Sem erradicar a pobreza e a marginalização social, é impossível fazer funcionar regularmente o regime democrático
Ideias para Dilma |
A
ligação entre democracia e direitos humanos é visceral, pois trata-se
de realidades intimamente correlacionadas. Sem democracia, os direitos
humanos, notadamente os econômicos e sociais, nunca são adequadamente
respeitados, porque a realização de tais direitos implica a redução
substancial do poder da minoria rica que domina o País. Como ninguém
pode desconhecer, sem erradicar a pobreza e a marginalização social,
com a concomitante redução das desigualdades sociais e regionais, como
manda a Constituição (art. 3º, III), é impossível fazer funcionar
regularmente o regime democrático, pois a maioria pobre é continuamente
esmagada pela minoria rica.
Acontece
que o nosso País continuar a ostentar a faixa de campeão da
desigualdade social na América Latina, e permanece há décadas entre os
primeiros colocados mundiais nessa indecente competição. Em seu último
relatório, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano
(PNUD) mostrou que os setores de mais acentuada desigualdade social, no
Brasil, são os de rendimento e educação.
É
óbvio que essa realidade deprimente jamais será corrigida simplesmente
com a adoção de programas assistenciais do tipo Bolsa Família.
Trata-se de um problema global, ligado à estrutura de poder na
sociedade. Para solucioná-lo, portanto, é indispensável usar de um
remédio também global. Ele consiste na progressiva introdução de um
autêntico regime republicano e democrático entre nós. Ou seja, no
respeito integral à supremacia do bem comum do povo ( a res publica
romana) sobre o interesse próprio das classes e dos grupos dominantes e
seus aliados. Ora, se a finalidade última do exercício do poder
político é essa, fica evidente que ao povo, e a ele só, deve ser
atribuída uma soberania efetiva e não meramente simbólica, como sempre
aconteceu entre nós.
Para
alcançar esse desiderato, é preciso transformar a mentalidade
dominante, moldada na passiva aceitação do poder oligárquico e
capitalista. O que implica um esforço prolongado e metódico de educação
cívica.
Concomitantemente,
é indispensável introduzir algumas instituições de decisão democrática
em nossa organização constitucional. Três delas me parecem essenciais
com esse objetivo, proque provocam, além do enfraquecimento progressivo
do poder oligárquico, a desejada pedagodia política popular.
A
primeira e mais importante consiste em extinguir o poder de controle,
pelo oligopólio empresarial, da parte mais desenvolvida dos nossos
meios de comunicação de massa. É graças a esse domínio da grande
imprensa, do rádio e da televisão, que os grupos oligárquicos defendem,
livremente, a sua dominação política e econômica.
O
novo governo federal deveria começar, nesse campo, pela apresentação
de projetos de lei que deem efetividade às normas constitucionais
proibidoras do monopólio e do oligopólio dos meios de comunicação de
massa, e que exigem, na programação das emissoras de rádio e televisão,
seja dada preferência a finalidades educativas, artísticas e
informativas, bem como à promoção da cultura nacional e regional.
A
esse respeito, já foram ajuizadas no Supremo Tribunal Federal algumas
ações diretas de inconstitucionalidade por omissão. É de se esperar que
a nova presidenta, valendo-se do fato de que o Advogado-Geral da União
é legalmente “submetido à sua direta, pessoal e imediata supervisão”(
Lei Complementar n˚ 73, de 1993, art.3˚, § 1°), dê-lhe instruções
precisas para que se manifeste favoravelmente aos pedidos ajuizados.
Seria, com efeito, mais um estrondoso vexame se a presidenta eleita
repetisse o comportamento do governo Lula, que instruiu a
Advocacia-Geral da União a se pronunciar, no Supremo Tribunal Federal, a
favor da anistia dos assassinos, torturadores e estupradores do regime
militar.
As outras duas medidas institucionais de instauração da democracia entre nós são: 1. A
livre utilização, pelo povo, de plebiscitos e referendos, bem como a
facilitação da iniciativa popular de projetos de lei e a criação da
iniciativa popular de emendas constitucionais. 2. A
instituição do referendo revocatório de mandatos eletivos (recall),
pelos quais o povo pode destituir livremente aqueles que elegeu, sem
necessidade dos processos cavilosos de impeachment.
Salvo
no tocante à iniciativa popular de emendas constitucionais, já existem
proposições em tramitação no Congresso Nacional a esse respeito,
redigidas pelo autor destas linhas e encampadas pelo Conselho Federal
da OAB: os Projetos de Lei n˚ 4.718 na Câmara dos Deputados e n˚
001/2006 no Senado Federal, bem como a proposta de Emenda
Constitucional n˚ 26/2006, apresentada pelo senador Sérgio Zambiasi, que
permite a iniciativa popular de plebiscitos e referendos.
Mas
não sejamos ingênuos. Todos esses mecanismos institucionais abalam a
soberania dos grupos oligárquicos e, como é óbvio, sua introdução será
por eles combatida de todas as maneiras, sobretudo pela pressão
sufocante do poder econômico. Se quisermos avançar nesse terreno
minado, é preciso ter pertinácia, organização e competência.
Está
posto, aí, o grande desafio a ser enfrentado pelo futuro governo
federal. Terá ele coragem e determinação para atuar em favor da
democracia e dos direitos humanos, ou preferirá seguir o caminho
sinuoso e covarde da permanente conciliação com os donos do poder?
É a pergunta que ora faço à presidenta eleita.
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