sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

“Internet está a ponto de ver todo seu potencial reduzido a pó”

José Alcántara, acadêmico e ativista do software livre, acaba de lançar La Neutralidade de La Red, um livro que evidencia as razões pelas quais a rede tem que ser protegida. Confira entrevista.

Por Marcus Hurst na Revista Fórum

Você já tentou se conectar a internet em um desses espantosos cybercafés que a gente encontra nos aeroportos? Esses que cobram 10 euros por 10 minutos de acesso a internet e só te deixam acessar as páginas pré-instaladas no sistema. A empresa dona do computador se aproveita da escassez para oferecer um serviço claramente abusivo e restritivo, sabendo que não existem mais opções ali.

Agora, o que acontece se deslocamos esta situação para o dia-a-dia do consumo de internet, onde a qualidade do serviço oferecido pelas operadoras está de acordo ao quanto você pode pagar e, em função disto, temos acesso a um bom conteúdo ou não? Os mais favorecidos acessam a rodovia de 4 pistas enquanto os que têm menos poder aquisitivo acabam circulando por uma estrada nacional cheia de buracos.

Este é só um exemplo do tipo de situação que pode existir se não atuarmos para proteger a neutralidade da rede, segundo José Alcántara.

Este acadêmico e ativista do software livre acaba de lançar La Neutralidade de La Red, um livro que busca esclarecer a confusão que ronda esta discussão e, também, deixar bem claro as razões pelas quais a rede tem que ser protegida.

As conseqüências de não o fazermos, segundo o autor, seriam demasiado danosas para a sociedade. “Não pode ser que o advento com mais possibilidade de avanço social e global desde o telégrafo esteja a ponto de ver reduzido a pó todo o seu potencial. Ninguém sairia ileso de uma catástrofe como esta”, explica.

Conversamos com Alcántara sobre os principais pontos do livro. O download do livro em espanhol pode ser feito de forma gratuita aqui.

Parece que existe muita confusão com o termo “neutralidade da rede”. O que ele significa exatamente? Por que é desejável protegê-la?

A neutralidade da Rede é o princípio que a rege, aquele que nos diz que nenhum ponto pode exercer veto às conexões entre dois pontos outros da Rede. É o espírito que faz da internet uma rede distribuída e diversa, com toda a potência de desenvolvimento do conhecimento, de novas formas de negócio e de aquisição de autonomia pessoal.

Protegê-la é importante porque até agora, na Rede, um bit é sempre um bit, sem importar a peça maior de informação – mensagem, notícia, obra cultural ou de ócio – da qual ele é parte. Destruir isso enquanto temos oportunidades de progresso e desenvolvimento, dando tudo isto de bandeja a uma pequena minoria de monopólios ou oligopólios que não necessitam da internet para ter acesso a todos os mercados, porque têm poder financeiro para fazê-lo à moda antiga.

A neutralidade da rede parece um tema que por agora preocupa muitos experts e entendidos. Que se pode fazer para comunicar ao público em geral que isto afeta a todos nós? Deve-se explicar melhor?

Não somos conscientes de que as trocas acontecem a todo o tempo e, por isso, relaxamos e pensamos que a web sempre esteve aí (e isto não é certo) e que estará sempre aí com seu caráter aberto, abundante e diverso. Internet sem neutralidade seria como a televisão a cabo. Imagine que além de seu acesso a internet (na Espanha nos custa por volta de 40 euros por mês) você teria que pagar um adicional só para ter acesso a serviços de email (só os que tenham convênio com a sua operadora, obviamente), e outro adicional para serviços de rede social e outro para blogs e outro para imprensa online, para o YouTube e para o Vimeo. A tarifa assim não é plana e a liberdade de informação que desfrutamos agora não estaria ao alcance de todos, somente ao alcance dos bolsos mais resistentes.

Se não atuamos contra aqueles que ‘atentam’ contra a neutralidade da rede, que situações hipotéticas nós poderíamos encontrar no futuro?

Situações nas quais os afetados somos todos, ainda que mais gravemente os usuários últimos da internet, cidadãos comuns aos quais a internet abre a possibilidade de conquistar a própria autonomia profissional, assim como a de nos comunicarmos com pessoas mais próximas. Além daquilo comentado anteriormente, existe outra conseqüência importante: a eliminação da neutralidade elevaria os custos de montar um negócio pela internet, incrementando a barreira de entrada e reduzindo a competência.

