segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Turquia islamista versus Irã secular?


É possível que o Irã se torne o líder da sanidade e criatividade no Oriente Médio, enquanto o mais vigoroso aliado muçulmano do Ocidente, a Turquia, se transforme na maior fonte de hostilidade da região. Por Daniel Pipes


No início do século XVI, enquanto o império Otomano e o império Safávida lutavam pelo controle do Oriente Médio, Selim I, governando de Istambul, entregava-se ao seu lado artístico ao compor célebres poesias em persa, na época a língua da alta cultura no Oriente Médio. Simultaneamente, Ismail I, governando de Esfahan, escrevia poesias em turco, sua língua ancestral. Esta justaposição vem à mente no momento em que as populações da Turquia e do Irã iniciam uma nova troca.  Enquanto a Turquia secular fundada por Atatürk ameaça desaparecer sob uma onda islamista, a República Islâmica fundada por Khomeini aparentemente titubeia, à beira do secularismo. Ironicamente, turcos querem viver como iranianos, e iranianos como turcos.
Selim I escrevia em persa enquanto Ismail I preferia o turco, sua língua ancestral

Turquia e Irã são países grandes, influentes, de maioria muçulmana, relativamente avançados, historicamente centrais, estrategicamente posicionados, e amplamente observados; ao cruzarem caminhos, como previ em 1994, correndo em direções opostas, seus destinos irão afetar não apenas o futuro do Oriente Médio, mas potencialmente o mundo muçulmano inteiro.

Isto está acontecendo agora. Vamos rever a evolução de cada país:

Turquia: Atatürk praticamente removeu o Islã da vida pública no período de 1923-28. No entanto, ao longo das décadas, os islamistas reagiram e por volta de 1970 formaram parte de uma coalizão de liderança; em 1996-97 até lideraram um governo. Os islamistas tomaram o poder após a estranha eleição de 2002, quando obtiveram um terço dos votos e garantiram dois terços dos assentos parlamentares. Governando com competência e precaução, conseguiram aproximadamente metade dos votos em 2007, momento no qual tiraram suas luvas e as ameaças começaram, desde a descontrolada e excessiva multa cobrada de uma mídia crítica a infundadas teorias de conspiração contra as Forças Armadas. Os islamistas conseguiram 58% dos votos em um referendo em setembro e aparentam estar prontos para vencer as próximas eleições parlamentares, marcadas para junho de 2011.
Caso os islamistas vençam as próximas eleições, isto irá, provavelmente, estabelecer a premissa para que permaneçam continuamente no poder, e durante esse período irão forçar o país à sua vontade, instituindo a lei islâmica (a sharia) e construindo uma ordem islâmica semelhante ao regime idealizado por Khomeini.
Irã: Khomeini fez o oposto de Atatürk, tornando o Islã politicamente dominante durante o seu período no poder, de 1979 a 1989, mas após isso, logo começou a vacilar, com facções discordantes emergindo, a economia caindo, e a população se distanciando do governo extremista. Nos anos 90, observadores externos esperavam a rápida queda do regime. Apesar da crescente desilusão da população, a maior influência do Corpo de Elite da Guarda Revolucionária Islâmica e a chegada ao poder de veteranos endurecidos da guerra Irã-Iraque, simbolizados por Mahmoud Ahmadinejad, deram ao regime uma segunda lufada.
Atatürk excluiu o Islã da vida pública na Turquia e Khomeini o tornou central no Irã

Esta reafirmação das metas islâmicas também aumentou a alienação da população com relação ao regime, incluindo um distanciamento das práticas islâmicas em direção ao secularismo. As crescentes patologias do país, o consumo desenfreado de drogas, pornografia e prostituição apontam para a profundidade de seus problemas. A alienação instigou demonstrações contrárias ao regime logo após as fraudulentas eleições de junho de 2009. A repressão que se seguiu incitou ainda mais raiva contra as autoridades.
Uma corrida está a caminho. Exceto que não é uma competição justa, uma vez que islamistas governam nas duas capitais, Ancara e Teerã.
Olhando para o futuro, o Irã representa tanto o maior perigo quanto a maior esperança para o Oriente Médio. Sua escalada nuclear, o terrorismo, a agressividade ideológica e a formação de um “bloco de resistência” apresentam uma verdadeira ameaça global, abrangendo desde o aumento excessivo do preço do petróleo e gás a um ataque de pulso eletromagnético aos Estados Unidos. Mas se estes perigos puderem ser direcionados, controlados e vencidos, o Irã possui um potencial único de liderar os muçulmanos para fora da escuridão islamista em direção a uma forma mais moderna, moderada e amigável do Islã. Assim como em 1979, tal feito provavelmente afetará muçulmanos em todas as partes do mundo.
Contrariamente, enquanto o governo turco apresenta um menor perigo imediato, sua aplicação mais sutil dos abomináveis princípios islamistas o agiganta como uma ameaça futura. Muito tempo após Khomeini e Osama Bin Laden terem sido esquecidos, acredito que Recep Tayyip Erdoğan e seus colegas serão lembrados como inventores de uma forma de islamismo mais duradoura e insidiosa.
Portanto, é possível que o país mais problemático do Oriente Médio possa se tornar o líder da sanidade e criatividade do amanhã, enquanto que o mais vigoroso aliado muçulmano do Ocidente, por mais de cinco décadas, poderá se tornar a maior fonte de hostilidade e reação. A extrapolação é um jogo de tolos, a roda gira e com a história surgem surpresas.

Dois pontos que não se encaixaram no corpo principal da minha coluna:

(1) Ultimamente, Ancara e Teerã trabalham em conjunto, mas prevejo que em breve se tornarão rivais pela liderança islamista. Orgulho histórico, ambições sectárias e competições geoestratégicas sugerem que o atual momento de harmonia não irá durar muito. Observe a Turquia disputando a liderança iraniana em áreas como talento comercial, poderio militar e autoridade religiosa.
(2) Em 1994, eu apontei esta rivalidade em um artigo, publicado na National Interest, no qual eu ressaltei uma “luta longa, profunda e difícil” provavelmente fermentando “entre dois dos maiores países do Oriente Médio, Turquia e Irã”. Os turcos, eu escrevi, “parecem ainda não ter percebido o que os mulás sabem: que o Islã fundamentalista irá elevar-se ou decair de acordo com o que os turcos fizerem e que, portanto, a Turquia e o Irã estão envolvidos num confronto mortal. Será que os turcos irão acordar a tempo de se defender? Muito depende deste resultado.”

Nenhum comentário: