sábado, 31 de dezembro de 2011

Galeano e "o direito de sonhar"

Do Blog do MIRO


EDUARDO GALEANO



Tente adivinhar como será o mundo depois do ano 2000. Temos apenas uma única certeza: se estivermos vivos, teremos virado gente do século passado. Pior ainda, gente do milênio passado.

Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede.

Deliremos, pois, por um instante. O mundo, que hoje está de pernas para o ar, vai ter de novo os pés no chão.

Nas ruas e avenidas, carros vão ser atropelados por cachorros.

O ar será puro, sem o veneno dos canos de descarga, e vai existir apenas a contaminação que emana dos medos humanos e das humanas paixões.

O povo não será guiado pelos carros, nem programado pelo computador, nem comprado pelo supermercado, nem visto pela TV.

A TV vai deixar de ser o mais importante membro da família, para ser tratada como um ferro de passar ou uma máquina de lavar roupas.

Vamos trabalhar para viver, em vez de viver para trabalhar.

Em nenhum país do mundo os jovens vão ser presos por contestar o serviço militar. Serão encarcerados apenas os quiserem se alistar.

Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem de qualidade de vida a quantidade de coisas.

Os cozinheiros não vão mais acreditar que as lagostas gostam de ser servidas vivas.

Os historiadores não vão mais acreditar que os países gostem de ser invadidos.

Os políticos não vão mais acreditar que os pobres gostem de encher a barriga de promessas.

O mundo não vai estar mais em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza. E a indústria militar não vai ter outra saída senão declarar falência, para sempre.

Ninguém vai morrer de fome, porque não haverá ninguém morrendo de indigestão.

Os meninos de rua não vão ser tratados como se fossem lixo, porque não vão existir meninos de rua.

Os meninos ricos não vão ser tratados como se fossem dinheiro, porque não vão existir meninos ricos.

A educação não vai ser um privilégio de quem pode pagar por ela.

A polícia não vai ser a maldição de quem não pode comprá-la.

Justiça e liberdade, gêmeas siamesas condenadas a viver separadas, vão estar de novo unidas, bem juntinhas, ombro a ombro.

Uma mulher – negra – vai ser presidente do Brasil, e outra – negra – vai ser presidente dos Estados Unidos.

Uma mulher indígena vai governar a Guatemala e outra, o Peru.

Na Argentina, as loucas da Praça de Maio vão virar exemplo de sanidade mental, porque se negaram a esquecer, em tempos de amnésia obrigatória.

A Santa Madre Igreja vai corrigir alguns erros das Tábuas de Moisés. O sexto mandamento vai ordenar: "Festejarás o corpo". E o nono, que desconfia do desejo, vai declará-lo sacro.

A Igreja vai ditar ainda um décimo-primeiro mandamento, do qual o Senhor se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte".

Todos os penitentes vão virar celebrantes, e não vai haver noite que não seja vivida como se fosse a última, nem dia que não seja vivido como se fosse o primeiro.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Governo insere 52 nomes na “lista suja” do trabalho escravo

Leonardo Sakamoto
Atualizada nesta sexta (30), o cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra análoga à de escravo cresceu com a entrada de 52 novos registros, chegando ao número recorde de 294 nomes. Entre os que entraram na “lista suja” estão grupos sucroalcooleiros, madeireiras, empresários e até uma empreiteira envolvida na construção da usina hidrelétrica de Jirau. A relação inclui também médicos, políticos, famílias poderosas e casos de exploração de trabalho infantil e de trabalho escravo urbano. Para ver a lista atualizada, clique aqui.
A “lista suja” tem sido um dos principais instrumentos no combate a esse crime, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do nome do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista. Quem é nela inserido também é submetido a restrições comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – que representam mais de 25% do PIB brasileiro.
O nome de uma pessoa física ou jurídica é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente à fiscalização dos auditores do governo federal e lá permanece por, pelo menos, dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso contrário, permanece na lista.
Abaixo, trechos da reportagem de Bianca Pyl, Daniel Santini e Maurício Hashizume, da Repórter Brasil, que monitora o cadastro desde sua criação em novembro de 2003:
Entre os novos registros, há casos como o de Lidenor de Freitas Façanha Júnior, cujos trabalhadores, segundo os auditores fiscais do trabalho envolvidos nas operações de libertação, bebiam água infestada com rãs, e o do fazendeiro Wilson Zemann, que explorava crianças e adolescentes no cultivo de fumo. Entre os estados com mais inclusões nesta atualização estão Pará (9 novos nomes), Mato Grosso e Minais Gerais (8 cada). A incidência do problema no chamado Arco do Desmatamento demonstra que a utilização de trabalho escravo na derrubada da mata para a expansão de empreendimentos agropecuários segue presente.
Nesta atualização, apenas dois nomes foram retirados do cadastro (Dirceu Bottega e Francisco Antélius Sérvulo Vaz), o que pesou para que a relação chegasse a quase 300 registros.

Escravos da cana – Entre os destaques da atualização estão libertações que chamam a atenção pelo grande número de escravos resgatados em plantações de cana-de-açúcar. Só na Usina Santa Clotilde S/A, uma das principais de Alagoas, foram flagrados 401 trabalhadores em situação degradante em 2008. Também entra nesta atualização a Usina Paineiras, que utilizou 81 escravos em Itabapoana (RJ) em 2009. Um ano após o flagrante que resultou nesta inclusão, a empresa comprou a produção da Erbas Agropecuária, onde foram flagrados 95 trabalhadores escravizados.
Mesmo com o aumento da preocupação social por parte das usinas, real ou apenas declarado, o setor ainda tem ocorrências de mão-de-obra escrava.
A Miguel Forte Indústria S/A foi flagrada explorando 35 trabalhadores, incluindo três adolescentes, na colheita de erva-mate em Bituruna (PR). A madeireira, que mantinha o grupo em barracões de lona sob comando de “capatazes”, anuncia na sua página que “o apoio a projetos sociais que promovem a cidadania e o bem-estar, principalmente entre a população carente, mostra o comprometimento da Miguel Forte com os ideais de uma sociedade mais justa e humana”. À frente da empresa, Rui Gerson Brandt, acumula o cargo de presidente do Sindicato das Indústrias de Papel e Celulose do Paraná (Sindpacel).

Hidrelétrica de Jirau 
- Não é só na monocultura ou no campo que os flagrantes acontecem. As condições degradantes em projetos bilionários do país têm sido uma constante e, nesta atualização, uma das empreiteiras envolvidas na construção de uma hidrelétrica também entrou na lista. A Construtora BS, contratada pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), foi flagrada utilizando 38 escravos na construção da Usina Hidrelétrica de Jirau. Além de enfrentarem problemas relacionados aos alojamentos, segurança no trabalho e saúde, os empregados ainda eram submetidos a escravidão por dívida, por vezes em esquemas sofisticados que envolvem até a cobrança por meio de boletos bancários, conforme denunciado, na época, pela Repórter Brasil.
Mesmo após o flagrante, as condições de trabalho não melhoraram, segundo denúncias recentes. Em abril deste ano, um grupo de 20 trabalhadores procurou o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) alegando que a BS não havia pago o aviso prévio e eles estavam dormindo no galpão da Construtora, sem ter como voltar para casa. Uma liminar chegou a bloquear os bens da empresa em 2011.
O isolamento, aliás, continua sendo utilizado como ferramenta para escravizar pessoas. Nesta atualização da lista, foi incluído Ernoel Rodrigues Junior, cujos trabalhadores estavam em um local de tão difícil acesso que foi necessário um helicóptero para o resgate dos trabalhadores. 

Entre os libertados estavam dois adolescentes de 15 e 17 anos e uma de 16 anos. Para chegar no local em que o grupo estava, foi necessário percorrer a partir de São Félix do Xingu (PA) por 14 horas um caminho que contava com uma ponte de madeira submersa, balsa e estradas de terra em condições tão ruins que foi necessário o uso de tratores para desatolar alguns dos veículos. De acordo com os relatos colhidos pela fiscalização, todos tinham medo de reclamar porque o fazendeiro e o segurança da propriedade andavam armados. Para que conseguisse fazer a denúncia, um trabalhador explorado conseguiu fugir e teve de caminhar durante seis dias pela mata e por estradas de terra.
Outro destaque na atualização da “lista suja” neste ano é a inclusão de Fernando Jorge Peralta pela exploração de escravos na Fazenda Peralta, em Rondolândia (MT). O Grupo Peralta é um conglomerado empresarial poderoso, do qual fazem parte a rede de supermercados Paulistão, a Brasterra Empreendimentos Imobiliários, as concessionárias Estoril Renault/Nissan (em Santos, Guarujá e Praia Grande), os shoppings Litoral Plaza Shopping e Mauá Plaza Shopping (cuja construção, na época, envolveu uma denúncia de propina), a Transportadora Peralta (Transper) e a PRO-PER Publicidade e Propaganda, só para citar os principais ramos de atividade do grupo. O flagrante que levou Fernando Jorge à “lista suja” aconteceu em 2010 e envolveu a libertação de 11 trabalhadores de sua fazenda.
Luiz Carlos Brioschi e Osmar Brioschi, que também entram na lista nesta atualização, foram flagrados se aproveitando de 39 trabalhadores na colheita do café em Marechal Floriano (ES). Eles mantinham os empregados em regime de escravidão por dívidas e em condições extremamente precárias de trabalho e vida. Dois dias após a libertação ter sido divulgada, Osmar Brioschi esteve entre os homenageados com placas e diplomas na Assembleia Legislativa do Espírito Santo pelo “trabalho realizado em favor do campo capixaba”, por iniciativa do deputado Atayde Armani (DEM-ES).

