A Folha de S. Paulo desta terça-feira, 8 de janeiro de
2013, trombeteia em sua principal manchete: “Brasil dá apoio a manobra
que adia a posse de Chávez”. É mais um típico exemplo de desinformação,
manipulação e distorção da grande mídia.
Por Max Altman*, no Opera Mundi
Agência Brasil
Presidente Hugo Chávez está em Havana onde se recupera de uma cirurgia para a retirada de um câncer na região pélvica
O que a Folha considera manobra é o governo
Dilma defender o adiamento da posse do presidente venezuelano Hugo
Chávez, prevista para esta quinta-feira (10), e a manutenção do atual
vice Nicolás Maduro no cargo por até 180 dias. O jornal deixa
transparecer ao leitor menos avisado, de maneira falaciosa, que os 180
dias sugeridos correspondem a uma manobra e que esse prazo não passa de
chute.
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Na página principal do caderno Mundo, o jornal traça, a seu modo,
panoramas para a Venezuela, expõe o que diz a Carta da Venezuela, o que
dizem os chavistas, o que diz a oposição, o que diz a cláusula
democrática do Mercosul e o que diz o Brasil, mas em nenhum momento
menciona ou transcreve, ou seja, esconde o art. 234 da Constituição da
Venezuela que fundamenta a posição brasileira: “Art. 234 : As faltas
temporárias do Presidente ou Presidenta da República serão supridas pelo
Vice-Presidente Executivo ou Vice-Presidenta Executiva até por noventa
dias prorrogáveis por decisão da Assembleia Nacional por noventa dias
mais.
Se uma falta temporária se prolongar por mais de noventa dias
consecutivos, a Assembleia Nacional decidirá por maioria de seus
integrantes se deve considerar-se que há falta absoluta.”
Em que circunstâncias se dá a falta absoluta, o que obriga a convocar
novas eleições, dependendo do caso? A resposta está no “Art. 233 :
Serão faltas absolutas do Presidente ou Presidenta da República: sua
morte, sua renúncia, ou sua destituição decretada por sentença do
Tribunal Supremo de Justiça; sua incapacidade física ou mental
permanente certificada por uma junta médica designada pelo Tribunal
Supremo de Justiça e com aprovação da Assembleia Nacional; o abandono do
cargo, declarado como tal pela Assembleia Nacional, assim como a
revogação popular de seu mandato.
Quando se produzir a falta absoluta do Presidente eleito ou Presidenta
eleita antes de tomar posse, se procederá a uma nova eleição universal,
direta e secreta dentro dos trinta dias consecutivos seguintes. Enquanto
se elege e toma posse o novo Presidente ou a nova Presidenta, se
encarregará da Presidência da República o Presidente ou Presidenta da
Assembleia Nacional.
Se a falta absoluta do Presidente ou Presidenta da República se produzir
durante os primeiros quatro anos do período constitucional, se
procederá a uma nova eleição universal, direta e secreta dentro dos
trinta dias consecutivos seguintes. Enquanto se elege e toma posse o
novo Presidente ou a nova Presidenta, se encarregará da Presidência da
República o Vice-Presidente Executivo ou a Vice-Presidenta Executiva.
Nos casos anteriores, o novo Presidente ou Presidenta completará o período constitucional correspondente.
Se a falta absoluta se produzir durante os últimos dois anos do período
constitucional, o Vice-Presidente Executivo ou a Vice-Presidenta
Executiva assumirá a Presidência da República até completar dito
período.”
