Editorial do Vermelho:
A aprovação do Projeto de Lei que escancara a terceirização no país (PL
nº 4330/04) - pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço
Público (CTASP) da Câmara Federal na quarta-feira (8) – representa uma
séria ameaça contra os direitos da classe trabalhadora brasileira,
conquistados ao longo de mais de um século de lutas.
A proposta, do deputado capitalista Sandro Mabel (PR-GO), proprietário
da empresa de biscoito Mabel, estende a terceirização para as chamadas
atividades-meio, revogando norma do TST que limita a terceirização às
atividades-fim. Permite a subcontratação de atividade especializada, o
que é considerado uma quarteirização, e ainda determina que a empresa
contratante seja responsável apenas subsidiariamente pelos direitos do
trabalhador terceirizado.
O fato surpreendeu as centrais sindicais, que não só repudiam o projeto
Mabel como também estavam elaborando em parceria com o Ministério do
Trabalho uma nova proposta sobre o mesmo tema, cujo conteúdo é oposto ao
do empresário, pois visa restringir a terceirização e estabelecer a
responsabilidade solidária da empresa contratante em relação às
obrigações trabalhistas.
A responsabilidade subsidiária é limitada – o terceirizado só pode
cobrar direitos trabalhistas da empresa contratante depois que forem
esgotados todos os bens da empresa de prestação de serviços.
Diferentemente, pela responsabilidade solidária a empresa contratante e a
terceirizada seriam responsáveis na mesma medida perante a Justiça.
Além disto, os sindicalistas reivindicaram do presidente da Câmara
Federal, Marco Maia (PT-RS), a criação de uma comissão especial para
debater o assunto. E foram atendidos.
Por estas e outras, os deputados federais do PCdoB Assis Melo (RS) e
Daniel Almeida (BA), ambos operários e sindicalistas, encaminharam
recurso ao Plenário da Câmara exigindo a anulação da votação na CTASP,
caracterizada por alguns sindicalistas como um golpe rasteiro do capital
contra o trabalho no Congresso Nacional.
Uma vez que já foi criada uma comissão especial para analisar o tema -
cuja relevância política, social e econômica é indiscutível - não se
justifica a precipitação da Comissão do Trabalho, que se comporta, neste
caso, como uma autêntica comissão do capital.
No Brasil, conforme denunciam os trabalhadores e muitos especialistas, a
terceirização é sinônimo de precarização. Não passa de uma fraude a que
o empresariado recorre para burlar a legislação trabalhista, subtrair
direitos e aumentar o grau de exploração da classe trabalhadora, que já é
um dos mais altos do mundo.
Estudos do Dieese revelam que o trabalhador terceirizado recebe, em
média, o equivalente a um terço do que ganha o contratado de forma
direta. Além de ser tratado como um assalariado de “segunda classe”
(dividindo efetivamente os trabalhadores), ele não goza os benefícios
consagrados através de acordos e convenções coletivas e geralmente vê
seus direitos vilipendiados.
"Do jeito que está o projeto, tudo pode ser terceirizado”, afirma o
deputado Vicentinho (PT-SP), referindo-se à proposta do capitalista
Mabel, que pode significar a desregulamentação das relações trabalhistas
e mesmo o fim do trabalho formal. É o sonho recorrente do capital, que
igualmente orientou o projeto de reforma sindical de FHC, que Lula
arquivou, e a chamada Emenda 3, vetada pelo ex-presidente de origem
operária.
A manifestação do presidente da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), Robson Braga de Andrade, enaltecendo a aprovação do PL nº
4330/04, evidencia o caráter de classe da nefasta iniciativa. Andrade,
um conservador neoliberal, alega que a terceirização sem peias vai
“ampliar a competitividade” da indústria nacional. É uma versão da
surrada e falsa teoria neoliberal segundo a qual a depreciação do
trabalho, com a elevação do grau de exploração dos assalariados, é
indispensável para o desenvolvimento. A história sugere o contrário.
A valorização do trabalho ao longo dos governos Lula – com aumento real
do salário mínimo, redução da taxa de desemprego, criação de 15 milhões
de empregos formais e legalização das centrais sindicais – foi
fundamental para fortalecer o mercado interno, estimular o crescimento
econômico e suavizar os efeitos da crise mundial exportada pelos EUA.
A batalha no Congresso Nacional contra o PL capitalista do empresário
Mabel e pela regulamentação rígida da terceirização é uma expressão
política da velha luta de classes que, confirmando a teoria marxista,
segue sendo a principal força motriz da história. É preciso intensificar
a mobilização social para que seu desfecho esteja de acordo com os
interesses da classe trabalhadora, que melhor correspondem aos
interesses nacionais e ao desenvolvimento econômico.
A precarização neoliberal das relações trabalhistas certamente serve ao
capital e ao capitalismo, na medida em que exacerba a espoliação dos
despossuídos e amplia os lucros das empresas, mas não está em sintonia
com os interesses maiores da nação, é nociva ao mercado interno e, por
consequência, ao desenvolvimento econômico.
O golpe na Comissão do Trabalho mostra que, embora o neoliberalismo
tenha sido derrotado nas urnas, mais de uma vez, é prematuro decretar
sua morte, pois continua firme, forte e influente no Congresso Nacional,
onde mais de 50% dos deputados são empresários, segundo levantamento do
Diap. Isto se explica em boa medida pelo custo excessivo das campanhas
eleitorais e a forma (privada) de seu financiamento. Aos trabalhadores,
que também têm seus representantes no legislativo, resta o caminho da
mobilização e pressão popular para impedir o retrocesso das relações
sociais.