Esta redução impedirá a aparição de alternativas, e irá gerar monopólios que carecerão de incentivos para propor soluções inovadoras e novos negócios. Presenciaríamos, então, uma estagnação de novos serviços e ideias, uma estagnação no surgimento de novas tecnologias. Tem sido assim desde o princípio: do motor de combustão ao Internet Explorer, quando alguém adquire um monopólio cessa a inovação.

Parece que tudo o que os governos não podem controlar incomoda aos poderosos. Existe uma intenção em criar escassez artificial para proteger os antigos modelos de negócio?

A internet neutra que conhecemos modifica as regras do jogo e passamos a viver em uma economia de abundância, tal e como a define o economista Juan Urrutia. E quando os conteúdos são infinitos, o importante são os olhos que os leem. Agora todo o mundo pode publicar conteúdos, e cobrar pelo acesso a eles está ao alcance de pouquíssimas publicações específicas.

Não há do que se lamentar. A internet abre um oceano de possibilidades, mas para os grandes monopólios informativos se torna mais fácil queixar-se através da mudança de regras do que tentar compreendê-las e aproveitar o potencial que o novo sistema oferece.

Marcados por administrações públicas cada vez mais sequestradas por estes organismos privados, não é que o Estado se limite a não atuar, o que já seria danoso, mas sim que seguramente o Estado atuará contra o bem geral. No que diz respeito a internet tem sido assim durante mais de uma década; a nova Lei Sinde não passa de um exemplo disto.

Não há uma incoerência aqui? Uns defendem o livre mercado, mas quando veem que não lhes convém, fazem o contrário e buscam controlar algo que é livre por natureza...

O problema é que o livre mercado que as elites defendem não é real. O conceito de mercado é tão podereso que as elites o sequestraram. Quando foram privatizados os velhos monopólios estatais, não surgiu um livre mercado, somente foram vendidas empresas com um valor altíssimo que passaram a ser controladas por seus “amiguinhos”.

Não é livre mercado, é o capitalismo de amigos (ou crony capitalism, em inglês). Internet, no entanto, essa sim oferece o livre mercado: o custo de criar um site e oferecer um serviço é infinitamente menor do que os custos de ter um escritório físico, onde para ter boa visibilidade é necessário se lançar em um mercado imobiliário que...bem, já sabemos o quanto se gasta no mercado imobiliário. Não está ao alcance de todos!

Há esperanças para que a Espanha mantenha uma rede neutra durante os próximos anos? Você está otimista?

Desde já, todo aquele que queira sair desta crise reforçado e em posição vantajosa para decolar o quanto antes, deveria lutar por uma rede neutra. Quando a situação econômica é adversa, somente um tolo se atreve a colocar um desafio para si mesmo. O Estado espanhol, e isso está para além do atual governo porque inclui uma lógica infra-estrutural que transpassa a mera estrutura de partidos, não tem interesse em defender uma rede neutra.

Os cidadãos, estes sim, se colocam o desafio. O Chile foi o primeiro Estado do mundo a garantir por lei que a internet seja neutra. É de se esperar, e é desejável, que outros Estados sigam seu exemplo. No entanto não me atrevo a dizer que ocupante algum (presente ou futuro próximo) de Moncloa possua o conhecimento sobre internet, e a valentia necessária, para tomar uma decisão cujos benefícios se percebem muito mais a médio e longo prazo do que em curto prazo.

Em teu livro, você menciona que a internet móvel é uma ameaça contra a neutralidade da rede. Por quê?

Depois de mais de uma década de tarifas planas na internet doméstica, os usuários desenvolveram hábitos de uso e consumo da informação. Transformar estes hábitos requer um esforço enorme. No uso da internet móvel, no entanto, não se mantém essas tarifas planas, sem limite de consumo, nos quais uma pessoa paga sua inscrição mensal e acessa a informação. Somemos a isso a enorme cultura de pagamento existente em relação à telefonia móvel e vejamos que a estratégia das operadoras está clara: não se trata de que a internet chegue ao nível móvel, somente de que o nível móvel (e sua cultura de pagamento total) capture a internet.

Por vezes existe a percepção de que uma internet livre é um site onde não se tem lucro. Qual a sua opinião sobre isto?

