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domingo, 16 de março de 2014

Fruto de um crime, foto de Veja será investigada

Fruto de um crime, foto de Veja será investigada


Governo do Distrito Federal, de Agnelo Queiroz, abre sindicância para apurar como José Dirceu foi fotografado dentro da Papuda, numa imagem que foi estampada pela revista Veja; lei preserva a intimidade dos presos e impede que detentos sejam fotografados; "Alguém cometeu um crime aí que precisa ser investigado", disse André Duda, secretário de Comunicação do DF; objetivo da reportagem de Veja é denunciar supostos privilégios para que Dirceu continue preso em regime fechado e, de preferência, num presídio federal, ainda que isso contrarie a decisão do Supremo Tribunal Federal.
247 - O governo do Distrito Federal, de Agnelo Queiroz, decidiu abrir uma sindicância para apurar como o ex-ministro José Dirceu foi fotografado dentro da Papuda. As imagens foram estampadas numa reportagem de Veja que visa constranger o Poder Judiciário e garantir que o ex-ministro da Casa Civil continue preso em regime fechado e, de preferência, num presídio federal, de segurança máxima – ainda que isso contrarie a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que a lei brasileira protege a intimidade dos presos e impede que os mesmos sejam fotografados. "Alguém cometeu um crime aí que precisa ser investigado", disse o secretário de Comunicação do Distrito Federal, André Duda. "O governo investiga toda denúncia sobre o sistema penitenciário", afirmou.
A sindicância será aberta nesta segunda-feira e irá apurar como as imagens de Dirceu, que aparece bem mais magro nas fotos, chegaram à reportagem de Veja. Desconfia-se que algum servidor da Papuda tenha entrado com uma microcâmera no presídio, sem que isso tenha sido detectado pelos controles de segurança.
De todos os presos da Ação Penal 470, apenas Dirceu não teve seu pedido de trabalho externo avaliado pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal – pedido que conta com recomendação favorável do Ministério Público. O motivo para o adiamento foi uma nota de jornal sobre uso de celular no presídio, negada por sindicância interna. Agora, a reportagem de Veja apenas reforça a campanha para mantê-lo preso num regime distinto daquele ao qual foi condenado.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Ucrânia e Venezuela: diferenças


Diferenças entre Venezuela e Ucrânia

viCman/Rebelión
Por FC Leite Filho, no blog Café na Política:

Não quero plagiar a Dilma, para quem “a Venezuela não é a Ucrânia”, mas tentar estabelecer as diferenças dos dois processos, ambos empurrados para a guerra civil, em função do jogo de interesses das potências ocidentais e suas gigantescas transnacionais petrolíferas e midiáticas.

Comecemos pela Venezuela. Rica em petróleo, esta nação, situada ao noroeste de nosso Brasil, é sacudida por intermitentes tumultos, desde 1999. Nesse ano, ela abandonou sua condição de quase protetorado dos Estados Unidos. Por isso, derrotou o analfabetismo, a miséria absoluta em que viviam mais de 50% da população, o desemprego e a subnutrição.

Hoje, o país é o segundo da América Latina em número de universitários por habitante, vencendo mesmo a culta Argentina, só perdendo para Cuba. Para chegar a esta situação confortável, o governo bolivariano gastou 150 bilhões de dólares da conta petróleo. Era o dinheiro que ia, por baixo do pano, para as transnacionais petrolíferas, os tubarões estadunidenses e europeus, com sobras gordas para a oligarquia local. Esses setores não se conformam com a perda da galinha dos ovos de ouro e, com a mídia como principal aríete arremetem, desde então toda sorte de ataque às estruturas do país.

À diferença da Ucrânia, país eslavo a 10 mil km de distância e que agora cai, pela segunda vez nas mãos da direita (a primeira foi com a revolução laranja, responsável pela introdução de um neoliberalismo selvagem que desmantelou a indústria e fez explodir o -desemprego), o país sul-americano repeliu todas as arremetidas forâneas.

Com férrea determinação exercida por uma liderança política de descortino só comparável a Fidel Castro, coisa que os ucranianos estão longe de demonstrar, na atualidade, o presidente Hugo Chávez conseguiu, nos seus quase 14 anos de poder, aprofundar os avanços sociais e de soberania, no que foi reforçado por uma política de integração com os demais presidentes progressistas da região, inclusive do Brasil e da Argentina, os dois maiores do subcontinente. Chávez morreu de câncer, logo depois de ganhar com folga sua terceira eleição, mas passou o poder a seu fiel escudeiro, Nicolás Maduro, também eleito democraticamente e que tem exibido igual domínio das rédeas do processo.

