segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Democratização da Mídia passa pela aprovação da ADO 11 no Supremo


Desde o dia 13 de dezembro encontra-se protocolada no Supremo Tribunal Federal, aguardando entrar na ordem do dia para julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a ADO 11, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade – CONTCOP.

Por José Reinaldo Carvalho*

Por incrível que pareça, 22 anos depois de promulgada a Constituição vigente, outrora denominada “Constituição cidadã”, dispositivos constitucionais relativos aos meios de comunicação de massa, imprensa, rádio e televisão - ainda não foram regulamentados por lei.

Em decorrência, impera a lei da selva no setor, inteiramente submetido aos caprichos e ditames de famílias e corporações que, dispondo de infra-estrutura criada pelo Estado, de infinita liberdade e de polpudas verbas provenientes de anúncios, boa parte dos quais de origem governamental, violam o direito fundamental da sociedade à informação. Em lugar desse inalienável direito, usam e abusam do seu próprio, erguendo uma trincheira de luta contra a democracia, para o que se valem da aparatosa usina de mentiras que soergueram e permanece intacta, desde os tempos da ditadura militar.

A ADO 11 tem por foco três questões nodais para a luta pela democratização dos meios de comunicação no país: a garantia do direito de resposta a qualquer pessoa ofendida através dos meios de comunicação; a proibição do monopólio e do oligopólio no setor e o cumprimento, pelas emissoras de Rádio e TV, da obrigação constitucional de dar preferência a programação de conteúdo informativo, educativo e artístico, além de priorizar finalidades culturais nacionais e regionais.

A ADO 11 reveste-se de enorme importância para o país, pois atinge em seu âmago, o monopólio dos meios de comunicação, um dos maiores obstáculos à plena vigência da democracia no país. Colateralmente, atinge um dos principais vícios nacionais, a omissão, no caso do Poder Legislativo, quando se trata de regulamentar os dispositivos constitucionais correspondentes a necessidades estruturais do país e que golpeiam interesses de poderosas corporações. Com a palavra e a ação agora, o Poder Judiciário.

As propostas constantes da ADO 11 constituem o núcleo do que poderia vir a ser uma Lei dos Meios de Comunicação que efetivamente democratize o setor. Daí sua importância estratégica.

Isto explica o silêncio da mídia sobre a sua tramitação na Corte Suprema. Por isso, está nas mãos do movimento sindical ligado ao setor, aos portais e sites de informação e análise política, aos blogueiros progressistas, aos parlamentares comprometidos com a liberdade de expressão e a democratização efetiva do país, ao conjunto das organizações do movimento social, divulgar notícias sobre a tramitação da ADO 11 no STF, acompanhá-la passo a passo, organizar uma campanha democrática por um julgamento favorável e para que prevaleçam os princípios nela defendidos.

O Portal Vermelho, que tem como princípio fundador a luta pela democratização dos meios de comunicação e a plena liberdade de expressão, com as quais é incompatível o oligopólio exercido por um punhado de famílias e corporações empresariais, abre seu espaço para a difusão da campanha em favor da ADO 11.

*Editor do Vermelho

Aborígenes australianos criam partido para defender seus direitos


Mais de quarenta anos depois que os aborígenes obtiveram o status de cidadãos, a Austrália deverá em breve ter seu primeiro partido político autóctone. O partido das First Nations (“primeiras nações”) acaba de ser formado, por iniciativa de Maurie Ryan, um ativista aborígene. Segundo Ryan, 2 mil pessoas pediram para se tornar membros do partido. A comissão eleitoral deverá registrá-lo oficialmente em janeiro.

Esse novo partido político manifesta o descontentamento de muitos aborígenes frente aos dois principais partidos, os liberais e os trabalhistas, acusados de não se preocuparem o suficiente com o destino dos primeiros habitantes do continente.

Até hoje, os autóctones permaneciam à margem do mundo político. Existem alguns parlamentares autóctones nos Estados australianos, mas foi preciso esperar as eleições federais, neste ano, para ver o primeiro deputado aborígene, Ken Wyatt, entrar na Câmara dos Representantes.

