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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

“A comunicação compartilhada é estratégica para o FSM”

A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Por Terezinha Vicente na Revista Fórum

Nunca a informação e a comunicação estiveram tão disputadas no mundo. A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Para os participantes, é necessário que os movimentos e organizações entendam a comunicação como estratégica e prioritária, elemento a ser incorporado em todas as lutas.

“Penso que o grande problema que temos é o de saber quem vai se beneficiar com o Wikileaks, pois o imperialismo aprende sempre mais depressa do que as forças anti -capitalistas”, diz o professor. Ele cita como exemplo paradigmático a revolução cubana; enquanto as esquerdas na América Latina debatiam a revolução, o imperialismo tratou de criar logo uma “aliança para o progresso” a fim de combatê-la. “O wikileaks é uma metáfora da comunicação insurgente, porque viola segredos do Estado e das corporações, porque os segredos são fundamentais para eles. Penso que temos que ter acesso às informações do wikileaks antes de ser tratada pelos grandes meios, pois há informações importantes para os movimentos sociais que não estão a ser transmitidas”.

Para Jamie Mccielland, da “May first people link”, organização associativa focada na discussão da internet, em Nova York, o reconhecimento do trabalho do wikileaks, os ataques que receberam depois da divulgação das informações secretas e a resistência e mobilização que gerou no mundo, “mostra que esta discussão é mais complicada e que não estamos protegidos contra esse tipo de ataques, mas mostrou também a fraqueza do sistema capitalista, que usa as mesmas ferramentas, e que o ativismo na internet hoje é bastante representativo”.

Como diz o professor Boaventura, em 2003 foi fundamental a informação rápida na justificativa dos EUA para a invasão do Iraque, mas a luta não foi eficaz. Agora, vimos semanas atrás como a informação pode ser rápida e eficaz, no caso da Tunísia e do Egito. “Não queremos Cairos globais, mas muitos Cairos ao mesmo temo, penso que o desafio é sincronizar nossos movimentos, fazendo pressão de maneira convergente”. Para o intelectual, ligado desde o início ao FSM, este é nosso grande desafio. “Somos capazes de sincronizar ações a nível nacional, ainda não somos capazes de sincronizar ações a nível internacional, para desestabilizar os governos contra outro mundo possível”.

Sincronizar ações é necessário

“Como obter informações não divulgadas pelo Wikileaks?”, pergunta Boaventura. “ Para isso o FSM deveria mudar, faço o desafio ao Conselho Internacional, no sentido de dar mais capacidade à comissão da comunicação, pois há muitas informações uteis aos movimentos e quando tivermos essas informações será possível tratá-las, deveríamos formar uma comissão de investigação. Este é o meu grande desafio, para que pudéssemos nos beneficiar de todas as informações do Wikileaks”.

Como as informações foram divulgadas, o papel dos jornalistas, a mediação da grande mídia, são aspectos questionados por Hilde Stephansen, ativista de comunicação, da Goldsmiths, universidade de Londres. “Precisamos refletir como a grande mídia foi responsável pela mediação, como a mídia alternativa pode trabalhar com o wikileaks de forma similar, pois a comunicação envolve essa coisa dialógica, que vem e vai , precisamos falar do processo, não basta falarmos de tecnologia”. Este aspecto, assim como a questão da falta de privacidade que temos ao utilizar estas ferramentas, foi bastante questionado pelos presentes.

Ferramenta política, poderosa em si mesma, “a internet e o uso das tecnologias está no contexto das disputas mundiais pelo tipo de mundo que temos e o mundo que queremos ter”, diz Rita Freire, coordenadora da Ciranda, que faz a cobertura desde o primeiro encontro em Porto Alegre. O conceito de comunicação compartilhada “foi cunhado pelo FSM, quando se introduziu o acordo entre comunicadores e mídias alternativas de como utilizar as tecnologias de modo coletivo e colaborativo, uma proposta que tem acompanhado os 10 anos do FSM, incorporando novas iniciativas de comunicação”.

“Não há gozo no bailar virtualmente”

Outro aspecto destacado é a questão das mobilizações no norte da África terem se iniciado, passando ao largo dos partidos políticos e dos movimentos sociais, mostrando que existe um terreno fértil para a insurgência contra os Estados antidemocráticos. “Toda a comunicação virtual hoje é realmente um grande desafio aos movimentos sociais, pois penso que esta divisão que fazemos dos movimentos com os cidadãos não organizados tem que ser superada, pois eles podem se mobilizar e engajar num determinado momento”. “Estas manifestações, por exemplo, são muito eficazes para derrubar ditadores, como o da Tunísia, mas temo que queiram mudar o sistema para passar a outra ditadura, pró americana, pró Israel, anti palestina e anti Hamas”, analisa Boaventura. “Penso que devemos ter outra relação entre o movimento social e virtual, este fórum é um cara a cara fundamental, mesmo com os problemas de organização, precisamos de outra conexão entre o mundo real e o virtual”.