Devastação ambiental - Outro aspecto reforçado pela atualização da lista é o elo entre escravidão e devastação ambiental. O uso de escravos em grandes projetos de desmatamento e em áreas com conflitos agrícolas é bastante comum. Desta vez, foi incluído na relação Tarcio Juliano de Souza, apontado como responsável pela destruição de milhares de hectares de floresta amazônica nos últimos anos. Ele é considerado pela Polícia Federal responsável por montar um esquema para desmatar cerca de 5 mil hectares de floresta nativa na região de Lábrea (AM), onde mantém a Fazenda Alto da Serra. Chegou a ser preso em Rio Branco (AC) pelos crimes de redução de pessoas a condições análogas à escravidão, aliciamento de trabalhadores e destruição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e foi denunciado por tentar comprar um fiscal. Na época, o superintendente regional do trabalho Dermilson Chagas declarou que Tárcio estava à frente de um “consórcio de fazendeiros” do Acre formado para transformar grandes áreas de Lábrea (AM) em pastos, com a utilização criminosa de escravos para o desmate, para criar gado bovino.
Políticos e doutores – Um ex-prefeito, um ex-secretário municipal do Meio Ambiente e dois médicos estão entre os que entraram na relação nesta atualização. O ex-prefeito Edmar Koller Heller foi flagrado em 2010 explorando mão-de-obra escrava em um garimpo na Fazenda Beira Rio, que fica em Novo Mundo (MT), a 800 km da capital mato-grossense Cuiabá (MT), próximo à divisa com o Pará. Edmar foi prefeito de Peixoto de Azevedo (MT) em 2000, pelo extinto PFL (hoje DEM). Teve seu mandato cassado após ser acusado de desvio de recursos públicos, contratação de pessoal especializado sem licitação e contratação ilegal de veículos automotores de auxiliares de confiança.
Em 2007, ele se envolveu em outro escândalo político e chegou a ser preso. Como secretário de Administração da prefeita Cleuseli Missassi Heller, sua esposa, ele foi considerado responsável por improbidade administrativa, configurada pelo favorecimento de uma única empresa em processos licitatórios do município. Em 2009, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a condenação.
Outro político que passa a fazer parte da lista é Evanildo Nascimento Souza, flagrado com escravos quando ainda era secretário de Meio Ambiente de Goianésia do Pará (PA). O homem que deveria zelar pela natureza foi flagrado explorando trabalhadores justamente no corte e queima de madeira para produção de carvão. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), foram encontrados na Fazenda RDM (onde se localiza a Carvoaria da Mata), em julho de 2009, nove trabalhadores laborando em condições degradantes no corte de madeira, transporte, empilhamento, enchimento dos fornos, vedação do forno com barro e carbonização. Os trabalhadores não possuíam equipamentos de proteção individual (EPIs) e estavam alojados em um barraco em péssimas condições, sujo com detritos, restos de maquinário e peças de veículos, armazenamento de combustível, sem separação para homens e mulheres, nem ventilação e iluminação.
Os médicos incluídos na relação são José Palmiro Da Silva Filho, CRM 830, flagrado com cinco escravos na Fazenda São Clemente, em Cáceres (MT), e Ovídio Octávio Pamplona Lobato, CRM 3236, flagrado com 30 escravos na Fazenda Tartarugas, em Soure (PA).

Para ver a lista atualizada, clique aqui.

Para os movimentos sociais, 2011 foi um ano conservador no campo


Trabalhadores rurais comemoram resultado de negociações feitas com o governo federal em agosto. Pouco do que o governo prometeu foi cumprido | Foto: Valter Campanato/ABr

Felipe Prestes no SUL21

No apagar das luzes do primeiro ano de governo, a presidenta Dilma Rousseff anunciou suas primeiras desapropriações para assentar 2.739 famílias sem-terra. A meta, de acordo com o plano plurianual, era assentar 40 mil famílias em 2011, quase 20 vezes mais. Até a semana passada, quando o Sul21 ouviu representantes dos movimentos sociais, o quadro era nulo em desapropriações para a reforma agrária. Indigenistas também apontam que não houve nenhuma homologação de terra indígena neste ano. No Congresso, a aprovação do novo Código Florestal ainda não foi concluída, porque precisa voltar para a Câmara, mas já passou pelas duas casas, numa demonstração de força da bancada ruralista.
“O ano foi muito ruim para a reforma agrária, porque o agronegócio intensificou sua ofensiva, avançando sobre as nossas terras, especialmente o capital estrangeiro, e contra o Código Florestal”, afirma João Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST. A falta de desapropriações é uma das principais preocupações do movimento. “Não avançou a criação de assentamento no governo Dilma e isso é um problema gravíssimo, pois há mais de 180 mil famílias acampadas em todo o Brasil, segundo o próprio Incra. Os números da concentração fundiária no Brasil em pleno século 21 são equivalentes aos da década de 1920”, diz João Batista.
O ativista pela reforma agrária e ex-deputado estadual pelo PT Frei Sérgio Görgen aponta a desaceleração da reforma agrária como um grave “erro estratégico”. Görgen acredita que a economia do país pode sentir isto no futuro, uma vez que grande parte do emprego urbano ocorre por um ciclo de grandes obras que não vai durar para sempre. “Lula foi desacelerando lentamente os assentamentos e agora é público e notório que houve uma desaceleração brusca. O governo federal está cometendo um dos maiores erros históricos que pode cometer. Vai pagar caro no futuro com favelização, miséria. Não tem reforma urbana, tem empregos que são ocasionais nas cidades. O Brasil tem muita terra ociosa, tem que aproveitar este patrimônio”, sentencia.
Embora considere a desaceleração da reforma agrária um grande erro estratégico, o Frei Sérgio Görgen aponta que o Governo Dilma tem “muitos acertos”. “A erradicação da miséria no campo, a renegociação de dívidas de pequenos agricultores, e um programa para a agroindústria, se for mesmo criado”, elenca.
Bruno Alencastro/Sul21
Paulo Teixeira: “Esse ano foi, no geral, de muita restrição financeira, por conta do combate à crise. Mas a assinatura de desapropriações foi uma forte sinalização do governo " | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Para o líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira, 2011 foi um ano marcado pelo combate à crise. Assim, a reforma agrária foi contingenciada como várias outras áreas. Entretanto, ele considera que o decreto assinado nesta segunda-feira (26) que desapropriou 60 fazendas foi uma “forte sinalização” da disposição do governo com a reforma agrária. “Esse ano foi, no geral, de muita restrição financeira, por conta do combate à crise. Não teve área com grandes investimentos. Mas, apesar da grande restrição, a assinatura do decreto foi uma forte sinalização do governo”, afirma. Segundo Teixeira, as exceções no contingenciamento foram grandes programas do governo como o Minha Casa, Minha Vida e o PAC, além da área da Saúde.
Teixeira recorda também que o governo recebeu os movimentos sociais em 2011 e firmou compromissos com eles. “O MST quando foi a Brasília foi atendido e saiu de lá com um acordo importante”, diz.
Os compromissos se deram depois da realização da Jornada Nacional da Via Campesina, em agosto, que mobilizou mais de 50 mil pessoas em todo o Brasil e do acampamento nacional de Brasília, que contou com cerca de 4 mil pessoas. “A partir disso, conseguimos arrancar compromissos do governo Dilma, em relação ao assentamento de famílias acampadas, garantir de recursos para a educação, a implementação de um programa de agroindústria. No entanto, até agora, esses compromissos não saíram do papel”, diz João Batista de Oliveira.
Durante a assinatura das desapropriações, nesta segunda-feira (26), o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Celso Lacerda, afirmou que a reforma agrária está em um momento de revisão. “Não é verdade que a reforma agrária paralisou. Teremos a aplicação de um dos maiores orçamentos da área. Estamos num momento de revisão. É um ano de análise e de rediscussão. Reforma agrária não é mera distribuição de terra. O que adianta criar assentamento e não dar estrutura, crédito, assistência técnica?”, questionou.

Ruralistas demonstraram força na Câmara, reconhece deputado

“Os ruralistas tiveram uma demonstração de força na Câmara”, reconhece o líder do PT, Paulo Teixeira, em referência à aprovação do novo Código Florestal. A força foi tanta que o próprio Teixeira, que não estava de acordo com o texto, votou a favor, devido a um acordo feito às pressas entre as bancadas, para evitar a aprovação de um texto ainda mais agressivo ao meio-ambiente. O deputado ressalta, porém, que no Senado houve um processo mais “virtuoso” e que o texto ainda não saiu do Congresso. “O Senado diminuiu o estrago, criou um processo virtuoso, estabelecendo uma dinâmica de reflorestamento. Este processo ainda não acabou”, diz.
Agência AL-RS
De acordo com Frei Sérgio Görgen, interesses dos latifundiários se sobrepõem aos do Brasil "desde as capitanias hereditárias" | Foto: Agência AL-RS

O Frei Sérgio Görgen minimiza a força demonstrada pela bancada ruralista na aprovação do Código Florestal. “Eles não conseguiram passar tudo o que queriam”, diz. Görgen afirma também que o poderio dos latifundiários é tão grande quanto sempre foi no Brasil. “Os interesses deles se sobrepõem aos do país desde as capitanias hereditárias. Conseguem enormes subsídios para poucos lucrarem e que abastecem campanhas eleitorais caríssimas. Além disto, sempre estão no governo. Odiavam o PT. Quando o PT virou governo, passaram a gostar dele”, afirma.
“O agronegócio tem muita força na sociedade, com apoio dos meios de comunicação, que se traduz no peso da bancada ruralista e da sua força dentro do governo. A prova disso são as facilidades que suas pautas são aprovadas”, opina João Batista de Oliveira. Segundo integrante da coordenação nacional do MST, esta facilidade se reflete na liberação de produtos transgênicos e de agrotóxicos que já são proibidos até nos países que os fabricam.
No Congresso, João Batista aponta que o poderio da bancada ruralista se mostrou com o novo Código Florestal e barrando a votação da PEC do Trabalho Escravo. Esta proposta foi aprovada no Senado em 2001 e está parada na Câmara desde 2004. Ela visa acrescentar na Constituição a desapropriação de terras em que forem encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão. O deputado federal Domingos Dutra (PT-MA) tem tentando colocar em votação a proposta.
Ruralistas demonstraram força no Congresso | Foto: Renato Araújo/ABr

