terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Em defesa do santo direito à greve neste Natal

Passamos horas na sala de embarque do aeroporto esperando Godot. E Godot parece nunca chegar.
Nessas horas, tenho a certeza que a Infraero resolve economizar até no ar condicionado.
A espera, o calor… O tumulto, o calor… A desinformação, o calor… A fome, o calor… Lembro quando, anos atrás, durante o ápice do caos aéreo, rolaram tapas entre passageiros e funcionários, entre passageiros e passageiros. Um funcionário-descontrolado chegou a tomar o celular de uma repórter-passageira que registrava um coronel-suado dando explicações. Sobre o que? Na época, não deu para ouvir. Muita gente…
Cansei de contar o número de vezes, nos últimos anos, em que me lasquei por conta dos grandes ou pequenos momentos de caos. Muita gente ao meu lado jogou videogame, Sudoku, navegou na internet, cochilou, namorou, comeu, reclamou, esperando Godot. E Godot nem tchum.
Não culpo os aeroviários e controladores de vôo. Nos últimos anos, constatamos o quanto a situação deles é desesperadora, muitos com jornada de trabalho que extrapola o limite da regulamentação da profissão, sob imposição de estresse, sofrendo pressão do patrão de uma lado e da sociedade de outro. O setor cresce economicamente, nada mais justo que a remuneração também.
(Como não estamos mais nos primórdios da revolução industrial, não faz mais sentido jogar tamancos – do francês, sabots – nas engrenagens para paralisar a produção e se fazer ouvir. Há formas mais modernas, mas com o mesmo efeito. A idéia da paralisação e da grave também é essa.)
Começam a chamar uma possível paralisação de trabalhadores de terrorismo. Terrorismo não é parar de trabalhar. Terrorismo é fazer a população ficar contra um grupo de trabalhadores, enquanto se encobre as incompetências do setor privado, que cresce e não quer gastar para se adaptar a essa nova realidade, e do poder público, que acumulada inação na área por vários presidentes da República.
Durante anos, a “modernização” do sistema aéreo esbanjou dinheiro em piso de granito de aeroportos. À medida em que o capital fixo crescia (o visível, porque radar para eliminar “ponto cego” nem pensar), o capital variável (salários) continuava insuficiente para o nível de exigência das profissões.
Apóio os aeroviários e os controladores de vôo. Apóio os cobradores e motoristas de ônibus. Apóio os bancários e metalúrgicos. Apóio os garis. Apóio os residentes médicos. Apóio o santo direito de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não à exploração e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem.
Mesmo que isso torne minha vida um absurdo.
Mesmo que Godot nunca chegue.