Temos esperança que essas novas tecnologias cheguem rapidamente a todas as pessoas, mas a maioria das pessoas e das organizações ainda não alcançou o contato com a informação direta, nem consegue comunicar para todos. “Lutamos ao mesmo tempo por infraestrutura e atuamos pela colaboração, pela solidariedade”, diz Rita Freire. “Não entendemos a comunicação compartilhada apenas como a internet compartilhada, a nossa expectativa era de estar trabalhando mais fortemente com as rádios comunitárias, em parcerias que permitissem a quem produz conteúdo, distribuir esse conteúdo a quem fala e dialoga diretamente com as comunidades, através dos meios disponíveis”.

Para o professor, é necessário desenvolver-se a proposta da universidade popular, surgida em 2003, para que possamos juntar os movimentos sociais mais diversos, discutir os problemas e os preconceitos que impedem de ações conjuntas realmente. “Entre os movimentos a comunicação deveria ser horizontal”, segue o professor, “e não é devido a uma hierarquização existente”. Outro problema são as diferenças culturais que geram conceitos diferentes; por exemplo, “o conceito de diáspora é uma coisa na América do Norte, outra na Ásia, e outra ainda na África; o socialismo, conceito apoiado por muitos de nós, é considerado uma armadilha dos brancos para os indígenas”.

“O contato real, o face a face vai ser sempre fundamental, não há gozo no bailar virtualmente”, conclui Boaventura. “A gente continua a fazer uma diferença entre comunicar e agir, e este é o grande problema. Por isso penso que a comissão de comunicação tem que ser mais central no FSM, temos que mudar o paradigma da comunicação. A comunicação partilhada é o grande desafio”.

Publicado por Ciranda.net. Foto por http://www.flickr.com/photos/wagnerinno/.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Movimentos sociais e partidos de esquerda deram o tom do FSA

"É muito importante que o Fórum Social das Américas tenha chegado à sua quarta edição, que mantenha continuidade. E de fato o evento tem tido regularidade, o que por si já é uma vitória dos movimentos sociais". Com esta frase o Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Ricardo Abreu Alemão, iniciou a breve avaliação que fez do 4º Fórum Social das Américas (FSA) ao Vermelho.

Alemão, destacou ainda dois outros aspectos: a importância do FSA ter ocorrido no Paraguai e a grande participação camponesa e indígena nos cinco dias de Fórum (11 a 15 de agosto). Para ele, a escolha do Paraguai, ora governado por um presidente progressista, Fernando Lugo, representa um apoio a um governo que precisa ser consolidado. 

A grande participação camponesa e indígena se explica pela mobilização feita pela Via Campesina. Muitos guaranis participaram das atividades. Além dos próprios paraguaios, destacou-se a presença de bolivianos no 4º FSA. Ricardo Abreu acredita que esta presença demonstra o caráter popular do encontro.

A delegação brasileira ajudou a dar o tom do Fórum, tendo participado por exemplo, via Cebrapaz, da organização da campanha continental América Latina e Caribe, uma região de paz”, pela erradicação de bases militares estrangeiras no continente.  A plenária de lançamento da campanha contou com a participação de mais de 200 pessoas, tendo formado uma coordenação ampla para conduzir a campanha no continente. 

Estudantes e trabalhadores

Dois setores importantes dos movimentos sociais brasileiros também tiveram papel ativo durante o Fórum: os estudantes e os trabalhadores. A organização Continental Latino Americana e Caribenha dos Estudantes (Oclae) organizou com êxito o 4º Encontro Continental dos Estudantes, reunindo cerca de 200 jovens para debater a organização do movimento estudantil nos países e a luta contra a mercantilização da educação. Uma das metas do movimento é ampliar a organização dos estudantes secundaristas, visto que apenas três países em todo o continente possuem entidade nacional de representação do segmento: Brasil, Uruguai e Cuba. O movimento sindical realizou o encontro Nossa América.

O presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Yann Evanovick, disse que o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, que esteve no Brasil nesta semana para tratamento médico, agradeceu a hospitalidade brasileira manifestada pelo vice-presidente José Alencar, que o visitou no hospital. 

A Aliança Internacional de Habitantes (AIH) também deu seu recado, em duas oficinas, uma da campanha Despejo Zero, lançada em 2007, e a outra lançando a Assembleia Mundial de Habitantes em 2011, em Dakar (Senegal), sede do próximo Fórum Social Mundial.

