Esteban Volkov é calvo, grisalho, magro, tem grandes
olhos azuis. Não chega a 1,80 m de altura. Mas, na aparência, é a
ausência do espesso cavanhaque e dos óculos redondos de lentes pequenas
que mais o distancia de seu avô, Leon Trotsky.
O neto do revolucionário bolchevique fez em junho sua segunda visita ao Brasil a convite da Editora e Livraria Marxista, e ficou dez dias no país para participar de debates e palestras em São Paulo, Sumaré, Santa Catarina e Recife. Horas antes de embarcar de volta para a Cidade do México, onde reside, recebeu a reportagem do Opera Mundi no jardim do hotel Boulevard, centro de São Paulo, onde ficou hospedado.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Esteban frustra aqueles que procuram saber algo sobre ele, um sorridente ucraniano de 85 anos, químico aposentado, sobrevivente de um fuzilamento. Também evita temas da atualidade. Quase monotemático, suas respostas sobre os mais diferentes assuntos conduzem a conversa para o único tema que parece, de fato, comovê-lo: o papel de seu avô na história e a rivalidade de Trotsky e Stalin. Suas palavras batem, rebatem e acabam chegando aos nomes de Lev Davidóvitch Trotsky e Josef Vissarionovitch Djugashvíli.
Feita a primeira pergunta – que nenhuma relação tinha com o histórico embate entre os líderes da Revolução Russa –, Esteban subiu numa espécie de palanque imaginário e deu início a seu discurso: “Meu papel essencial é restabelecer a verdade histórica, resgatar inúmeros capítulos que foram falsificados.”
Disputas
Stalin, ao lado de Vladimir Lenin e de Trotsky, foi um dos líderes da revolução que implantou o socialismo na Rússia em 1917. Com a morte de Lenin (1924), Stalin começou a consolidar seu poder, isolando seus opositores, inclusive Trotsky, que aos poucos se tornou um de seus principais inimigos e foi banido da URSS em 1929. Exilou-se na Turquia até 1933, na França até 1935 e depois na Noruega até 1937, quando foi para o México.
Em 1931, Esteban e a mãe, Sidaína, filha do primeiro casamento de Trotsky, foram autorizados a ir para o exílio. Ela não teve, no entanto, autorização para levar a filha mais velha, Alexandra Moglina, de oito anos, que continuou vivendo na União Soviética. Em 1933, Sidaína se suicidou em Berlim. Então, em 1936, aos 11 anos, Esteban foi viver com o avô e com sua segunda esposa, Natália, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México. Ele não tem lembranças de seu pai, Platon Volkov, um militante trotskista, preso quando o filho tinha apenas dois anos e que terminou assassinado em 1936 em um campo de prisioneiros soviético.
Stalin governou a URSS até morrer, em 1953. E, ainda hoje, ele aparece como inimigo número um do neto de Trotsky: “O trabalho de Stalin foi desvirtuar os fatos, enganar. A perversidade com que eliminou seus oposicionistas, reais e imaginários. Infelizmente, o sistema capitalista se vale de suas medidas para macular o socialismo”, afirmou Esteban.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Apesar das inúmeras acusações feitas a Stalin, ele nega ter “ódio” daqueles que, mesmo com a queda do bloco socialista, seguem admirando o líder que esteve à frente da URSS por quase 30 anos. Com humor, ele comentou um dos motivos pelos quais alguns grupos trotskistas são frequentemente criticados: o sectarismo. “Há diferentes grupos”, admite. “Mas a política é bastante complexa. Olhando para o futuro, as estratégias, abrem-se diferentes caminhos. Eu não vejo [as divisões] de uma forma negativa, são como uma tempestade de ideias. É bom que se abram muitos caminhos”, completou.
O avô revolucionário
Esteban conviveu um ano e meio no exílio com Trotsky. Ele relata que a casa onde moravam estava sempre cheia de amigos, que seu avô era uma pessoa “muito calorosa”, com apreço pelas discussões, e que passava muito tempo estudando ou escrevendo sobre política. “Éramos uma grande família. Meu avô era uma espécie de patriarca. A minha relação com ele não era política, não falávamos de política”, disse.
Stalin, ao lado de Vladimir Lenin e de Trotsky, foi um dos líderes da revolução que implantou o socialismo na Rússia em 1917. Com a morte de Lenin (1924), Stalin começou a consolidar seu poder, isolando seus opositores, inclusive Trotsky, que aos poucos se tornou um de seus principais inimigos e foi banido da URSS em 1929. Exilou-se na Turquia até 1933, na França até 1935 e depois na Noruega até 1937, quando foi para o México.
