Condenação de padre argentino abre precedente para A. Latina
O coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta quinta-feira (11) que a condenação do padre argentino Christian Federico von Wernich ''abre um precedente também para toda a América Latina e até para o mundo''.
O padre Wernich tem 69 anos e foi condenado à prisão perpétua por participar de 42 detenções ilegais, 32 casos de tortura, 7 homicídios e violar o sigilo de confissão. ''Nós esperamos também que o Brasil também comece a seguir essa mesma linha'', disse Alves.
O coordenador disse que o padre Wernich só foi condenado porque o crime dele foi considerado imprescritível. Ou seja, é um crime que não tem prazo legal para ser julgado e ele poderia ser condenado a qualquer momento. Segundo Alves a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos já emitiu um informe, em 1992, em que considera execuções sumárias, torturas, seqüestros e desaparecimento de pessoas como crimes contra a humanidade. ''E o entendimento geral mundial é que são crimes imprescritíveis'', disse Alves.
Alves disse também que é muito importante para o Brasil rever as anistias e os indultos para os que cometeram crimes políticos. Segundo ele, a anistia foi exatamente de acordo com a reabertura política para beneficiar os perseguidos políticos, as pessoas que lutaram pela democracia no Brasil.
''Aquelas pessoas que cometeram torturas, que cometeram desaparecimentos, que fizeram perseguições política e assassinatos, essas não deveriam ter sido atingidas pela Lei de Anistia'', disse Alves.
Leia a íntegra da entrevista com Ariel de Castro Alves:
A primeira coisa que eu lhe pediria, Ariel, é se você poderia nos dar uma visão da perspectiva do que significa a condenação de um padre.
Nós entendemos que é uma decisão extremamente importante e abre um precedente também para toda a América Latina e até para o mundo. E tem total previsão nas convenções internacionais de direitos humanos, no caso da América Latina, na própria Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Inclusive a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos até já emitiu um informe no ano de 1992, tratando de que execuções sumárias, torturas, seqüestros e desaparecimento de pessoas são casos de crimes contra a humanidade e o entendimento geral mundial é que são crimes imprescritíveis. Então, aquelas pessoas que cometem (esses crimes), podem responder em qualquer momento. E nós esperamos também que o Brasil também comece a seguir essa mesma linha. Nós temos alguns juristas brasileiros, como o Fábio Konder Comparato, como o Dalmo de Abreu Dallari, que já têm esse entendimento. No caso da Argentina, tem um ministro da Corte Suprema, Eugenio Raúl Zaffaroni, que tem tido um trabalho muito importante lá naquele país. E essa condenação do padre vem exatamente de acordo com isso. Agora, geralmente, nós vemos na Igreja Católicas os padres – principalmente no Brasil – como pessoas que estão do lado dos direitos humanos. Inclusive no Brasil nós tivemos um excelente trabalho da Igreja Católica, principalmente do dom Paulo Evaristo Arns e tantos outros nessas questões de direitos humanos e no próprio período da ditadura militar. E agora nós vemos no caso da Argentina um padre que na prática fazia parte do regime totalitário, que colaborava bastante para as mortes, os genocídios, os desaparecimentos de pessoas. E por isso que ele foi condenado e exatamente com esse entendimento, que os crimes que ele teria praticado são imprescritíveis.
No caso da revisão das anistias e dos indultos, talvez valesse à pena você falar sobre a questão específica do Brasil. Na Argentina, durante o regime militar, houve 30 mil mortos ou desaparecidos. No Brasil, aparentemente 300, 350. Aqui no Brasil não há nenhum caso de alguém que tenha sido julgado por tortura por assassinato durante o regime militar. Você acha que essa revisão vai depender de quem? Vai depender do Executivo, do Legislativo, do Judiciário? Se é que vai haver.
Olha, Paulo Henrique, essa revisão é extremamente pertinente. Nós inclusive realizamos um seminário agora em setembro, do Movimento Nacional de Direitos Humanos e com representantes da Comissão de Anistia em Brasília exatamente para discutir o direito à memória e à verdade e discutir a própria revisão da Lei da Anistia. A anistia foi exatamente de acordo com a reabertura política para o retorno de aqueles que estavam exilados, também para que todas as pessoas que estavam respondendo a processos, que estavam presos, para que fossem soltas, no caso dos perseguidos políticos, no caso das pessoas que lutaram pela democracia no Brasil e pela abertura política. Agora, aquelas pessoas que cometeram torturas, que cometeram desaparecimentos, que fizeram perseguições política e assassinatos, essas não deveriam ter sido atingidas pela Lei de Anistia. Mesmo que o Brasil tenha feito essa Lei de Anistia que, na prática, fez também com que essas pessoas ficassem impunes, o Brasil está subordinado a um regime jurídico internacional. Existem tratados, existem convenções internacionais, tanto no âmbito da Organização das Nações Unidas como na Organização dos Estados Americanos, que o Brasil reconheceu, ratificou, é signatário. E também há entendimento de cortes internacionais, tanto do Tribunal Penal Internacional como da própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e da própria Corte Interamericana de que esses crimes são imprescritíveis. Portanto, nós precisamos urgente de uma revisão da Lei de Anistia para que essas pessoas respondam. Nós temos um caso atualmente na Justiça brasileira, mas não é no âmbito criminal, que é o caso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, uma ação movida pela família de Maria Amélia Telles, que foi uma perseguida política, torturada, inclusive participa do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, mas é na Justiça civil, na prática, uma reparação de danos.
Fonte: Conversa Afiada