Partidos de esquerda

A Fundação Maurício Grabois (FMG), em conjunto com a Fundação Perseu Abramo (FPA) e o Foro de São Paulo, promoveu, no sábado (14), painéis que buscaram analisar e debater o papel dos governos de esquerda na América Latina com vistas à construção da integração solidária neste singular momento de comemoração do bicentenário da independência dos países latino-americanos, bem como a luta contra as estratégias de dominação imperialista e de militarização. Partidos políticos do Brasil, de Cuba, da Venezuela e da Argentina discutiram a situação atual do continente, com seus pontos fortes e fracos. 

Outro tema que mereceu destaque foi o dos desafios e as perspectivas da luta política no Brasil, abordado em mesa organizada pelas duas fundações brasileiras (FMG e FPA). A mesa foi composta por Fernando Apparício Silva, assessor especial do Ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil; Ricardo Abreu Alemão, secretário de Relações Internacionais do (PCdoB) e membro da Fundação Maurício Grabois; Valter Pomar, do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e secretário executivo do Foro de São Paulo; Adeilson Teles, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Nivaldo Santana, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Os debatedores expuseram a situação política brasileira e deram boas perspectivas para a eleição presidencial que ocorre em outubro. Além de discutirem sobre a campanha brasileira, o programa da Dilma, e desafios da esquerda brasileira, foram portadores de bons informes sobre a campanha eleitoral, visto que durante o FSA foi publicada pesquisa do Datafolha confirmando a liderança da candidata do PT com 41% das intenções de voto.

Velho comunista

Durante o Fórum, foi realizada ainda uma justa homenagem ao fundador e histórico dirigente do Partido Comunista do Paraguai, Ananias Maidana. O veterano lutador havia sido condecorado em março pelo governo paraguaio, com a Ordem Nacional do Mérito em grau de "Gran Cruz". A honraria foi concedida por sua "incansável luta pela democracia e justiça social", diz o decreto. Mais que uma simples homenagem, a distinção é um sinal de que os tempos, felizmente, mudaram, já que há pouco mais de 20 anos os comunistas eram alvo de perseguição pela ditadura de Alfredo Stroessner.

Entretanto, o ponto alto do FSA foi a Assembleia dos Movimentos Sociais, prestigiada com a presença de três chefes de Estado e cerca de 5 mil pessoas. O ato reuniu os presidentes Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e José Mujica (Uruguai), que aproveitaram a ocasião da discutir a reativação de um bloco energético entre os três países. Para a presidente da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), Bartíria Costa, que participou da mesa representando a AIH, a assembleia dos movimentos e o documento por ela aprovado "valeram o Fórum".

"Em resumo, o Fórum Social das Américas demonstra a importâica desse processo do Fórum Social Mundial sintonizado com as mudanças na América Latina e com esses novos governos progressistas no continente. O Fórum tem que refletir essa realidade, que assim ele se politiza e intervém nessa realidade. Esse é o papel dos movimentos sociais. Quanto mais o Fórum Social se aproxima deste debate, mais relevante ele fica, e o 4º Fórum Social das Américas conseguiu cumprir este papel", resumiu Ricardo Abreu Alemão.

Da redação do Vermelho, Luana Bonone

domingo, 15 de agosto de 2010

Mensagem contra Uribe chega ao IV FSA

 por Rita Freire

A carta endereçada a participantes do IV Fórum Social das Américas e também à Assembléia dos Movimentos Sociais foi lida na manhã deste domingo pela feminista Nalu Faria, da Marcha Mundial de Mulheres, sob aplausos de representantes de organizações de todo continente. Trata-se de uma mensagem enviada por organizações da Palestina ocupada, que não puderam chegar a Assunção, Paraguai, mas que tiveram sua participação remota no encontro por meio da carta, denunciando e pedindo solidariedade latino-americana contra a participação do ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe, no Comitê designado pela ONU para investigar os ataques israelenses contra a Flotilla de Gaza.
"Massacres, desaparecimentos forçados, refugiados internos e outros graves crimes internacionais foram documentados pelas mesmas Nações Unidas na Colombia presidida por Uribe", diz a nota.
As organizações pedem que entidades participantes do Fórum de Assunção denunciem o Comitê da ONU, lutem contra o apartheid imposto por Israel à Palestina e se somem aos movimentos que defendem boicote, desinvestimento e sanções contra a Israel até que a ocupação da Palestina tenha fim.
Esta não é a primeira vez que as organizações da Palestina ocupada encontram maneiras de romper distâncias e limitações e participam de modo remoto de eventos do Fórum Social Mundial.
Em janeiro, o dirigente da organização Stop the Wall, Jamal Juma, convidado para o Seminário sobre os 10 Anos do FSM, em Porto Alegre, não pode estar presente porque foi preso por Israel e libertado apenas às vésperas do evento, após muita pressão internacional.
Por meio de internet e conexão audiovisual, o convidado se fez presente através de um telão que transmitiu sua mensagem ao FSM.
Em Maio, na Cidade do México, participantes que chegaram ao Fórum Social Temático e ao Encontro do Conselho Internacional do FSM, se reuniram com ativistas da Palestina através do programa México Expandida, também com uso de recursos audiovisuais e internet.
O Fórum Mundial de Educação na Palestina, programado para acontecer de 28 a 31 de Outubro, será mais um importante momento para romper distâncias e o silêncio imposto à Palestina por meio da ocupação. Será realizado simultaneamente em Ramallah, Haifa, Gaza, Jerusalém e também em Beirute, no Líbano. E está prevista a participação à distância de organizações que tentarão conectar suas atividades através da programação da Palestina Expandida.

