Miguel do Rosario em seu blog Gonzum
Os blogueiros progressistas do Rio de Janeiro continuam botando a mão
na massa e trabalhando. No dia 18 de dezembro, um sábado quente e
modorrento, a uma semana do Natal, conseguimos reunir mais de sessenta
pessoas, inclusive de outros estados, inclusive os guerreiros da Rede Liberdade,
para um debate sobre a função política da blogosfera à luz da nova
correlação de forças criada pela eleição de Dilma Rousseff. Organizamos
tudo na marra, sem patrocínio. Eu, um reles blogueiro desempregado,
botei uma boa grana do próprio bolso; e não só eu, vários outros
companheiros o fizeram; como sempre a blogosfera demonstrou
generosidade, idealismo e disposição para fazer acontecer. Valeu a pena.
É o tipo de investimento que você faz com orgulho. Alugamos o auditório
do Sindicato dos Bancários, que possuía um bom sistema de
ar-condicionado e bebedouro com água mineral (fatores fundamentais nessa
época do ano no Rio…), compramos garrafas térmicas para servir café,
chocolate, amendoins, biscoitinhos doces e salgados. Não tem preço ficar
de frente, tocar e abraçar aqueles idealistas, de olhos bondosos e
puros, que outros chamam de “sujos” e que agora alguns tentam destruir a
golpes de pedantismo.
Houve problemas com o som e com a internet. Um companheiro nosso que
deveria trazer o som, não o fez, e tivemos que falar sem microfone, o
que não foi problema por se tratar de um auditório com excelente
acústica. Também não foi possível fazer a transmissão online via
internet, igualmente por incompetência nossa, que nos esforçaremos para
que não se repita em eventos futuros.
Fabiano Santos, um cientista político de primeira grandeza, do
Iupesp-UERJ, abriu o debate com uma brilhante exposição sobre o momento
político brasileiro. Relatou, em primeiro lugar, como mergulhou de
cabeça na blogosfera, após sentir-se ofendido com matéria publicada num
grande jornal do Rio, que atacava o instituto onde ele trabalhava, o
Iuperj. Passou a ser um consumidor de blogs, começando pelo do Nassif.
Fabiano Santos elogiou o termo “progressista”, conceito que, segundo
ele, contava com sua total simpatia, como aliás deixou claro ao aceitar
prontamente o convite que lhe fiz de participar do evento e pela
seriedade com que desempenhou sua tarefa. O cientista elogiou muito a
contribuição dos blogueiros progressistas no sentido de ampliar o debate
democrático no país.
Santos analisou a função da blogosfera política nas eleições e
discorreu sobre as perspectivas eleitorais futuras. Uma das funções
seria a reiteração ideológica, onde o indivíduo encontraria em alguns
blogs uma visão parecida. Este fator, segundo ele, tem relevância
política porque fornece argumentos e autoconfiança para um determinado
núcleo duro, de pessoas interessadas no assunto, que são procuradas pela
maioria, que apenas se interessa por política durante o momento
eleitoral.
Outra função, que seria a ideal, seria a de persuadir, e eventualmente mudar o voto de uma pessoa.
Santos disse acreditar, no entanto, que a primeira função seria mais comum na blogosfera de esquerda atual.
Em seguida, ele fez considerações de ordem propriamente
política-eleitoral-partidária. Lembrou a tese de seu pai, Wanderley
Guilherme dos Santos, de que há uma possiblidade forte de união entre
Aécio Neves e lideranças do PSB, e mesmo de outros partidos, sobretudo
porque muitos estão se sentindo “órfãos” na divisão de poder entre PT e
PMDB. Lembrou que da mesma forma que o PT se aliou ao PL, o PSB pode se
aliar ao PSDB. A diferença (e aqui vai minha opinião, embora eu ache que
o Fabiano concordaria com ela) é que, no caso da dupla PT X PL, a
esquerda vinha na cabeça, enquanto a chapa PSDB X PSB teria um perfil
hegemonicamente conservador.
Respondendo a uma pergunta minha, Santos apontou mais um desafio para
a esquerda: lidar com o avanço das bandeiras conservadoras gerado pela
ascensão social de um número grande de pessoas. A partir do momento em
que se amplia o tamanho da classe média, outras demandas se impõem,
entre elas, a discussão sobre a carga tributária.
Santos observou, todavia, que esses dilemas, hoje muito prementes
entre a esquerda européia (onde a classe trabalhadora que votava na
esquerda hoje vota na direita pelas mesmas razões), ainda demorarão a se
tornar tão aguçados no Brasil. Observação minha: não vão demorar tanto,
ainda mais porque a mídia já identificou esses possíveis ponto-fracos
da esquerda e vem trabalhando com afinco para satanizar a cobrança de
impostos (o que não é difícil, visto que ninguém gosta de pagar imposto;
de maneira que a pregação tem um quê de irresponsabilidade republicana,
bem típica do tipo de direita que temos no Brasil). Outra observação é
que isso é processo político normal e inevitável e se a esquerda não
souber enfrentar essa luta com sabedoria, merecerá a derrota.