João Batista de Oliveira analisa que a força ruralista tem aumentado devido ao poder econômico crescente do agronegócio com o incremento de capital estrangeiro nesta atividade no país, por grandes multinacionais. “O setor do agronegócio está com um poder muito grande, aliado com o capital financeiro e internacional, das grandes corporações. Grande parte do dinheiro que até então estava sem lastro está se solidificando no Brasil. Por trás de toda a questão fundiária e do agronegócio, há um poderio econômico e político muito grande”, diz.
Ele aponta, porém, que também cresce no Congresso o número de deputados que apoiam as causas dos movimentos sociais do campo. Cresceu dentro do Congresso o número de deputados e senadores com compromisso com a realização da reforma agrária e com a agricultura familiar e camponesa. Apesar disto ser muito importante, ainda é insuficiente para enfrentar a força da bancada ruralista”.
cacique
Nísio Gomes, cacique Kaiowá Guarani desaparecido. Ausência de demarcações leva indígenas e pressionar e ocupar fazendas. A resposta dos fazendeiros é a violência| Foto: Cimi

Demarcação de terras indígenas ficou parada em 2011, aponta indigenista

“Não houve nenhuma homologação de terras indígenas neste ano”, aponta Roberto Liebgott, coordenador da regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O indigenista atribui a paralisia à forte influência do agronegócio e de empreiteiras sobre o governo federal. “Houve uma postura de paralisar, em função das relações que o governo estabeleceu com o agronegócio, com latifundiários e com empreiteiras”, diz.
Roberto aponta que o governo está tendo apoio expresso de lideranças como a presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Kátia Abreu. “Ela escreveu um artigo dizendo que a Dilma está fazendo tudo o que eles querem”, afirma.
Ele afirma que houve uma inércia dos governistas em barrar o Código Florestal e considera que a postura do governo encoraja ações anti-indígenas, que têm ocorrido em diversas partes do país. “Inércia do governo foi mais um sinal verde de que não quer se comprometer com quilombolas, com indígenas, com a reforma agrária. Esta postura acabou referendando ações anti-indígenas, muitas delas violentas, em vários estados”, afirma.
O líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Teixeira, atribui as dificuldades na demarcação de terras ao fato de ser o primeiro ano de Governo Dilma. Ele ressalta que o Governo Lula avançou muito nas demarcações de terra. “O Governo Lula teve um grande avanço nas demarcações, tanto que houve uma reação. Agora, é primeiro ano de governo”, diz.
Teixeira afirma que a bancada do PT vai se opor à tentativa de submeter demarcações de terra ao crivo do Congresso. Hoje, as demarcações cabem exclusivamente ao governo federal. Um projeto que tramita na Câmara quer submeter qualquer demarcação ao Congresso. “Vamos nos opor à tentativa de barrar as demarcações”, diz.
Paulo Teixeira também afirma que o governo defendeu os guarani-kaiowá no conflito recente no Mato Grosso do Sul, o que sinalizaria uma disposição do governo com a causa indígena. “No conflito mais latente, que foi no Mato Grosso do Sul, o governo esteve do lado dos indígenas”, diz.
A violência, aliás, foi outra pauta bastante recorrente no campo em 2011. Além da invasão de um acampamento indígena no Mato Grosso do Sul, outro caso emblemático foi a morte do casal de extrativistas, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna, no Pará, no mês de maio.
“A violência ainda continua extremamente forte no campo. Esses fatos que tiveram mais repercussão esse ano é a prova disso”, afirma João Batista de Oliveira. O Frei Sérgio Görgen aponta que os índices de violência no campo têm diminuído, mas atribui isto à empregabilidade nas grandes cidades, que têm tirado população do campo. “A violência está mudando o caráter, está mais seletiva e apontando para causas ambientais”, avalia.

A lista dos acusados de tortura


Dos papéis de Luiz Carlos Prestes consta um relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil, de 1976. O documento traz uma lista de 233 torturadores feita por presos políticos em 1975


  • O acervo pessoal de Luiz Carlos Prestes, que será doado por sua viúva, Maria Prestes, ao Arquivo Nacional, traz entre  cartas trocadas com os filhos e a esposa, fotografias e documentos que mostram diferentes momentos da história política do Brasil. Entre eles, o “Relatório da IV Reunião Anual do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, datado de fevereiro de 1976.
     
    Neste período Prestes vivia exilado na União Soviética e, como o documento não revela quem são os membros deste Comitê, não se pode afirmar que o líder comunista tenha participado da elaboração do relatório. De qualquer forma, é curioso encontrá-lo entre seus papéis pessoais.
     
    O documento é dividido em seis capítulos, entre eles estão “Mais desaparecidos”, “Novamente a farsa dos suicídios”, “O braço clandestino da repressão” e “Identificação dos torturadores”, que traz uma lista de 233 militares e policiais acusados de cometer tortura durante a ditadura militar. Esta lista foi elaborada em 1975, por 35 presos políticos que cumpriam pena no Presídio da Justiça Militar Federal. Na ocasião, o documento foi enviado ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira, mas só foi noticiado pela primeira vez em junho de 1978, no semanário alternativo “Em Tempo”. Segundo o periódico, “na época em que foi escrito, o documento não teve grandes repercussões, apenas alguns jornais resumiram a descrição dos métodos de tortura”. O Major de Infantaria do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra é o primeiro da lista de torturadores, segundo o relatório. A Revista de História tentou ouvi-lo, mas segundo sua esposa, Joseita Ustra, ele foi orientado pelo advogado a não dar entrevista. “Tudo que ele tinha pra dizer está no livro dele”, diz ela, referindo-se à publicação “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (Editora Ser, 2010).
     
    A repercussão da lista em 1978
     
    A Revista de Históriaconversou com um jornalista que integrava a equipe do “Em Tempo”.  Segundo a fonte – que prefere não ser identificada – a redação tinha um documento datilografado por presos políticos. Era uma “xerox” muito ruim do texto, reproduzido em uma página A4. Buscando obter mais informações sobre o documento, os jornalistas chegaram ao livro “Presos políticos brasileiros: acerca da repressão fascista no Brasil” (Edições Maria Da Fonte, 1976, Portugal). Depois desta lista, o “Em Tempo” publicou mais duas relações de militares acusados de cometerem tortura.
     
    Na época, a tiragem do semanário era de 20 mil exemplares, rapidamente esgotada nas bancas, batendo o recorde do jornal. A publicação fechou o tempo para o jornal, que sofreu naquela semana dois atentados. A sucursal de Curitiba foi invadida e pichada. Na parede, os vândalos deixaram a marca em spray “Os 233”. O outro atentado aconteceu na sucursal de Belo Horizonte: colocaram ácido nas máquinas de escrever. Na capital mineira, a repercussão foi maior porque os militantes de esquerda saíram em protesto a favor do jornal. O próprio “Em Tempo” publicou esses dois casos, com fotos.
     
    Os autores da lista
     
    As assinaturas dos 35 que assumem a autoria também foram publicadas no “Em Tempo”. Hamilton Pereira da Silva é um deles.  O poeta – conhecido pelo pseudônimo Pedro Tierra e hoje Secretário de Cultura do Distrito Federal – fez questão de conversar com a Revista de História sobre o assunto, afirmando que a lista não foi fechada em conjunto. Os nomes e funções dos torturadores do documento teriam sido informados pelas vítimas da violência militar em momentos distintos de suas vidas durante o cárcere.
     
    “Essas informações saíam dos presídios por meio de advogados ou familiares. A esquerda brasileira, neste período, não era unida, era formada por vários grupos isolados, que não tinham muito contato entre si por causa da repressão”, conta Tierra. “Quando a lista foi publicada no ‘Em Tempo’, eu já estava em liberdade. Sei que colaborei com dois nomes: o major, hoje reformado, Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o capitão Sérgio dos Santos Lima – que torturava os presos enquanto ouvia música clássica”.
     
    Hamilton lembra ainda que, após a publicação da lista no periódico, a direita reagiu violentamente realizando ataques a bomba em bancas de jornal e até uma bomba na OAB, além de ameaças à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
     
    Em 1985, já em tempos de abertura política, a equipe do projeto Brasil: Nunca mais divulgou uma lista de 444 nomes ou codinomes de acusados por presos políticos de serem torturadores. Organizado pela Arquidiocese de São Paulo, o trabalho se baseou em uma pesquisa feita em mais de 600 processos dos arquivos do Superior Tribunal Militar de 1964 a 1979. Os documentos estão digitalizados e disponíveis no site do Grupo Tortura Nunca Mais.
     