A seguir leia a carta em espanhol e inglês

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

“Estratégia em três níveis para que ‘outro mundo’ seja possível”

Por Chico Whitaker (*) via Sul21

O Fórum Social Mundial (FSM), que completou dez anos em janeiro, está realizando ao longo de 2010 uma série de fóruns inspirados em seu conhecido lema “Outro Mundo É Possível”. Em sua sequência de criação de “espaços abertos” e de redes de organizações da sociedade civil, do nível local ao planetário, o processo do FSM se desenvolve em três níveis.

No primeiro, são experimentadas práticas de uma nova maneira de fazer política, tendente à união dos que lutam por “outro mundo possível”. No segundo, procura-se superar a fragmentação da sociedade civil para que atue de forma articulada, mas autônoma em relação aos partidos e governos, como um novo ator político. No terceiro, são propostas e organizadas ações políticas – para quem decidir realizá-las –, a fim de alcançar o objetivo final dos fóruns, de substituir a lógica da busca insaciável pelo lucro que domina o planeta por uma lógica de satisfação das necessidades humanas.

Nos dois primeiros níveis estão se assentando os princípios que vão moldar a nova cultura política indispensável para que “outro mundo” seja possível.

A nova cultura política contradiz e inverte a certeza de que a condição prévia para construir outro mundo é a tomada do poder e questiona a postura de que para isso todos os meios são válidos. No FSM, afirma-se ser preciso construir antes – ou simultaneamente – a base de uma sociedade formada por cidadãos conscientes, livres, ativos, solidários e corresponsáveis pelo que ocorre em nosso entorno e no planeta Terra. O esforço pela construção dessa cultura é a grande contribuição do processo de dez anos do fórum para infundir uma ação política transformadora.

A discussão sobre o caráter do FSM – é um espaço ou um movimento? – continuará por longo tempo. E é evidente que estamos muito longe de essa nova cultura estar presente na ação dos atores políticos.

O primeiro nível parte da certeza quase unânime de que sempre é preciso buscar a união dos que participam da mesma luta. É simplesmente a adoção do velho provérbio popular “a união faz a força”. Verdadeiramente, diante do poder descomunal do sistema dominante, a luta para mudá-lo exige uma força imensa.

O caminho experimentado no primeiro nível em favor da união consistiu em organizar os fóruns com uma metodologia que nos liberasse da cultura da competição, estimulando seu contraveneno, que é um elemento básico de um sistema não capitalista: a cooperação.

O segundo nível se assenta em uma convicção mais diretamente política: a crença de que para mudar o mundo em profundidade e de maneira duradoura é imperioso o empenho de toda a sociedade. Isto é, não basta a ação dos partidos e dos governos – constituídos por via eleitoral ou revolucionária. Para que haja mudanças que sejam duráveis, toda a sociedade deve assumi-las como uma necessidade e incentivá-las.

Os partidos e os governos têm estruturas e ocasiões para organizar sua força política em todos os níveis. Não é assim com os setores das sociedades que se organizam, menos ainda em escala mundial. Por isso, na Carta de Princípios do FSM está estabelecido que ele é um espaço reservado para a articulação da sociedade civil e enfatizado que, embora membros de partidos e governos possam participar dos fóruns, nessa condição não podem propor ou organizar atividades próprias.

Essa reserva de espaço é contestada por quem não compartilha da convicção de que não pode haver transformação sem a participação de toda a sociedade e afirma que os partidos deveriam entrar nos fóruns com plenos direitos, e que se poderia passar do primeiro nível ao terceiro, que debate sobre a luta por uma nova lógica econômica e social. Mas isso colocaria em segundo plano o objetivo de articular a sociedade civil como ator político autônomo e subordinaria os participantes dos fóruns aos partidos e governos.

No seminário realizado em janeiro, não foi considerado necessário avaliar detalhadamente as iniciativas que conduzem aos dois primeiros níveis e foi aberto um debate sobre os temas vinculados ao conteúdo da luta, que corresponde ao terceiro nível: quais ações políticas transformadoras podem levar ao objetivo final dos fóruns, uma lógica de satisfação das necessidades humanas?

