Escrito por Juliano Medeiros no Correio da Cidadania | |
Desde o final do ano passado, um dado vinha me intrigando. Só agora, com
as denúncias envolvendo o ministro da Casa Civil, os números passaram a
fazer sentido. Em dezembro foram divulgadas as prestações de contas dos
candidatos à presidência da República. Segundo as informações
apresentadas pelas coligações à Justiça Eleitoral e amplamente
divulgadas pela imprensa, tanto Dilma quanto José Serra receberam
grandes somas dos principais grupos econômicos do país.
Entretanto, a origem dos recursos recebidos por ambos é levemente
distinta. Dilma foi financiada principalmente por empreiteiras e
construtoras, largamente beneficiadas pelo Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC. Mais de 25% de suas doações vieram de empresas como
Camargo Corrêa, OAS e Queiróz Galvão. Em seguida, aparecem empresas do
ramo do agronegócio. A maior doação de toda a eleição veio da JSB
Friboi, que investiu mais de R$ 10 milhões na campanha da petista. Essas
empresas, como é de conhecimento público, têm acesso a grandes
financiamentos junto ao BNDES e se beneficiaram durante todo o governo
Lula de uma política econômica favorável a seus interesses. Portanto,
nada mais natural que na eleição demonstrassem sua gratidão.
A candidatura de Serra, por sua vez, teve como principal fonte de
doações o sistema financeiro. Seu principal doador foi o Unibanco (R$ 4
milhões), seguido por outros agentes de crédito, bancos e similares. Os
bancos também estão entre os mais generosos doadores da campanha de
Dilma, demonstrando que o sistema financeiro não vê grandes diferenças
entre os dois projetos. Ao contrário, o número de doações de
empreiteiras e construtores para a campanha de Serra é muito menor em
comparação com a campanha de Dilma.
Em geral os grandes grupos econômicos que optaram por realizar doações
para ambas as candidaturas deram a elas um tratamento minimamente
isonômico, dividindo por dois os recursos entre Dilma e Serra. Apenas
alguns poucos dentre esses doadores preferiram deixar clara sua opção
por um em detrimento de outro. Foi o caso da gigante do aço Gerdau, que
doou R$ 3 milhões para Serra e apenas R$ 1,5 milhão para Dilma.
Portanto, não é uma simples ironia do destino o fato de Dilma ter
convidado recentemente o líder o grupo, Jorge Gerdau Johannpeter, para
coordenar em seu governo a implantação do novo modelo de gestão pública,
inspirado na administração privada.
Assim, a análise a ser feita, e que volta a aparecer em algumas
formulações sobre o caráter do governo Dilma, é que as frações da
burguesia – considerando-se que ela não é um bloco monolítico cujos
interesses fluem sempre num mesmo sentido – se dividiram claramente nas
últimas eleições entre Serra e Dilma. Uma parte, a burguesia
agro-exportadora, assumiu seu compromisso com a reeleição do projeto
liderado pelo PT.
Nesse bloco estão empreiteiras e construtoras, os barões do agronegócio,
a indústria da mineração, siderurgia e petróleo, entre outros. Outra
parte, representada principalmente pelo capital financeiro, se dividiu
entre Dilma e Serra, com uma indisfarçável preferência pelo segundo. É
essa a principal informação que a prestação de contas das duas
principais candidaturas presidenciais nos forneceu desde dezembro: a
disputa entre os blocos de poder hoje se dá em torno da busca de aliados
no campo da burguesia.
Essa conclusão nos ajuda a entender as opções de Dilma nos seus
primeiros meses de governo. A privatização dos aeroportos, a alta dos
juros e a preocupação com a inflação, a sinalização de uma profunda
reforma administrativa e os cortes de R$ 50 bilhões do orçamento tem um
objetivo claro: ganhar definitivamente a confiança do capital financeiro
e tornar o projeto de conciliação de classes liderado pelo PT
unanimidade entre a grande burguesia. Até o momento, Dilma e seu governo
têm tido sucesso em sua empreitada: os analistas vinculados ao grande
capital estão eufóricos com as primeiras medidas. Na edição da
revista Exame deste mês, por exemplo, a privatização dos aeroportos é
saudade como o início do "fim da ideologia estatista" no Brasil. Da
mesma forma, ficarão gravados nos anais do jornalismo econômico e
político os afagos de Miriam Leitão e Arnaldo Jabor ao novo governo,
cobrindo Dilma de elogios.
A questão, essa sim menos simples, é onde entra Palocci nisso tudo. O
ministro é peça chave nesse esquema. Tem relações privilegiadas no
sistema financeiro e entre os principais grupos econômicos do país. É um
dos fiadores do compromisso do governo com a estabilidade econômica e o
principal articulador político da manutenção dessa estabilidade. Mas
antes de tudo, Palocci é um soldado deste projeto. As denúncias de
enriquecimento duvidoso envolvendo o ministro e sua empresa, a Projeto,
têm origem no papel que Palocci ocupa nesse intrincado arranjo.
Segundo as notícias que têm sido veiculadas, a Projeto arrecadou cerca
de R$ 10 milhões em apenas dois meses, coincidentemente logo após a
campanha de Dilma. Vale lembrar que o PT anunciou uma dívida de mais de
R$ 20 milhões em sua prestação de contas. Logo, parece evidente que o
caso não se trata apenas de tráfico de influência entre a esfera pública
e privada – o bom e velho lobby – mas de um esquema de captação de
recursos por fora da contabilidade oficial da campanha. Longe de ser um
"aloprado", Palocci era um canal confiável para uma operação deste tipo.
De qualquer forma, seja qual for o papel de Palocci e da Projeto no
esquema que ora começa a ser desvendado, é evidente que o governo jogará
a vida para salvar o ministro: ele é o homem forte da tática de diálogo
com os poucos setores da burguesia que ainda resistem ao projeto do
governo. Esse é o papel de Palocci, por isso o governo o protegerá até
onde puder. Ele é peça chave em sua nova estratégia. Por sua vez, a
mídia monopolista e a oposição conservadora, comprometidas em preservar
os interesses de muitos atores envolvidos, não poderão chegar à raiz dos
fatos. Tratarão de proceder a uma condenação moral de Palocci, mantendo
o governo refém da instabilidade política com a qual a burguesia
consegue sempre arrancar mais e mais concessões do governo. E a análise
do sentido das movimentações de Dilma e Palocci, desde a campanha até
agora, passará batida.
Caberá àqueles que compreendem a íntima relação entre doações de
campanha, compromissos políticos e projetos de poder fazer esta denúncia
nos termos adequados.
Juliano Medeiros é jornalista e editor do Unamérica
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 25 de maio de 2011
O papel de Palocci na nova estratégia petista
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