sexta-feira, 18 de abril de 2014

Altamiro Borges: Gabriel García Márquez e o jornalismo

Gabriel García Márquez e o jornalismo

Por Luciano Martins Costa, noObservatório da Imprensa:

A morte de Gabriel García Márquez surpreendeu a imprensa de todo o mundo na quinta-feira (17/4), embora boatos tenham anunciado que ele esperava junto de sua família o desfecho da doença que o acometia. Gabo já não tinha vigor para outro combate com o câncer, que em 1999 havia interrompido um de seus projetos mais instigantes.

Na sexta-feira (18), os jornais fazem longos obituários, ressaltando sua obra literária, na qual se destaca Cem Anos de Solidão, o estonteante romance que é tido como a metáfora perfeita dos rincões mais profundos da América Latina. Os comentários repetem à exaustão as referências a ele como fundador do estilo literário que ficou conhecido como “realismo mágico”, expressão que ele não reconhecia como definidora de sua obra. Aquilo que para os outros parecia magia era o modo como ele enxergava a realidade.

Os privilegiados que puderam observá-lo de perto sabem que ele vivia em um estado que excedia os parâmetros comumente aceitos como definidores daquilo que existe. Realidade e imaginação se completavam. No convívio mais próximo, impressionava o modo como saltava rapidamente de um tema complexo para possibilidades radicais, num encadeamento de palavras que mesclavam reflexões profundas com brincadeiras pueris e provocações.

Foi assim com os dez jornalistas que convidou para aquele projeto, em 1997, que ele intitulou “jornalismo ideal”. Era o tempo de consolidação das tecnologias de informação e comunicação que viriam a revolucionar o modo como o ser humano se comunica e se informa, e ele se juntou ao grupo para liderar o desenvolvimento de uma visão de futuro para o jornalismo.

Este observador era um dos participantes.

Durante meses, cada um em sua cidade, e posteriormente em Cartagena de Índias, na Colômbia, e depois em San Miguel de Allende, no México, o grupo se dedicou a imaginar como poderia ser uma imprensa capaz de se aventurar no território ilimitado da internet, abrindo-se para a sociedade e compartilhando com o público o poder de definir o que é relevante entre os fatos de cada dia.

O zumbido da ética
O projeto foi concluído no final de 1998 e deveria ser levado a redações e escolas de jornalismo pelo mundo afora, com uma série de recomendações e propostas que tinham como objetivo provocar uma ruptura no modo como é feita a interpretação e mediação dos acontecimentos pela imprensa. A doença surpreendeu a todos, mas aquelas reflexões permaneceram no currículo da Fundação para o Novo Jornalismo Iberoamericano, idealizado por Gabriel García Márquez e dirigido pelo intelectual Jaime Abello Banfi.

No fundo, o propósito era romper alguns processos tradicionais do trabalho jornalístico, abrindo a possibilidade de compartilhamento das escolhas com o leitor. Cabia ao designer Roger Black elaborar os meios pelos quais haveriam de conviver textos e imagens, de modo que uma nova arquitetura estimulasse a transformação constante do conteúdo pela experiência de cada leitor.

Gabo era o paradigma: sua presença e suas intervenções apontavam para o horizonte sem limites da imaginação. Era um homem fascinante, um manancial de ideias cuja matriz parecia vir de um profundo sentimento de solidariedade, o mesmo que o fez se aproximar dos protagonistas de algumas das utopias do seu tempo.

Costumava dizer que o jornalismo deveria perseguir a realidade, e apostava que sempre haveria leitores interessados em acompanhar uma história, desde que fosse contada com talento. Nesse sentido, ele achava que jornalismo e literatura tinham que se mesclar em algum ponto.

Seu Relato de um Náufrago, primorosa reportagem que resgatou, meses depois de ocorrido, o testemunho do único sobrevivente de um desastre no mar do Caribe, é um modelo dessa possibilidade literária do jornalismo. 

No entanto, para Gabriel García Márquez, antes da técnica vinha a ética. Ele nos ensinou que essa deve ser a razão de ser da atividade jornalística: uma ética profunda, capaz de justificar a intromissão de alguém na vida do outro. Ele dizia isso com uma metáfora simples e clara: “A ética não é uma condição ocasional, mas deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o voo da mosca”.

ODiario.info » Kennedy discutiu o derrube de Goulart dois anos antes do golpe de 1964 no Brasil

Kennedy discutiu o derrube de Goulart dois anos antes do golpe de 1964 no Brasil

Documentos desclassificados que acrescentam novos dados à longa história da ingerência imperialista. Historial que de Truman a Kennedy, de Bush a Obama, acumula os mais hediondos crimes contra os povos de todo o mundo. Neste caso com a particularidade de destacar de novo o papel da sinistra figura de Vernon Walters, com quem a Revolução de Abril teve também que se defrontar.