No terceiro nível, o processo do FSM se encontra com o altermundialismo, que atua tendo em vista, diretamente, as mudanças em nível mundial. É importante considerar que entre as características do altermundialismo figuram – como no FSM – a multiplicidade e a diversidade de seus componentes, a participação maciça da sociedade civil e o uso das redes como forma de organização. Mas, ao contrário do FSM, pode incluir partidos em suas fileiras e obter a adesão de governos.

Ao encontrar-se com o altermundialismo no terceiro nível, o processo do FSM não pode pretender substituí-lo nem com ele competir. O que corresponde então no contexto do processo do FSM é reforçar o altermundialismo com as novas articulações, redes e movimentos que nascem dos fóruns. E continuar seu papel instrumental para as organizações que o integram, associadas umas às outras em sua ação concreta – no âmbito ou não do altermundialismo – para mudar o mundo.

Nesse plano, o altermundialismo pode e deve utilizar a experiência feita nos dois primeiros níveis. Assim como pode e deve utilizar as reflexões sobre a ação política que surgem do terceiro nível, a serviço de “pensar” antes, durante e depois da ação. Para concluir, nada impede que o processo do FSM tenha essa mesma utilidade para os partidos políticos por meio do altermundialismo.

* Chico Whitaker é membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a qual representa na Comissão do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (FSM).

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Reflexões sobre o FSM-2010...

10º FSM: sintomas de decadência
Escrito por Raúl Zibechi - Correio da Cidadania
 
Uma década é tempo suficiente – no terreno político-social – para o crescimento, maturidade e talvez decadência de um "movimento de movimentos" que se propôs a mudar o mundo. Ainda que seu declínio seja um dado da realidade, seus mentores podem contentar-se com que seu oponente, o Fórum Econômico de Davos, atravessa dificuldades ainda maiores.
 
Os sintomas são bem conhecidos: debater até o cansaço se o que está se fazendo tem sentido, se deve continuar pelo mesmo caminho ou mudar o rumo para alguma outra direção que permita encontrar soluções aos males e mal-estares que se notam. Com efeito, tanto o seminário ‘10 anos depois’ realizado em Porto Alegre, como o Fórum Temático, em Salvador, dedicaram boa parte de seu tempo a constatar a perda de vitalidade de um movimento que pretendeu ser a alternativa à globalização neoliberal.
 
Neste ano, o Fórum Social Mundial não contou com um evento central, mas realizou atividades em uma vintena de cidades de diferentes partes do mundo, entre elas as duas capitais estaduais brasileiras. A opção pela descentralização é um indicador de que os grandes eventos de dezenas de milhares de pessoas tiveram um papel importante em seu momento, no princípio da década, mas nesta etapa não teria sentido repeti-los, já que, segundo se pôde constatar nas últimas edições, o formato foi se desgastando.
 
Os eventos de Porto Alegre, a partir de 25 de janeiro, consistiram em um conjunto de debates entre intelectuais e membros de ONGs, com escassa participação dos movimentos sociais que são, na prática, a razão de ser do Fórum. Certamente, não era a intenção dos organizadores apostar pela massividade que arrastou mais de 150 mil pessoas nas edições anteriores, mas que nos debates de agora atraíram menos de 10% do anterior pico de participação.
 
Em Salvador, pelo contrário, no Fórum Temático realizado entre 29 e 31 de janeiro, a presença dos movimentos era esperada com certa expectativa. A opção por descentralizar o evento, com mesas de debates em hotéis da cidade e atividades dos movimentos relegadas ao recinto da universidade católica, teve efeito negativo para a participação social. Diferentemente do que ocorria em Porto Alegre anos atrás, quando a cidade girava em torno do Fórum alguns dias, na capital da Bahia as pessoas nem souberam do evento altermundialista.
 
Buscando novos rumos
 
A virada na situação política mundial e na América Latina parece estar na base de um certo desconcerto que se materializa na aparição de propostas notoriamente divergentes. Nas primeiras edições do Fórum, se registravam uma forte ascensão do conservadorismo comandado por George Bush, simbolizado nas invasões ao Iraque e Afeganistão. Nesse continente, estavam entrando governos de mudança e se verificava ainda uma onda de mobilização social que desembarcou com suas múltiplas cores nos eventos massivos de Porto Alegre.
 
A crise mundial, a vitória de Barack Obama na Casa Branca, o outono dos governos progressistas e de esquerda da região e a crescente desmobilização social pautam uma conjuntura bem diferente. O tom da Carta da Bahia, documento final aprovado por uma assembléia de movimentos, delata o novo clima. A declaração enfatiza o rechaço "à presença de bases estrangeiras no continente sul-americano", a defesa da soberania e das grandes jazidas de petróleo descobertas no litoral brasileiro.
 
A carta faz uma defesa cerrada do governo Lula. "No Brasil, muitos avanços foram conquistados pelo povo durante os sete anos de governo Lula". Menciona que ainda falta realizar reformas estruturais, mas conclama o apoio a diversos oficialismos "neste período de embate político que se aproxima", em clara alusão aos processos eleitorais vindouros.
 