É importante que se recorde as investidas anteriores contra o regime bolivariano, muito mais graves do que a atual, para que não caiamos no simplismo de engolir as informações distorcidas de que o governo do vizinho esteja a pique. Em seguida, vamos fazer a mesma introspecção na situação ucraniana

11/04/2002 - Hugo Chávez, há três anos no governo, é deposto por uma passeata de meio milhão de pessoas no rumo do Palácio Miraflores. No meio do cortejo anti-governista, 11 manifestantes tombam mortos por tiros disparados por sicários a mando da cúpula oculta do próprio movimento, como se comprovou depois. As redes de TV e rádio privadas suspendem suas novelas e até publicidade para concentrar-se na cobertura da passeata de mais de 10 horas e no incitamento sistemático da população contra o presidente.
Supostamente indignados com o massacre, os militares dão o golpe e prendem Chávez, ele próprio um militar. Mas isto só durou 48 horas, tempo suficiente para os golpistas mostrarem seu rosto: fechando o Parlamento, depondo os governadores eleitos de 23 Estados e estabelecendo total censura de informação. Aqui, entra um elemento fundamental não disponível hoje na Ucrânia: o povo organizado, que, mesmo debaixo da maior auto-censura da mídia, ganha as ruas, desta vez com dois milhões de pessoas, arranca Chávez da prisão e o restitui ao Palácio de Miraflores.

12/2002 e 02/2003 - Um lockout, greve patronal, conhecido como o paro petrolero, tenta paralisar, durante 63 dias, rigorosamente, todas as atividades do país, a começar da PDVSA, a empresa de petróleo e responsável por 90% da renda do país. Fecham lojas, supermercados, shoping centers, escolas, estádios de futebol, cinemas. Os venezuelanos não puderam sequer comemorar o Natal e o Ano Novo. Faltou gasolina e o desabastecimento ameaçava causar a fome.

Chávez utilizou o Exército para abrir e operar os supermercados, invadiu os navios petroleiros em greve no alto mar , fazendo-os funcionar, e assumiu o controle de câmbio, para deter a evasão de divisas. Ao mesmo tempo, a população permaneceu mobilizada nas ruas e em casa, para respaldar as medidas governamentais. 80 generais da ativa e da reserva sublevaram-se, tomando a Praça Altamira, a mesma em Chacal, que hoje serve de cenário para os atos violentos das atuais manifestações, atribuídas a estudantes. No início de fevereiro de 2003, Chávez, já no domínio da situação, demite mais de 20 mil engenheiros e dirigentes da PDVSA, por alta traição. Também, reforma mais de 300 altos ofiiciais, e segue com sua revolução bolivariana. Mas o país tinha sofrido um encolhimento no PIB de cerca de 60%.

15/08/2004 - Data do referendo revogatório, exigido pela oposição para cassar o mandato de Chávez, em meio a uma campanha de desmoralização, conduzida pelos meios de comunicação de praticamente todo o planeta, dominando mais de 90 da audiência. Hugo Chávez ganha o referendo por 58% e aproveita a oportunidade para aprofundar suas reformas sociais e econômicas. Os extremistas da oposição tentam mergulhar o país em nova crise, mas vêem-se desmoralizados em suas alegações de fraude eleitoral: a lisura do pleito havia sido atestada por observadores internacionais, inclusive o Center Jimmy Carter, do ex-presidente dos Estados Unidos.

27/05/2007 - Por não ter renovado a licença da RCTV (Rede Caracas de Televisión), a maior rede de TV do país, em funcionamento desde 1953, Chávez sofre virulenta campanha internacional, seguida de atos vandálicos nos principais centros do país. O presidente, que acusou a TV de insistir no golpismo contra as instituições, manteve sua decisão de ocupar militarmente o canal e fazer dele uma nova rede do governo, a TVS, que se juntou à Telesur e à VTV. Mas ele ainda ainda teve de aguentar alguns dias de tumulto e atentados a bens públicos, para dominar anarquia que se instalou nos bairros ricos de Caracas e outras cidades, tendo, para isso, de utilizar um dispositivo de 120 mil soldados.

25/08/2012 - O presidente Hugo Chávez já estava gravemente enfermo, quando uma explosão criminosa na refinaria Amuay, a maior do mundo, causa a morte de 48 pessoas e ferimentos em uma centena. Uma investigação concluiu que o vazamento responsável pelo incêndio foi propositado, como frisou o ministro das Minas e Energia e presidente da PDVSA, Rafael Ramírez.

14/04/2013 - Nicolás Maduro se elege presidente, sucedendo a Hugo Chávez, falecido em cinco de março, com apenas 1,5%, ou 300 mil votos, de vantagem sobre Henrique Capriles Radonski, candidato único das oposições. Capriles não aceita o resultado, faz novas acusações de fraude e convoca seus aliados a manifestar-se nas ruas. Atos vandálicos contra escolas e postos de saúde, onde atuam médicos e professores cubanos, redundam na morte de 11 pessoas e cerca de 80 feridos, em 20 dias de distúrbios que assaltaram várias capitais venezuelanas. Maduro manda recontar os votos e assume oficialmente no dia 19 do mesmo mês, iniciando um mandato de seis anos.

11/2013 – Uma explosão de preços, com remarcações, que chegaram a atingir, em alguns casos, até 12 mil por cento, aliada à escassez de produtos de primeira necessidade, levou o presidente Nicolás Maduro a decretar uma série de medidas. Elas obrigaram os comerciantes, desta vez pressionados pelo Eército e o povo na rua, a restabelecer os preços antigos e avender os produtos que haviam escondido em seus depósitos.