Em 1931, Esteban e a mãe, Sidaína, filha do primeiro casamento de Trotsky, foram autorizados a ir para o exílio. Ela não teve, no entanto, autorização para levar a filha mais velha, Alexandra Moglina, de oito anos, que continuou vivendo na União Soviética. Em 1933, Sidaína se suicidou em Berlim. Então, em 1936, aos 11 anos, Esteban foi viver com o avô e com sua segunda esposa, Natália, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México. Ele não tem lembranças de seu pai, Platon Volkov, um militante trotskista, preso quando o filho tinha apenas dois anos e que terminou assassinado em 1936 em um campo de prisioneiros soviético.
Stalin governou a URSS até morrer, em 1953. E, ainda hoje, ele aparece como inimigo número um do neto de Trotsky: “O trabalho de Stalin foi desvirtuar os fatos, enganar. A perversidade com que eliminou seus oposicionistas, reais e imaginários. Infelizmente, o sistema capitalista se vale de suas medidas para macular o socialismo”, afirmou Esteban.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Apesar das inúmeras acusações feitas a Stalin, ele nega ter “ódio” daqueles que, mesmo com a queda do bloco socialista, seguem admirando o líder que esteve à frente da URSS por quase 30 anos. Com humor, ele comentou um dos motivos pelos quais alguns grupos trotskistas são frequentemente criticados: o sectarismo. “Há diferentes grupos”, admite. “Mas a política é bastante complexa. Olhando para o futuro, as estratégias, abrem-se diferentes caminhos. Eu não vejo [as divisões] de uma forma negativa, são como uma tempestade de ideias. É bom que se abram muitos caminhos”, completou.
O avô revolucionário
Esteban conviveu um ano e meio no exílio com Trotsky. Ele relata que a casa onde moravam estava sempre cheia de amigos, que seu avô era uma pessoa “muito calorosa”, com apreço pelas discussões, e que passava muito tempo estudando ou escrevendo sobre política. “Éramos uma grande família. Meu avô era uma espécie de patriarca. A minha relação com ele não era política, não falávamos de política”, disse.
Já no exílio, a primeira ameaça concreta chegou às quatro horas da
madrugada do dia 24 de maio de 1940. Esteban acordou com tiros. A casa
estava sendo invadida por homens armados. “Foi Natália que lhe salvou a
vida. Trotsky estava dormindo porque tomava remédio para insônia e ela o
empurrou para um canto do quarto, que estava muito escuro. A escuridão
simulava os corpos entre lençóis e almofadas. Se houvesse um pequeno
foco de luz...”. Ele levou dois tiros no pé. Ao todo, foram feitos 200
disparos.
O quarto de Esteban, hoje parte do pequeno museu Trotsky, ainda tem as marcas de tiro na parede. Os livros do avô continuam na estante, assim como algumas peças pessoais – toalhas, roupão, remédios, chinelos –, o que faz o charme de um espaço relativamente abandonado, se comparado com os museus em homenagem aos pintores Diego Rivera e Frida Kahlo, que também estão nas redondezas.
No dia 20 de agosto daquele mesmo ano, Jacques Mornard (codinome sob o qual atuava o espanhol Jaime Ramón Mercader) entrou nesta casa em Coyacán e deu, pelas costas, um violento golpe na cabeça de Trotsky, com uma picareta de alpinista.
“Cheguei da escola à tarde e percebi um movimento estranho na casa, no final da rua. Carros da polícia, a porta aberta. As tardes eram muito tranquilas. Desci a rua já angustiado porque sabia que alguma coisa tinha acontecido. Quando entrei, vi um homem golpeado, imobilizado pelos guardas. Na porta da cozinha, ele com a cabeça machucada e cara encoberta de sangue, Natália ao seu lado”, descreveu.
“Os guardas seguraram Jacques como se fossem matá-lo", mas Trotsky afirmou, segundo o relato dos jornais da época: “Não o matem, façam esse homem falar.” Trotsky foi levado ao hospital ainda lúcido, mas entrou em coma logo depois e morreu no dia seguinte.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Setenta e um anos depois da morte de Trotsky, Esteban é o único familiar vivo que testemunhou o crime. “Uma testemunha histórica”, ele mesmo se define, que não se cansa de repetir: em cinco dias, essa mesma narrativa foi contada pelo neto de Trotsky pelo menos cinco vezes.
Vida sem Trotsky
Após o assassinato de Trotsky, Esteban e Natália, a quem se refere como “avó política”, continuaram vivendo na mesma casa. “Num primeiro momento, foi um vazio muito grande, ele era uma figura paterna para mim. Durante um tempo, eu sonhava que o avô não estava morto, estava debaixo da casa, num sótão. Houve uma repetição de sonhos”, contou.
Natália faleceu em 1961, de causas naturais. Esteban se casou, teve quatro filhas e morou no mesmo lugar, onde hoje funciona o museu que leva o nome do avô, do qual ele é curador. Em 1989, foi à Rússia para encontrar sua meia-irmã, Alexandra, que não havia partido com sua mãe para o exílio. Doente terminal de câncer, ela morreu três meses depois. “Muita gente comenta 'sua vida é uma tragédia'. Mas centenas de pessoas na Europa tiveram uma vida muito pior que a minha, muito mais sofrida que a minha”, afirmou.