Neste ponto, aparecem fortes divergências. O Movimento dos Sem Terra, muito crítico a Lula por não ter promovido a reforma agrária prometida, não mobilizou suas bases para o Fórum como em ocasiões anteriores. Em Salvador, o movimento mais forte é o dos Sem Teto, que em oficinas diferentes mostrou claros distanciamentos tanto com o governo federal como com o estadual, comandado pelo petista Jacques Wagner.
 
A distância, social antes que política, entre movimentos e governos foi uma das características do Fórum de Salvador. Um dos ‘intercâmbios’ com os movimentos se realizou em um hotel cinco estrelas, com a participação do governador Jacques Wagner, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o Secretário Especial para Assuntos Estratégicos da Presidência, Samuel Pinheiro. Não era esse o melhor ambiente para movimentos de base que, como os de Salvador, são integrados em sua imensa maioria por negros pobres que vivem em favelas, e que são sistematicamente rejeitados nesses espaços.
 
Na visita que realizamos a três ocupações urbanas dos Sem Teto pudemos comprovar que as bases desses movimentos não tinham a menor idéia do que acontecia no centro da cidade, nem mostravam intenção de comparecer quando eram informados que deviam se registrar em outro hotel, também cinco estrelas, localizado no coração elitista da cidade racista. Se alguma vez os fóruns foram um autêntico encontro de movimentos sociais, na prática se transformaram em encontros de elites, intelectuais, membros de ONGs e representantes de organizações sociais.
 
Nas palavras de Eric Toussaint, membro do Conselho Internacional do FSM, um dado central é que o encontro "foi patrocinado pela Petrobras, Caixa, Banco do Brasil, Itaipu Binacional e contou com forte presença de governos". Ou seja, grandes multinacionais que estão também no encontro empresarial de Davos, onde Lula foi proclamado "estadista global". Em sua opinião, o núcleo histórico de fundadores do Fórum, no qual têm presença especial brasileiros vinculados ao governo, é o mais refratário a buscar outros formatos, que "se apóiem em forças militantes voluntárias e que se alojem em casas de ativistas".
 
Questão de Estado
 
Quanto ao formato, as propostas são muito variadas. O português Boaventura de Sousa Santos crê que o Fórum fracassou na Europa, Ásia e África ao não conseguir "conquistar o imaginário dos movimentos sociais e líderes políticos" como ocorreu na América Latina. Acredita que o FSM deveria ter comparecido com uma posição própria na Cúpula de Copenhagen e que o próximo encontro, em Dakar (Senegal) deverá "promover algumas ações coletivas" na direção de buscar "uma nova articulação entre partidos e movimentos".
 
Toussaint vai mais longe e aspira que os movimentos acolham a proposta lançada por Hugo Chávez, de lançar uma Quinta Internacional, que seria "instrumento de convergência para a ação e elaboração de um modelo alternativo". No outro extremo, o sociólogo brasileiro Emir Sader pensa que o Fórum já fracassou porque ao não estreitar vínculos com governos progressistas "ficou girando no vazio".
 
Dois assuntos seguem no centro dos debates, como essas posturas manifestam: a relação entre governos e movimentos e o grau de centralização e organização do qual o Fórum deve se dotar. Há quem, como Toussaint, defenda um modelo tradicional, que se resuma a uma "frente permanente de partidos, movimentos sociais e redes internacionais", porque é a melhor forma de impulsionar a mobilização. Acredita, por tabela, que o golpe de Estado em Honduras se consolidou porque a mobilização "foi totalmente insuficiente".
 
Sousa Santos joga mais lenha na fogueira ao abordar o outro assunto em debate. Sustenta que "agora existe um novíssimo movimento social, que é o próprio Estado". Defende sua tese assinalando que se o Estado for deixado livre à sua lógica, "é capturado pela burocracia e pelos interesses econômicos dominantes". Mas se os movimentos, que sempre trabalharam por fora dos Estados, levarem em conta como um "recurso importante" este Estado "pode ser apropriado pelas classes populares como está ocorrendo no continente latino-americano".
 
Em seu comunicado ao seminário "10 anos depois", Immanuel Wallerstein apresentou uma perspectiva que inclui uma variante mais, estirando as diferenças entre os militantes. Sustentou que os impactos maiores da crise virão nos próximos cinco anos, com um possível default da dívida dos Estados Unidos, a queda do dólar, a aparição de regimes autoritários, incluindo alguns países da América latina, e a crescente demonização de Obama nos EUA. Crê que estão se formando vários blocos geopolíticos que excluem Washington: Europa Ocidental e Rússia; China-Japão-Coréia do Sul; América do Sul, liderada pelo Brasil.
 