A oposição, apoiada freneticamente pela mídia local e internacional,
insiste em que no dia 10 de janeiro encerra-se um período constitucional
e começa outro. Encerrado o período deixam automaticamente de exercer
suas funções o vice-presidente, Maduro, e todos os ministros designados
anteriormente por Chávez. Se não houver posse do presidente eleito em 7
de outubro, sobrevem um vazio de poder. E para que não haja vazio ele só
pode ser preenchido pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado
Cabello. Alardeia a oposição que se em 10 de janeiro não ocorrer o
juramento do presidente e não forem ativadas as disposições
constitucionais relacionadas com a falta temporária do Presidente da
República, será consumada uma grave violação à ordem constitucional na
Venezuela que afetará a essência da democracia. Ora como se viu acima,
as disposições constitucionais relativas à falta temporária falam que
esta será suprida pelo vice-presidente. E como o vice-presidente é
nomeado pelo presidente e , segundo a oposição, suas funções se
extinguem com o encerramento do período constitucional anterior, é o
presidente da Assembleia Nacional, para que não haja vazio de poder,
quem deve assumir. É aí que reside o golpe. Se o presidente da
Assembleia assumir fica configurada a falta absoluta e ele deve
obrigatoriamente convocar novas eleições em 30 dias. A oposição,
derrotada em 7 de outubro e depois em 16 de dezembro, espera a revanche,
agora sem a presença de Hugo Chávez.
E por quê Marco Aurélio Garcia sustenta que Nicolás Maduro deve
responder pelo governo no período sugerido de 90 dias mais 90 ? Ele o
faz apoiado na realidade de que há um processo de continuidade. O
presidente eleito em 7 de outubro de 2012 é o mesmo que vinha exercendo o
cargo, de modo que não há descontinuidade. Trata-se do mesmo presidente
e de todos os seus auxiliares designados. Nesse caso concreto a posse e
o juramento passam a ser uma formalidade que pode ser suprida quando o
presidente eleito puder fazê-lo. A cirurgia de Chávez e a sua
impossibilidade de tomar posse e jurar no dia 10 de janeiro é um motivo
superveniente de que trata o “Art. 231 : O candidato eleito ou a
candidata eleita tomará posse do cargo de Presidente ou Presidenta da
República em 10 de janeiro do primeiro ano de seu período
constitucional, mediante juramento ante a Assembleia Nacional. Se por
qualquer motivo superveniente o Presidente ou Presidenta da República
não puder tomar posse ante a Assembleia Nacional, o fará ante o Tribunal
Supremo de Justiça.”
A Constituição não estabelece prazo para que o fato superveniente possa
ser superado. O limite está exatamente naqueles 90 mais 90 dias.
O colunista Clovis Rossi, na mesma edição do jornal, interpreta a seu
talante esse artigo. Diz que “a data é fixa e inamovível. Móvel pode ser
apenas o local de juramento. Qualquer outra interpretação é chicana
política”. Imaginem o caso de um presidente venezuelano eleito que,
estando no exterior, embarca no dia 9 de janeiro para poder estar
presente nesse “inamovível” dia 10. O avião em virtude de mau tempo se
vê impedido de levantar vôo e esse mau tempo perdura por mais 24 horas,
tornando impossível sua presença nesse dia “inamovível”. O que acontece?
Perde o lugar?
Todos os artigos acima citados são fundamentais mas dizem respeito
apenas ao mecanismo de posse e das faltas temporária e absoluta. Somente
periódica e eventualmente a eles se lança mão.
Permanente, cláusula pétrea e essência da democracia é o que dispõe o
“Art 5º : A soberania reside intransferivelmente no povo, quem a exerce
diretamente na forma prevista nesta Constituição e na lei, e
indiretamente, mediante o sufrágio, pelos órgãos que exercem o Poder
Público.
Os órgãos do Estado emanam da soberania popular e a ela estão submetidos. “
Em 7 de outubro de 2012, o povo venezuelano, mediante sufrágio
universal, direto e secreto, além de limpo, justo , democrático e
concorrido, elegeu como seu presidente, pela terceira vez, Hugo Chávez.
Mas não elegeu apenas Chávez, sufragou também um plano amplamente
divulgado e debatido, o “Plano Socialista da Nação – 2013-2019”,
programa histórico de cinco objetivos fundamentais, que tem por lema
‘desenvolvimento, progresso, independência, socialismo’.
É ao povo soberano que caberá a última palavra.
*Max Altman é jornalista