Do sitio VERMELHO
Nas últimas semanas, sucederam-se vários fatos com impacto direto no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Quem não acompanha de perto o setor teve dificuldades de entender os sinais dados pelo Ministério das Comunicações. Mesmo para quem acompanha não ficou tudo esclarecido, mas alguns sinais são bem evidentes. E bem preocupantes.
Antes de tentar entender o momento
atual, um prólogo importante: países hoje na ponta na universalização
plena do acesso e uso das TICs partem de um plano estratégico de nação
conectada – porque reconhecem que essa infraestrutura e tecnologia de
forma generalizada e com qualidade de serviço são essenciais para a
continuidade e aprofundamento do desenvolvimento econômico e social.
O Brasil é a sétima economia do mundo e deveria ter uma estratégia de nação conectada compatível – o que já vem sendo feito pelas nações do mesmo porte. Pensar em conectividade na ponta generalizada a 1 Mbps em 2014 ou sugerir que essa será a conexão canônica “popular” em 2020 é ficar no século 20, enquanto as outras nações do porte econômico da nossa apontam para velocidades pelo menos uma centena de vezes mais alta, com padrões avançados de qualidade de serviço, já para 2014. Para 2020, então, nem se fale.
O momento atual
Em resumo, o que está acontecendo neste momento é um retorno ao modelo de PNBL proposto pelo ex-ministro Hélio Costa, que privilegia as empresas de telecomunicações como executoras das ações de ampliação do acesso. Na prática, o governo apresenta um plano modesto, com valores orçamentários ainda mais modestos, que tenta avançar principalmente a partir de negociações ‘no varejo’ com as empresas.
Há uma série de outras ações e políticas públicas importantes, inclusive no tocante à fomento à compra de equipamento com tecnologia nacional. Contudo, no seu aspecto central, o programa já não é mais um programa. É um conjunto de táticas sem estratégia de longo prazo. A tática principal é responder às demandas das atuais concessionárias para tentar garantir a banda larga no preço e na velocidade desejadas. A Telebrás, que poderia apoiar na gestão pública do PNBL, passa a ser simplesmente uma competidora no mercado de venda de capacidade de tráfego no atacado. E talvez termine por atuar onde as demais empresas tenham menos interesse.
Aqui surgem dois problemas: o primeiro é que a maneira como a negociação tem sido retratada indica a ausência de um plano consolidado pelo Governo Federal. O que existem são metas do governo em relação a preço e velocidade e propostas das empresas em diálogo com essas metas – sem sequer alcançá-las, até agora.
O segundo problema é que o PNBL quer aumentar o mercado consumidor de um serviço com muitos problemas (qualquer consumidor tem experiências para relatar) sem ter avançado para resolver estes problemas. O PNBL em si prevê discussões relativas a parâmetros de qualidade, mas simplesmente não se tem notícias delas. Verificou-se este debate no âmbito da Telebrás, mas não com as teles privadas.
Além de abrir mão da gestão pública do PNBL, o governo abriu mão também do planejamento de longo prazo. Sem instrumentos regulatórios adequados, ele não garante o controle de tarifas e a universalização do serviço de banda larga, o que significa que o cidadão brasileiro ficará à mercê das vontades das empresas e reféns de sua força de negociação. A reação das teles, que impõem condições relacionadas ao Índice de Desenvolvimento Humano do município e fazem proposta de venda casada com serviços de voz, mostra o quão dispostas elas estão a colaborar.
As evidências
Os fatos mais ilustrativos de uma mudança de rumos no PNBL são as demissões do presidente da Telebrás, Rogério Santanna e do Secretário de Telecomunicações, Nelson Fujimoto. Nos planos iniciais do ministro Paulo Bernardo, conforme foi muito noticiado e não desmentido, estava também a saída do secretário-executivo Cezar Alvarez do Ministério das Comunicações para assumir a presidência da Telebrás. Ao que parece, esse movimento só não se confirmou por conta da disposição do Palácio do Planalto em manter Alvarez no ministério.
A saída de Santanna não foi bem explicada e justificada, mas sabe-se que já vinha se dando um enfrentamento entre Ministério e a Telebrás em relação ao papel que a empresa pública deveria cumprir. Os cortes de orçamento e a dificuldade de avançar na contratação de pessoal indicavam que o Ministério das Comunicações não queria dar à Telebrás a centralidade que Santanna acreditava que a empresa deveria ter.
Como apontado, essa mudança tira da empresa o papel de gestora do programa. As últimas notícias, inclusive, dão conta de que ela atuará a partir de parcerias público-privadas, um modelo que evidencia que o governo não está disposto a investir recursos significativos nas redes públicas.
A demissão de Nelson Fujimoto, pelo que se sabe, tem a ver com outra questão relevante, que é o fechamento do debate sobre o PGMU-III, que trata das metas de universalização da telefonia fixa. Como a banda larga não é serviço prestado em regime público, o governo tentaria se valer do poder de barganha sobre as concessionárias de telefonia fixa (este sim, serviço em regime público) para avançar na negociação.