“Estamos decepcionados com os dois partidos, que não fazem o suficiente por nós, e que não escolhem candidatos aborígenes para as eleições. Existem partidos autóctones no mundo inteiro, é hora de termos um aqui também para nos representar”, alega Ryan, originário da nação Gurindji, no Território do Norte.

Ele terá muito trabalho pela frente, pois os aborígenes australianos representam a comunidade mais desfavorecida do país. Desemprego e problemas ligados ao alcoolismo corroem a população e, nas áreas isoladas do Território do Norte, as condições de vida às vezes são dignas do Terceiro Mundo. Resultado: segundo a Agência de Estatísticas, a expectativa de vida dos aborígenes é 10 anos menor que a média nacional. E embora os indígenas representem somente 2% da população, eles compõem quase um quarto da população carcerária. “Nós queremos falar sobre os problemas do emprego, da moradia, da saúde. Mas também de direitos fundiários e da soberania”, comenta Ryan.

Na linha de mira do partido, estará sobretudo a “Northern Territory Intervention”, uma grande operação implantada pelo governo liberal em 2007, e continuada desde então pelo governo trabalhista. Esse texto, aprovado após a publicação de um relatório que revelava casos de abusos sexuais em crianças das comunidades aborígenes, deveria solucionar problemas de violência e de abuso de álcool.

Em dezenas de comunidades autóctones do Território do Norte, a população foi proibida de ter álcool ou material pornográfico. Além disso, as bolsas de auxílio às famílias foram colocadas sob tutela. É o caso em Kalkaringi, onde vive Maurie Ryan. “É a lei mais racista de todos os tempos. Ela deve ser abandonada. Essa colocação sob tutela dos auxílios a todas as famílias, sem exceção, tenham elas problemas ou não, é profundamente injusta”, comenta. Além disso, a intervenção foi considerada discriminatória pela ONU.

Embora não se espere que ele vá conseguir muitos votos nos centros urbanos, o partido aborígene poderá levar até 20% dos votos na Austrália Central, segundo analistas. “Houve um grande movimento de desinteresse em relação aos trabalhistas nas últimas eleições, sendo que os aborígenes tradicionalmente votam neles. Isso deixa um lugar potencial para esse novo partido”, acredita Rolf Gerritsen, professor da Universidade Charles Darwin e especialista no Território.

Com o sistema eleitoral de transferência de votos em favor dos grandes partidos, poderá haver uma pressão por parte desse novo partido junto aos pesos-pesados da política australiana. Maurie Ryan quer apresentar candidatos para as eleições regionais em 2012.
 
Tradução: Lana Lim

Fonte: Le Monde via Portal Vermelho

Turquia islamista versus Irã secular?


É possível que o Irã se torne o líder da sanidade e criatividade no Oriente Médio, enquanto o mais vigoroso aliado muçulmano do Ocidente, a Turquia, se transforme na maior fonte de hostilidade da região. Por Daniel Pipes


No início do século XVI, enquanto o império Otomano e o império Safávida lutavam pelo controle do Oriente Médio, Selim I, governando de Istambul, entregava-se ao seu lado artístico ao compor célebres poesias em persa, na época a língua da alta cultura no Oriente Médio. Simultaneamente, Ismail I, governando de Esfahan, escrevia poesias em turco, sua língua ancestral. Esta justaposição vem à mente no momento em que as populações da Turquia e do Irã iniciam uma nova troca.  Enquanto a Turquia secular fundada por Atatürk ameaça desaparecer sob uma onda islamista, a República Islâmica fundada por Khomeini aparentemente titubeia, à beira do secularismo. Ironicamente, turcos querem viver como iranianos, e iranianos como turcos.
Selim I escrevia em persa enquanto Ismail I preferia o turco, sua língua ancestral

Turquia e Irã são países grandes, influentes, de maioria muçulmana, relativamente avançados, historicamente centrais, estrategicamente posicionados, e amplamente observados; ao cruzarem caminhos, como previ em 1994, correndo em direções opostas, seus destinos irão afetar não apenas o futuro do Oriente Médio, mas potencialmente o mundo muçulmano inteiro.

