.

Como isso pode repercutir no Brasil?
No Brasil não será diferente, eles vão tentar ganhar uma parte do povo que vota na presidenta Dilma Rousseff utilizando o falso argumento de que a governante é incapaz, que a economia está um caos, que a política social está esgotada.

Aqui no Brasil, o discurso da direita em 1964 era “democracia e liberdade” com a chamada “revolução democrática”. Contudo, o governo deposto de Jango era, até então, o mais avançado e o que tinha mais compromisso com a luta dos trabalhadores, com a democratização e com a soberania nacional. 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Medicina cubana, exemplo de humanidade...


Médico cubano fala à imprensa pela primeira vez

Em entrevista exclusiva, Maikell Rodriguez Valle diz por que escolheu Candiota para trabalhar, desmente inverdades sobre o Mais Médicos e diz como se sentiu ao ser denunciado por um colega de profissão
Profissional disse levar muito a sério o juramento de Hipócrates
Crédito: ANTÔNIO ROCHA
Ele gosta de churrasco, mas é hipertenso. Prometeu começar academia semana que vem, se o serviço permitir. Esteve na Venezuela e na Bolívia realizando o mesmo trabalho que faz no Brasil, em comunidades pobres e indígenas que, historicamente, tiveram pouco acesso à saúde pública. Foi manchete dos principais jornais brasileiros semana passada, quando um colega de profissão de Bagé o denunciou ao Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) por ter atendido a um paciente em estado grave, fora da sua jurisdição. "Nós temos experiências em outros países. Não somos novatos", disse, como que respondendo a quem duvida de sua competência. "Quando cheguei ao Brasil, falei que não íamos mudar nada na saúde que o Brasil não queira mudar", lembrou.     
O médico mais badalado do Brasil atualmente - depois, apenas, da colega Ramona Rodríguez, que pediu asilo aos EUA para ver o namorado em Miami - concedeu entrevista exclusiva ao Jornal MINUANO. Entrevista esta pretendida desde semana passada, quando o profissional se tornou assunto na imprensa nacional, mas preferiu esperar a turbulência passar.  
Na sede da prefeitura de Candiota, bairro Dario Lassance, Maikel Rodriguez Valle, 34 anos, recebeu a equipe de reportagem e falou, em bom portunhol, por mais de uma hora. Consequência do diálogo mantido com seus pacientes no interior do município, onde prefere atuar. Atrasou-se por alguns minutos, pois estava fazendo o que manda a profissão: salvando vidas. Agora, quando o Ministério da Saúde está prestes a arquivar a denúncia do Conselho Regional de Medicina (Cremers), numa demonstração clara de bom-senso, o cubano quebra o silêncio. Fala da medicina e da saúde pública em Cuba, do programa federal Mais Médicos, por que escolheu Candiota para trabalhar e o que sentiu ao ser denunciado por um colega de profissão.
 
De Cuba para o Brasil
Valle é divorciado e pai de dois filhos. Um de seis e outro de quatro anos de idade. Não os trouxe por opção, visto que são muito novos e, segundo ele, seria traumático para as crianças esse choque de cultura e mudança de idioma. Neste ponto, Valle desmente o primeiro mito acerca do Mais Médicos, onde diziam que eram proibidos de trazer as famílias. "Conheço colegas que trouxeram a família. Eu não trouxe por que moro em Cuba, vou voltar para lá e não quero que meus filhos retornem falando português", explicou. A família que ficou em Cuba segue recebendo o salário que ele recebia no Hospital de Pinar Del Rio: "O Mais Médicos é um extra no salário", declarou.   
Formou-se em Medicina em 2007, na Faculdade Ernesto Che Guevara, em Pinar Del Rio, província que fica ao leste da ilha, há 142 quilômetros da capital Havana. Fez residência em Medicina Geral e Integrada (saúde da família), e iniciou sua segunda especialização em anatomia patológica. Trancou os estudos após se inscrever no programa federal. Pretende retomá-los após cumprir sua estada em território brasileiro, que compreende três anos de trabalho. Ao completar um ano no Brasil, vai tirar férias na ilha e rever os filhos. 
Ficou sabendo do programa Mais Médicos através de um edital publicado pelo governo cubano. Resolveu se inscrever por iniciativa própria, desmitificando o boato de que são obrigados pelo regime castrista a vir trabalhar. "Nós que quisemos participar, nada é obrigado. Da mesma forma como fomos para Venezuela e Bolívia", afirmou. Perguntado se vale a pena financeiramente, respondeu: "Desse tema nós não falamos. Mas realmente estou muito feliz. Algumas coisas as pessoas tergiversam", disse, afirmando que está muito satisfeito com o salário e que não se tornou médico para ganhar dinheiro, mas para levar saúde à população.       
 