“Esta guerra econômica foi decidida na Casa Branca. Faz parte dos fatores de poder nos Estados Unidos, acreditando que tinha chegado o momento de destruir a revolução bolivariana”, disse o presidente. A manobra, entretanto, não foi capaz de evitar nova vitória do governo na eleição municipal de dezembro, quando os chavistas ganharam por 11,5%, dez pontos a mais que a estreita margem da eleição presidencial, em que concorreram Maduro e Henrique Capriles, este candidato único da oposição.

03/12/2013 – A cinco dias da eleição municipal, quase toda a Venezuela, incluindo a capital, Caracas, ficou sem luz devido a um colapso no fornecimento de energia elétrica. O apagão ocorreu durante um discurso televisivo do presidente Nicolás Maduro e uma partida de basquete. Maduro entendeu tratar-se de uma ação subversiva planejada de fora, e ordenou colocar as forças armadas e de segurança em estado de alerta máximo.

23/01/2014 – Renunciando à via eleitoral e institucional, a oposição se bifurca, tendo a vertente mais extremista , liderada por Leopoldo López, ex-agente da CIA, novamente assaltado as ruas, incendiando escolas, postos de saúde, estações do metrô e atentado contra as redes elétricas. Os distúrbios já causaram 15 mortos e tendem a continuar, mas o governo bolivariano, parece novamente no domínio do processo, inclusive porque os atos são de puro terrorismo e são rechaçados por 85% da população. Esta sofre com o trancamento de ruas, depredações, sujeira e detritos infestando as principais vias do país.

Agora analisemos a Ucrânia. Um presidente tíbio e enredado em profundas contradições foi incapaz de domar uma turba violenta de leões de chácara, lutadores de boxe e grupos assumidamente nazistas que havia três meses ocupava, incendiava e assassinava soldados e adversários, na praça do Parlamento, onde também se situam os principais prédios públicos.

Viktor Ianukovitch viu-se finalmente deposto por um golpe parlamentar e fugiu da capital, deixando o poder com os insurretos, financiados e treinados pela Europa e os Estados Unidos, interessados nesta área altamente estratégica e tradicionalmente aliada da Rússia.

Tomaram o poder? Longe disso. No máximo, podem ter precipitado a partição daquele imenso país, o maior em território e celeiro da Europa. Talvez nem isso consiga, porque, como ocorreu com a revolução laranja, de 2004, quando assumiram o poder formal em Kiev, tiveram de sair correndo três anos depois, porque os ucranianos não aceitaram a dilapidação de seu patrimônio e a receita do FMI.

Os principais líderes laranjas, o corrupto Viktor Yushchenko e a bilionária Yulia Timoshenko, até há pouco amargavam na prisão, condenados por desvio de verbas, isso depois de terem sido escorraçados nas urnas pelo mesmo tipo de eleitorado iludido que hoje aclama os “heróis da Praça Maidan”, outro nome dado à Praça da Independência..

Menos de uma semana depois da queda de Yanukovicht lá já estavam os técnicos do FMI para aplicar uma política fiscal, com o mesmo receituário que nos aplicavam por aqui, com arrocho e congelamento salarial, cortes nos programas sociais, recessão econômica e privatização do Estado. O país tem de pagar só este ano 35 bilhões de dólares e a Europa e Estados Unidos já avisaram que o dinheiro tem de ficar a cargo dos ucranianos.

A Rússia, que se habilitara a pagar a conta em contrapartidas bem mais suaves, certamente vai retirar a proposta, além de suspender as parcelas mais gordas do empréstimo de 15 bilhões prometidos ao antigo governo. Isolada na Praça Maidan, a turba que controla a Praça da Independência, sempre falando em nome da sociedade civil e indicando os nomes do novo governo, terá também pela sua frente a ameaça concreta de separação das regiões leste e sul, fronteiriças ao antigo território soviético, e onde estão concentradas as indústrias. Os nacionalistas já saíram às ruas para pedir a autonomia da Crimeia, outro território rico à beira do Mar Negro, onde uma base naval, reforçada pelo governo do presidente Vladimir Putin, deverá garantir as aspirações dos 60% da população de origem russa daquele território.

A Ucrânia é um país geográfica, étnica, econômica, cultural e militarmente dividido. Quase um quarto da população, vivendo nas regiões sul e leste do país, é de origem russa e fala a língua de seus antepassados, de quem se consideram aliados incondicionais, inclusive por uma questão de sobrevivência.

Finalmente, há a questão estratégica. O governo Putin já avisou que não vai aceitar a aberta ingerência da Europa e dos Estados Unidos, na sua fronteira, sobretudo agora, que já recuperou boa parte de seu poderio militar, destroçado depois da aventura da Perestroika e do consequente colapso do então Bloco Soviético.

Como se sabe, o trunfo russo não reside apenas na força militar e atômica que, segundo o politólogo Moniz Bandeira, autor do livro A Segunda Guerra Fria, recentemente lançado pela Editora Civilização Brasileira, permaneceu quase intacto depois da dissolução do bloco soviético. Ele está também em mais de 50% da energia (petróleo e gás natural) com que a Rússia abastece a Europa, através o gasoduto, que inclusive passa pela Ucrânia, país altamente dependente neste setor e que agora terá que se virar para pagar o preço real pelo seu uso e não mais o preço camarada de que desfrutava até a “revolução” de Maidan.