Isto está acontecendo agora. Vamos rever a evolução de cada país:

Turquia: Atatürk praticamente removeu o Islã da vida pública no período de 1923-28. No entanto, ao longo das décadas, os islamistas reagiram e por volta de 1970 formaram parte de uma coalizão de liderança; em 1996-97 até lideraram um governo. Os islamistas tomaram o poder após a estranha eleição de 2002, quando obtiveram um terço dos votos e garantiram dois terços dos assentos parlamentares. Governando com competência e precaução, conseguiram aproximadamente metade dos votos em 2007, momento no qual tiraram suas luvas e as ameaças começaram, desde a descontrolada e excessiva multa cobrada de uma mídia crítica a infundadas teorias de conspiração contra as Forças Armadas. Os islamistas conseguiram 58% dos votos em um referendo em setembro e aparentam estar prontos para vencer as próximas eleições parlamentares, marcadas para junho de 2011.
Caso os islamistas vençam as próximas eleições, isto irá, provavelmente, estabelecer a premissa para que permaneçam continuamente no poder, e durante esse período irão forçar o país à sua vontade, instituindo a lei islâmica (a sharia) e construindo uma ordem islâmica semelhante ao regime idealizado por Khomeini.
Irã: Khomeini fez o oposto de Atatürk, tornando o Islã politicamente dominante durante o seu período no poder, de 1979 a 1989, mas após isso, logo começou a vacilar, com facções discordantes emergindo, a economia caindo, e a população se distanciando do governo extremista. Nos anos 90, observadores externos esperavam a rápida queda do regime. Apesar da crescente desilusão da população, a maior influência do Corpo de Elite da Guarda Revolucionária Islâmica e a chegada ao poder de veteranos endurecidos da guerra Irã-Iraque, simbolizados por Mahmoud Ahmadinejad, deram ao regime uma segunda lufada.
Atatürk excluiu o Islã da vida pública na Turquia e Khomeini o tornou central no Irã

Esta reafirmação das metas islâmicas também aumentou a alienação da população com relação ao regime, incluindo um distanciamento das práticas islâmicas em direção ao secularismo. As crescentes patologias do país, o consumo desenfreado de drogas, pornografia e prostituição apontam para a profundidade de seus problemas. A alienação instigou demonstrações contrárias ao regime logo após as fraudulentas eleições de junho de 2009. A repressão que se seguiu incitou ainda mais raiva contra as autoridades.
Uma corrida está a caminho. Exceto que não é uma competição justa, uma vez que islamistas governam nas duas capitais, Ancara e Teerã.
Olhando para o futuro, o Irã representa tanto o maior perigo quanto a maior esperança para o Oriente Médio. Sua escalada nuclear, o terrorismo, a agressividade ideológica e a formação de um “bloco de resistência” apresentam uma verdadeira ameaça global, abrangendo desde o aumento excessivo do preço do petróleo e gás a um ataque de pulso eletromagnético aos Estados Unidos. Mas se estes perigos puderem ser direcionados, controlados e vencidos, o Irã possui um potencial único de liderar os muçulmanos para fora da escuridão islamista em direção a uma forma mais moderna, moderada e amigável do Islã. Assim como em 1979, tal feito provavelmente afetará muçulmanos em todas as partes do mundo.
Contrariamente, enquanto o governo turco apresenta um menor perigo imediato, sua aplicação mais sutil dos abomináveis princípios islamistas o agiganta como uma ameaça futura. Muito tempo após Khomeini e Osama Bin Laden terem sido esquecidos, acredito que Recep Tayyip Erdoğan e seus colegas serão lembrados como inventores de uma forma de islamismo mais duradoura e insidiosa.
Portanto, é possível que o país mais problemático do Oriente Médio possa se tornar o líder da sanidade e criatividade do amanhã, enquanto que o mais vigoroso aliado muçulmano do Ocidente, por mais de cinco décadas, poderá se tornar a maior fonte de hostilidade e reação. A extrapolação é um jogo de tolos, a roda gira e com a história surgem surpresas.