Neste cenário, opina que nas próximas duas décadas a esquerda social e política irão percebendo que "a questão central não é pôr fim ao capitalismo, mas organizar um sistema que o suceda". Neste lapso, a confrontação entre esquerdas e direitas, cujas forças se expandiram pelo mundo todo, será inevitável, mas não será uma batalha entre Estados, e sim "entre as forças sociais mundiais". E acredita, além do mais, que às esquerdas e aos movimentos "falta uma visão estratégica de médio prazo". Este último ponto se mostrou inteiramente correto, pelo menos no último Fórum Social Mundial.
 
Raúl Zibechi é jornalista uruguaio, professor pesquisador na Multiversidade Franciscana da América Latina e assessor de vários coletivos sociais.
 
Traduzido por Gabriel Brito.
Publicado originalmente em América Latina en Movimiento (http://www.alainet.org/).

sábado, 30 de janeiro de 2010

Torturadores não merecem anistia...

Democracia brasileira depende de punição de crimes da ditadura


Seminário sobre o direito à memória e a verdade discutiu os mitos que conduzem à impunidade, até hoje, dos responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos, se esta punição não vier, o país jamais sairá da atual fase de transição democrática. “Não nos iludamos, a democracia não está consolidada no Brasil”, afirmou.
Recontar a história, para que o que aconteceu não se repita. Este é o principal objetivo dos milhares de brasileiros e brasileiras que lutam pelo direito à memória e à verdade aos que morreram durante a ditadura militar ou seguem desaparecido mais de vinte anos depois. Manchete nas páginas da imprensa, o tema vem sendo debatido no país, onde muitos defendem que não se deve mexer no passado. Num seminário realizado nesta quinta-feira (28), durante as atividades do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, promotores e sociólogos debateram a importância de garantir este direito para que o país ultrapasse uma fase ainda de transição para a democracia. E, com propriedade, desconstruíram os argumentos míticos que há décadas conduzem à impunidade daqueles que cometeram crimes contra a humanidade.

Uma das idéias centrais no debate público sobre o tema é que os crimes da ditadura prescreveram, ou seja, passou-se muito tempo e agora não há mais como responsabilizar eventuais culpados. Desde o início do século passado, no entanto, crimes como tortura e desaparecimento forçado, quando praticados pelo Estado de forma geral e sistemática contra grupos sociais, são considerados crimes contra a humanidade. Em 1914, entrou em vigor uma convenção das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil, que estabelece este conceito. Décadas mais tarde, outra resolução da ONU definiu que crimes contra a humanidade não prescrevem.

“Ou seja, na esfera internacional e também no Brasil, que trouxe esses conceitos para o seu ordenamento jurídico, esse argumento da prescrição não se aplica. Nem leis, nem decisões de tribunais e governos de países podem impedir que se investigue e puna aqueles que praticaram esses crimes com base nesta justificativa”, explica Domingos Sávio da Silveira, procurador da República.

O segundo argumento-mordaça para impedir a garantia do direito à memória e à verdade é que a Lei de Anistia pacificou o país, e que não há por que ser revanchista e voltar ao conflito. Na verdade, a Lei 6683, de 1979, anistiou os crimes políticos, eleitorais e conexos, dirigida aos que haviam sido perseguidos politicamente pela ditadura.

“Esta não era uma lei para os militares, ou vocês acham que eles iam admitir na lei que tinham torturado e matado nos porões? O poder não confessa o que praticou às escondidas. Esta foi uma lei unilateral, apresentada como pacificadora, para se tornar uma lei do esquecimento”, acredita Silveira. “A anistia aqui surgiu para que não houvesse acesso aos nomes de quem se envolveu nisso. Mas o Brasil precisa saber tudo. Nome completo e circunstâncias”, acrescenta o jornalista e sociólogo Marcos Rolim.

Em busca da democracia
O problema é que o país vive entre aqueles que não podem esquecer e aqueles que não querem lembrar. Para Boaventura de Souza Santos, professor catedrático da Faculdade de Economia e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal, Este é um momento difícil da transição da ditadura para um regime democrático.

“As vítimas e familiares e aqueles que lutam pela democracia sabem que, se esquecermos, isso pode voltar amanhã. E aqueles que não querem lembrar porque tem muito poder hoje, vivem uma vida que não querem abandonar. É por isso é tão difícil lembrar que nenhuma Lei de Anistia pode abranger crimes contra humanidade. E por isso esta é uma luta política do mais alto nível. Se a interpretação que for dada à Lei de Anistia no Brasil decidir apagar os crimes contra a humanidade, podemos dizer que a ditadura ainda está presente, pela incapacidade de este país saber a verdade”, acredita Boaventura.

Trata-se, portanto, de uma transição que precisa democratizar o passado, para democratizar o presente e o futuro. E uma transição que tem enfrentado resistências de várias formas, como a atuação dos próprios meios de comunicação neste debate.