Como o fez com a Geórgia, que depois de tomada pelo Ocidente, em 2003, Putin dividiu em três, propiciando a independência da Ossétia e da Abecásia, estas ficando sob influência russa. O presidente da antiga segunda potência também anunciou seu propósito de instalar bases militares na Venezuela, Cuba e Nicarágua, da mesma maneira que os Estados Unidos fizeram com seus vizinho na região do Cáucaso.

Está reinstalada a guerra fria, dirão alguns, mas pelo menos estes países, sob ameaça permanente de invasão pelo Exército norte-americano, terão uma proteção contra aventuras intervencionistas, como Cuba teve no passado com a velha União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Ou alguém tem dúvida de que a URSS teria impedido a invasão do Iraque, Afeganistão e a guerra civil na Síria?

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Existem poderosos interesses no mundo a quem convém que pouco ou nada se saiba sobre a verdade dos conflitos que surgem na África negra.

Existem poderosos interesses no mundo a quem convém que pouco ou nada se saiba sobre a verdade dos conflitos que surgem na África negra.

Basem Tajeldine*

 
Enquanto o sangue dos povos africanos é derramado em torrente, as companhias petrolíferas e mineiras das potências imperialistas preparam-se para se apropriar das suas riquezas.

Da República Centro-Africana (622.089 m2, habitada por 5 milhões de pessoas), apenas se sabe que enfrenta um conflito «étnico e religioso» e que «2,6 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária imediata, e um de cada cinco centro-africanos se encontram internamente deslocados. Números que poderão aumentar à medida que o conflito coloca milhões de pessoas em situação de risco». (1) Mas, nada se diz das implicações das transnacionais francesas e do próprio estado francês por detrás do conflito que aquele país vive.
Poucos meios internacionais se preocuparam em destacar informações precisas que nos permitam interpretar o que realmente acontece hoje na República Centro-Africana. Existem interesses poderosos no mundo a quem convém que pouco ou nada se divulgue sobre a verdade dos conflitos que se suscitam na África negra. Para esses interesses e suas transnacionais mediáticas é necessário que a opinião pública mundial generalize e banalize a realidade que se apresenta em vários países daquele continente, fundamentalmente as fomes e os conflitos por disputa territorial entre as diversas comunidades étnicas, de forma que permita condicionar a opinião para justificar a intervenção militar da Europa e dos Estados Unidos sob pretextos «humanitários». Enquanto o sangue dos povos africanos é derramado em torrente, as companhias petrolíferas e mineiras das potências preparam-se para se apropriar das suas riquezas.
A crise económico-financeira que se vive em toda a União Europeia incita à rapina das potências contra a periferia capitalista. E como as coisas não têm andado bem para a França decadente, tem-se visto a necessidade de assaltar outras terras para amparar a sua crise e manter a sua hegemonia nas suas ex-colónias. Os dados económicos revelaram que o Produto Interno Bruto (PIB) da França vem caindo (2), marcando a mesma tendência nos últimos anos. Enquanto o desemprego já ultrapassa os números oficiais calculados em 11%.
As políticas internas e externas assumidas pelo regime francês para enfrentar a crise económica acabaram por desmascarar o desprestigiado ultraliberal com máscara «socialista», o presidente François Hollande, que prometeu novos cortes na despesa pública superior a 50 mil milhões de euros (3), e simultaneamente pediu aos militares franceses para se alistarem numa nova aventura bélica contra outra ex-colónia francesa para «proteger» a população civil.
Depois de o fazer na Costa do Marfim, Líbia e Mali, a França decidiu intervir militarmente na República Centro-africana para «levar a paz» a esse povo. Com efeito, Hollande não duvidou sequer em completar o envio de 1.600 «angelicais» soldados franceses para fazer «a paz» e salvar o povo centro-africano da suposta guerra étnica e religiosa.
A 6 de Dezembro de 2013, durante a Cimeira África-França no Palácio do Eliseu, François Hollande declarou à imprensa que a operação militar na República Centro-Africana, denominada «Sanguiris», é a resposta a uma «situação catastrófica» que o seu povo vive, o qual pediu a ajuda da França (…) Os franceses devem estar orgulhosos por intervir em qualquer lugar desinteressadamente». E como era de esperar, a ONU votou rapidamente a Resolução 2127, que autorizou a intervenção militar gaulesa.
Desde 1960 o povo centro-africano sofreu 6 golpes de Estado promovidos por interesses transnacionais que o levaram à anarquia. Os sucessivos presidentes centro-africanos David Dacko, Bokassa I, André Kolingba, Ange F. Patasse, François Bozizé, Michel Djotodia, foram responsáveis conjuntamente com a França pelo desastre. Na opinião do famoso investigador Olivier A. Ndenkop «a mão da França, potência colonizadora, foi sempre vista ou anunciada por detrás dos vários golpes de estado” (4).
No seu trabalho mais recente intitulado «As razões ocultas da intervenção francesa», Ndenkop assegura que a França sempre manteve interesses na República Centro-Africana. « (a França) Hoje em dia controla a economia centro-africana. Bolloré tem o monopólio da logística e do transporte fluvial. Castel reina sobre o mundo do mercado das bebidas e do açúcar. CFAO controla o comércio de veículos. A partir de 2007, a France Telecom entrou no baile. AREVA está presente na África Central embora, oficialmente, o gigante nuclear esteja apenas na fase de exploração. TOTAL reforça a sua hegemonia no armazenamento e na comercialização de petróleo.»
Ndenkop revela que a 4 de Dezembro de 2013, enquanto as tropas francesas se preparavam para tomar a direcção de Bangui, o ministro francês da economia, Pierre Moscovici, estava reunido com ministros, chefes de estado e com mais de 560 empresários franceses e africanos para tratar de salvar a posição da França na África.
Mas a pergunta crucial que muitos fazem — Porque procura a França por meio da guerra o que sempre conseguiu numa paz relativa? Para o investigador Olivier A. Ndenkop a resposta é: a China, a verdadeira ameaça para o Eliseu.
Desde que a China fez a sua entrada crucial na África em busca da matérias-primas, fundamentalmente hidrocarbonetos, uma espécie de feitiço conjurado pela França fez com que se atiçassem todos os conflitos étnicos e religiosos nesse e noutros países do continente para derrubar os governos que se aliaram ao gigante asiático.
A maior parte dos investimentos estrangeiros concentraram-se na Nigéria, África do Sul, Sudão, Argélia, Zâmbia, Gana, República Democrática do Congo e Etiópia (5).
Ndenkop afirma que «François Bozizé, que teve o tempo de se fazer eleger presidente em 2005, não resistiu às propostas da China, que multiplicou as ajudas e aumentou os seus investimentos em todo o continente com menos condicionamentos. O que contrasta com a arrogância e o paternalismo dos “sócios tradicionais” da África»
Em Março de 2013, o deposto presidente François Bozizé revelaria à Rádio França Internacional o que muitos desconfiavam «Dei o petróleo aos chineses e isso tornou-se um problema (…) derrubaram-me por culpa do petróleo».