    Entre os autores da lista de acusados de tortura feita em 1975, além de Hamilton Pereira da Silva, estão outros ex-presos políticos que também assumem cargos públicos, como José Genoino Neto, ex-presidente do PT e assessor do Ministério da Defesa, e Paulo Vanucchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e criador da comissão da verdade. Os outros autores da lista são: Alberto Henrique Becker, Altino Souza Dantas Júnior, André Ota, Antonio André Camargo Guerra, Antonio Neto Barbosa, Antonio Pinheiro Salles, Artur Machado Scavone, Ariston Oliveira Lucena, Aton Fon Filho, Carlos Victor Alves Delamonica, Celso Antunes Horta, César Augusto Teles, Diógenes Sobrosa, Elio Cabral de Souza, Fabio Oascar Marenco dos Santos, Francisco Carlos de Andrade, Francisco Gomes da Silva, Gilberto Berloque, Gilney Amorim Viana,Gregório Mendonça, Jair Borin, Jesus Paredes Soto, José Carlos Giannini, Luiz Vergatti, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Manoel Porfírio de Souza, Nei Jansen Ferreira Jr., Osvaldo Rocha, Ozeas Duarte de Oliveira, Paulo Radke, Pedro Rocha Filho, Reinaldo Moreno Filho e Roberto Ribeiro Martins.
     
    A seguir, a reprodução de parte do “Relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, com as páginas que trazem os 233 nomes dos acusados de praticarem tortura direta ou indiretamente.
     
     

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A metade pobre dos EUA

Por Fred Goldstein, no sítio português Resistir: via Blog do Miro

O número de pessoas nos EUA que são oficialmente pobres ou "quase pobres" tornou-se uma questão controversa. O Gabinete do Recenseamento mudou o método de medir a pobreza oficial. Agora, diferenças regionais são consideradas ao calcular os custos de manutenção de uma família, assim como acrescenta qualquer assistência governamental – como selos alimentares – ao rendimento de uma família enquanto subtrai despesas médicas, de transporte, de cuidados a filhos e outras.



O New York Times solicitou ao Gabinete do Recenseamento números com base nestes novos métodos de calcular a pobreza oficial. A nova percentagem foi chocante. O Times publicou suas descobertas em novembro. Ali era declarado que 100 milhões viviam na pobreza, ou uma em cada três pessoas nos EUA.

Mas um mês depois, em dezembro, a Associated Press publicou suas descobertas baseadas nos novos cálculos. Ela descobriu que 150 milhões – o que significa cerca de uma de cada duas pessoas – era pobre ou "quase pobre". Quase pobre significa lutar para pagar contas.

Isto foi ainda mais chocante.

Ambos os números foram baseados nos mesmos dados do Gabinete do Recenseamento. A diferença é que o primeiro contava todas as pessoas vivendo a 150 por cento do nível de pobreza ou abaixo. O nível de pobreza oficial para uma família de quatro com dois filhos, sob as novas medidas adoptadas pelo Gabinete, foi ajustado para um rendimento anual de US$24.343.

O segundo estudo, utilizando a mesma base de dados, incluía pessoas vivendo a 200 por cento do nível de pobreza ou abaixo. Revelava que uma família de quatro pessoas, incluindo dois filhos, com um rendimento anual de US$48.686 ainda lutava para sobreviver e vivia precariamente próxima do afundamento. Qualquer pessoa a tentar manter uma família de quatro com este rendimento certamente concordará com a definição mais vasta.

O Gabinete do Recenseamento apressou-se a "clarificar" a situação, declarando que considerar que metade das pessoas nos EUA era pobres ou "quase pobres" era errado. De qualquer modo, disseram eles, o governo não tem definição de "baixo rendimento" ou "quase pobre", de modo que toda a discussão está errada. Esta discussão, então, desapareceu rapidamente dos media corporativos.

"Não é preciso um meteorologista"

Não importa que números sejam adotados, o facto é que os salários reais têm estado a cair durante 30 anos quando capitalistas introduzem nova tecnologia, aceleram ritmos de trabalho e forçam milhões de trabalhadores a horas em tempo parcial. Desde que a crise económica começou, em Agosto de 2007, os salários têm caído ainda mais drasticamente. Pelo menos 30 milhões estão desempregados ou sub-empregados. Milhões foram despejados das suas casas. E a assistência do governo está a ser cortada até o osso aos níveis federal, estaduais e locais.

Por outras palavras, o debate sobre quanta pobreza existe de acordo com as estatísticas do governo é apenas um debate sobre definições do governo e categorias do Gabinete de Recenseamento. A pobreza e o sofrimento são reais e crescentes, sem considerar tal debate. Em mesmo pelas estatísticas oficiais, a pobreza nos EUA ascendeu em 2,9 milhões de 2009 para 2010.

Como se costuma dizer, você não precisa de um meteorologista para saber que o vento está a assoprar. A pobreza está construída dentro do capitalismo. Durante uma crise económica com esta duração e severidade, a pobreza crescente mais profundamente e mais amplamente.

Karl Marx sobre os 1% e os 99%

É importante reiterar que o crescimento da pobreza é inerente ao capitalismo. De facto, Karl Marx, ao escrever em 1848 o "Manifesto Comunista", antecipou a descrição dos 1% versus os 99%. Argumentando contra os capitalistas, que se queixavam do programa comunista de abolir a propriedade privada dos meios de produção, Marx escreveu:

"Horrorizais-vos por querermos suprimir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade existente, a propriedade privada está suprimida para nove décimos dos seus membros; ela existe precisamente pelo facto de não existir para nove décimos. Censurais-nos, portanto, por querermos suprimir uma propriedade que pressupõe como condição necessária que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade. Numa palavra, censurais-nos por querermos suprimir a vossa propriedade. Certamente, é isso mesmo que queremos".

Marx escrevia acerca de um décimo da população versus os nove décimos durante as primeiras fase do capitalismo, antes de a vasta concentração de riqueza, que ele previu, ter alcançado as proporções do século XXI. De facto, hoje apenas uma minúscula fracção dos 1%, os bilionários, controla realmente a riqueza.

Marx escreveu há 160 anos, antes da era do capital financeiro com seus hedge funds de riqueza nunca sonhada. Mas embora ele tenha escrito dos 10 por cento e dos 90 por cento, ele observou e analisou como a tendência do capitalismo é para concentrar riqueza em cada vez menos mãos, deixando as massas sem propriedade e a viverem na pobreza.

Depois de mais 20 anos de novos estudos do capitalismo, em 1867, Marx escreveu no "Capital", Volume 1, Capítulo 25, secção 4, acerca da "Lei Geral da Acumulação Capitalista". Ele descreveu o papel da tecnologia na criação de pobreza e num número sempre crescente de trabalhadores desempregados, aos quais chamou "o exército de reserva dos desempregados":

"A lei que mantém o equilíbrio entre o progresso da acumulação e o da superpopulação relativa aprisiona o trabalhador ao capital mais solidamente do que os grilhões de Vulcano aprisionavam Prometeu ao seu rochedo. É esta lei que estabelece uma correlação fatal entre a acumulação do capital e a acumulação da miséria, de tal modo que a acumulação da riqueza num pólo é igual à acumulação da pobreza, do sofrimento, da ignorância, do embrutecimento da degradação moral, da escravatura no pólo oposto, no da classe que produz o próprio capital".

Mas Marx não descreveu apenas a pobreza e a desigualdade de riqueza. Ele analisou suas origens no relacionamento do trabalho com o capital. Mostrou que o sistema do lucro, o sistema da propriedade privada, está construído sobre trabalhadores a venderem sua força de trabalho ao patronato, o qual utiliza-a para aumentar o seu capital, seus lucros e sua riqueza pessoal.

Isto é tão verdadeiro hoje como era em 1848 e 1867. As mesmas leis descritas por Marx produziram a crise económica mundial que estamos agora a viver. As leis do capitalismo, especialmente o permanente e inerente impulso competitivo para o lucro, também conduzem a tecnologia, as acelerações de ritmo, os baixos salários, a super-produção e finalmente a destruição de empregos e de rendimento para as massas do povo.

A polarização da sociedade entre os 1% e os 99% é sistêmica. E é o sistema que no longo prazo deve ser destruído.

Enquanto isso, o movimento Occupy Wall Street impeliu a sociedade a um grande passo em frente ao revelar os ricos e agir contra eles. Ao assim fazer ele despertou amplas secções da sociedade para a percepção de que a sua pobreza, os seus empregos sem perspectivas, suas lutas para sobreviver, não são falha sua mas sim a falha do sistema.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A esquerda que não desejamos mais


O jogo está perdido? Poderiam os eleitores e militantes de esquerda mais interessados no conteúdo do que nos rótulos ter esperanças, inclusive nos países ocidentais, de combater a direita junto com camaradas conquistados pelo liberalismo, mas ainda eleitoralmente hegemônicos?
por Serge Halimi no LeMondebrasil