O presidente John F. Kennedy e seus assessores discutiram o derrubamento do governo de João Goulart uns dois anos antes do golpe militar no Brasil perpetrado no 1º de Abril de 1964, opção que subsequentemente foi implementada pelo governo de Lyndon B. Johnson, segundo revelam transcrições da Casa Branca difundidas pela organização de investigação independente Arquivo de Segurança Nacional.
Em Julho de 1962 Kennedy quis saber que tipo de relações mantinham os Estados Unidos com os militares brasileiros, e em Março de 1963 deu instruções aos seus assessores: “temos que fazer alguma coisa em relação ao Brasil” se Goulart não deixa de se entender com aquilo a que o presidente chamava “anti-estadunidenses ultra-radicais no governo brasileiro”.


“Creio que uma das nossas tarefas mais importantes é fortalecer a coluna vertebral dos militares brasileiros”, respondeu Lincoln Gordon, embaixador estadunidense no Brasil, em reunião com Kennedy e o assessor presidencial Richard Goodwin na Casa Branca em 30 de Julho de 1962. Acrescentou que tinha de se “deixar claro, discretamente, que não somos necessariamente hostis a qualquer tipo de acção militar, seja ela qual for, se for claro que o motivo da acção militar é… que (Goulart) está entregando o país aos” …. “comunistas”, interrompeu Kennedy para acabar a frase, segundo a transcrição das gravações secretas de Kennedy das suas reuniões na Sala Oval.
Foi nessa reunião que Kennedy e a sua equipa decidiram melhorar os seus contactos com os militares brasileiros, tarefa entregue ao então adido militar, tenente-coronel Vernon Walters, resume o Arquivo de Segurança Nacional (National Security Archive). Acrescenta que Walters se tornaria o actor clandestino chave nos preparativos para o golpe de Estado no Brasil, pouco menos de dois anos depois desta reunião.
O Arquivo de Segurança assinala que os documentos oficiais – as novas transcrições juntamente com outros relatórios oficiais da Casa Branca anteriormente desclassificados – mostram que em finais de 1962 o governo de Kennedy tinha concluído que um golpe de Estado serviria os interesses estadunidenses se os militares brasileiros fossem encorajados a avançar com esse objectivo. A Casa Branca estava incomodada com a política exterior independente de Goulart durante a crise dos mísseis, e com a sua renitência em apoiar, entre outras coisas, o desejo de Washington de expulsar Cuba da Organização de Estados Americanos.


Em 11 de Dezembro de 1962 o comité executivo do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca reuniu para avaliar três opções sobre o Brasil. A primeira: não fazer nada; a segunda: colaborar com elementos hostis a Goulart dentro do país com vista a impulsionar o seu derrubamento e; a última: mudar a orientação de Goulart e do seu governo. Optou-se pela terceira mas, segundo o relatório oficial desta reunião, aceitou-se que a opção de promover um golpe devia ser mantida como consideração activa e contínua.
Pouco depois, em 17 de Dezembro de 1962, Kennedy enviou o seu irmão Robert para apresentar um ultimato a Goulart.
Robert Kennedy informou Goulart de que Washington tinha sérias dúvidas sobre a futura relação com o Brasil dados os sinais de infiltração de comunistas e nacionalistas de extrema-esquerda em postos civis do governo do país, bem como a oposição que mantinha relativamente a políticas e interesses estadunidenses em geral.
Em Março de 1963 Goodwin recomendava ao presidente que caso Goulart continuasse renitente em modificar a sua postura, os Estados Unidos deveriam preparar o mais prometedor clima possível para a sua substituição por um regime mais desejável, segundo transcrições das gravações.
Numa reunião na Casa Branca em 7 de Outubro de 1963, o presidente debateu se os Estados Unidos necessitariam de derrubar Goulart, incluindo uma intervenção militar. Foram elaborados, sob a direcção do embaixador Gordon, vários planos de contingência destacando a possibilidade de uma intervenção armada, que foram transmitidos da embaixada a Washington em 22 de Novembro de 1963 – o dia em que Kennedy foi assassinado.


Em Março de 1964, ao estalar a disputa entre Goulart e os generais brasileiros, o governo de Johnson promoveu e apoiou o crescente descontentamento militar. Segundo um documento secreto de uma reunião de responsáveis da CIA, o Departamento de Estado e a Casa Branca, manifestaram que: “não queremos que o Brasil vá a pouco e pouco pelo cano abaixo enquanto ficamos parados à espera das próximas eleições”.
A Operação Irmão Sam já tinha sido autorizada por Johnson para permitir que os militares estadunidenses apoiassem os seus congéneres brasileiros, encoberta e abertamente, com armas e tropas se tal fosse necessário para apoiar o golpe.


Peter Kornbluh, director do projecto sobre o Brasil do Arquivo de Segurança Nacional, comentou que as operações clandestinas de desestabilização política da CIA contra Goulart entre 1961 e 1964 constituem o buraco negro desta história, e apelou a que o governo de Barack Obama desclassifique os arquivos de inteligência desse período sobre o Brasil.
Os documentos difundidos e analisados encontram-se em Arquivo de Segurança Nacional.
Nova Iorque, 2 de Abril.

*Correspondente (La Jornada, quinta-feira, 3 de Abril de 2014)