O debate dos blogueiros progressistas do Rio



Miguel do Rosario em seu blog Gonzum
Os blogueiros progressistas do Rio de Janeiro continuam botando a mão na massa e trabalhando. No dia 18 de dezembro, um sábado quente e modorrento, a uma semana do Natal, conseguimos reunir mais de sessenta pessoas, inclusive de outros estados, inclusive os guerreiros da Rede Liberdade, para um debate sobre a função política da blogosfera à luz da nova correlação de forças criada pela eleição de Dilma Rousseff. Organizamos tudo na marra, sem patrocínio. Eu, um reles blogueiro desempregado, botei uma boa grana do próprio bolso; e não só eu, vários outros companheiros o fizeram; como sempre a blogosfera demonstrou generosidade, idealismo e disposição para fazer acontecer. Valeu a pena. É o tipo de investimento que você faz com orgulho. Alugamos o auditório do Sindicato dos Bancários, que possuía um bom sistema de ar-condicionado e bebedouro com água mineral (fatores fundamentais nessa época do ano no Rio…), compramos garrafas térmicas para servir café, chocolate, amendoins, biscoitinhos doces e salgados. Não tem preço ficar de frente, tocar e abraçar aqueles idealistas, de olhos bondosos e puros, que outros chamam de “sujos” e que agora alguns tentam destruir a golpes de pedantismo.
Houve problemas com o som e com a internet. Um companheiro nosso que deveria trazer o som, não o fez, e tivemos que falar sem microfone, o que não foi problema por se tratar de um auditório com excelente acústica. Também não foi possível fazer a transmissão online via internet, igualmente por incompetência nossa, que nos esforçaremos para que não se repita em eventos futuros.
Fabiano Santos, um cientista político de primeira grandeza, do Iupesp-UERJ, abriu o debate com uma brilhante exposição sobre o momento político brasileiro. Relatou, em primeiro lugar, como mergulhou de cabeça na blogosfera, após sentir-se ofendido com matéria publicada num grande jornal do Rio, que atacava o instituto onde ele trabalhava, o Iuperj. Passou a ser um consumidor de blogs, começando pelo do Nassif.
Fabiano Santos elogiou o termo “progressista”, conceito que, segundo ele, contava com sua total simpatia, como aliás deixou claro ao aceitar prontamente o convite que lhe fiz de participar do evento e pela seriedade com que desempenhou sua tarefa. O cientista elogiou muito a contribuição dos blogueiros progressistas no sentido de ampliar o debate democrático no país.
Santos analisou a função da blogosfera política nas eleições e discorreu sobre as perspectivas eleitorais futuras. Uma das funções seria a reiteração ideológica, onde o indivíduo encontraria em alguns blogs uma visão parecida. Este fator, segundo ele, tem relevância política porque fornece argumentos e autoconfiança para um determinado núcleo duro, de pessoas interessadas no assunto, que são procuradas pela maioria, que apenas se interessa por política durante o momento eleitoral.
Outra função, que seria a ideal, seria a de persuadir, e eventualmente mudar o voto de uma pessoa.
Santos disse acreditar, no entanto, que a primeira função seria mais comum na blogosfera de esquerda atual.
Em seguida, ele fez considerações de ordem propriamente política-eleitoral-partidária. Lembrou a tese de seu pai, Wanderley Guilherme dos Santos, de que há uma possiblidade forte de união entre Aécio Neves e lideranças do PSB, e mesmo de outros partidos, sobretudo porque muitos estão se sentindo “órfãos” na divisão de poder entre PT e PMDB. Lembrou que da mesma forma que o PT se aliou ao PL, o PSB pode se aliar ao PSDB. A diferença (e aqui vai minha opinião, embora eu ache que o Fabiano concordaria com ela) é que, no caso da dupla PT X PL, a esquerda vinha na cabeça, enquanto a chapa PSDB X PSB teria um perfil hegemonicamente conservador.
Respondendo a uma pergunta minha, Santos apontou mais um desafio para a esquerda: lidar com o avanço das bandeiras conservadoras gerado pela ascensão social de um número grande de pessoas. A partir do momento em que se amplia o tamanho da classe média, outras demandas se impõem, entre elas, a discussão sobre a carga tributária.
Santos observou, todavia, que esses dilemas, hoje muito prementes entre a esquerda européia (onde a classe trabalhadora que votava na esquerda hoje vota na direita pelas mesmas razões), ainda demorarão a se tornar tão aguçados no Brasil. Observação minha: não vão demorar tanto, ainda mais porque a mídia já identificou esses possíveis ponto-fracos da esquerda e vem trabalhando com afinco para satanizar a cobrança de impostos (o que não é difícil, visto que ninguém gosta de pagar imposto; de maneira que a pregação tem um quê de irresponsabilidade republicana, bem típica do tipo de direita que temos no Brasil). Outra observação é que isso é processo político normal e inevitável e se a esquerda não souber enfrentar essa luta com sabedoria, merecerá a derrota.