*Analista Internacional

Fontes:
(1) http://www.fao.org/emergencies/resources/documents/resouces-detail/en/c213104/
(2) http://www.datosmacro.com/pib/francia
(3) http:www.correodelorinoco.gob.ve/multipolaridad/gobierno-frances-reducira-aun-mas-gasto-publico/
(4) http://www.lahaine.org./index.php?p=74287
(5) http://actualidade.rt.com/actualidad/view/99381-africa-sierra-leona-china-aumenta-presencia

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Destruir a Revolução Bolivariana, objectivo do Imperialismo

Destruir a Revolução Bolivariana, objectivo do Imperialismo

Miguel Urbano Rodrigues
 
Na Venezuela a tentativa de golpe com recurso à força foi inviabilizada. O esforço para desestabilizar o país prosseguiu, mas o projecto de tomada do poder foi alterado. O governo define-o agora como «um golpe de estado suave». Uma campanha de desinformação que envolve os grandes media dos EUA e da União Europeia transmite diariamente a imagem de uma Venezuela onde a violência se tornou endémica, manifestações pacíficas seriam reprimidas, a escassez de produtos essenciais aumenta, a inflação disparou e a crise económica se aprofunda.
Esses media – incluindo os media nacionais de grande circulação - ocultam a realidade. Quem promove a violência é a extrema-direita, quem incendiou lojas da Mision Mercal que vende ao povo mercadorias a preços reduzidos, quem saqueia supermercados é essa oposição neofascista que se apresenta como “democrática». É ela que sabota a economia e organiza o açambarcamento de produtos essenciais.