Para 99% das pessoas, que são de origem humilde e não formam parte desta elite social que faz negócios entre si, fortalecendo o “capitalismo de amigos”, a internet é a única opção de tomar as rédeas da própria vida, montar nossa empresa, pequena porém digna, com a qual possam ganhar algum dinheiro.
O que acontece é que essa abertura de mercado, esse mercado livre que a rede torna possível, diminui as rendas de posição e as rendas de capital que até agora mesmo os controladores dos grandes oligopólios tradicionais obtinham. Não se ganha dinheiro com internet? No pior ano a crise, 2010, a Telefônica ganhou 66% a mais do que o ano anterior. E ainda algum ministro nos disse que a Lei Sinde e o rompimento com a neutralidade são importantes para defender o antigo monopólio estatal...

Parece que a mídia se satisfaz com a chamada “nuvem”. Deveríamos ser um tanto mais céticos sobre as bondades da “nuvem”?

A próxima grande revolução comercial se baseará em converter em produto comercial algo que até agora se dissipa sem gerar lucro para ninguém: nossa informação pessoal. Mas para conseguir isso é preciso que alguém tenha acesso a toda nossa informação... E, bem, isso é “a nuvem”.

A internet e a web tornam nossa vida mais fácil. Ter nosso software na web que nos permite trabalhar à distância ou em qualquer computador de forma casual é uma grande vantagem. Contudo, não devemos nos esquecer que depender de um provedor de software dá a este provedor toda a vantagem. Aplicações na web? Sim, mas mediante o nosso controle. Existem alternativas para todos os serviços privados da web.

O quê se pode fazer para proteger a neutralidade na rede? Deveria haver um artigo da constituição, adaptado ao século 21?

Seguramente a lei tal e como está definida sempre foi suficiente. Se os operadores não bloquearam já o acesso a determinados serviços é porque não podem. Porque no passado, quando o fizeram, os tribunais consideraram que estavam limitando a liberdade de informação e comunicação das pessoas. No passado recente, existiram bloqueios de acesso a determinadas páginas, mas parece não ter sido uma iniciativa das operadoras, e sim uma iniciativa do Estado (caso Batasuna, 2002).

O poder econômico, que em demasiadas ocasiões se conecta bastante bem com o poder político, tenta centrar o debate em algo tão banal quanto os downloads. Ninguém mais falará sobre download dentro de dois ou três anos, quando os modelos de uso da internet forem baratos e acessíveis a todos. Aquilo que de verdade está em debate no assunto da neutralidade é: como configuraremos nossa sociedade digital (e sem dúvida será uma sociedade digital, porque não se pode desinventar a tecnologia) no futuro. Será uma sociedade distribuída e livre ou será uma sociedade centralizada e proibida, reprimida sobre um jugo tecnológico cheio de obstáculos, controles e limitações? O poder não está do nosso lado.

No entanto, sejamos otimistas. Sabendo disso, a estratégia é simples: não deixar-se persuadir por cantos de sereia. Em que mundo você quer viver o resto de sua vida? Qual internet torna isso possível?

Tradução de Cainã Vidor. Original em http://www.yorokobu.es/2011/01/18/%E2%80%9Cinternet-esta-a-punto-de-ver-todo-su-potencial-reducido-a-polvo%E2%80%9D/%20. Publicado por Rebelión. Foto por http://www.flickr.com/photos/sinistraeliberta/.

Dilma e a política suicida do câmbio


Por Altamiro Borges

Mesmo economistas ortodoxos têm alertado o governo recém-empossado de Dilma Rousseff para os enormes perigos da atual política cambial. A valorização artificial do real, decorrente da guerra cambial deflagrada pelos EUA, já dá sinais evidentes de que reduz o ímpeto das exportações e eleva as importações, afetando a balança comercial e causando transtornos para a indústria nacional. Em vários setores da economia, esta política suicida já começa a causar efeitos negativos na geração de empregos.

Efeitos maléficos nos produtos manufaturados

A indústria de calçados é uma das que mais sente o impacto do conservadorismo na área cambial. Mesmo tendo exportado 129,5 milhões de pares de sapatos até novembro passado, a tendência é de retração. Segundo Heitor Klein, presidente da Abicalçados, a exportação reflui e o mercado interno sofre maior concorrência, principalmente dos produtos chineses. “Em 2010, exportamos US$ 1,4 bilhão; em 2008, US$ 1,8 bilhão. Perdemos, em dois anos, US$ 900 milhões”, explica Klein.