O cientista disse ainda que a imprensa grande é conservadora no mundo
inteiro, com raras exceções. Eu lembrei das exceções: França e Itália,
onde temos grande imprensa de esquerda, mas em todos os países
americanos, mídia grande é ligada aos partidos conservadores.
Bemvindo Sequeira falou em seguida. Lembrou do tempo em que foi
diretor do sindicato dos artistas, e sofria na mão de uma ultra-minoria
ultra-esquerdista que sabotava sistematicamente as convenções, forçando
as melhores cabeças a irem embora para casa, depois do que eles assumiam
as votações e aprovavam bandeiras radicais, inconvenientes e
contraproducentes.
O ator contou a história do grupo Rede Liberdade, que promove encontros virtuais, entrevistas, festas, e outros eventos.
Sequeira, como era de se esperar, extraiu fortes risadas da plateia
com sua irreverência livre e inteligente. Socialista maduro,
responsável, positivamente astuto, o ator e comediante também fez uma
bela defesa da liberdade de expressão nos debates políticos, ou seja, do
não-patrulhamento, e a tolerância para com a opinião divergente. A
harmonia carinhosa entre ele, que defende a ação do governo estadual e
federal no Complexo do Alemão, e o cartunista Latuff (a seu lado na
mesa), que a critica ferinamente, era um exemplo maravilhoso e concreto.
É possível discordar sem rancor.
Latuff dedicou grande parte de seu tempo a criticar a ação do Estado
no Complexo do Alemão. Apesar d’eu discordar dele, compreendo e até
apoio (por mais paradoxal que isso possa parecer) a manifestação de
Latuff. De fato, a mídia produziu um consenso assustador nesse caso. O
Globo deixou bem claro o que pode fazer quando “gosta” de uma
determinada ação governamental: abraça-a com a mesma violência
manipuladora e exagerada que usa para atacar ações que não gosta. Mesmo
apoiando a ação, eu adverti por aqui a minha profunda discordância do
tom salvacionista adotado pela Globo para descrever a ação.
O fato, porém, é que os principais movimentos sociais ligados às
favelas apoiaram a invasão do Alemão pelo exército e polícia, mas todos
tivemos muito medo de uma carnificina e por isso mesmo houve uma grande
mobilização para que fosse tomado extremo cuidado para com os direitos
humanos. A própria presença maciça dos canais de tv ajudou a evitar um
banho de sangue. A mídia, conservadora ou não, é importante neste caso,
porque permite à sociedade vigiar de perto o poder público.
Depois do evento, uma parte dos blogueiros progressistas
confraternizaram no Bar do Gomes, na Lapa, que eu e meus amigos chamamos
ainda pelo nome antigo: o Ceará. Rodrigo Brandão, Arles, Rô, Latuff, o
Betinho de BH, e vários outros. Havia um objetivo de confabular sobre o
Encontro Regional, mas a gente usou o tempo para falar genericamente de
política, relembrar anedotas, trocar impressões, ou simplesmente falar
besteira.
O Emir Sader, que participaria do debate, mas não pode fazê-lo por
estar em Foz do Iguaçu, num evento de lideranças da América Latina,
mandou-nos uma cartinha:
Caros blogueiros, caros companheiros e amigos
Impossibilitado de participar desse importante debate, mando um abraço a todos. Terminamos um ano e uma década muito importantes para o Brasil e a América Latina. Começamos a construir alternativas ao neoliberalismo – ao reino do dinheiro, do tudo se vende, tudo se compra, e, que tudo tem preço – para começar a entender e a colocar em prática o principio democratico de que o essencial não tem preço. E o essencial são os direitos de todos.
No plano da comunicação, nossa ação guerrilheira surte efeitos e nos anima a seguir adiante. Mas não devemos ter ilusões; lutamos contra Exércitos regulares, com um poder de fogo muito superior ao nosso.
Estamos coseguindo demonstrar a superioridade politica, cultural e moral, do plurairismo, da diversidade, da multiplicação de vozes – princípios em que deve se assentar uma politica democrática de comunicação social.
Com debates como esse, vamos estabelecendo os elos desse nova politica.
Sou apenas mais um da nossa turma.
Um abraço.
Emir Sader
A Rede Liberdade já postou muitas fotos do evento. Escolhi umas e publico abaixo (repetindo: o crédito das fotos é da Rede Liberdade).
(em primeiro plano, à esquerda, o artista plástico Juliano Guilherme,
combatente da blogosfera na área de comentários, de camiseta azul; e
Sérgio Telles, à direita, de camiseta bege, um dos organizadores do
debate do #rioblogprog. Betinho Duarte, vereador por 16 anos em Belo
Horizonte, aparece à direita, de camiseta branca. Detalhe: o resto do
público assistia a palestra junto a mesa do bufê, onde tinha café e
quitutes; uma parte ia fumar cigarro do lado de fora de vez quando;
outra fica na janela).
(À esquerda, eu, despenteado e barba por fazer, ou seja, fantasiado
de blogueiro sujo; à direita, Fabiano Santos, cientista político do
Iupesp).(Parte do núcleo duro do #rioblogprog, em foto tirada ao final do debate).
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