O imperialismo norte- americano (com o apoio dos governos do Reino Unido e da França) está na ofensiva em duas frentes. Obrigado pela Rússia a recuar na Síria ataca na Ucrânia e na Venezuela.
Na Ucrânia, o apoio de Washington às forças empenhadas em derrubar o presidente Iakunovitch foi ostensivo (ver artigo de Paul Craig Roberts ( http://www.odiario.info/?p=3187).
Na Venezuela, a estratégia dos EUA é mais subtil. Nela a Embaixada em Caracas e a CIA têm desempenhado um importante papel.
O projeto inicial de implantar no país uma situação caótica fracassou. Os apelos à violência de Leopoldo Lopez que assumiram caracter insurreccional na jornada de 12 de Fevereiro tiveram a resposta que mereciam das Forças Armadas e das massas populares solidarias com a revolução bolivariana. Os crimes cometidos pelos grupos de extrema-direita suscitaram tamanha repulsa popular que até Capriles Radonski – o candidato derrotado à Presidência da Republica - optou por se distanciar de Lopez e sua gente, mas convoca novas manifestações «pacíficas».
Inviabilizada a tentativa de golpe com recurso à força, o esforço para desestabilizar o país prosseguiu, mas o projeto de tomada do poder foi alterado. O governo define-o agora como «um golpe de estado suave».
Uma campanha de desinformação, que envolve os grandes media dos EUA e da União Europeia, transmite diariamente a imagem de uma Venezuela onde a violência se tornou endémica, manifestações pacíficas seriam reprimidas, a escassez de produtos essenciais aumenta, a inflação disparou e a crise económica se aprofunda.
Ocultam a realidade. Quem promove a violência é a extrema-direita, quem incendiou lojas da Mision Mercal que vende ao povo mercadorias a preços reduzidos, quem saqueia supermercados é essa oposição neofascista que se apresenta como “democrática», é ela que sabota a economia e organiza o açambarcamento de produtos essenciais.
No Estado de Táchira, grupos terroristas paramilitares vindos da Colômbia semeiam o terror, forçando o presidente Maduro a decretar ali o estado de exceção.
É significativo que o embaixador da Venezuela em Lisboa, general Lucas Rincón Romero, tenha sentido a necessidade de emitir um comunicado ( http://www.odiario.info/?p=3186) para esclarecer que os media internacionais publicam quase exclusivamente declarações da oposição que deturpam grosseiramente os acontecimentos do seu pais.
A Revolução Bolivariana enfrenta hoje uma guerra económica - a expressão é de Maduro - que é simultaneamente uma guerra psicológica, política e social.
Nesse contexto, o Presidente da Venezuela ao alertar o seu povo para a cumplicidade de Washington na montagem de «um golpe de estado» denunciou o envolvimento em atividades conspirativas da oposição de três funcionários consulares dos Estados Unidos, e ordenou a sua imediata expulsão. Reagindo também à campanha anti-venezuelana da CNN, acusou aquele canal de TV de uma «programação de guerra».
Como reage Barack Obama? Com hipocrisia e arrogância. Não citou o episódio da expulsão dos diplomatas, mas pediu a Maduro que liberte os dirigentes da oposição presos. Como nele é habitual invocou no seu apelo retórico princípios humanitários, o respeito pelos direitos humanos, o diálogo democrático, enfim, aquilo os EUA violam com a sua política de terrorismo de estado.
Somente faltou mencionar explicitamente Leopoldo Lopez, o líder das jornadas de violência que provocaram mortes e destruições em Caracas e noutras cidades.
O senador republicano John McCain, ex candidato à Casa Branca, foi mais longe do que Obama. Numa entrevista à BBC sugeriu com despudor uma intervenção militar direta na Venezuela para «estabelecer a paz e a democracia».
A escalada golpista assumiu tais proporções que desencadeou a nível mundial um poderoso movimento de apoio à Revolução Bolivariana, ameaçada pelo imperialismo e o fascismo caseiro.
Um manifesto de solidariedade ao governo de Maduro, iniciado na Argentina, já foi assinado em muitos países por milhares de intelectuais, artistas, dirigentes políticos, parlamentares e sindicalistas.
A solidariedade com o povo de Bolívar corre mundo como torrente caudalosa.
Vila Nova de Gaia,22 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

CRISE EUROPEIA


Despejadas, famílias espanholas decidem ocupar prédio vazio em Madri

Construção na rua Corredera Baja de San Pablo está desocupada desde 2009; capital tem 153 mil moradias vazias
 
 
Rafael Duque/Opera Mundi

Fachada do número 33 da rua Corredera Baja de San Pablo, em Madri: local foi ocupado no dia 5 de janeiro
Às 18h30, como combinado, a reportagem de Opera Mundi chega ao edifício de número 33 da rua Corredera Baja de San Pablo, no bairro de Malasaña, centro de Madri. A porta do local está fechada com dois cadeados e é possível escutar uma conversa no corredor de entrada. “Não estou conseguindo ligar o fio do segundo andar, eles estão sem luz ainda”, lamenta uma das vozes. “Nós temos que arrumar isto, esta semana vai fazer frio”, comenta a outra voz.

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Ao perceberem que alguém espera no portão de entrada, a conversa para. Um rosto aparece em um pequeno vão entre a porta e a parede e pede algum documento que confirme a identidade da reportagem. Depois de conferir a identificação, o jovem de cara fechada abre a porta. Já no primeiro andar do edifício, um grupo de oito pessoas abre uma roda e, sentados no chão, começam a contar por que estão ali e o que pretendem fazer deste edifício.
O prédio foi ocupado no último dia 5 de janeiro, durante um feriado prolongado na Espanha. Segundo os atuais moradores, a construção está vazia desde 2009. A ocupação foi realizada pela Assembleia de Moradia Centro, um grupo que nasceu do movimento dos indignados espanhóis e que lida com problemas de moradia em quatro bairros do centro da capital espanhola. De acordo com os participantes, o coletivo possui em torno de 30 membros, que se reúnem semanalmente para avaliar os problemas dos madrilenhos e discutir como enfrentá-los.