O cientista disse ainda que a imprensa grande é conservadora no mundo inteiro, com raras exceções. Eu lembrei das exceções: França e Itália, onde temos grande imprensa de esquerda, mas em todos os países americanos, mídia grande é ligada aos partidos conservadores.
Bemvindo Sequeira falou em seguida. Lembrou do tempo em que foi diretor do sindicato dos artistas, e sofria na mão de uma ultra-minoria ultra-esquerdista que sabotava sistematicamente as convenções, forçando as melhores cabeças a irem embora para casa, depois do que eles assumiam as votações e aprovavam bandeiras radicais, inconvenientes e contraproducentes.
O ator contou a história do grupo Rede Liberdade, que promove encontros virtuais, entrevistas, festas, e outros eventos.
Sequeira, como era de se esperar, extraiu fortes risadas da plateia com sua irreverência livre e inteligente. Socialista maduro, responsável, positivamente astuto, o ator e comediante também fez uma bela defesa da liberdade de expressão nos debates políticos, ou seja, do não-patrulhamento, e a tolerância para com a opinião divergente. A harmonia carinhosa entre ele, que defende a ação do governo estadual e federal no Complexo do Alemão, e o cartunista Latuff (a seu lado na mesa), que a critica ferinamente, era um exemplo maravilhoso e concreto. É possível discordar sem rancor.
Latuff dedicou grande parte de seu tempo a criticar a ação do Estado no Complexo do Alemão. Apesar d’eu discordar dele, compreendo e até apoio (por mais paradoxal que isso possa parecer) a manifestação de Latuff. De fato, a mídia produziu um consenso assustador nesse caso. O Globo deixou bem claro o que pode fazer quando “gosta” de uma determinada ação governamental: abraça-a com a mesma violência manipuladora e exagerada que usa para atacar ações que não gosta. Mesmo apoiando a ação, eu adverti por aqui a minha profunda discordância do tom salvacionista adotado pela Globo para descrever a ação.
O fato, porém, é que os principais movimentos sociais ligados às favelas apoiaram a invasão do Alemão pelo exército e polícia, mas todos tivemos muito medo de uma carnificina e por isso mesmo houve uma grande mobilização para que fosse tomado extremo cuidado para com os direitos humanos. A própria presença maciça dos canais de tv ajudou a evitar um banho de sangue. A mídia, conservadora ou não, é importante neste caso, porque permite à sociedade vigiar de perto o poder público.
Depois do evento, uma parte dos blogueiros progressistas confraternizaram no Bar do Gomes, na Lapa, que eu e meus amigos chamamos ainda pelo nome antigo: o Ceará. Rodrigo Brandão, Arles, Rô, Latuff, o Betinho de BH, e vários outros. Havia um objetivo de confabular sobre o Encontro Regional, mas a gente usou o tempo para falar genericamente de política, relembrar anedotas, trocar impressões, ou simplesmente falar besteira.
O Emir Sader, que participaria do debate, mas não pode fazê-lo por estar em Foz do Iguaçu, num evento de lideranças da América Latina, mandou-nos uma cartinha:
Caros blogueiros, caros companheiros e amigos
Impossibilitado de participar desse importante debate, mando um abraço a todos. Terminamos um ano e uma década muito importantes para o Brasil e a América Latina. Começamos a construir alternativas ao neoliberalismo – ao reino do dinheiro, do tudo se vende, tudo se compra, e, que tudo tem preço – para começar a entender e a colocar em prática o principio democratico de que o essencial não tem preço. E o essencial são os direitos de todos.
No plano da comunicação, nossa ação guerrilheira surte efeitos e nos anima a seguir adiante. Mas não devemos ter ilusões; lutamos contra Exércitos regulares, com um poder de fogo muito superior ao nosso.
Estamos coseguindo demonstrar a superioridade politica, cultural e moral, do plurairismo, da diversidade, da multiplicação de vozes – princípios em que deve se assentar uma politica democrática de comunicação social.
Com debates como esse, vamos estabelecendo os elos desse nova politica.
Sou apenas mais um da nossa turma.
Um abraço.
Emir Sader
A Rede Liberdade já postou muitas fotos do evento. Escolhi umas e publico abaixo (repetindo: o crédito das fotos é da Rede Liberdade).
(em primeiro plano, à esquerda, o artista plástico Juliano Guilherme, combatente da blogosfera na área de comentários, de camiseta azul; e Sérgio Telles, à direita, de camiseta bege, um dos organizadores do debate do #rioblogprog. Betinho Duarte, vereador por 16 anos em Belo Horizonte, aparece à direita, de camiseta branca. Detalhe: o resto do público assistia a palestra junto a mesa do bufê, onde tinha café e quitutes; uma parte ia fumar cigarro do lado de fora de vez quando; outra fica na janela).
(À esquerda, eu, despenteado e barba por fazer, ou seja, fantasiado de blogueiro sujo; à direita, Fabiano Santos, cientista político do Iupesp).
(Parte do núcleo duro do #rioblogprog, em foto tirada ao final do debate).