O episódio 2 de janeiro
Sobre o que aconteceu no dia 2 de janeiro de 2014, no Hospital Beneficente de Candiota, Valle foi reticente. Disse apenas que foi aquilo mesmo que está nos jornais e não quis discorrer sobre o assunto. Não se sentiu chateado ou magoado pela denúncia do colega de profissão. Pelo contrário. Mostrou amadurecimento e uma grande espiritualidade em não recriminar a atitude, respeitando a opinião dos brasileiros e se dando o direito de apenas discordar. "Para mim o importante é a opinião do povo", disse, fazendo alusão ao massivo apoio que obteve nas redes sociais e, inclusive, da presidente Dilma Rousseff. 
Sobre as críticas que o programa Mais Médicos e os cubanos vêm recebendo da categoria brasileira, Valle deu uma lição de humanidade e respeito: "Nós levamos muito a sério o juramento de Hipócrates, que diz que devemos tratar nossos colegas médicos como irmãos. Isso é uma lei do juramento hipocrático, que nós cubanos temos muito presente. Para nós eles são irmãos. O programa tem sido atacado por que toda a mudança traz um pouco de repercussão. É algo normal", considerou. "Da nossa parte nunca vai haver uma resposta negativa contra os colegas. Sempre vamos tratá-los como irmãos. Podemos dizer que em Cuba eles são bem-vindos. Eles e todos os colegas do mundo".
A maioria dos médicos cubanos, segundo Valle, tem duas especializações. Os que não possuem, estão cursando, assim como ele. Ou seja, ninguém é marinheiro de primeira viagem, como reza o corporativismo médico brasileiro que duvida das qualificações cubanas.   
Trabalham 32 horas por semana, com oito horas reservadas para os estudos. Mas como atende no interior, Valle trabalha bem mais tempo. "Estamos tratando de fazer realmente como está concebido na medicina familiar, que é a prevenção, mudanças de modos e estilo de vida, partindo da célula da sociedade, que é a família: tem que conversar, tem que ver as condições de vida, o ambiente onde mora, a alimentação, as condições da água", explicou, confessando que não gosta do tumulto da cidade e que prefere a calma dos campos. 
 
A rotina em Candiota 
De acordo com o médico cubano, quase não existe diferença entre trabalhar em Cuba ou no Brasil. A diferença maior, segundo ele, está nas doenças, visto que regiões tropicais apresentam enfermidades específicas. A outra diferença é a de que todo e qualquer exame, cirurgia, tratamento ou atendimento é gratuito na "ditadura castrista".  
Em Candiota, o maior problema são os hipertensos, em virtude da alimentação fronteiriça. Principalmente as carnes nos churrascos, o que ele sabe que faz parte da cultura, mas que pretende orientar os consumidores mais pré-dispostos à hipertensão. Ele mesmo é um adepto aos assados gaúchos, mas tem de pegar leve porque faz parte da lista dos que sofrem de pressão alta.    
Atua com uma equipe composta por três pessoas: um médico, um enfermeiro e um agente de saúde. De casa em casa percorrem quilômetros por dia, nos lugares mais isolados do município, alguns de difícil acesso. Comentou que, em Cuba, quando as localidades não permitem chegar de carro, alguns profissionais não se incomodam de atender a cavalo quando as situações exigem. 
Agora estão no aguardo de uma unidade móvel equipada para qualificar ainda mais o atendimento. E existe a previsão da chegada de mais dois profissionais cubanos para auxiliarem nos trabalhos.  
Mantém um bom relacionamento com os médicos brasileiros que atuam em Candiota. "O Mais Médicos trata-se de um trabalho em conjunto. Entre todos vamos tratar de ajudar a população. Nossa ideia é poder trabalhar juntos, mas não pensando cada um por si. Não tenho problemas pessoais com ninguém. Há médicos que falam bem do programa, que são a favor e que querem ajudar", relatou.    
Valle é situado historicamente. Explicou que pesquisou sobre Candiota e que escolheu a cidade não pela usina, mas por abrigar a região onde se travou a Batalha do Seival, por causa de Antônio de Souza Netto, destacado líder da Revolução Farroupilha, e também por Bento Gonçalves e os Lanceiros Negros. 
 
Os candiotenses agradecem 
Os pacientes até estranham em receber médicos em casa para atendê-los. "Eles são muito agradecidos", comentou. O cubano quer apenas trabalhar e levar saúde e informação aos candiotenses. Quando imprevistos ocorrem, como no caso da denúncia do Simers, apenas acompanha de longe, não se envolve, pois sabe que, no íntimo, agiu corretamente. "Estamos acostumados às dificuldades, mas isso nos dá mais forças. Cuba tem um povo lutador. Estamos bloqueados pelos EUA há décadas e Cuba segue firme sem esmorecer", alegou. "Nossa concepção de vida é mais espiritual do que material".    
Com a decisão extraoficial de que o Ministério da Saúde irá arquivar a denúncia feita pelo Cremers, sepultando a hipótese de deportação de alguém que quis salvar uma vida, quem ganha é a população de Candiota. Porque, parafraseando Che Guevara, "hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás".        
 
Fonte: JORNAL MINUANO
Por: Felipe Severo