Contudo, na versão publicada, o governo cedeu a demandas impostas pelas teles com as quais Fujimoto não concordava. Entre os pontos problemáticos está a possibilidade de as teles deixarem de pagar parte da suas obrigações financeiras para compensar perdas com as metas de universalização.
A parte da Anatel
Para piorar, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou na semana passada uma nova proposta de regulamento para a TV por assinatura, que agora entra em consulta pública. A proposta abre o mercado da TV a cabo para as empresas de telecom, não prevendo contrapartidas à altura dos benefícios recebidos pelas empresas.
Essa proposta passa por cima da atual lei da TV a cabo e de todo o debate do PLC 116/10, projeto que busca regular toda a TV por assinatura e estabelece garantias de conteúdo nacional e independente, fortalece o papel da Agência Nacional de Cinema (Ancine) como reguladora e define regras para evitar a concentração vertical. Com a premissa positiva de criar competição no setor, a Anatel estabelece um regulamento que não protege o interesse público.
A Anatel, aliás, tem sido arena de declarações em consonância com os interesses das teles. As últimas falas do conselheiro João Rezende, que é da confiança do ministério, são especialmente preocupantes. Recentemente, ele sugeriu que fosse descartado o princípio da reversibilidade de bens no regime público, que garante que os concessionários tenham de devolver à União os bens essenciais à prestação de serviço no final do período da concessão.
A declaração aparece no mesmo momento em que vem à tona o fato de que a Anatel não tem fiscalizado a venda desses bens, o que já gerou perdas de bilhões para os cofres públicos. Em sua declaração mais recente, ele afirma que os novos construtores de infraestrutura podem ser isentos de obrigações de compartilhamento das redes. Essa prática, já tão difícil de se tornar realidade (embora esteja prevista na Lei Geral de Telecomunicações), começa a sair até dos planos abstratos.
Em suma, estamos diante de uma situação duplamente ruim: um pacote de bondades para as empresas de telecomunicações combinada com a falta de um projeto estratégico de longo prazo por parte do governo. Neste contexto, a ideia de nação conectada parece cada vez mais distante. Ela poderia se concretizar com recursos do orçamento público e do excedente dessas empresas, que operam mais de 5% do PIB brasileiro e têm lucros bilionários. Mas para isso não adiantam gambiarras e negociações no varejo.
Sem a banda larga em regime público, o Estado brasileiro não tem instrumento adequado para impor as obrigações às operadoras. Neste momento em que circulam informações desencontradas e apressa-se a negociação com as teles, fica mais evidente a necessidade de se retomar os fóruns sobre o PNBL e de se garantir a discussão pública sobre essas propostas. Pacote de bondades como esses, as teles não merecem. E este PNBL o povo brasileiro também não merece. Simples assim.
Fonte: Campanha da Banda Larga
O Brasil é a sétima economia do mundo e deveria ter uma estratégia de nação conectada compatível – o que já vem sendo feito pelas nações do mesmo porte. Pensar em conectividade na ponta generalizada a 1 Mbps em 2014 ou sugerir que essa será a conexão canônica “popular” em 2020 é ficar no século 20, enquanto as outras nações do porte econômico da nossa apontam para velocidades pelo menos uma centena de vezes mais alta, com padrões avançados de qualidade de serviço, já para 2014. Para 2020, então, nem se fale.
O momento atual
Em resumo, o que está acontecendo neste momento é um retorno ao modelo de PNBL proposto pelo ex-ministro Hélio Costa, que privilegia as empresas de telecomunicações como executoras das ações de ampliação do acesso. Na prática, o governo apresenta um plano modesto, com valores orçamentários ainda mais modestos, que tenta avançar principalmente a partir de negociações ‘no varejo’ com as empresas.
Há uma série de outras ações e políticas públicas importantes, inclusive no tocante à fomento à compra de equipamento com tecnologia nacional. Contudo, no seu aspecto central, o programa já não é mais um programa. É um conjunto de táticas sem estratégia de longo prazo. A tática principal é responder às demandas das atuais concessionárias para tentar garantir a banda larga no preço e na velocidade desejadas. A Telebrás, que poderia apoiar na gestão pública do PNBL, passa a ser simplesmente uma competidora no mercado de venda de capacidade de tráfego no atacado. E talvez termine por atuar onde as demais empresas tenham menos interesse.
Aqui surgem dois problemas: o primeiro é que a maneira como a negociação tem sido retratada indica a ausência de um plano consolidado pelo Governo Federal. O que existem são metas do governo em relação a preço e velocidade e propostas das empresas em diálogo com essas metas – sem sequer alcançá-las, até agora.
O segundo problema é que o PNBL quer aumentar o mercado consumidor de um serviço com muitos problemas (qualquer consumidor tem experiências para relatar) sem ter avançado para resolver estes problemas. O PNBL em si prevê discussões relativas a parâmetros de qualidade, mas simplesmente não se tem notícias delas. Verificou-se este debate no âmbito da Telebrás, mas não com as teles privadas.