Descontente com PDT, Juliana Brizola assina CPI da Saúde e ameaça ir para o PSol



Igor Natusch no Sul21

O requerimento para instalação da CPI da Saúde em Porto Alegre é mais um episódio a marcar o clima tenso que tomou conta da relação de Juliana Brizola com o PDT, o partido criado pelo seu avô, Leonel Brizola. Protocolado na tarde desta segunda-feira (20), o pedido de investigação foi proposto pela oposição ao governo da capital, comandado por José Fortunati (PDT). Até a manhã de hoje, faltava uma única assinatura para viabilizar a CPI – ela acabou sendo dada por Juliana Brizola, contra os interesses do próprio partido. Curiosamente, a 12ª assinatura, a de Juliana, que permitiu a tramitação na Câmara Municipal do pedido da CPI da Saúde, foi justamente a que faltou para que a vereadora conseguisse a instauração de outra Comissão Parlamentar de Inquérito: a da Secretaria Municipal da Juventude. A CPI do ProJovem, que tramita na Casa, foi encaminhada pelo vereador tucano Luiz Braz, da base aliada de Fortunati.
Mais do que uma represália contra o que Juliana considera uma “perseguição” do seu partido, a atitude da vereadora, que ocupará uma cadeira na Assembleia gaúcha a partir de 2011, é um sinal de que a detentora do sobrenome que personifica o trabalhismo está disposta a bater de frente com o partido de seu avô. Há a possibilidade crescente de Juliana Brizola partir de mala e cuia para outra sigla – no caso, o PSol.
A proposta de CPI para apurar denúncias sobre a Secretaria Municipal de Saúde existe desde janeiro de 2010. Em abril, já haviam sido coletadas 11 das doze assinaturas necessárias para o andamento da investigação. A última assinatura só surgiria hoje, com a concordância de Juliana em opor-se ao governo de seu partido. “Ela era favorável à CPI (da Saúde) desde o início”, garante o vereador de Porto Alegre, Pedro Ruas (PSol), que deu início ao processo. Segundo ele, a pressão partidária impedia que Juliana assinasse o requerimento. Barreira que teria deixado de existir depois da polêmica envolvendo a investigação da Secretaria de Juventude. “Com os últimos acontecimentos, a vereadora (Juliana Brizola) não se sente mais presa às imposições de seu partido, o que a deixou muito mais à vontade para assinar (a CPI)”, garante Ruas. Agora, a CPI da Saúde fica no aguardo de parecer da presidência da Câmara.
Tentando apagar o incêndio, lideranças trabalhistas acenam com uma solução conciliadora. Juliana Brizola poderia, de acordo com a proposta da bancada do PDT, assumir a Comissão de Educação na Assembleia Legislativa a partir de 2011. Seria um modo de diminuir a insatisfação da deputada eleita, que não apenas ostenta um sobrenome muito importante para a sigla, como teve também a melhor votação da bancada trabalhista nas eleições de outubro. Uma reunião da bancada pedetista está marcada para terça-feira (21), na qual Juliana Brizola deve estar presente. Entre outros assuntos, o encontro deve consolidar a oferta da Comissão de Educação, como meio de acabar com as rusgas entre Juliana e a sigla.
“O lugar dela é no PDT”, diz o deputado Adroaldo Loureiro, que será colega de Assembleia de Juliana Brizola a partir de 2011. Frisando que a futura deputada merece ser “bem tratada” pelo partido, Loureiro diz crer que a tendência, daqui para frente, é que as coisas se acalmem. “Foi um ano muito complicado, cheio de conflitos dentro do partido, e isso acabou tendo influência. Além disso, ela será deputada, estará em outro ambiente a partir do ano que vem. Acredito que teremos um clima mais favorável ao entendimento daqui para frente”, assegura.
Briga antiga
A insatisfação de Juliana é assunto que se arrasta há anos nos corredores do PDT. Os choques entre a atual vereadora e a direção estadual da sigla foram tantos que motivaram até uma denúncia por assédio sexual contra o então presidente do partido no RS, Pompeo de Mattos, em 2004. Nas articulações para definir o apoio dos trabalhistas ao governo de Tarso Genro (PT), Juliana Brizola foi uma das vozes mais fortes contra a participação, mas acabou sendo voto vencido. Nos últimos dias, a situação ganhou tamanha dimensão que até o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, aproveitou viagem ao RS para tentar acalmar os ânimos.
As rusgas entre Juliana e o PDT tiveram uma gota d’água na recente proposta de uma CPI para investigar a Secretaria Municipal da Juventude, da qual foi titular. A pasta, até a explosão da polêmica, era comandada pelo marido de Juliana, Alexandre de Souza Silveira, conhecido como Alexandre Rambo. Rebatendo denúncias contra o marido, as quais ela atribui a uma armação comandada pelo desafeto Mauro Zacher (PDT), que também esteve à frente da Secretarua da Juventude, Juliana propôs a abertura de uma comissão processante para investigar as últimas administrações da pasta. Porém, seu pedido foi negado pela presidência da Casa, baseada num parecer da procuradoria-geral da Câmara.
Juntamente com a vereadora Fernanda Melchionna (PSol), Juliana entrou com um recurso, encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, onde teve parecer favorável do presidente da CCJ e relator do recurso, vereador Pedro Ruas. O vereador Luiz Braz (PSDB), no entanto, pediu vistas e a decisão foi adiada por um dia. Tempo suficiente para Braz assinar um novo pedido de CPI para investigar a secretaria.
Ao perceber a manobra, Juliana Brizola tentou ela mesma substituir o pedido de abertura de uma comissão processante pelo de uma CPI. No entanto, não obteve as 12 assinaturas necessárias, enquanto a Comissão proposta por Luís Braz, com 14 assinaturas, foi aceita pelo presidente da Câmara de Porto Alegre, Nelcir Tessaro (PTB). Na prática, o controle da investigação saiu das mãos da oposição – e, em última análise, de Juliana Brizola – e passou para o controle de setores muito mais simpáticos a José Fortunati e ao governo municipal. “Fui desrespeitada na minha pretensão de ingressar com a CPI e, agora, o pedido de outro vereador é aceito em lugar do meu. A mesa não pode aceitar esse pedido. É uma questão de autoria”, disse Juliana, em entrevista coletiva logo após a decisão.
Vereadores Fernanda Melchionna e Pedro Ruas / Divulgação CMPA