“Quando os grandes veículos de comunicação reintroduzem em suas manchetes o termo pelo qual a ditadura designou a esquerda armada – “terroristas” –, forma-se um senso comum de que as duas partes cometeram crimes. E esta é uma disputa fundamental a ser travada. Pode-se fazer muitas críticas práticas e procedentes à esquerda que pegou em armas e praticou atos que não são sustentáveis do ponto de vista dos direitos humanos, mas do ponto de vista histórico, é inaceitável chamar essas pessoas de terroristas. É preciso lembrar que um dos princípios mais consagrados pelo liberalismo político no campo jurídico é o direito e o dever à resistência armada aos regimes autoritários”, acrescenta Marcos Rolim.

Ao final, na avaliação dos participantes do seminário, tal utilização de conceitos e princípios leva a uma compreensão perversa e que impede o direito à memória e a verdade. “Dizer que o direito à verdade é revanchismo é uma perversão do conceito de justiça. Sem contar que hoje são eles que se dizem defensores da liberdade de expressão. Essa era uma bandeira das forças progressistas, e hoje aparentemente é deles. Há, portanto, uma conexão e uma aliança sinistra entre quem tem privilégios hoje e quem tinha antes. E por isso uma luta pela memória é uma das mais democráticas que podemos viver”, afirma Boaventura.

Ficou claro, ao final do debate, que o mais importante é reescrever o passado. Não para punir criminalmente – apesar de isto ser absolutamente viável – mas para recompor a história do país e completar o quebra cabeça da nossa história. Se a verdade, como lembrou Rolim, é uma construção subjetiva, que pode ganhar novos significados a depender da interpretação e dos valores dados a cada fato, os movimentos que constroem as lutas do Fórum Social Mundial têm pela frente o esforço de decidir qual a memória coletiva sobre a ditadura militar que querem para o Brasil. Do contrário, sem jogar luzes sobre a tortura do passado, seguiremos longe da tarefa de banir, de vez, a tortura das práticas dos agentes estatais brasileiros e de conquistar, finalmente, a democracia em nosso país.


Fotos: Bia Barbosa

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Mais fotos do FSM-2010

Essas fotos foram com a contribuição da Dany, pois minha camera deu problema....



quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

mais fotos...



David Harvey defende transição anti-capitalista





Por que é preciso pensar em uma transição anti-capitalista? E o que seria tal transição? A participação de David Harvey, professor de Geografia e Antropologia da City University, de Nova York, no seminário de avaliação de 10 anos do Fórum Social Mundial, foi uma tentativa de responder estas perguntas. A resposta, na verdade, inclui, em primeiro lugar, uma justificativa da pertinência das perguntas. Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. O comunismo fracassou, o capitalismo triunfou e não se fala mais no assunto: essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. Mas os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo. E excluindo, produzindo pobreza, fome, destruição ambiental, guerra…
E eis que, nos últimos anos, voltou a se falar em anti-capitalismo e na necessidade de pensar outra forma de organização econômica, política e social. David Harvey veio a Porto Alegre falar sobre isso. Para ele, a necessidade acima citada repousa sobre alguns fatos: o aumento da desigualdade social, a crescente corrupção da democracia pelo poder do dinheiro, o alinhamento da mídia com este grande capital (e seu conseqüente papel de cúmplice na corrupção da democracia), a destruição acelerada do meio ambiente. Esse cenário exige uma resposta política, resume Harvey. Uma resposta política, na sua avaliação, de natureza anti-capitalista. Por que? O autor de “A produção capitalista do espaço” apresenta alguns fatos de natureza econômica para justificar essa afirmação.
O capital fictício e a fábrica de bolhas
O capitalismo, enquanto sistema de organização econômica, está baseado no crescimento. Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. E a China está seguindo o mesmo caminho, diz Harvey.
As crises econômicas nos últimos 30 anos, acrescenta, repousam (e, ao mesmo tempo, aprofundam) na disjunção crescente entre a quantidade de papel fictício e a quantidade de riqueza real. “Por isso precisamos de alternativas ao capitalismo”, insiste. Historicamente essas alternativas são o socialismo ou o comunismo. O primeiro acabou se transformando em uma forma menos selvagem de administração do capitalismo; e o segundo fracassou. Mas esses fracassos não são razão para desistir até por que as crises do capitalismo estão se tornando cada vez mais freqüentes e mais graves, recolocando o tema das alternativas. Para Harvey, o Fórum Social Mundial, ao propor a bandeira do “outro mundo é possível”, deve assumir a tarefa de construir um outro socialismo ou um outro comunismo como alternativas concretas. (Clique AQUI para ler mais)
Foto: Eduardo Seidl

terça-feira, 26 de janeiro de 2010