Nesta semana, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) divulgou que o déficit comercial dos produtos manufaturados chegou a US$ 70,9 bi em 2010, alta de 95% sobre 2009. As importações cresceram 45%, contra 18% das exportações. Até quem não exporta sente o baque da política cambial. É o caso do setor de embalagens. Segundo Maurício Groke, presidente da Abre, o mercado está sendo invadido por produtos estrangeiros devido à desvalorização artificial do dólar. A importação subiu 57%.

EUA deflagram destrutiva guerra cambial

Este perigoso desajuste decorre do cambio flutuante, ao sabor do deus-mercado, implantado no governo FHC e mantido por Lula, e agravado agora pela “guerra cambial” deflagrada pelos EUA. Esta é um desdobramento da crise capitalista mundial que eclodiu em 2008. Para escapar do colapso econômico, os EUA decidiram desvalorizar a sua moeda e inundaram o mercado internacional com dólares. Desta forma, este império parasitário e decadente tenta conter as suas importações e aumentar as suas exportações.

O império ianque está pouco ligando para os estragos que provoca na economia internacional. Quer salvar a sua pele, reduzindo seus déficits, e dane-se o mundo. Para se defender, a China intensifica a concorrência e desvaloriza sua moeda, o yuan. Já o Brasil insiste em manter o tripé neoliberal da política macroeconômica, com juros elevados, arrocho fiscal e cambio flutuante. Quem ganha com esta orientação é a oligarquia financeira. Ganha com os juros, com o superávit e com a libertinagem cambial.

Ditadura financeira ganha com a libertinagem

Como explica o economista Pedro Rossi, pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, o que ocorre é uma “subordinação das trajetórias cambiais às decisões de agentes financeiros". Ele lembra que o mercado mundial de moedas, conhecido como Forex (foreign exchange market), é o mais lucrativo do planeta. Nele são negociados em torno de US$ 4 trilhões por dia, segundo o Banco para Compensações Internacionais (BIS). Esse montante excede com folga as necessidades reais da economia: em 15 dias, o mercado de moedas transaciona o equivalente ao PIB mundial do ano todo.

É essa ditadura financeira que impõe o tripé neoliberal das políticas monetária, fiscal e cambial. Ainda segundo Pedro Rossi, ela é a maior interessada “nesta descolagem da trajetória das taxas de câmbio em relação aos fundamentos econômicos”. Os rentistas ganham com o câmbio flutuante e com a “guerra cambial”. Eles especulam no meio da desgraça. A chegada volumosa de dólares ao Brasil está associada, por um lado, aos ganhos elevados das taxas de juros e, por outro, à forte oscilação do câmbio.

Risco de desindustrialização do país

O governo brasileiro até agora se mostrou tímido diante desta “guerra das moedas”. Para evitar uma valorização ainda maior do real frente ao dólar, ele aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) duas vezes. Esta medida, porém, não conteve a gula dos especuladores. O dólar continua artificialmente em baixa, o que prejudica a economia nativa. Caso não sejam adotadas políticas mais duras, como o controle do câmbio e do fluxo de capitais, a tendência é a da desindustrialização do país.

Para o economista José Luis Oreiro, o Brasil precisa superar a sua passividade diante da agressiva guerra cambial. Ele observa que os EUA desvalorizam o dólar para aumentar a competitividade de suas exportações e, com isso, tentar sair da crise. Já a China, Tailândia e outros países tentam se defender com medidas para impedir ou reduzir a valorização das suas moedas. “Um terceiro grupo de países, incluindo os da América Latina – inclusive o Brasil –, têm sido passivos frente à desvalorização do dólar”.

Consenso entre os economistas

Em sua opinião, o Brasil deve adotar políticas radicais diante dessa conjuntura e desvalorizar a moeda nacional “para voltar a uma situação de mais competitividade da economia brasileira”. Entre as medidas, ele propõe o controle na entrada de todos os capitais estrangeiros e a redução das taxas de juros. “O Brasil não pode, neste contexto internacional, ter uma taxa de juros que é até oito vezes maior do que a que prevalece no restante do mundo”. Ele também propõe uma mudança de postura diante da China.