Conversas com o PSol
A aproximação de Juliana Brizola com o PSol vem sendo costurada há alguns meses. Nas sessões da Câmara municipal, era comum ver a futura deputada ao lado de Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, representantes psolistas no legislativo de Porto Alegre. A migração, embora de forte repercussão, não seria inédita, já que o próprio Pedro Ruas deixou os quadros trabalhistas em 2004, depois de 25 anos na sigla, para entrar no PSol.
As conversas entre Juliana e o PSol tomaram tal dimensão que a vereadora, acompanhada de Pedro Ruas e do presidente gaúcho do PSol, Roberto Robaina, dirigiu-se até o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) na quarta-feira passada (15) para um encontro com o presidente do Tribunal, Luiz Felipe Silveira Difini. O tema da conversa: eventuais implicações de uma mudança de partido sobre o recém conquistado mandato na Assembleia do RS. A ideia, no caso, seria de Juliana Brizola tomar posse ainda como pedetista. Com o mandato já em andamento, a deputada alegaria perseguição ou rompimento do PDT com o programa partidário para migrar de sigla – o que, caso aceito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), garantiria a entrada no PSol sem que Juliana precisasse abrir mão do mandato.
Segundo o vereador Pedro Ruas (PSol), a discussão ainda está em um estágio “muito preliminar”. Mas confirma a aproximação entre Juliana Brizola e o partido. “Sempre houve um grande respeito nosso pela trajetória dela, além de estarmos sempre muito próximos na atuação de plenário. Para nós (PSol), seria uma honra muito grande recebê-la, caso as coisas evoluam. Mas ainda não há nada concreto”, ressalva.
Sem entrar no mérito de uma possível entrada de Juliana Brizola no PSol, a vereadora Fernanda Melchionna (PSol) lembra que os recentes acontecimentos deram “maior independência” às decisões da futura deputada estadual. “A vereadora Brizola não encontra mais espaço dentro do partido ao qual pertence. O PDT distanciou-se das bandeiras que ela defende, e ela acabou ficando isolada. Isso fez com que ela se aproximasse de nós (PSol) na Câmara, já que abraçamos várias lutas em comum”, explica Melchionna.
Adroaldo Loureiro, porém, descarta a hipótese com veemência. “Isso não passa de boato, não tem a menor sustentação”, diz. Para ele, não existiria nem sequer uma “lógica política” para sustentar essa possibilidade. “Ela carrega consigo o legado do doutor Leonel Brizola, fundador e grande líder do PDT. Não existe motivos para ela sair, aqui é a casa dela. Nós (deputados estaduais) vamos receber ela de braços abertos e com muita alegria”.
O Sul21 tentou conversar com Juliana Brizola durante toda a tarde desta segunda-feira (20), mas a vereadora não retornou as ligações. A assessoria de Juliana informou que a futura deputada havia decidido não falar com a imprensa.