Além de abrir mão da gestão pública do PNBL, o governo abriu mão também do planejamento de longo prazo. Sem instrumentos regulatórios adequados, ele não garante o controle de tarifas e a universalização do serviço de banda larga, o que significa que o cidadão brasileiro ficará à mercê das vontades das empresas e reféns de sua força de negociação. A reação das teles, que impõem condições relacionadas ao Índice de Desenvolvimento Humano do município e fazem proposta de venda casada com serviços de voz, mostra o quão dispostas elas estão a colaborar.
As evidências
Os fatos mais ilustrativos de uma mudança de rumos no PNBL são as demissões do presidente da Telebrás, Rogério Santanna e do Secretário de Telecomunicações, Nelson Fujimoto. Nos planos iniciais do ministro Paulo Bernardo, conforme foi muito noticiado e não desmentido, estava também a saída do secretário-executivo Cezar Alvarez do Ministério das Comunicações para assumir a presidência da Telebrás. Ao que parece, esse movimento só não se confirmou por conta da disposição do Palácio do Planalto em manter Alvarez no ministério.
A saída de Santanna não foi bem explicada e justificada, mas sabe-se que já vinha se dando um enfrentamento entre Ministério e a Telebrás em relação ao papel que a empresa pública deveria cumprir. Os cortes de orçamento e a dificuldade de avançar na contratação de pessoal indicavam que o Ministério das Comunicações não queria dar à Telebrás a centralidade que Santanna acreditava que a empresa deveria ter.
Como apontado, essa mudança tira da empresa o papel de gestora do programa. As últimas notícias, inclusive, dão conta de que ela atuará a partir de parcerias público-privadas, um modelo que evidencia que o governo não está disposto a investir recursos significativos nas redes públicas.
A demissão de Nelson Fujimoto, pelo que se sabe, tem a ver com outra questão relevante, que é o fechamento do debate sobre o PGMU-III, que trata das metas de universalização da telefonia fixa. Como a banda larga não é serviço prestado em regime público, o governo tentaria se valer do poder de barganha sobre as concessionárias de telefonia fixa (este sim, serviço em regime público) para avançar na negociação.
Contudo, na versão publicada, o governo cedeu a demandas impostas pelas teles com as quais Fujimoto não concordava. Entre os pontos problemáticos está a possibilidade de as teles deixarem de pagar parte da suas obrigações financeiras para compensar perdas com as metas de universalização.
A parte da Anatel
Para piorar, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou na semana passada uma nova proposta de regulamento para a TV por assinatura, que agora entra em consulta pública. A proposta abre o mercado da TV a cabo para as empresas de telecom, não prevendo contrapartidas à altura dos benefícios recebidos pelas empresas.
Essa proposta passa por cima da atual lei da TV a cabo e de todo o debate do PLC 116/10, projeto que busca regular toda a TV por assinatura e estabelece garantias de conteúdo nacional e independente, fortalece o papel da Agência Nacional de Cinema (Ancine) como reguladora e define regras para evitar a concentração vertical. Com a premissa positiva de criar competição no setor, a Anatel estabelece um regulamento que não protege o interesse público.
A Anatel, aliás, tem sido arena de declarações em consonância com os interesses das teles. As últimas falas do conselheiro João Rezende, que é da confiança do ministério, são especialmente preocupantes. Recentemente, ele sugeriu que fosse descartado o princípio da reversibilidade de bens no regime público, que garante que os concessionários tenham de devolver à União os bens essenciais à prestação de serviço no final do período da concessão.
A declaração aparece no mesmo momento em que vem à tona o fato de que a Anatel não tem fiscalizado a venda desses bens, o que já gerou perdas de bilhões para os cofres públicos. Em sua declaração mais recente, ele afirma que os novos construtores de infraestrutura podem ser isentos de obrigações de compartilhamento das redes. Essa prática, já tão difícil de se tornar realidade (embora esteja prevista na Lei Geral de Telecomunicações), começa a sair até dos planos abstratos.
Em suma, estamos diante de uma situação duplamente ruim: um pacote de bondades para as empresas de telecomunicações combinada com a falta de um projeto estratégico de longo prazo por parte do governo. Neste contexto, a ideia de nação conectada parece cada vez mais distante. Ela poderia se concretizar com recursos do orçamento público e do excedente dessas empresas, que operam mais de 5% do PIB brasileiro e têm lucros bilionários. Mas para isso não adiantam gambiarras e negociações no varejo.
Sem a banda larga em regime público, o Estado brasileiro não tem instrumento adequado para impor as obrigações às operadoras. Neste momento em que circulam informações desencontradas e apressa-se a negociação com as teles, fica mais evidente a necessidade de se retomar os fóruns sobre o PNBL e de se garantir a discussão pública sobre essas propostas. Pacote de bondades como esses, as teles não merecem. E este PNBL o povo brasileiro também não merece. Simples assim.
Fonte: Campanha da Banda Larga