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Apesar de ter nascido dentro do movimento dos indignados, o grupo trabalha em conjunto com a Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH), coletivo famoso no país por ajudar os espanhóis que estão prestes a perder suas casas. “Utilizamos as ferramentas da PAH, como a paralisação de despejos. Neste caso, estamos no marco da última campanha, chamada Obra Social, que busca a recuperação de edifícios vazios. Aqui [em Madri] é um pouco separado, a assembleia e a PAH Madri. Um pouco para conservar esta característica de assembleia de bairro”, explica Julia, integrante do grupo que não quis dar seu sobrenome.
Na Espanha existem 3,4 milhões de casas vazias, o que representa 13,7% do total de moradias construídas. O número de casas vazias aumentou 10,6% nos últimos dez anos e, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), 84,9% destas moradias estão em boas condições. Ou seja, aproximadamente 2,88 milhões de casas estão aptas para serem ocupadas, mas continuam fechadas. Na capital espanhola, a prefeitura estima que mais de 153 mil moradias estão desocupadas. Enquanto isso, o Conselho Geral do Poder Judiciário informa que, apesar de uma redução anual de 12,9%, 104 famílias são despejadas diariamente no país.

Rafael Duque/Opera Mundi

Participantes da ocupação; 11 famílias pretendem morar no local
Esta situação leva muitos espanhóis em situação crítica às reuniões da assembleia. Julia explica que o processo para ajudar estas pessoas é longo e que a ocupação é a última opção do grupo. “Ao final, quando não há nenhuma outra alternativa, quando se esgotaram todas as vias de negociação, tanto com a instituição concreta, seja um banco ou imobiliária, ou com a entidade pública, escolhemos esta última opção. Recuperamos um edifício vazio, tentamos que seja uma propriedade de um banco, e seguimos negociando”, afirma.
Uma vida em 20 caixas
Sem emprego há quatro anos, Carmen pertence a uma das 11 famílias que pretendem morar no prédio da rua Corredera Baja de San Pablo. Ela conta que, antes de ser demitida, alugava um quarto em um apartamento amplo. “Com o auxílio desemprego e a indenização da demissão pude seguir por um tempo. Eu ganhava entre 600 e 700 euros ao mês e isso dava para alugar um quarto e nada mais. Ou seja, não dava nem para comprar roupa nem nada. Então, quando isto acabou, consegui outro subsídio de 400 euros, e isso só me permitia comprar comida. Por isso, resolvi ocupar”, conta.
Carmen passou por outras duas ocupações antes de chegar à assembleia. Em ambas, entrou no edifício quando o mesmo já tinha uma ordem de despejo. “Eu tinha, nesses lugares, todas as minhas coisas. Tenho minha vida em umas 20 caixas. Fotos e recordações de toda uma vida. Coisas que eu não quero perder. Móveis, já não tenho mais. O que eu quero dizer é que, a mim, podem desalojar. Sempre posso encontrar algo, mas minha vida, minhas coisas, se perde”, lamenta.

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Devido a umas dessas ocupações, Carmen responde a um processo criminal. Ela teme que uma nova ocupação possa levá-la à cadeia. “Com um processo eu posso responder em liberdade, mas se tenho dois, me levam para a prisão. Mas o que eu posso fazer? Se para um homem, viver na rua é difícil, para uma mulher é horrível”, afirma Carmem, que por medo de ir à prisão pede que a reportagem utilize um nome fictício.

Agência Efe

Prédio pertence ao banco Caixabank, que negocia com grupo aluguel social para famílias no local
Negociação
O prédio ocupado pertence ao banco Caixabank, que afirma que possui a propriedade há dois anos. Em uma reunião realizada nesta segunda-feira (13/01), o grupo que ocupa o edifício pediu à entidade bancária que as famílias se estabeleçam no local pagando um aluguel social, compatível com a renda de cada inquilino.
Uma fonte consultada por Opera Mundi afirmou que as negociações tiveram um ambiente positivo e que o banco acredita que se pode chegar a uma solução. O Caixabank teria pedido documentos que comprovem a situação das famílias e uma nova reunião será agendada dentro das próximas duas semanas. Devido a esta última campanha de ocupações da PAH, 712 espanhóis já conseguiram uma nova casa.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Nação-pobreza: como os EUA criaram um pântano de baixos salários




Durante décadas, ambos os partidos norte-americanos suplantaram um impulso para salários mais elevados com auxílios públicos bem-intencionados. O resultado: calamidade.

Por Joan Walsh*, na revista Salon


 
Foto: NBC News
2013 é o ano em que muitos norte-americanos descobriram a crise dos trabalhadores pobres. E essa também é a crise dos pobres que vivem de benefícios. Isso é difícil para nós: os norte-americanos que notoriamente detestamos assistencialismo, a menos que seja chamado de outra coisa e/ou nos beneficie pessoalmente. Nós achamos que isso é para os preguiçosos, vagabundos e para pessoas que não fazem a sua parte.

Portanto, não temos certeza de como lidar com o fato de que um quarto das pessoas que têm emprego hoje ganham tão pouco dinheiro que elas também recebem alguma forma de assistência pública, ou benefícios – uma proporção que é muito maior em alguns dos setores de maior crescimento da força de trabalho. Ou que 60% dos adultos beneficiários de auxilio alimentação estão empregados.

