É possível que o Irã se torne o líder da sanidade e criatividade no Oriente Médio, enquanto o mais vigoroso aliado muçulmano do Ocidente, a Turquia, se transforme na maior fonte de hostilidade da região. Por Daniel Pipes
No início do século XVI, enquanto o império Otomano e o império
Safávida lutavam pelo controle do Oriente Médio, Selim I, governando de
Istambul, entregava-se ao seu lado artístico ao compor célebres poesias
em persa, na época a língua da alta cultura no Oriente Médio.
Simultaneamente, Ismail I, governando de Esfahan, escrevia poesias em
turco, sua língua ancestral. Esta justaposição vem à mente no momento em
que as populações da Turquia e do Irã iniciam uma nova troca. Enquanto
a Turquia secular fundada por Atatürk ameaça desaparecer sob uma onda
islamista, a República Islâmica fundada por Khomeini aparentemente
titubeia, à beira do secularismo. Ironicamente, turcos querem viver como
iranianos, e iranianos como turcos.
Turquia e Irã são países grandes, influentes, de maioria
muçulmana, relativamente avançados, historicamente centrais,
estrategicamente posicionados, e amplamente observados; ao cruzarem
caminhos, como previ em 1994, correndo em direções opostas, seus
destinos irão afetar não apenas o futuro do Oriente Médio, mas
potencialmente o mundo muçulmano inteiro.
Isto está acontecendo agora. Vamos rever a evolução de cada país:
Turquia: Atatürk praticamente removeu o Islã da vida
pública no período de 1923-28. No entanto, ao longo das décadas, os
islamistas reagiram e por volta de 1970 formaram parte de uma coalizão
de liderança; em 1996-97 até lideraram um governo. Os islamistas tomaram
o poder após a estranha eleição de 2002, quando obtiveram um terço dos
votos e garantiram dois terços dos assentos parlamentares. Governando
com competência e precaução, conseguiram aproximadamente metade dos
votos em 2007, momento no qual tiraram suas luvas e as ameaças
começaram, desde a descontrolada e excessiva multa cobrada de uma mídia
crítica a infundadas teorias de conspiração contra as Forças Armadas. Os
islamistas conseguiram 58% dos votos em um referendo em setembro e
aparentam estar prontos para vencer as próximas eleições parlamentares,
marcadas para junho de 2011.
Caso os islamistas vençam as próximas eleições, isto irá,
provavelmente, estabelecer a premissa para que permaneçam continuamente
no poder, e durante esse período irão forçar o país à sua vontade,
instituindo a lei islâmica (a sharia) e construindo uma ordem islâmica
semelhante ao regime idealizado por Khomeini.
Irã: Khomeini fez o oposto de Atatürk, tornando o
Islã politicamente dominante durante o seu período no poder, de 1979 a
1989, mas após isso, logo começou a vacilar, com facções discordantes
emergindo, a economia caindo, e a população se distanciando do governo
extremista. Nos anos 90, observadores externos esperavam a rápida queda
do regime. Apesar da crescente desilusão da população, a maior
influência do Corpo de Elite da Guarda Revolucionária Islâmica e a
chegada ao poder de veteranos endurecidos da guerra Irã-Iraque,
simbolizados por Mahmoud Ahmadinejad, deram ao regime uma segunda
lufada.
Esta reafirmação das metas islâmicas também aumentou a alienação da
população com relação ao regime, incluindo um distanciamento das
práticas islâmicas em direção ao secularismo. As crescentes patologias
do país, o consumo desenfreado de drogas, pornografia e prostituição
apontam para a profundidade de seus problemas. A alienação instigou
demonstrações contrárias ao regime logo após as fraudulentas eleições de
junho de 2009. A repressão que se seguiu incitou ainda mais raiva
contra as autoridades.
Uma corrida está a caminho. Exceto que não é uma competição justa,
uma vez que islamistas governam nas duas capitais, Ancara e Teerã.
Olhando para o futuro, o Irã representa tanto o maior perigo quanto a
maior esperança para o Oriente Médio. Sua escalada nuclear, o
terrorismo, a agressividade ideológica e a formação de um “bloco de
resistência” apresentam uma verdadeira ameaça global, abrangendo desde o
aumento excessivo do preço do petróleo e gás a um ataque de pulso
eletromagnético aos Estados Unidos. Mas se estes perigos puderem ser
direcionados, controlados e vencidos, o Irã possui um potencial único de
liderar os muçulmanos para fora da escuridão islamista em direção a uma
forma mais moderna, moderada e amigável do Islã. Assim como em 1979,
tal feito provavelmente afetará muçulmanos em todas as partes do mundo.
Contrariamente, enquanto o governo turco apresenta um menor perigo
imediato, sua aplicação mais sutil dos abomináveis princípios islamistas
o agiganta como uma ameaça futura. Muito tempo após Khomeini e Osama
Bin Laden terem sido esquecidos, acredito que Recep Tayyip Erdoğan e
seus colegas serão lembrados como inventores de uma forma de islamismo
mais duradoura e insidiosa.
Portanto, é possível que o país mais problemático do Oriente Médio
possa se tornar o líder da sanidade e criatividade do amanhã, enquanto
que o mais vigoroso aliado muçulmano do Ocidente, por mais de cinco
décadas, poderá se tornar a maior fonte de hostilidade e reação. A
extrapolação é um jogo de tolos, a roda gira e com a história surgem
surpresas.
Dois pontos que não se encaixaram no corpo principal da minha coluna:
(1) Ultimamente, Ancara e Teerã trabalham em conjunto, mas prevejo
que em breve se tornarão rivais pela liderança islamista. Orgulho
histórico, ambições sectárias e competições geoestratégicas sugerem que o
atual momento de harmonia não irá durar muito. Observe a Turquia
disputando a liderança iraniana em áreas como talento comercial, poderio
militar e autoridade religiosa.
(2) Em 1994, eu apontei esta rivalidade em um artigo, publicado na National Interest,
no qual eu ressaltei uma “luta longa, profunda e difícil” provavelmente
fermentando “entre dois dos maiores países do Oriente Médio, Turquia e
Irã”. Os turcos, eu escrevi, “parecem ainda não ter percebido o que os
mulás sabem: que o Islã fundamentalista irá elevar-se ou decair de
acordo com o que os turcos fizerem e que, portanto, a Turquia e o Irã
estão envolvidos num confronto mortal. Será que os turcos irão acordar a
tempo de se defender? Muito depende deste resultado.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário