quinta-feira, 12 de julho de 2012

Como nascem as crises

Chamou atenção nos últimos dias a quantidade de crises corporativas decorrentes do que se convencionou chamar de "falha humana"

Chamou atenção nos últimos dias a quantidade de crises corporativas decorrentes do que se convencionou chamar de "falha humana". Se fizermos uma retrospectiva das últimas grandes crises, tanto privadas quanto públicas, poucas escapam dessa classificação. Sempre alguém falhou.
Quando se analisam essas crises ou as conclusões de fatos mais graves são divulgadas, acabamos concordando com a tese dos especialistas em gestão de crises. Pelo menos um terço dos eventos mais graves que atingiram corporações pelo mundo poderia ser evitados, se as organizações tivessem adotado medidas de prevenção e não houvesse a malfadada "falha humana".
O escândalo da manipulação do Barclays
O escândalo da manipulação da taxa interbancária Libor (London Interbank Offered Rate, a taxa de juros para operações entre os bancos) pelo banco britânico Barclays deixou mais vulnerável o sistema bancário e levantou dúvidas sobre a seriedade na gestão da crise econômica na City de Londres e outros centros financeiros.
A crise econômica, que começou com a quebra do Lehman Brothers, em 2008, transformou os bancos nos grandes vilões da crise global. A escorregada do Barclays seria apenas mais um deslize dessa longa história de derrapadas do sistema financeiro. Os bancos espanhóis, por exemplo, acabam de ser socorridos com 30 bilhões de Euros para suportar a crise. Mas precisariam de até 62 bilhões.
Se confiança é um ativo imprescindível para um banco se justificar no mercado, o Barclays colaborou para piorar essa imagem. A manipulação de taxas da Libor ocorreu entre 2005 e 2009. O escândalo, agora trazido à tona, resultou na demissão do diretor-executivo do Barclays, Bob Diamond, um dos queridinhos do sistema financeiro internacional. Ele era considerado o homem certo para esse momento de crise. Mas, ironizando, o professor do MIT, Simon Johnson, em artigo no New York Times, lembrou uma máxima do ex-presidente Charles De Gaulle: "os cemitérios estão cheios de homens indispensáveis".
O Barclays teve que pagar multa de US$ 1 bilhão aos órgãos reguladores britânicos e dos Estados Unidos por conta da manipulação. Ele divulgava uma taxa maior para mostrar ao mercado uma situação melhor do que realmente acontecia. Descoberto, tentou encobrir, mas, como todas as mentiras nas situações de crises, nada fica muito tempo sob sigilo.
Segundo analistas, "os funcionários do Barclays estavam fazendo aquilo que eram pagos para fazer" e não consta que devolverão as bonificações recebidas. O colunista de economia do Financial Times, Martin Wolf, ex-integrante da Comissão Bancária Independente britânica, diz que "os bancos hoje representam a encarnação do comportamento obcecado pelo lucro levado aos seus limites lógicos".
Dennis Keleher, do Grupo Better Markets, citado no artigo do professor Simon Johnson, no NYT, foi mais duro: "Os maiores bancos globais são incentivados a tapear os correntistas, incluindo tanto os indivíduos quanto as corporações não financeiras". Ele completa, "a questão era o excesso de mentiras, e não a taxa em si". O Financial Times, em editorial, também não poupou: "Os banqueiros envolvidos traíram uma importante faceta da confiança do público".
O escândalo exposto pelo Barclays envolve cerca de 20 grandes bancos internacionais e um mercado de cerca de 800 trilhões de dólares, quatro vezes o PIB dos Estados Unidos. Ou seja, é uma crise que apenas começa a aparecer. Os analistas econômicos acreditam que só uma "faxina" nos cargos executivos desses bancos poderia trazer de volta a confiança do mercado.
Crises dão sinais. O rescaldo dessa crise é que até as autoridades reguladoras do Reino Unido devem se explicar sobre a crise. Diretores do Barclays foram alertados, há 5 meses, sobre "a cultura agressiva do banco". Mas nenhuma providência foi tomada. Resumo: uma sucessão de erros que acabou atingindo não apenas o sisudo banco inglês, mas todo o sistema financeiro.
Falta de preparo para situação de crise
A divulgação também na semana passada das conclusões da investigação sobre o acidente com o Air France 447, em águas brasileiras, em julho de 2009, mostra outra crise grave, que custou a vida de 228 pessoas, e poderia ter sido evitada. Pilotos mal treinados e uma combinação com falha do equipamento seriam responsáveis pela queda do avião, em meio a uma tempestade a 11 mil metros de altura.