Os norte-americanos que se manifestam contra Wall Street protestam também contra seus contatos dentro do Partido Democrata e da Casa Branca. Certamente eles não sabem que os socialistas franceses continuam invocando Barack Obama como exemplo. Segundo estes, o presidente norte-americano teria sabido, ao contrário de Nicolas Sarkozy, agir contra os bancos. Seria mesmo um equívoco? Quem não quer (ou não pode) atacar os pilares da ordem liberal (financeirização, globalização dos fluxos de capitais e mercadorias) é tentado a personalizar a catástrofe, a imputar a crise do capitalismo aos erros de concepção ou gestão de seu adversário interno. Na França, o culpado seria Sarkozy; na Itália, Berlusconi; na Alemanha, Merkel. Muito bem, mas e no resto do mundo?
Em todo o mundo, e não apenas nos Estados Unidos, líderes políticos há muito apresentados como referência pela esquerda moderada também enfrentam cortejos de indignados. Na Grécia, George Papandreou, presidente da Internacional Socialista, está colocando em prática uma política de austeridade draconiana que combina privatizações maciças, supressão de emprego no serviço público e entrega da soberania econômica e social de seu país a uma “troika” liberal.1Os governos da Espanha, de Portugal e da Eslovênia também ajudam a lembrar que o termo “esquerda” está tão gasto que não remete mais a nenhum conteúdo político específico.
Um dos melhores críticos do impasse da social-democracia europeia é Benoît Hamon, atual porta-voz do Partido Socialista (PS) francês. Em seu último livro, Tourner la page [Virar a página], ele destaca: “Dentro da União Europeia, o Partido Socialista Europeu (PSE) está historicamente vinculado, devido ao compromisso que o liga à democracia cristã, à estratégia de liberalização do mercado interno e suas consequências em termos de direitos sociais e serviços públicos. São socialistas os governos que negociaram os planos de austeridade desejados pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional. Na Espanha, em Portugal e na Grécia, os protestos contra os planos de austeridade dirigem-se evidentemente ao FMI e à Comissão Europeia, mas também aos governos socialistas nacionais. [...]Parte da esquerda europeia não contesta mais a concepção de que seria necessário, a exemplo da direita europeia, sacrificar o Estado de bem-estar social para restaurar o equilíbrio orçamentário e bajular os mercados. [...]Em diversos lugares do globo, nós teríamos sido um obstáculo para o avanço do progresso. Eu não aceito isso”.2
Outros, em compensação, consideram a transformação irreversível, pois ela teria raízes no aburguesamento dos socialistas europeus. Ainda que bastante moderado, o Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro acredita que a esquerda latino-americana deve pegar o bastão da esquerda do Velho Mundo, capitalista demais, norte-americanizada demais, portanto cada vez menos legítima na afirmação da defesa dos interesses populares. Em setembro, um documento preparatório para o congresso do PT indicava: “Hoje existe um deslocamento geográfico da direção ideológica da esquerda no mundo. Nesse contexto, a América do Sul se destaca. [...] A esquerda dos países europeus, que tanto influenciou a esquerda do mundo inteiro desde o século XIX, não conseguiu fornecer respostas adequadas à crise e parece entregar-se à dominação neoliberal”.3 O declínio da Europa talvez seja o crepúsculo da influência ideológica do continente que viu nascer o sindicalismo, o socialismo e o comunismo – e que parece, mais que outros, resignar-se com sua supressão.
 
Presos na lógica eleitoral

O jogo está perdido? Poderiam os eleitores e militantes de esquerda mais interessados no conteúdo do que nos rótulos ter esperanças, inclusive nos países ocidentais, de combater a direita junto com camaradas conquistados pelo liberalismo, mas ainda eleitoralmente hegemônicos? A dança realmente virou ritual: a esquerda reformista distingue-se dos conservadores pelo tempo de uma campanha, por uma ilusão de óptica. Depois, quando chega o momento, ela se põe a governar do mesmo modo que seus adversários, evita perturbar a ordem econômica, protege a prataria do castelo.
A transformação social cuja necessidade – e até urgência – é proclamada pela maioria dos candidatos de esquerda no exercício das responsabilidades governamentais requer que estes a vejam como algo além de retórica eleitoral. Mas também demanda que eles cheguem ao poder. E é nesse ponto que a esquerda moderada pretende dar lições aos “radicais” e outros “indignados”. Ela não está esperando pela “grande noite” (ver debate entre Samuel Gompers e Morris Hillquit na pág. 26), muito menos sonha em refugiar-se numa contrassociedade isolada das impurezas do mundo e povoada por seres excepcionais. Nas palavras de François Hollande, ela não quer “impedir, em vez de fazer. Frear, em vez de agir. Resistir, em vez de conquistar”. E acredita que “não derrotar a direita é conservá-la, portanto, optar por ela”.4Já a esquerda radical preferiria, segundo ele, “aproveitar a primeira fúria que passar” a fazer “a opção pelo realismo”.5
A esquerda de governo – e este é seu trunfo – dispõe “aqui e agora” de forças eleitorais e quadros impacientes, que lhe permitiriam garantir prontamente a sucessão. Mas “derrotar a direita” não tem status de programa ou perspectiva. Uma vez vencida a eleição, as estruturas já arraigadas – nacionais, europeias, internacionais – podem barrar a vontade de mudança expressa na campanha. Nos Estados Unidos, Obama pôde alegar que os lobbies da indústria e a obstrução parlamentar dos republicanos minaram um voluntarismo e um otimismo (“Yes, we can”) aprovados por ampla maioria popular.
Em outros países, governantes de esquerda dão como desculpa, para justificar sua prudência ou covardia, certas “limitações” ou “heranças” (falta de competitividade internacional do setor produtivo, nível de endividamento etc.) que teriam diminuído sua margem de manobra. Em 1992, Lionel Jospin já fazia essa análise: “Nossa vida pública é dominada por uma estranha dicotomia. Por um lado, o poder [socialista]é acusado pelo desemprego, pela precariedade dos bairros periféricos, pelas frustrações sociais, pelo extremismo de direita, pela desesperança da esquerda. Por outro, é instado a lançar mão de uma política financeira que torna muito difícil tratar dos problemas denunciados”.6Vinte anos depois, a formulação dessa contradição continua novinha em folha.
Os socialistas se lembram disso a cada vez que explanam seus argumentos em favor do “voto útil”: uma derrota eleitoral da esquerda engendra a aplicação, pela direita, de um arsenal de “reformas” liberais – privatizações, redução dos direitos sindicais, amputação das receitas públicas – que destroem as possíveis ferramentas de qualquer outra política. Essa derrota também pode ter virtudes pedagógicas. Hamon, por exemplo, admite que na Alemanha “o resultado das eleições legislativas [de setembro 2009], que rendeu ao SPD [Partido Social-Democrata] sua pior pontuação [23% dos votos]em um século, convenceu a direção do partido das necessárias mudanças de orientação”.7
Uma “recuperação doutrinal” de amplitude bastante modesta deu-se também na França, após a derrota legislativa dos socialistas em 1993; no Reino Unido, após a vitória do Partido Conservador em 2010. E sem dúvida constataremos em breve um cenário idêntico na Espanha e na Grécia, já que parece improvável que os atuais governantes socialistas desses países atribuam sua próxima derrota a uma política exageradamente revolucionária... Em defesa de Papandreou, a deputada socialista grega Elena Panaritis chegou a utilizar uma referência inesperada: “Margaret Thatcher precisou de onze anos para levar a cabo suas reformas, em um país que tinha problemas estruturais muito menores. Nosso programa foi criado há apenas catorze meses!”.8Em suma, “Papandreou, melhor que Thatcher!”.
 
Rupturas necessárias

Para sair dessa armadilha, é preciso enumerar as condições necessárias para enquadrar a globalização financeira. Mas imediatamente surge um problema: dada a abundância e a sofisticação dos dispositivos que há trinta anos submetem o desenvolvimento econômico dos Estados à especulação capitalista, mesmo uma política relativamente benevolente de reformas (menor injustiça fiscal, progressão moderada do poder de compra dos salários, manutenção do orçamento da educação etc.) exige agora um número significativo de rupturas. Ruptura com a atual ordem europeia e com as políticas passadas dos socialistas.
Por falta, por exemplo, de um questionamento da “independência” do Banco Central Europeu (com a garantia, pelos tratados europeus, de que sua política monetária escaparia a qualquer controle democrático); por falta de uma flexibilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento (que em tempos de crise sufoca qualquer estratégia de luta contra o desemprego); por falta de denunciar a aliança entre liberais e social-democratas no Parlamento Europeu (levando estes últimos a apoiar a candidatura de Mario Dragui, ex-banqueiro da Goldman Sachs, para a direção do BCE); sem falar do livre-comércio (doutrina da Comissão Europeia), da auditoria da dívida pública (de modo a não reembolsar os especuladores que apostaram contra os países mais fracos da zona do euro) –9por falta de tudo isso, o jogo já começaria errado.
E até perdido. Nada leva a crer que Hollande, na França, Sigmar Gabriel, na Alemanha, ou Edward Miliband, no Reino Unido, teriam êxito no que Obama, José Luis Zapatero e Papandreou falharam. Imaginar que “uma aliança que faça da união política da Europa o coração de seu projeto” seja capaz, como espera Massimo d’Alema, na Itália, de “garantir o renascimento do progressismo”10 é (na melhor das hipóteses) sonhar acordado. No estado atual das forças políticas e sociais, uma Europa federal só poderia apertar ainda mais os dispositivos liberais já sufocantes e privar ainda mais o povo de sua soberania, confiando o poder a instâncias tecnocráticas opacas. A moeda e o comércio já não são áreas “federalizadas”?
Entretanto, na medida em que os partidos de esquerda moderados continuam a representar a maioria do eleitorado progressista – seja por adesão a seu projeto ou pelo sentimento de que eles constituem a única perspectiva de alternância próxima –, as formações políticas mais radicais (ou os ambientalistas) encontram-se condenadas ao papel de figurantes, forças de apoio, papagaios de pirata. Mesmo com 15% dos votos, 44 deputados, quatro ministros e uma organização com dezenas de milhares de militantes, entre 1981 e 1984 o Partido Comunista Francês (PCF) nunca pesou na definição das políticas econômicas e financeiras de François Mitterrand. O naufrágio do Partido da Refundação Comunista (PRC), na Itália, prisioneiro da aliança com os partidos de centro-esquerda, não é um exemplo mais animador. Na época, a questão era impedir a qualquer custo que Silvio Berlusconi retornasse ao poder – o que ele acabaria fazendo, embora mais tarde.
A Frente de Esquerda (da qual o PCF faz parte) tem a esperança de contrariar esses presságios. Pressionando o PS, ela espera que ele escape de “seus atavismos”. A priori, a aposta parecia um feitiço. No entanto, se ele integra outros dados além da relação de forças eleitoral e das limitações institucionais, ele pode prevalecer-se de precedentes históricos. Assim, nenhuma das grandes conquistas sociais da Frente Popular (férias pagas, semana de 40 horas etc.) constava do programa (muito moderado) da coligação vitoriosa em abril-maio de 1936 – foi o movimento grevista de junho que as impôs ao patronato francês e à direita.
A história desse período não se resume, no entanto, à pressão irresistível de um movimento social sobre partidos de esquerda tímidos ou assustados. Foi a vitória eleitoral da Frente Popular que liberou um movimento de revolta social, dando aos trabalhadores o sentimento de que eles não enfrentariam, como antes, o muro da repressão policial e patronal. Entusiasmados, eles também sabiam que nada seria dado pelos partidos nos quais acabavam de votar sem que eles forçassem um pouco a barra. Daí a dialética vitoriosa – mas muito rara – entre eleição e mobilização, urnas e fábricas. No atual estado de coisas, um governo de esquerda que não enfrentasse uma pressão desse tipo imediatamente se veria a portas fechadas com uma tecnocracia que perdeu o hábito de fazer qualquer outra coisa além de liberalismo. Sua única obsessão seria seduzir agências de classificação de risco, as quais – não é nenhum segredo – “rebaixam” qualquer país que empreenda uma verdadeira política de esquerda.
Então, ousadia ou estagnação? Os riscos da ousadia – isolamento, inflação, rebaixamento – são martelados em nossos ouvidos o dia inteiro. Sim, mas e os da estagnação? Analisando a situação da Europa dos anos 1930, o historiador Karl Polanyi recorda que “o impasse em que se encontrava o capitalismo liberal” tinha então desembocado, em vários países, em “uma reforma da economia de mercado realizada à custa da extirpação de todas as instituições democráticas”.11 Um socialista moderado como Michel Rocard alarma-se: o endurecimento das condições impostas aos gregos poderia provocar a suspensão da democracia no país. Assim, ele escreveu no mês passado: “No estado de cólera em que esse povo estará, pode-se duvidar que algum governo grego possa sustentar-se sem o apoio do Exército. Essa triste reflexão provavelmente vale para Portugal e/ou Irlanda e/ou outros, maiores. Até onde isso vai chegar?”.12
Embora atravessada por toda uma parafernália institucional e midiática, a república do centro balança. Há uma disputa entre o endurecimento do autoritarismo liberal e uma ruptura com o capitalismo. Esta ainda parece distante. Mas quando o povo deixa de acreditar em um jogo político de dados viciados, quando observa que os governos foram despojados de sua soberania, quando persiste em exigir a submissão dos bancos, quando se mobiliza sem saber aonde levará sua cólera, isso significa que a esquerda ainda está viva.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