Dois pontos que não se encaixaram no corpo principal da minha coluna:

(1) Ultimamente, Ancara e Teerã trabalham em conjunto, mas prevejo que em breve se tornarão rivais pela liderança islamista. Orgulho histórico, ambições sectárias e competições geoestratégicas sugerem que o atual momento de harmonia não irá durar muito. Observe a Turquia disputando a liderança iraniana em áreas como talento comercial, poderio militar e autoridade religiosa.
(2) Em 1994, eu apontei esta rivalidade em um artigo, publicado na National Interest, no qual eu ressaltei uma “luta longa, profunda e difícil” provavelmente fermentando “entre dois dos maiores países do Oriente Médio, Turquia e Irã”. Os turcos, eu escrevi, “parecem ainda não ter percebido o que os mulás sabem: que o Islã fundamentalista irá elevar-se ou decair de acordo com o que os turcos fizerem e que, portanto, a Turquia e o Irã estão envolvidos num confronto mortal. Será que os turcos irão acordar a tempo de se defender? Muito depende deste resultado.”

Maria e José na Palestina em 2010

Maria e José na Palestina em 2010

James Petras*Odiario.info
 James Petras 
Neste conto de Natal de James Petras, a alegoria ao nascimento de Jesus mostra-nos a persistência secular da injustiça e aponta-nos a necessidade de lutar por um mundo moderno.


