Professores lutam por salários, mas também pela refundação da educação pública |
Escrito por Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania | |
Deflagrada sob grande menosprezo do governo Serra, a greve dos
professores da rede estadual de São Paulo, contra todas as previsões
derrotistas e acusações eleitoreiras, atingirá um mês de duração no
próximo dia 8, quando nova assembléia será realizada no vão livre do
MASP, na Avenida Paulista.
Marcado por violenta repressão das forças oficiais, o movimento grevista
conseguiu uma expressiva adesão na classe docente, escancarando que
algo de muito podre paira sobre a educação pública, a despeito do forte
exercício publicitário de que o número de alunos matriculados cresceu
vertiginosamente nos últimos anos. O que não necessariamente possui
conexão com a qualidade do ensino oferecido, como nos esclarecem as
estatísticas acerca do altíssimo analfabetismo funcional que assola o
país.
"Não me surpreende o comportamento do governo. Quando a categoria se
manifesta de forma mais firme eles vêm com a repressão. Foi assim em
2000 com Mario Covas e agora se repete. No penúltimo ato foi degradante a
atuação do aparelho repressivo do Estado e pior ainda a da imprensa",
disse ao Correio o diretor colegiado da APEOESP (Associação dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Josafá Rehem
Nascimento Vieira.
De fato, a atuação do poder público no ‘diálogo’ com a categoria se
utilizou de expedientes muito questionáveis dentro do que se entende por
Estado democrático, onde o direito à greve é reconhecido pela
Constituição e foi referendado pelo STF. A violência que se verificou
nas manifestações foi a mesma aplicada aos moradores do Paraisópolis,
aos policiais civis em greve e aos paulistanos de diversos cantos
alagados da cidade, quando protestavam contra a inépcia governamental no
combate às chuvas.
O ápice da falta de decoro foi o flagrante de um policial, até hoje não
identificado, infiltrado entre os manifestantes, na já celebre
assembléia do dia 26 de março, em frente ao Palácio dos Bandeirantes.
Após o ato, repercutiu maciçamente a foto da Agência Estado de um
suposto docente socorrendo uma PM ferida. A própria polícia se apressou
em dizer que a boa alma em meio ao caos era um dos seus, o famoso P2,
revelando um expediente digno do período 1968-1977, o pior dos anos de
chumbo.
"Vínhamos lutando desde o ano passado contra os PL’s, que acabaram
virando leis, que retiram muitos direitos, oficializam a contratação
temporária no estado, o que na nossa avaliação depõe contra a qualidade
da educação, e diminui a malha social da educação, já que trabalhadores
com 20 anos de profissão são tratados como temporários. Fora a questão
salarial em si, onde temos uma perda do poder de compra dos
trabalhadores da educação de 34%.", enumera Josafá.
O professor e sindicalista se refere às leis 1041, 1093 e 1097, que
desregulamentaram completamente a relação de trabalho da categoria,
precarizando não só os defasados vencimentos como a própria organização
escolar. "A Lei Complementar nº 1.093 de 16 de julho de 2009, que dispõe
sobre a contratação de temporários, impede que ocorra nova contratação
da mesma pessoa antes de decorridos 200 dias do fim do contrato.
Posso dar aula somente este ano, pois em 2011 ficarei 200 dias letivos
sem lecionar, mesmo passando em provas instituídas pelo Estado", explica
a professora de história Nágila Soares, em texto que circula em portais
educacionais.
Uma necessidade inadiável
Além disso, lutam também contra o PLS 403, em trâmite no Senado e que
segue o mesmo receituário neoliberal no tratamento da educação pública.
"Sublinha-se que, muito além de uma óbvia reivindicação salarial, a luta
urgente e inadiável deverá ser por um novo modelo de Educação Básica",
escreveu neste Correio o também professor Wellington Fontes de Menezes,
que também já produzira uma série de textos destrinchando o desmonte da
educação pública nos anos tucanos.
"Outras pautas históricas também são importantes: 25 alunos por sala,
aumento linear, o fim dessa provinha que só proporciona aumento a um
quinto da rede, ou seja, é excludente e fere a isonomia da
profissão...", prossegue Josafá. "Descobri que somente os docentes que
entram no Estado a partir de agora têm direito a FGTS. Um professor que
tem 10 anos de carreira não tem nada de fundo de garantia", completa
Nágila.
Como se vê, exceto os que vêem educação como mais um nicho de negócios, o
estado em que se encontra nosso ensino público é deplorável. Condições
de trabalho rebaixadíssimas, clima nada ameno nas escolas e total falta
de estrutura para ensinar, motivar os alunos e também se sentir
estimulado com o exercício da profissão.
"Do ponto de vista mais geral, há uma perda gradativa do valor da
profissão docente, que em outros períodos já foi considerada nobre pela
população. Hoje a situação é cada vez mais difícil. Há salas com 35, 40
alunos, o que não é o ideal para um bom atendimento de suas
necessidades. Há outras que tem 50, 60 alunos no ensino médio, o que
torna a profissão bastante insalubre, dificultando a relação com os
estudantes e também sua conduta", explica Josafá.