Ilustração: Daniel Kondo


1 Composto pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
2 Benoît Hamon, Tourner la page, Flammarion, Paris, 2011, p.14-9.
3 AFP, 4 de setembro de 2011.
4 François Hollande, Devoirs de vérité [Deveres de verdade], Stock, Paris, 2006, p.91 e 206.
5 Ibidem, p.43 e 51.
6 Lionel Jospin, “Reconstruire la gauche” [Reconstruir a esquerda], Le Monde, 11 de abril de 1992.
7 Benoît Hamon, op. cit., p.180.
8 Citado por Alain Salles, “L’odyssée de Papandréou” [A odisseia de Papandreou], Le Monde, 16 de setembro de 2011.
9 “Não é possível que a esquerda apresente-se aos franceses nas eleições e peça que eles paguem essa conta”, avalia, por exemplo, Hamon.
10 Massimo d’Alema, “Le succès de la gauche au Danemark annonce un renouveau européen” [O sucesso da esquerda na Dinamarca anuncia uma renovação europeia], Le Monde, 21 de setembro de 2011.
11 Karl Polanyi, La grande transformation [A grande transformação], p.305-7.
12 Michel Rocard, “Un système bancaire à repenser” [Um sistema bancário a ser repensado], Le Monde, 4 de outubro de 2011.

Heavy Metal do Senhor



Heavy Metal do Senhor
Zeca Baleiro

O cara mais underground
Que eu conheço é o diabo
Que no inferno toca cover
Das canções celestiais
Com sua banda formada
Só por anjos decaídos
A platéia pega fogo
Quando rolam os festivais...

Enquanto isso Deus brinca
De gangorra no playground
Do céu com santos
Que já foram homens de pecado
De repente os santos falam
"Toca Deus um som maneiro"
E Deus fala
"Agüenta vou rolar
Um som pesado"

A banda cover do diabo
Acho que já tá por fora
O mercado tá de olho
É no som que Deus criou
Com trombetas distorcidas
E harpas envenenadas
Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor...

O cara mais underground
Que eu conheço é o diabo
Que no inferno toca cover
Das canções celestiais
Com sua banda formada
Só por anjos decaídos
A platéia pega fogo
Quando rolam os festivais...

Enquanto isso Deus brinca
De gangorra no playground
Do céu com santos
Que já foram homens de pecado
De repente os santos falam
"Toca Deus um som maneiro"
E Deus fala
"Agüenta vou rolar
Um som pesado"


A banda cover do diabo
Acho que já tá por fora
O mercado tá de olho
É no som que Deus criou
Com trombetas distorcidas
E harpas envenenadas


Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor
Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor
Mundo inteiro vai pirar
Com o heavy metal do Senhor
Heavy metal do Senhor
Do Senhor! Do Senhor!

Homenagem aos Umbandistas...

Aparecida : Os Deuses Afros


Créditos: discosbrasil2
 
01- Os Deuses Afros
02- Aruê
03- Diongo, Mundiongo
04- Tereza Aragão
05- Talundê
06- Se Segura Zé
07- A Maria Começa a Beber
08- Terreiro da Mãe Nazinha
09- Nanã Boroquê
10- Melodia Não Deixa Parada de Lucas
11- Inferno Verde
12- Grongoiô, Popoiô
13- Lágrimas de Oxum

Lançamento: 1978, Selo: CID.


Desigualdade: Só 5 cidades detêm 1/4 da renda do Brasil

271211_paulistaLimiar & Transformação - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 2005-2009 em que apurou que a renda gerada por apenas cinco municípios brasileiros corresponderam a 25% da renda gerada no país em 2009.

Essas cinco cidades são liderados por São Paulo, com 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, seguido por Rio de Janeiro (5,4%), Brasília (4,1%), Curitiba e Belo Horizonte (ambos com 1,4%).
Os cinco municípios com maior renda mantiveram a posição em relação a 2008, e embora detenham 1/4 da geração de renda do país, apenas possuem 12% da população brasileira. Somente a renda de São Paulo equivale a quase o PIB gerado por todo o Nordeste em 2009 (13,5%). Por sua vez, de acordo com a pesquisa, em 2009, 1.302 municípios, que concentravam 3,3% da população, geraram apenas 1% do PIB nacional, com maior predominância nas regiões Nordeste e Norte. Isto mostra que, apesar de vários avanços, o Brasil segue com um padrão de desenvolvimento desigual e concentrador de riqueza. Obviamente, que sem políticas regionais, ou mesmo um outro padrão de desenvolvimento, apesar da "papagaida" neoliberal em contrário, a riqueza continuará concentrada no Sudeste, e algumas de suas cidades.

Cinco municípios brasileiros geraram 25% da renda do país em 2009

Rio de Janeiro - A renda gerada por apenas cinco municípios brasileiros correspondeu a 25% da renda gerada no país em 2009. Eles são liderados por São Paulo, com 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, seguido pelo Rio de Janeiro (5,4%), por Brasília (4,1%), Curitiba e Belo Horizonte, ambos com 1,4% cada. Esses cinco municípios com maior renda mantiveram a posição em relação a 2008.
Somente a renda de São Paulo equivale a quase o PIB gerado por toda a Região Nordeste em 2009 (13,5%), revela a pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 2005-2009, divulgada hoje (14) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Excluindo as capitais, 12 cidades brasileiras destacaram-se em 2009 porque geraram, individualmente, mais do que 0,5% do PIB do país. Entre elas estão Guarulhos, Campinas e Osasco, em São Paulo, todas com geração de renda equivalente a 1% do PIB geral.
"Guarulhos tem uma indústria diversificada, que gera muita renda", disse à Agência Brasil a gerente da pesquisa, a estatística Sheila Zani. O município tem ainda uma parte de serviços significativa, um forte comércio atacadista e varejista, o que ocorre também em relação à área de transportes. "É uma integração muito grande entre indústria e serviços", destacou.
Seguem-se São Bernardo do Campo (0,9%) e Barueri (0,8%), também em São Paulo, Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro, com 0,8%, e Betim, em Minas Gerais, com o mesmo percentual.
Isso mostra a grande concentração existente na geração de renda no país, acentuou Sheila Zani. "Poucos municípios geram muita coisa". De acordo com a pesquisa do IBGE, em 2009, 1.302 municípios, que concentravam 3,3% da população, geraram apenas 1% do PIB nacional, com maior predominância nas regiões Nordeste e Norte.
Sheila revelou que 13% desses municípios estão no Piauí, que tem um total de 224 municípios. Isso quer dizer que 75% dos municípios do estado estão nessa faixa de renda. O mesmo ocorreu com 59% dos municípios da Paraíba e com 51% dos municípios do Rio Grande do Norte, citou a gerente.
Entre os municípios com maior participação no PIB geral, observa-se ganho na participação relativa, em comparação a 2008, em São Paulo (de 11,8% para 12%), no Rio de Janeiro (de 5,2% para 5,4%), em Brasília (de 3,9% para 4,1%) e Duque de Caxias (de 0,6% para 0,8%).
A atividade de serviços, que gerava mais de 79% do valor adicionado bruto municipal em 2009, respondeu pelo ganho de participação da capital paulista entre 2008 e 2009, mostra a pesquisa. Já o aumento de participação da capital fluminense é explicado pelo bom desempenho da indústria de transformação. Em Duque de Caxias, o ganho de participação se deve à queda do preço do barril de petróleo, que resultou na diminuição dos custos de produção de refino de petróleo e coque.
Em contrapartida, registraram queda na participação relativa os municípios de Vitória (ES), que caiu de 0,8%, em 2008, para 0,6%, em 2009, e Campos dos Goytacazes (RJ), que passou de 1% para 0,6%. Segundo o estudo do IBGE, a crise internacional de 2009 causou impacto direto sobre a economia desses dois municípios, em função, respectivamente, dos baixos preços do minério de ferro e da queda no preço do barril de petróleo.
Considerando os municípios por tamanho da população, constata-se que os com mais de 500 mil habitantes geraram 43% de toda a renda naquele ano. "Mas são poucos. São apenas 40". A faixa que mais ganhou participação relativa em 2009 foi a dos municípios na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes. Em geral, não são capitais. Itajaí (SC) e Anápolis (GO) são alguns exemplos, citou Sheila Zani.
Edição: Graça Adjuto