Segundo o documento, os pilotos não souberam reagir a uma série de falhas do avião, uma delas o congelamento das sondas pitot, que fornecem a velocidade e a altitude da aeronave. O voo foi colhido por uma tempestade em local em que outros aviões deveriam passar, mas evitaram. Ao assumir manualmente o avião, que começou a perder sustentação, primeiro os co-pilotos e depois o Comandante, que estava descansando naquele momento, cometeram erros – diz o relatório – fatais para a queda da aeronave.
O relatório dá um peso ao "erro humano" ou falha no treinamento para situações adversas. "Os diálogos mostram despreparo para a crise". Mais uma vez, um fato gravíssimo, que resulta em falta de treinamento e despreparo. O documento final divulgado em Paris semana passada pelo BEA (Birô de Investigações e Análises) não deixa dúvidas de que houve uma combinação de fatores negativos para a tragédia do Air France 447. Segundo o relatório, com a intervenção adequada da tripulação, as falhas mecânicas não derrubariam o avião.
Um caso parecido com o acontecido com o navio de cruzeiros Costa Concordia, que naufragou nas costas da Itália em fevereiro. Nesse caso, houve uma sucessão de erros do Comandante: saiu da rota, para fazer uma "gracinha" aos amigos, bateu com o casco do navio numa pedra, causando um rombo fatal para a sustentação da embarcação, e, para completar, abandonou o navio em pleno naufrágio, antes do resgate de todos os passageiros.
Tudo isso combinado com trapalhadas da tripulação; avisos equivocados sobre a gravidade da situação e a falta de treinamento para situações de crise, acabaram na morte de 32 pessoas e prejuízos incalculáveis para a indústria do turismo marítimo. Só a retirada do navio, prevista para janeiro de 2013, custará 236 milhões de Euros. O navio está até hoje lá nas costas da Ilha de Giglio como um monumento à imprudência, irresponsabilidade e desprezo pela vida humana.
Nessa linha de falhas humanas ou erros, por falta de prevenção, a Comissão que investigou as tragédias ocorridas no Japão, concluiu que o tsunami, seguido do acidente nuclear, é "uma desculpa para evitar responsabilidades". Desde 2006, havia risco de acidente, como dizem relatórios, e nenhuma providência foi tomada. E mais: o acidente em Fukushima "foi causado pelo homem". Governo japonês, agências reguladoras e Tepco (a empresa da usina) "falharam em seu dever de proteger" a população e as instalações.
O golpe esperto de todas as férias
O golpe aplicado pela empresa Trip & Fun em pelo menos 600 pessoas, em S.Paulo, no início das férias de julho é recorrente. Alunos, pais, turistas pagaram durante meses suas prestações para viagens de sonhos. Uns viajariam para Cancún, outros para a Disney, Argentina. Ao tentar embarcar em Guarulhos na semana passada, não havia avião nem hotéis reservados.
A empresa Trip & Fun desativou o site, fechou as portas, diz que vai passar por uma reestruturação e cancelou a viagem de centenas de pessoas. Essa é a típica crise prevista para a época de férias no Brasil. Empresários de araque montam empresas de fachada ou com pouco capital e entram num mercado que exige experiência, lastro financeiro e uma grande dose de empreendedorismo. Não é um mercado para amadores.
O pior nessas crises é que nada acontece. A mídia faz um barulho danado, coloca as pessoas chorando nos aeroportos, viajantes frustrados, registro de boletim de ocorrência; Abav, Ministério Público, Ministério do Turismo lamentam, anunciam processos, dão conselhos óbvios. E esses empresários no próximo ano, com empresas com outros nomes, irão continuar dando o mesmo golpe em mais uma centena de desavisados.
Aconteceu em Brasília em 2008, 2009 e 2010. Pior. O mesmo sócio de uma das empresas, a Impacto Turismo, deu golpe em 2008 e no réveillon de 2009. Ele comandou excursões para Arraial d'Ajuda, na Bahia e os hotéis não estavam pagos, nem pagou os ingressos para os shows, conforme contrato. Cerca de 400 pessoas embarcaram na furada e tiveram prejuízos. Só um dos sócios tem 33 processos na Justiça. Poucos conseguiram recuperar parte do dinheiro aplicado. Eles acabam não pagando, alegando que não têm bens para suportar a dívida. E continuam impunes.
Como prevenir crises desse tipo? Para o usuário, só usar empresas registradas no Ministério do Turismo, na Embratur. Verificar com cuidado, antes de fechar o pacote, se a empresa tem tradição. Não embarcar por causa do preço. Desconfiar de preços baixos. Fazer um rastreamento, antes das viagens para saber tudo sobre a empresa contratada. São crises que atentam contra a economia popular e se repetem todos os anos.
João José Forni é jornalista, consultor de comunicação e editor do site Comunicação e Crise