Provinhas, concursos e propaganda
Como tentativa de provar a todos que se empenha na questão, o governo
ressalta as já famosas, e repudiadas, provinhas e provões, que buscam
uma avaliação dos docentes sob uma suposta égide da meritocriacia. No
entanto, os docentes rechaçam sem hesitação as ditas benesses de tais
métodos, que recompensariam àqueles trabalhadores mais bem preparados.
Ao menos na palavra de Serra e companhia.
"A nota da provinha é o principal critério para a atribuição de aulas,
gerando enormes distorções. Alunos de graduação e bacharéis que não
possuem licenciatura puderam escolher aulas antes de professores que
trabalham na rede há vários anos", conta o deputado estadual do PSOL
Ivan Valente, em recente entrevista à Caros Amigos. "A única finalidade
desses exames é gerar um ranking, que permita selecionar e excluir.
Porém, a lógica da competição e do individualismo não condiz com o
trabalho educacional, eminentemente coletivo", completa o parlamentar.
Além disso, com ajuda da imprensa amiga, o governo alardeia que os
professores não têm motivos para se queixar dos valores que recebem,
pois podem aumentar seus ordenados obtendo resultados positivos nas
citadas avaliações. "Segundo análise de todos os jornais, Folha de S.
Paulo, Estado de S. Paulo, Agora, UOL, Jornal da Tarde, e tantos outros,
baseados nas informações do governo, o professor ganha de R$ 1.831 a R$
3.120. Juro que estou investigando. Assim que achar um professor com
esse salário aviso", conta a professora Nágila.
Como se trata de alguém que vive o dia-a-dia da profissão, com ou sem
publicidade e falsa informação, seu depoimento serve para desmentir
praticamente toda a retórica oficial. "O governo divulga, ainda, que os
professores recebem bônus que variam de 0 a 6 mil reais, uma vez por
ano. Ainda não achei alguém que recebesse os 6 mil reais; e segundo um
anúncio do governo, que passa em horário nobre na televisão, as escolas
possuem bibliotecas novas e salas de informática; procurei por elas nas
duas escolas em que trabalho, mas não existem", arremata, ironizando pra
não chorar.
Quanto às 10 mil vagas abertas em concurso, Josafá também se sente
incapaz de ser otimista. "A vacância no magistério é de quase 100 mil
cargos. Em relação a isso, fazer concurso pra 10 mil vagas é brincar de
resolver o problema. E ainda por cima serão contratações em situação
precária".
Adivinhem o que está por trás
Se a educação pública do estado mais rico de um país que é a nova menina
dos olhos do capitalismo mundial chegou à situação tão vexaminosa, é
preciso buscar razões de fundo que permitiram tal degradação. "O projeto
é o mesmo entre todos eles, de destruição do patrimônio público,
virando as armas agora para a educação pública. Já vimos na UNESP e na
USP a atuação desse governo, portanto, não se restringe só ao ensino
fundamental e médio", destaca Josafá, que também não poupa o atual
secretário estadual da educação, Paulo Renato.
"Em que pese que nenhum secretário dessa conformação que vem desde o
PMDB pode ter atuação considerada avançada, pelo próprio histórico dele e
atuação como parlamentar, além de relação com organizações
internacionais, podemos considerar o pior de todos, pois é o mais
preparado para desenvolver o projeto do capitalismo internacional, que é
transformar a educação em um mero serviço, escancarando suas portas ao
capital privado", critica, na mesma linha do sindicalista docente João
Kleber Santana, entrevistado pelo Correio em 2009, à ocasião de uma das
inúmeras crises do ensino público paulista.
"Podemos dizer que é a gestão mais danosa, pois é a mais comprometida
com aspectos privatistas. Nós que somos mais ligados à educação, sabemos
a trajetória dele, que já foi reitor da Unicamp. Ele veio para defender
os interesses das elites econômicas e privatistas. Nesse sentido é o
pior de todos", fuzila o membro da APEOESP.
O que resta é a luta
Diante do quadro desolador, Josafá não se anima com nenhum governo
eleito este ano. "Talvez haja nuances no projeto do atual presidente da
República, mas do ponto de vista dos interesses do capital, não há
muitas diferenças, no máximo cosméticas. O Brasil tem tanta desigualdade
que algumas dessas mudanças cosméticas podem parecer grandes avanços,
mas uma mudança substantiva não se vê nas correntes majoritárias do
tabuleiro político nacional", analisa.
No entanto, enxerga o lado positivo na luta empreendida pelo
professorado paulista. "Talvez não consigamos impor derrota ao governo,
até pela contaminação do debate promovida por setores da grande
imprensa. Mas temos a compreensão de construir algo importante e temos
de debater pela continuidade. Às vezes não se materializa em ganhos
imediatos, mas cria musculatura para os embates que virão. A resistência
que a APEOESP conseguiu fazer em São Paulo não é pouca coisa".
Leia mais:
Entrevista com o diretor de escola pública João Kleber Santana
O "Processo Imbecilizador" da educação em SP:
Série de textos do professor da rede pública Wellington Fontes de
Menezes
Gabriel Brito é jornalista.
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