Só 5 cidades detêm 1/4 da renda do país

A renda gerada por apenas cinco municípios brasileiros correspondeu a 25% da riqueza produzida em todo o país em 2009. Eles são liderados por São Paulo, com 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, seguido por Rio de Janeiro (5,4%), Brasília (4,1%), Curitiba e Belo Horizonte (ambos com 1,4%). Os cinco municípios com maior renda mantiveram a posição em relação a 2008.
Somente a renda de São Paulo equivale a quase o PIB gerado por todo o Nordeste em 2009 (13,5%), de acordo com a pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 2005-2009, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Excluindo as capitais, 12 cidades brasileiras destacaram-se em 2009 por gerarem, individualmente, mais de 0,5% do PIB do país. Entre elas, estão Guarulhos, Campinas e Osasco (as três de São Paulo), todas com geração de renda equivalente a 1% do PIB geral.
"Guarulhos tem uma indústria diversificada, que gera muita renda", disse à Agência Brasil a gerente da pesquisa, a estatística Sheila Zani.
O município tem ainda uma parte de serviços significativa, um forte comércio atacadista e varejista, o que ocorre também em relação à área de transportes. "É uma integração muito grande entre indústria e serviços", acrescentou a pesquisadora.
Seguem-se São Bernardo do Campo (0,9%) e Barueri (0,8%) - ambas também de São Paulo - Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro (0,8%), e Betim, em Minas Gerais, com o mesmo percentual.
Isso mostra a grande concentração da geração de renda no país, acentuou Sheila. "Poucos municípios geram muita coisa."
De acordo com a pesquisa, em 2009, 1.302 municípios, que concentravam 3,3% da população, geraram apenas 1% do PIB nacional, com maior predominância nas regiões Nordeste e Norte. Segundo Sheila, 13% desses municípios são do Piauí, representando 75% das 224 cidades do estado.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

“Governo federal avançou pouco na garantia de direitos”, critica Jean Wyllys



"É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental" | Foto: Reinaldo Ferrigno/Ag.Câmara

Samir Oliveira no SUL21

O deputado federal Jean Wyllys de Matos Santos (PSOL-RJ) é um dos rostos novos — e bastante atuantes — da 54ª legislatura do Congresso Nacional. Ele trouxe de forma inédita o enfrentamento aberto e sem preconceitos de temas que costumam estacionar no conservadorismo de muitos parlamentares, como a garantia de direitos a homossexuais. Avanços que talvez pareçam simples e dos quais os heterossexuais sempre desfrutaram, como o direito ao casamento civil, mas para os quais os homossexuais ainda não encontram amparo na letra fria da lei.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Sul21, Jean faz uma avaliação das conquistas e dos retrocessos vividos em 2011. O parlamentar não poupa críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff, que no início do ano resolveu suspender o programa Escola Sem Homofobia. “A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção”, dispara.
O deputado considera que o governo federal avançou muito pouco na garantia de direitos humanos – não só a homossexuais, mas também aos negros, aos sem-terra e aos quilombolas, entre outros. Jean acredita que é preciso haver uma compreensão maior sobre o conceito de miséria, cuja erradicação é o principal eixo defendido por Dilma. “É preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só econômica. Há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia”, explica.
“Há inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais”
Sul21 – Como o senhor avalia as ações desenvolvidas durante o primeiro ano do seu mandato?
 
Jean Wyllys – Foi um ano de conquistas. Posso até não ter tido proposições legislativas aprovadas, mas houve o enfrentamento para a garantia de políticas públicas. Tivemos a reestruturação da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Graças a ela pudemos fazer enfrentamentos públicos importantes. Enfrentamos, por exemplo, a bancada evangélica, que tentou impedir a Receita Federal de incluir parceiros homossexuais no Imposto de Renda para fins de dedução. Graças a nossa atuação isso foi garantido. Fizemos um enfrentamento importante em relação aos atos que resultaram na suspensão do projeto Escola Sem Homofobia. Desconstruímos a mentira que foi disseminada e fizemos oposição ao governo federal, que cedeu fácil às pressões e às chantagens dos conservadores. Realizamos o 8º Seminário LGBT com o tema do casamento civil igualitário. Realizamos também o seminário internacional Famílias pela Igualdade, que discutiu os novos modelos de família que precisam ter a proteção do Estado. É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental. É fundamental que o conceito de família seja dilatado e esse seminário foi importante, porque trouxemos representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da Argentina para falarem sobre como foi positivo para o país a aprovação do casamento civil igualitário. Também fizemos um debate muito bom em torno da criminalização da homofobia. Não conseguimos aprovar o projeto de lei no Senado, mas fizemos um debate relevante e enfrentamos as forças conservadoras que queriam enterrar de vez esse projeto. Então a Frente Parlamentar Mista LGBT teve um papel muito relevante, inclusive quando a senadora Marta Suplicy (PT) resolveu ceder aos conservadores e apresentar um substitutivo que não era o esperado pela comunidade LGBT.
"O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África não foi implementada nas escolas" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Ocorreu recentemente a 2ª Conferência Nacional LGBT. Qual a importância do evento para a garantia de avanços nas causas reivindicadas?
 
Jean – A presidente Dilma (Rousseff) não esteve presente, mas foram três de seus ministros, a Luiza Bairros (Igualdade Racial), a Maria do Rosário (Direitos Humanos) e o Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral). A conferência mostrou que o movimento LGBT continua vivo e de pé. Não se pode pensar que apenas a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) representa o movimento. Essa entidade está por demais adestrada pelo governo federal. Os líderes viraram gestores públicos, portanto não há espaço para a crítica. Mas um novo movimento relacionado às redes sociais se fez presente na conferência e levantou a voz contra a inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais.

Sul21 – Que outras deficiências o senhor aponta na política de direitos humanos do governo federal?
 
Jean – O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África e dos valores culturais africanos para a identidade nacional não foi implementada nas escolas. Não houve capacitação dos professores para isso e os alunos negros e adeptos de religiões de matriz africana continuam descriminados nas escolas. As escolas públicas estão cada vez mais cristãs, professando uma fé cristã em detrimento de outras fés. O governo também é negligente com os sem-terra. Avançou-se pouco no que diz respeito à reforma agrária e à regulamentação de assentamentos. O governo falhou na demarcação de terras indígenas. A situação do povo patachós no sul da Bahia se estende por quase 20 anos e ainda não foi enfrentada. A demarcação das terras dos quilombolas também não. E o governo cedeu bastante ao agronegócio, através do novo código florestal.
Ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras
Sul21 – Mas a presidente Dilma havia garantido que um dos pontos principais do seu governo seria a garantia dos direitos humanos, fator inclusive preponderante na política externa.
 
Jean – O governo federal avançou muito pouco no que diz respeito aos direitos humanos, ainda que a presidenta, em sua mensagem ao Congresso, tenha dito que se pautaria pela defesa intransigente dos direitos humanos. O governo adotou como slogan “País Rico é País sem Miséria”. Mas é preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só a econômica. A miséria econômica precisa ser enfrentada e todos concordamos com isso. Inclusive porque a miséria econômica vulnerabiliza minorias. Um gay pobre de periferia é muito mais vulnerável que um gay de classe média. Mas também há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia sem que o Ministério Público e a Justiça Federal enfrentem essa violência. É preciso que o governo entenda a miséria num sentido muito mais amplo e ele mostrou que está interessado apenas no aspecto econômico dela.
Jean Wyllys: "Não me sinto isolado e tenho aliados muito fortes" | Foto: Leonardo Prado/Ag.Câmara

Sul21 – Não houve avanços com a chegada do PT ao poder, depois de o Brasil ter passado por governos de direita, com Sarney, Collor e FHC?
 
Jean – O PT está numa encruzilhada. Um amigo meu até disse mais: o PT é a encruzilhada. O governo federal, que é petista, tem compromisso com as bandeiras históricas do partido, que são todas da esquerda: garantia dos direitos humanos, legalização do aborto, descriminalização da maconha, demarcação de terras… Porém, o partido não ficaria nove anos no poder se não tivesse constituído uma base aliada que lhe garantisse a estabilidade. Só que essa base aliada é composta em sua maioria por forças conservadoras. Essa é a encruzilhada: manter o compromisso com as bandeiras históricas e ao mesmo tempo satisfazer a base aliada para garantir a governabilidade e a permanência no poder. O partido tenta resolver isso com duas ações. Uma meramente discursiva, dirigida aos movimentos sociais. É muito blá blá blá, muita conferência, muito plano aprovado, e pouco recurso garantido. Não adianta aprovar um PNDH-3 se não há no orçamento da União recursos para a implementação de políticas de garantia dos direitos humanos, e em especial de direitos de LGBTs. E ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras. Assim, temos o PT nove anos no poder, com poucos avanços efetivos.