Dez conselhos para viver a religião



1. Religue-se. Evite o solipsismo, o individualismo, a solidão nefasta. Religue-se ao mais profundo de si mesmo, lá onde se cultivam os bens infinitos; à natureza, da qual somos todos expressão e consciência; ao próximo, de quem inevitavelmente dependemos; a Deus, que nos ama incondicionalmente. Isto é religião, re-ligar.
2. Tenha presente que as religiões surgiram na história da humanidade há cerca de oito mil anos. A espiritualidade, porém, é tão antiga quanto a própria humanidade. Ela é o fundamento de toda religião, assim como o amor em relação à família. Busque na sua religião aprimorar a sua espiritualidade. Desconfie de religião que não cultiva a espiritualidade e prioriza dogmas, preceitos, mandamentos, hierarquias e leis.
3. Verifique se a sua religião está centrada no dom maior de Deus: a vida. Religião centrada na autoridade, na doutrina, na ideia de pecado, na predestinação, é ópio do povo. “Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disse Jesus (João 10,10). Portanto, a religião não pode manter-se indiferente a tudo que impede ou ameaça a vida: opressão, exclusão, submissão, discriminação, desqualificação de quem não abraça o mesmo credo.
4. Engaje-se numa comunidade religiosa comprometida com o aprimoramento da espiritualidade. Religião é comunhão. E imprima à sua comunidade caráter social: combate à miséria; solidariedade aos pobres e injustiçados; defesa intransigente da vida; denúncia das estruturas de morte; anúncio de um “outro mundo possível”, mais justo e livre, onde todos possam viver com dignidade e felicidade.
5. Interiorize sua experiência religiosa. Transforme o seu crer no seu fazer. Reduza a contradição entre a sua oração e a sua ação. Faça pelos outros o que gostaria que fizessem por você. Ame assim como Deus nos ama: incondicionalmente.
6. Ore. Religião sem oração é cardápio sem alimento. Reserve um momento de seu dia para encontrar-se com Deus no mais íntimo de si mesmo. Medite. Deixe o Espírito divino lapidar o seu espírito, desatar os seus nós interiores, dilatar sua capacidade amorosa.
7. Seja tolerante com as outras religiões, assim como gostaria que fossem com a sua. Livre-se de qualquer tendência fundamentalista de quem se julga dono da verdade e melhor intérprete da vontade de Deus. Procure dialogar com aqueles que manifestam crenças diferentes da sua. Quem ama não é intolerante.
8. Lembre-se: Deus não tem religião. Nós é que, ao institucionalizar diferentes experiências espirituais, criamos as religiões. Todas elas estão inseridas neste mundo em que vivemos e mantêm com ele uma intrínseca interrelação. Toda religião desempenha, na sociedade em que se insere, um papel político, seja legitimando injustiças, ao se manter indiferente a elas, seja ao denunciá-las profeticamente em nome do princípio de que somos todos filhos e filhas de Deus. Portanto, temos o direito de fazer da humanidade uma família.
9. A árvore se conhece pelos frutos. Avalie se a sua religião é amorosa ou excludente, semeadora de bênçãos ou arauto do inferno, serva do projeto de Deus na história humana ou do poder do dinheiro.
10. Deus é amor. Religião que não conduz ao amor não é coisa de Deus. Mais importante que ter fé, abraçar uma religião, frequentar templos, é amar. “Ainda que eu tivesse fé capaz de transportar montanhas, se não tivesse o amor isso de nada me serviria”, disse o apóstolo Paulo (1 Coríntios 13, 2). Mais vale um ateu que ama que um crente que odeia, discrimina e oprime. O amor é a raiz e o fruto de toda verdadeira religião; e a experiência de Deus, de toda autêntica fé.

* Escritor

A barreira da desigualdade



Sem erradicar a pobreza e a marginalização social, é impossível fazer funcionar regularmente o regime democrático


Ideias para Dilma
A ligação entre democracia e direitos humanos é visceral, pois trata-se de realidades intimamente correlacionadas. Sem democracia, os direitos humanos, notadamente os econômicos e sociais, nunca são adequadamente  respeitados, porque a realização de tais direitos implica a redução  substancial do poder da minoria rica que domina o País. Como ninguém pode desconhecer, sem erradicar a pobreza e a marginalização social, com a concomitante redução das desigualdades sociais e regionais, como manda a Constituição (art. 3º, III), é impossível fazer funcionar regularmente o regime democrático, pois a maioria pobre é continuamente esmagada pela minoria rica.