Esteban trabalhou em diferentes laboratórios, teve uma pequena empresa, estudou fotografia como hobby e sempre passou longe da política. Hoje, sua rotina parece tranquila: aposentado, dedica-se a ler e escrever artigos, especialmente sobre o avô.
Sempre que se fala o nome Esteban Volkov, junto surge um aposto quase que obrigatório – neto de Trotsky (como, aliás, no título deste perfil). Ele não se incomoda em ser lembrado assim, mas deixa claro que nunca quis viver à sombra do avô, uma das razões para se afastar da política: “[Ficaria difícil] tendo uma figura como meu avô, que foi um gênio, extraordinário, com muito conhecimento sobre a teoria marxista.”
Nem Cuba, números de mortos pelo narcotráfico no México ou o governo de Barack Obama são temas capazes de lhe arrancar comentários. Sobre o Brasil, porém, faz questão de registrar sua opinião: “Gosto muito do Brasil, um país muito lindo, diversificado, com uma mistura muito bonita.”
O quarto de Esteban, hoje parte do pequeno museu Trotsky, ainda tem as marcas de tiro na parede. Os livros do avô continuam na estante, assim como algumas peças pessoais – toalhas, roupão, remédios, chinelos –, o que faz o charme de um espaço relativamente abandonado, se comparado com os museus em homenagem aos pintores Diego Rivera e Frida Kahlo, que também estão nas redondezas.
No dia 20 de agosto daquele mesmo ano, Jacques Mornard (codinome sob o qual atuava o espanhol Jaime Ramón Mercader) entrou nesta casa em Coyacán e deu, pelas costas, um violento golpe na cabeça de Trotsky, com uma picareta de alpinista.
“Cheguei da escola à tarde e percebi um movimento estranho na casa, no final da rua. Carros da polícia, a porta aberta. As tardes eram muito tranquilas. Desci a rua já angustiado porque sabia que alguma coisa tinha acontecido. Quando entrei, vi um homem golpeado, imobilizado pelos guardas. Na porta da cozinha, ele com a cabeça machucada e cara encoberta de sangue, Natália ao seu lado”, descreveu.
“Os guardas seguraram Jacques como se fossem matá-lo", mas Trotsky afirmou, segundo o relato dos jornais da época: “Não o matem, façam esse homem falar.” Trotsky foi levado ao hospital ainda lúcido, mas entrou em coma logo depois e morreu no dia seguinte.
Laisa Beatris/Opera Mundi
Setenta e um anos depois da morte de Trotsky, Esteban é o único familiar vivo que testemunhou o crime. “Uma testemunha histórica”, ele mesmo se define, que não se cansa de repetir: em cinco dias, essa mesma narrativa foi contada pelo neto de Trotsky pelo menos cinco vezes.
Vida sem Trotsky
Após o assassinato de Trotsky, Esteban e Natália, a quem se refere como “avó política”, continuaram vivendo na mesma casa. “Num primeiro momento, foi um vazio muito grande, ele era uma figura paterna para mim. Durante um tempo, eu sonhava que o avô não estava morto, estava debaixo da casa, num sótão. Houve uma repetição de sonhos”, contou.
Natália faleceu em 1961, de causas naturais. Esteban se casou, teve quatro filhas e morou no mesmo lugar, onde hoje funciona o museu que leva o nome do avô, do qual ele é curador. Em 1989, foi à Rússia para encontrar sua meia-irmã, Alexandra, que não havia partido com sua mãe para o exílio. Doente terminal de câncer, ela morreu três meses depois. “Muita gente comenta 'sua vida é uma tragédia'. Mas centenas de pessoas na Europa tiveram uma vida muito pior que a minha, muito mais sofrida que a minha”, afirmou.
Esteban trabalhou em diferentes laboratórios, teve uma pequena empresa, estudou fotografia como hobby e sempre passou longe da política. Hoje, sua rotina parece tranquila: aposentado, dedica-se a ler e escrever artigos, especialmente sobre o avô.
Sempre que se fala o nome Esteban Volkov, junto surge um aposto quase que obrigatório – neto de Trotsky (como, aliás, no título deste perfil). Ele não se incomoda em ser lembrado assim, mas deixa claro que nunca quis viver à sombra do avô, uma das razões para se afastar da política: “[Ficaria difícil] tendo uma figura como meu avô, que foi um gênio, extraordinário, com muito conhecimento sobre a teoria marxista.”
Nem Cuba, números de mortos pelo narcotráfico no México ou o governo de Barack Obama são temas capazes de lhe arrancar comentários. Sobre o Brasil, porém, faz questão de registrar sua opinião: “Gosto muito do Brasil, um país muito lindo, diversificado, com uma mistura muito bonita.”