Sul21 – A retirada, por decisão da presidente Dilma, do programa Escola Sem Homofobia é um exemplo dessa concessão aos conservadores?
 
Jean – O governo cedeu às forças conservadoras cristãs quando enterrou o projeto Escola Sem Homofobia, cedendo a uma mentira. Esse projeto levantou um debate que tornou isso evidente. Ainda que um certo setor das lideranças LGBTs esteja adestrado pelo governo, um outro setor se levantou, articulado com o movimento dos indignados e das ocupações, que se expressa nas redes sociais. Essa nova juventude foi para as redes sociais e denunciou essa covardia do governo. A presidenta fez uma suspensão absolutamente equivocada. Não bastou suspender, ela ainda disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais. Foi um golpe em mim, como ativista, como parlamentar, e um golpe nas lideranças do movimento LGBT no Brasil inteiro. Inclusive nas lideranças petistas do movimento. Era um projeto de enfrentamento ao bullying homofóbico, que é responsável pela evasão escolar, pelo suicídio e pela depressão infanto-juvenil. A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção. A religião é uma opção. Orientação sexual não é opção.
“Dilma Rousseff disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais”
Sul21 – O Congresso Nacional possui, em sua maioria, integrantes bastante conservadores. O senhor se sente isolado na defesa da garantia de direitos aos homossexuais?
 
Jean – Não me sinto isolado. Existe uma correlação de forças. Os conservadores podem ter maior número e mais força econômica, mas há também deputados progressistas. Lembro de um discurso da Benedita da Silva, que foi a primeira mulher negra a entrar no Congresso, que disse: “Se não fossem os homens brancos do Congresso, aliados à minha causa, eu não teria avançado”. Digo o mesmo: se não fossem os parlamentares heterossexuais aliados aos LGBTs eu não teria avançado tanto. Tenho aliados muito fortes. A frente parlamentar é composta por deputados bastante ativistas, de diferentes partidos.

Sul21 – Mas são deputados da base aliada do governo federal. Será que o apoio deles não vai só até o ponto em que os interesses do Palácio do Planalto sejam afetados?
 
Jean – A frente parlamentar tem sido muito republicana na sua postura. A Érika Kokay (PT), inclusive, fez uma crítica à presidente Dilma na conferência. Isso me deu aval para avançar.

Sul21 – E como é sua relação com a bancada evangélica? Há diálogo possível?
 
Jean – A bancada evangélica não constitui um bloco monolítico. Há divergências internas e graças a isso há alguns setores mais abertos ao diálogo. Por isso conseguimos aprovar o estatuto da juventude, incluindo nele a diversidade sexual e religiosa. Foi um avanço que só conseguimos graças ao diálogo com esses setores mais abertos da bancada evangélica. Mas os mais conservadores são mais histriônicos e estridentes. Eles não entendem a ideia de estender a cidadania aos homossexuais porque querem negar a existência dos homossexuais. É um entendimento simplório de alguém que ignora todas as conquistas humanas em termos de conhecimentos nos últimos anos. Essas pessoas acham que os homossexuais têm que ser curados, acham que temos um desvio moral e de saúde. Daí vem toda oposição a políticas públicas e iniciativas legislativas que tentam estender a cidadania aos homossexuais.

Sul21 – Uma figura que chama bastante atenção nesse tipo de pensamento é o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)…
 
Jean – O Bolsonaro é uma caricatura. Ele faz da caricatura a sua atuação. E ao fazer da crítica ao movimento LGBT a sua bandeira ele tenta rebaixar a própria política LGBT, com uma postura histriônica, midiática.
“Quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, na novela Insensato Coração”
"A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças" | Foto: Saulo Cruz/Ag.Câmara

Sul21 – Com a dificuldade de o Congresso aprovar leis que garantam direitos a homossexuais, o Judiciário tem preenchido essa lacuna, tomando decisões que asseguram garantias em casos específicos.
 
Jean – Fico muito feliz em viver numa república federativa sustentada na tripartição e na autonomia dos poderes. Se o Executivo tem uma base aliada conservadora e faz pouco, e o Legislativo não avança porque numericamente os conservadores são maioria, resta ao Judiciário, que não está sob pressão eleitoral, garantir os direitos. Mas não podemos nos contentar com isso. Sabemos que amplos setores da sociedade brasileira são excluídos do acesso à Justiça. Não podemos achar que uma decisão do Judiciário basta, é preciso garantir leis. Queremos os mesmos direitos com os mesmos nomes, é isso que precisa ser garantido.

Sul21 – Como o senhor avalia o papel da mídia na formação de imaginários sobre gays? Há avanços ou ainda se reproduz muito os estereótipos?
 
Jean – Quando a Globo colocou a questão da homofobia na novela Insensato Coração, as pessoas ficavam envergonhadas vendo o personagem do Cássio Gabus Mendes. Isso sensibilizou muita gente que negava sua própria homofobia. O Brasil é um país curioso: nega que é racista e homofóbico, mas pratica essas duas coisas. Acredito que estão havendo avanços. Entre a suspensão do projeto Escola Sem Homofobia e a votação do PL 122/06 (que criminaliza a homofobia), quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, através da novela Insensato Coração. E o movimento LGBT utilizou as falas da novela e as situações que ela expôs. A telenovela tem um papel preponderante na formação do imaginário nacional. E a Globo prestou um serviço relevante nesse caso. Mesmo o Crôdoaldo, personagem da novela do Agnaldo Silva, traz um ponto de vista interessante. Muita gente acha que ele é caricato. Mas enxergo mais além: acho que é uma provocação do Agnaldo Silva. Por que as pessoas têm que aceitar só o gay-sala-de-estar, o gay que está de acordo com os valores estéticos burgueses heterossexuais? O gay que não se parece com gay é o que é aceito. O Crôdoaldo é afeminado, gosta da Madonna, ele quer ser aceito na sua diferença. É isso que defendemos. Nada mais diferente de um gay do que outro gay, né? A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças.

Sul21 – Inclusive um ponto que é pouco conhecido é o preconceito que existe dentro do próprio movimento LGBT em relação a travestis e transexuais, por exemplo.
 
Jean – Os gays foram educados nas mesmas escolas que os héteros, consumiram a mesma publicidade, assistiram as mesmas novelas, leram os mesmos livros… Se essa cultura heteronormativa faz de um heterossexual um homofóbico, também pode fazer de um gay um homofóbico. Se desvencilhar dessa homofobia introjetada é se desconstruir, sair da vergonha para o orgulho. É o famoso sair do armário. Então isso tudo faz com que alguns gays ainda conservem preconceitos e achem, por exemplo, que a travesti é uma caricatura. Eu tive a mesma educação machista que você. Se hoje sou feminista e não tenho misoginia é porque desconstruí isso em mim. Mas tem homens que passam a vida misóginos, achando que mulher é só para transar e não dão valor à mulher para além da cama.
“As paradas gays precisam ser repensadas. Têm que abrir mão da massa para serem mais políticas”
Sul21 – Como o senhor avalia a importância das paradas gays atualmente? Elas estão conseguindo impor uma agenda ao movimento e à sociedade ou ficam muito centradas na celebração?
 
Jean – As paradas precisam ser repensadas pelos seus organizadores. Elas viraram eventos de massa e têm um papel relevante que é dar visibilidade aos modos de vida gays. São uma celebração do orgulho de ser gay, então elas têm mesmo que ser uma festa, não vejo problema nenhum nisso. Mas acho que elas precisam ser repensadas, porque já atravessamos o período da visibilidade. Agora as paradas têm que abrir mão da massa para serem mais políticas. Elas precisam deixar no imaginário das pessoas qual a pauta que está sendo discutida. Precisam dizer: “Estamos aqui celebrando o orgulho de ser, contra a vergonha e contra a discriminação, mas nossa pauta política é tal”.
"Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Como está a situação da proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo?
 
Jean – Já conseguimos 99 assinaturas, das 171 necessárias. Ano que vem com certeza iremos conseguir todas. Mas já há uma campanha em curso no site casamentociviligualitario.com.br. O mandato deu o pontapé inicial, mas a campanha já é da sociedade civil.

Sul21 – Apesar de sua militância política ser de longa data, nesse ano o senhor entrou na atuação institucional e partidária. O que está achando desse novo trabalho?
 
Jean – Não dá para fazer tudo o que a gente pensa, porque a democracia tem seu tempo. Às vezes somos impacientes com o tempo da democracia, mas é o preço que temos que pagar. É ao contrário das autocracias e ditaduras, onde as coisas são determinadas. Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional. Não necessariamente eu, mas é preciso que determinados temas sejam tratados com coragem e que seja feita a articulação da política de direitos humanos com a política mais ampla. Não se pode discutir direitos humanos sem discutir a política orçamentária e todas as concessões que o governo federal faz ao sistema financeiro, destinando 45% do orçamento ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que já deveria ter sido auditada há muito tempo. As pessoas me perguntam se eu estou gostando (de ser deputado) como se fosse uma partida de futebol (risos). Sempre respondo que não é uma questão de gostar ou não, é um imperativo. É preciso estar aqui (no Congresso).

Sul21 – E como o senhor projeta seu futuro político? Cogita concorrer a alguma prefeitura ou governo?
 
Jean – Dizia minha mãe que o futuro a Deus pertence. Não vou especular sobre o futuro. No momento, o que eu quero fazer é um excelente mandato. E isso implica em enfrentar forças por demais bem equipadas.