Acontece que o nosso País continuar a ostentar a faixa de campeão da desigualdade social na América Latina, e permanece há décadas entre os primeiros colocados mundiais nessa indecente competição. Em seu último relatório, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD) mostrou que os setores de mais acentuada desigualdade social, no Brasil, são os de rendimento e educação.

É óbvio que essa realidade deprimente jamais será corrigida simplesmente com a adoção de programas assistenciais do tipo Bolsa Família. Trata-se de um problema global, ligado à estrutura de poder na sociedade. Para solucioná-lo, portanto, é indispensável usar de um remédio também global. Ele consiste na progressiva introdução de um autêntico regime republicano e democrático entre nós. Ou seja, no respeito integral à supremacia do bem comum do povo ( a res publica romana) sobre o interesse próprio das classes e dos grupos dominantes e seus aliados. Ora, se a finalidade última do exercício do poder político é essa, fica evidente que ao povo, e a ele só, deve ser atribuída uma soberania efetiva e não meramente simbólica, como sempre aconteceu entre nós.

Para alcançar esse desiderato, é preciso transformar a mentalidade dominante, moldada na passiva aceitação do poder oligárquico e capitalista. O que implica um esforço prolongado e metódico de educação cívica.

Concomitantemente, é indispensável introduzir algumas instituições de decisão democrática em nossa organização constitucional. Três delas me parecem essenciais com esse objetivo, proque provocam, além do enfraquecimento progressivo do poder oligárquico, a desejada pedagodia política popular.

A primeira e mais importante consiste em extinguir o poder de controle, pelo oligopólio empresarial, da parte mais desenvolvida dos nossos meios de comunicação de massa. É graças a esse domínio da grande imprensa, do rádio e da televisão, que os grupos oligárquicos defendem, livremente, a sua dominação política e econômica.

O novo governo federal deveria começar, nesse campo, pela apresentação de projetos de lei que deem efetividade às normas constitucionais proibidoras do monopólio e do oligopólio dos meios de comunicação de massa, e que exigem, na programação das emissoras de rádio e televisão, seja dada preferência a finalidades educativas, artísticas e informativas, bem como à promoção da cultura nacional e regional.

A esse respeito, já foram ajuizadas no Supremo Tribunal Federal algumas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão. É de se esperar que a nova presidenta, valendo-se do fato de que o Advogado-Geral da União é legalmente “submetido à sua direta, pessoal e imediata supervisão”( Lei Complementar n˚ 73, de 1993, art.3˚, § 1°), dê-lhe instruções precisas para que se manifeste favoravelmente aos pedidos ajuizados. Seria, com efeito, mais um estrondoso vexame se a presidenta eleita repetisse o comportamento do governo Lula, que instruiu a Advocacia-Geral da União a se pronunciar, no Supremo Tribunal Federal, a favor da anistia dos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar.

As outras duas medidas institucionais de instauração da democracia entre nós são: 1. A livre utilização, pelo povo, de plebiscitos e referendos, bem como a facilitação da iniciativa popular de projetos de lei e a criação da iniciativa popular de emendas constitucionais. 2. A instituição do referendo revocatório de mandatos eletivos (recall), pelos quais o povo pode destituir livremente aqueles que elegeu, sem necessidade dos processos cavilosos de impeachment.

Salvo no tocante à iniciativa popular de emendas constitucionais, já existem proposições em tramitação no Congresso Nacional a esse respeito, redigidas pelo autor destas linhas e encampadas pelo Conselho Federal da OAB: os Projetos de Lei n˚ 4.718 na Câmara dos Deputados e n˚ 001/2006 no Senado Federal, bem como a proposta de Emenda Constitucional n˚ 26/2006, apresentada pelo senador Sérgio Zambiasi, que permite a iniciativa popular de plebiscitos e referendos.

Mas não sejamos ingênuos. Todos esses mecanismos institucionais abalam a soberania dos grupos oligárquicos e, como é óbvio, sua introdução será por eles combatida de todas as maneiras, sobretudo pela pressão sufocante do poder econômico. Se quisermos avançar nesse terreno minado, é preciso ter pertinácia, organização e competência.

Está posto, aí, o grande desafio a ser enfrentado pelo futuro governo federal. Terá ele coragem e determinação para atuar em favor da democracia e dos direitos humanos, ou preferirá seguir o caminho sinuoso e covarde da permanente conciliação com os donos do poder?

É a pergunta que ora faço à presidenta eleita.