Essa opinião, com suas nuances, é compartilhada por inúmeros economistas. José Carlos Braga prega o imediato fim do tripé do câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. “É um triângulo de ferro mortal. A política cambial é homicida do nosso desenvolvimento... [O governo] tem que chamar a banca privada para negociar o seu engajamento num projeto nacional de desenvolvimento. Precisa dar um basta nessa moleza de ficar faturando com a dívida pública”.

Bresser Pereira é taxativo: "O Brasil só terá novamente altas taxas de crescimento econômico quando voltar a administrar as taxas de câmbio". Paulo Nogueira Batista Jr. detona a atual política cambial: “A produção nacional perde espaço no mercado interno para as importações de bens e serviços, ao mesmo tempo em que a maior parte das exportações se torna pouco competitiva nos mercados externos”.

Luiz Gonzaga Belluzzo complementa: “Com um câmbio excessivamente valorizado, a atividade de empresas que fabricam produtos de maior valor agregado e geram empregos de maior qualificação pode ser duramente atingida”. E o economista Yoshiaki Nakano lembra uma velha lição de Mario Henrique Simonsen, que dizia que “inflação aleija, câmbio mata”.

Querem proibir Paulo Freire! nos USA...

Selvino Heck * no Sul21

Notícia recente, na coluna de Elio Gaspari (É dura a Vida no Arizona, 12.01.11): “O diretor da rede escolar pública de Tucson, Estado do Arizona, EUA, quer fechar os cursos de história e cultura latinas. Entre os livros que pretende tirar dos currículos está a ‘Pedagogia do Oprimido’, de Paulo Freire.”
Em novembro de 2009, em Brasília, durante o Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, a Caravana da Anistia promoveu o julgamento político e declarou formalmente para a sociedade a anistia de Paulo Freire, em nome do governo brasileiro. Escrevi: “Paulo Freire, educador popular e cidadão do mundo, finalmente vai voltar a ser cidadão brasileiro em sentido pleno: com direito a reconhecimento formal de sua brasilidade e de sua contribuição à educação como prática da liberdade, à pedagogia do oprimido, da indignação e da autonomia.” E concluía: “O povo e o governo brasileiro o reconhecem cidadão brasileiro em sentido pleno e o oferecem ao mundo também como seu cidadão” (Paulo Freire Cidadão brasileiro, 23.11.2009).
A crise econômica mundial, especialmente nos países ricos (não sei se ainda dá para dizer ‘desenvolvidos’), está levando a um rápido aumento da xenofobia, à expulsão sumária de imigrantes, à exclusão do diferente, seja por expulsão, segregação, repressão, e, em casos mais extremos, ao simples assassinato e a todo um conjunto de medidas e iniciativas de retorno a valores ultraconservadores.
“Políticos republicanos de seus Estados, entre os quais o Arizona,querem cassar a cidadania dos filhos americanos de imigrantes que entraram ilegalmente nos Estados Unidos. Só em 2008 nasceram 340 mil. A iniciativa é inconstitucional, mas, para o Tea Party (movimento político americano ultraconservador), atrai votos. A Constituição americana, como a brasileira, dá a cidadania a quem nasce na terra. Numa nação de imigrantes, a intolerância de parte da sociedade já perseguiu negros, católicos, irlandeses, chineses, coreanos e japoneses. A bola da vez, há tempos, são os latinos. Eles formam a maioria dos 12 milhões de estrangeiros que trabalham no país sem a devida documentação. Talvez 700 mil sejam brasileiros. Cidadãos do Estado organizam-se em milícias para patrulhar a fronteira com o México. Uma delas é filonazista. É dura a vida no Arizona. Qualquer estrangeiro de aparência suspeita pode ser parado na rua. Se não tiver os papéis, será deportado” (Elio Gaspari).
A crise do capitalismo não é apenas econômica. Vai muito além disso. O que acontece nos EUA, também acontece nos países mais ricos da Europa. A crise do desemprego brutal, da diminuição da renda, do enfraquecimento da economia revela a podridão da sociedade. Baseada apenas no lucro, que enriquece desmedidamente a poucos, a organização econômica mostra que a mesma separação entre o luxo, a riqueza de poucos e a pobreza de muitos, está presente também nos valores que orientam a convivência. Da mesma forma de que quem tem tudo não precisa dos outros ou só precisa para explorá-los, não precisa da natureza, a não ser para servir-se dela e dela tirar seus ganhos e aumentá-los todo dia. Agora aparece à luz do sol que quem trabalha para sobreviver sofre antes de todos as conseqüências. Se conseguia ‘conviver’ com o opulento e sua riqueza que antes não aparecia, e tudo parecia certo e dentro da lei e da ordem, agora não consegue conviver com seu vizinho que é pobre, tão ou mais pobre que ele.
Da segregação pela riqueza que vai para poucos de quem sempre apenas sobreviveu, passa-se à segregação da convivência e das idéias. Brasileiros, argentinos, costarriquenhos, mexicanos, haitianos têm outra pele, outra cultura e outros costumes. Não fazem parte do ‘american way of life – o modo americano de viver -, tão celebrado em filmes e na arte em geral. O americano é superior, invade outros países sem pedir licença, impõe suas idéias e valores ao resto do mundo. E agora, na crise e na dor, mostra que seus valores supostamente superiores se esfumaçam no vento da intolerância e do preconceito.
Paulo Freire está sendo proibido nos currículos escolares de Tucson, Arizona (Aliás, um comentário paralelo. Lá ele está nos currículos das escolas públicas, aqui mal é conhecido, senão rejeitado. Ora pelo exílio forçado, ora pela desinformação, ora pela pequenez de visão e conservadorismo dos gestores educacionais pátrios.)
O Brasil (re)declarou-o cidadão brasileiro e promoveu sua anistia política de forma pública. E agradeceu ao mundo que durante a ditadura militar o adotou como seu cidadão e pedagogo reconhecido, inclusive os Estados Unidos da América, que o acolheram por um tempo. Agora, parece que é preciso fazer um movimento para reconhecer sua cidadania planetária, antes que queimem mais uma vez seus livros e idéias em praça pública.

* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
Originalmente publicado em Adital

O dia nacional de combate à intolerância religiosa


 
Os conflitos religiosos têm sido constantes na história da humanidade. Atualmente, judeus, cristãos e mulçumanos ocupam espaços midiáticos com atos de agressões recíprocas em algumas partes do planeta. No Brasil estamos longe disso, pois vivemos em um Estado laico e com uma fantástica diversidade cultural e religiosa, mas mesmo assim, o preconceito e a discriminação estão presentes no nosso dia-a-dia.
Bira Coroa *no sitio da DS

Reconhecer cada povo, cada comunidade, enxergando a sua própria religiosidade e seus cultos são pautas de diversos atos e discussões que ponderam pela tolerância e o respeito a todos os cidadãos deste país. Todos têm o direito de escolher o seu caminho espiritual sem sofrer represálias por isso.
A Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso VIII, garante liberdade religiosa a todas as pessoas. Contudo, a intolerância religiosa em nosso país incita perseguições, principalmente contras as religiões de matriz africana: os terreiros são constantemente demonizados na expectativa de fragilizar seus adeptos a fim de futuras ações prosélitas.
Com efeito, o povo de santo tem se unido na luta pela convivência pacífica e tolerante entre todos os cidadãos defendendo a liberdade de crença para o exercício de cultos religiosos e manifestações das culturas populares. Na Bahia, grupos afro-religiosos se reúnem em todo o estado para pedir o fim da discriminação em caminhadas e fóruns, em que denunciam o preconceito e a perseguição.
Em Salvador, há quatro anos, acontece, no dia 21 de janeiro, uma caminhada contra a Intolerância Religiosa e pela paz no Bairro de Itapuã, que lembra o ataque sofrido pela Yalorixá Mãe Gilda do Ilê Axé Abassá de Ogum  por parte de uma determinada Igreja evangélica, que usou a sua imagem acusando-a de charlatã. Ela veio a falecer, em decorrência desse fato, naquela data de 1999.
Após intensa mobilização dos movimentos religiosos que lutam pela liberdade de culto em nosso país, o 21 de janeiro foi instituído como dia municipal e nacional de combate à Intolerância Religiosa. A Assembléia Legislativa da Bahia, através da Comissão de Promoção da Igualdade está atenta para esses fatos e tem reiteradamente elaborado propostas para que vivamos em um estado onde o respeito religioso faça parte da nossa agenda.
* Bira Coroa é deputado estadual (PT-BA) e presidente da Comissão Estadual de Promoção da Igualdade da Assembléia Legislativa.