Ultra-capitalismo: do terrorismo ao calote mundial


Por que não podemos classificar o terrorista norueguês como ultra-capitalista? Por que temos que nos conformar com o rótulo na capa da revista Veja, que o chama de ultra-nacionalista, ou com as variantes usadas no restante das corporações de mídia.


Por que não podemos classificar o terrorista norueguês como ultra-capitalista? Por que temos que nos conformar com o rótulo na capa da revista Veja, que o chama de ultra-nacionalista, ou com as variantes usadas no restante das corporações de mídia (atirador, terrorista, extremista e outros tantos, que confundem muito mais do que explicam). São confiáveis esses veículos de comunicação que imediatamente após o tiroteio apontavam o dedo para um providencial “extremista islâmico”? -- versão que, aliás, não resistiu a 24 horas.

Estou sendo radical? O capitalismo não prega genocídios? O capitalismo tem um lado humano?

Quando digo que o marginal norueguês é ultra-capitalista não estou pensando nos postulados de Adam Smith ou naquilo que é permitido que se publique a respeito do sistema que domina o mundo. Estou me referindo ao que é escondido (o trabalho escravo ou semi-escravo e a máquina de moer essa gente que trabalha por um salário mínimo de fome) e ao que está implícito, às sutis formas de produção e reprodução de subjetividades, que interferem nas formas de sentir, pensar e agir dos cidadãos e, conseqüentemente, da própria sociedade em que estes estão inseridos.

O assassino em massa que chocou o mundo agiu influenciado por doutrinas que pregam a concorrência violenta, o ódio ao próximo. Essa teoria que joga a culpa de tudo em estrangeiros, negros, gays, ou em qualquer um que seja diferente. É reducionista, mas funciona. Em vez de reconhecer os próprios defeitos, o que demanda tempo, reflexão e análise, basta jogar a culpa em alguém com quem a pessoa não se reconhece: o outro.

Não me parece casual que o alvo do assassino tenha sido um acampamento da juventude socialista, que reuniu centenas de jovens de todos os cantos do mundo – inclusive do Brasil. O bandido criticava o multiculturalismo e chegou a dizer que esse era o grande problema do nosso país. Essa seria a razão para sermos uma sociedade “disfuncional”, de segunda classe.

É evidente que o genocida norueguês nunca assistiu a um desfile da Estação Primeira de Mangueira. E nem viu um Neymar da vida jogando. Muito menos teve a oportunidade de apreciar uma partida como a de quarta-feira, entre Flamengo e Santos. Ali, na Vila Belmiro, quando todos os deuses do futebol (que não são nórdicos, por suposto) baixaram simultaneamente em campo, ficou provada a existência de milagres. Esses milagres que permitem uma jogada como a do terceiro gol do Santos, quando o miscigenado Neymar fez com a bola algo que desafia a compreensão até mesmo dos deuses. Esses milagres que fizeram com que o Flamengo virasse uma partida após estar perdendo por três gols de diferença, sendo que o miscigenado Ronaldinho fez três e foi chamado de “gênio” pelo melhor jogador do mundo na atualidade. Foi um jogo que será lembrado daqui a cem a nos. Deve ser duro para os racistas ouvirem isso, mas a verdade é que esses milagres nascem justamente com a miscigenação que as teorias nazistas repudiam. Futebol e música soam melhor quando tem mistura, é assim em qualquer lugar do mundo.

A propósito: o nazismo não era capitalista? Se não, o que era?

A dificuldade de se entender o discurso do premiê da Noruega é compreensível. Todos ficaram chocados quando ele afirmou que discursos de ultra-direita são legítimos. Isso porque as corporações de mídia não conseguiram traduzir para o bom português; preferiram fingir que ele não estava se referindo à ultra-direita, ou seja, a versão mais descarada do capitalismo. Para as corporações de mídia é melhor apostar na confusão do que mostrar ao povo brasileiro que seus sócios e amigos defendem, por exemplo, o cercamento de favelas. Ou o abandono da gente pobre. A tortura de traficantes varejistas.

Os tiros disparados na Noruega também ecoam nos Estados Unidos. O extremismo do assassino nórdico tem tudo a ver com o fundamentalismo neoliberal de mercado. Ambos reivindicam para si a verdade, como se existisse apenas uma, a deles. Ambos consideram-se pertencentes a uma casta superior. E ambos agiram com planejamento, método e frieza.

Agora a maior economia do mundo anuncia tranqüilamente que pode dar um calote amplo, geral e irrestrito, mas não aparece um economista para entoar os cânticos de “irresponsável”. Onde estão os fiscais dos fundamentos da economia? Onde os que diziam que Lula quebraria o Brasil? Cadê a turma que defendia o modelo estadunidense como digno de ser seguido? Estão todos quietinhos, debaixo da cama, morrendo de medo das conseqüências, imprevisíveis, de uma moratória dos Estados Unidos.

O mundo não está nessa situação porque de vez em quando aparece um lunático disposto a tudo para fazer valer sua irracionalidade. Chegamos a este ponto porque o modelo de sociedade adotado pela maior parte do mundo não presta. Quem sabe a União de Nações Sul-Americanas – Unasul – aponte uma nova direção.

Marcelo Salles é jornalista, colaborador do www.fazendomedia.com e outros veículos de comunicação democráticos.