Os tempos eram duros para José e Maria. A bolha imobiliária explodira. O desemprego aumentava entre trabalhadores da construção civil. Não havia trabalho, nem mesmo para um carpinteiro qualificado.
Os colonatos ainda estavam a ser construídos, financiados principalmente pelo dinheiro judeu da América, contribuições de especuladores de Wall Street e donos de antros de jogo.
“Bem”, pensou José, “temos algumas ovelhas e oliveiras e Maria cria galinhas”. Mas José preocupava-se, “queijo e azeitonas não chegam para alimentar um rapaz em crescimento. Maria vai dar à luz o nosso filho um dia destes”. Os seus sonhos profetizavam um rapaz robusto a trabalhar ao seu lado… multiplicando pães e peixes.
Os colonos desprezavam José. Este raramente ia à sinagoga, e nas festividades chegava tarde para fugir à dízima. A sua modesta casa estava situada numa ravina próxima, com água duma ribeira que corria o ano inteiro. Era mesmo um local de eleição para a expansão dos colonatos. Por isso quando José se atrasou no pagamento do imposto predial, os colonos apropriaram-se da casa dele, despejaram José e Maria à força e ofereceram-lhes bilhetes só de ida para Jerusalém.
José, nascido e criado naquelas colinas áridas, resistiu e feriu uns tantos colonos com os seus punhos calejados pelo trabalho. Mas acabou abatido sobre a sua cama nupcial, debaixo da oliveira, num desespero total.
Maria, muito mais nova, sentia os movimentos do bebé. A sua hora estava a chegar.
“Temos que encontrar um abrigo, José, temos que sair daqui… não há tempo para vinganças”, implorou.
José, que acreditava no “olho por olho” dos profetas do Antigo Testamento, concordou contrariado.
E foi assim que José vendeu as ovelhas, as galinhas e outros pertences a um vizinho árabe e comprou um burro e uma carroça. Carregou o colchão, algumas roupas, queijo, azeitonas e ovos e partiram para a Cidade Santa.
O trilho era pedregoso e cheio de buracos. Maria encolhia-se em cada sacudidela; receava que o bebé se ressentisse. Pior, estavam na estrada para os palestinos, com postos de controlo militares por toda a parte. Ninguém tinha avisado José que, enquanto judeu, podia ter-se metido por uma estrada lisa pavimentada – proibida aos árabes.
Na primeira barragem José viu uma longa fila de árabes à espera. Apontando para a mulher muito grávida, José perguntou aos palestinos, meio em árabe, meio em hebreu, se podiam continuar. Abriram uma clareira e o casal avançou.
Um jovem soldado apontou a espingarda e disse a Maria e a José para se apearem da carroça. José desceu e apontou para a barriga da mulher. O soldado deu meia volta e virou-se para os seus camaradas. “Este árabe velho engravida a rapariga que comprou por meia dúzia de ovelhas e agora quer passar”.
José, vermelho de raiva, gritou num hebreu grosseiro, “Eu sou judeu. Mas ao contrário de vocês… respeito as mulheres grávidas”.
O soldado empurrou José com a espingarda e mandou-o recuar: “És pior do que um árabe – és um velho judeu que violas raparigas árabes”.
Maria, assustada com o caminho que as coisas estavam a tomar, virou-se para o marido e gritou, “Pára, José, ou ele dispara e o nosso bebé vai nascer órfão”.
Com grande dificuldade, Maria desceu da carroça. Apareceu um oficial do posto da guarda, a chamar por uma colega, “Oh Judi, apalpa-a por baixo do vestido, ela pode ter bombas escondidas”.
“Que se passa? Já não gostas de ser tu a apalpá-las?” respondeu Judith num hebreu com sotaque de Brooklyn. Enquanto os soldados discutiam, Maria apoiou-se no ombro de José. Por fim, os soldados chegaram a um acordo.
“Levanta o vestido e o que tens por baixo”, ordenou Judith. Maria ficou branca de vergonha. José olhava para a espingarda desmoralizado. Os soldados riam-se e apontavam para os peitos inchados de Maria, gracejando sobre um terrorista ainda não nascido com mãos árabes e cérebro judeu.
José e Maria continuaram a caminho da Cidade Santa. Foram frequentes vezes detidos nos postos de controlo durante a caminhada. Sofriam sempre mais um atraso, mais indignidades e mais insultos gratuitos proferidos por sefarditas e asquenazes, homens e mulheres, leigos e religiosos – todos soldados do povo Eleito.
Já era quase noite quando Maria e José chegaram finalmente ao Muro. Os portões já estavam fechados. Maria chorava em pânico, “José, sinto que o bebé está a chegar. Por favor, arranja qualquer coisa depressa”.
José entrou em pânico. Viu as luzes duma pequena aldeia ali ao pé e, deixando Maria na carroça, correu para a casa mais próxima e bateu à porta com força. Uma mulher palestina entreabriu a porta e espreitou para a cara escura e agitada de José. “Quem és tu? O que é que queres?”
“Sou José, carpinteiro das colinas do Hebron. A minha mulher está quase a dar à luz e preciso de um abrigo para proteger Maria e o bebé”. Apontando para Maria na carroça do burro, José implorava na sua estranha mistura de hebreu e árabe.
“Bem, falas como um judeu mas pareces mesmo um árabe”, disse a mulher palestina a rir enquanto o acompanhava até à carroça.
A cara de Maria estava contorcida de dores e de medo; as contracções estavam a ser mais frequentes e intensas.
A mulher disse a José que levasse a carroça de volta para um estábulo onde se guardavam as ovelhas e as galinhas. Logo que entraram, Maria gritou de dor e a palestina, a que entretanto se juntara uma parteira vizinha, ajudou rapidamente a jovem mãe a deitar-se numa cama de palha.
E assim nasceu a criança, enquanto José assistia cheio de temor.
Aconteceu que passavam por ali alguns pastores, que regressavam do campo, e ouviram uma mistura de choro de bebé e de gritos de alegria e se apressaram a ir até ao estábulo levando as suas espingardas e leite fresco de cabra, sem saber se iam encontrar amigos ou inimigos, judeus ou árabes. Quando entraram no estábulo e depararam com a mãe e o menino, puseram de lado as armas e ofereceram o leite a Maria que lhes agradeceu tanto em hebreu como em árabe.
E os pastores ficaram estupefactos e pensaram: Quem seria aquela gente estranha, um pobre casal judeu, que chegara em paz com uma carroça com inscrições árabes?
As novas espalharam-se rapidamente sobre o estranho nascimento duma criança judia mesmo junto ao Muro, num estábulo palestino. Apareceram muitos vizinhos que contemplavam Maria, o menino e José.
Entretanto, soldados israelenses, equipados com óculos de visão nocturna, reportaram das suas torres de vigia que cobriam a vizinhança palestina: “Os árabes estão a reunir-se mesmo junto ao Muro, num estábulo, à luz das velas”.
Abriram-se os portões por baixo das torres de vigia e de lá saíram camiões blindados com luzes brilhantes, seguidos por soldados armados até aos dentes que cercaram o estábulo, os aldeões reunidos e a casa da mulher palestina. Um altifalante disparou, “Saiam cá para fora com as mãos no ar ou disparamos”. Saíram todos do estábulo, juntamente com José, que deu um passo em frente de braços virados para o céu e falou, “A minha mulher Maria não pode obedecer às vossas ordens. Está a amamentar o menino Jesus”.

Este artigo foi publicado em www.lahaine.org e em http://resistir.info.

Tradução de Margarida Ferreira.