Um total de 52% das famílias dos trabalhadores de fast-food recebe assistência pública – a maior parte dela vem do Medicaid [1], vale-refeição e do crédito de imposto sobre rendimento (EITC) [2] – até a quantia de US$7 bilhões anuais, de acordo com uma nova pesquisa do Centro de Pesquisa do Trabalho da Universidade da Califórnia-Berkeley e da Universidade de Illinois.

Segundo o estudo, somente os trabalhadores do McDonald's recebem US$ 1,2 bilhão em ajuda pública. Essa é uma indústria, a propósito, que no ano passado faturou US$ 7,44 bilhões em lucros, paga US$ 52,7 milhões aos seus altos executivos e distribuiu 7,7 bilhões em dividendos e reaquisição de ações. Mesmo assim, “o recebimento de recursos públicos é a regra, e não a exceção, para essa força de trabalho", concluiu o estudo.

Depois, há o Wal-Mart, que, como Josh Eidelson, da Salon, informou recentemente, vangloriou-se numa conferência do Goldman Sachs que "mais de 475 mil" de seus 1,3 milhão de trabalhadores ganham mais de US$ 25mil por ano – o que nos permite inferir que quase 60% ganham menos.

Os democratas do Comitê de Educação e Força de Trabalho estimaram que as gigantescas cadeias de varejo de baixo custo beneficiam-se de muitos bilhões de dólares em financiamentos de assistência pública; um "hipermercado" do Wisconsin custa aos contribuintes pelo menos US$ 1 milhão por ano em assistência pública para as famílias dos trabalhadores. Lembre-se, também, que seis membros da família Walton possuem a riqueza equivalente a de 48 milhões de norte-americanos juntos.

Mas não é só fast-food e Wal-Mart: um em cada três caixas de banco recebe assistência pública, revelou o Committee for Better Banks, na semana passada, a um custo de quase US$ 1 bilhão por ano em ajuda federal, estadual e local. É isso mesmo: uma das indústrias mais rentáveis, privilegiadas e de alto prestígio do país, a do ramo bancário, paga a um setor de seus trabalhadores salários chocantemente baixos e depende dos contribuintes para tirá-los da pobreza. Só em Nova York, 40% dos caixas de banco e seus familiares recebem assistência pública, custando US$ 112 milhões em benefícios estaduais e federais.

Os CEOs dos bancos ganham vários milhões de dólares em bônus quando os lucros aumentam, enquanto milhões de caixas são tão pobres que recebem assistência social. Há algo de errado nisso.

A repulsa pelas empresas rentáveis que pagam salários em nível de pobreza está ajudando a alimentar uma onda de organização há muito esperada e a protestar em nome dos trabalhadores com baixos salários, desde greves de trabalhadores de fast-food que varreram o país até protestos contra o Wal-Mart nessa temporada de férias. Os contribuintes recuam diante da ideia, mas também muitos trabalhadores. "Eu pensei que eu poderia me virar por conta própria. Isso não aconteceu”, disse a funcionária do Wal-Mart Aubretia Edick, ao Huffington Post, que ganha US$ 11,70 por hora e ainda recebe assistência pública. É por isso que ela se juntou a uma greve de um dia. "O Wal-Mart não paga o meu salário", disse. "Você paga o meu salário."

Os EUA agora tem a maior proporção de trabalhadores com baixos salários do mundo desenvolvido, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Um em cada quatro norte-americanos ganha menos de dois terços do salário médio, que é a mesma proporção que depende da ajuda pública. Está se tornando mais amplamente aceito que a disseminação e persistência de empregos de baixos salários esteja por trás do aumento da desigualdade de renda e redução da mobilidade social. O que é menos conhecido é o papel que os democratas têm desempenhado na criação dessa armadilha.

Aumento da desigualdade

Em seu discurso amplamente admirado sobre a desigualdade de renda, do dia 4 de dezembro, o presidente Obama parecia compartilhar todas essas preocupações.

"Nós sabemos que há os trabalhadores do aeroporto, os trabalhadores de fast-food, os auxiliares de enfermagem e os vendedores do varejo que trabalham duro e ainda vivem na pobreza ou um pouco acima dela", disse ele.

Baseado em grande parte naquele discurso e em alguns sussurros vindos da Ala Oeste da Casa Branca, a revista Político anunciou na sexta-feira (13) "O presidente Obama volta-se para a esquerda". Mas, à parte de dizer mais uma vez que é hora de aumentar o salário mínimo, o presidente ainda não colocou muita força em uma agenda de “esquerda” para os trabalhadores com baixos salários.

Também seria bom que Obama reconhecesse: o fato de que tantos norte-americanos "trabalham duro e ainda estão vivendo na pobreza ou um pouco acima dela" e que recebem assistência pública não é apenas um acidente infeliz. É o resultado de uma política pública apoiada por muitos democratas – e ele não tem feito muito para mudá-la ou desafiá-la. Na verdade, o presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Obama fez a sua defesa mais vigorosa.

A verdade é que um consenso bipartidário que surgiu na década de 1990 dizia que um emprego, praticamente qualquer emprego, era melhor do que a assistência pública a longo prazo para os chamados adultos "capacitados fisicamente", incluindo as mães com crianças pequenas. Isso levou à controversa reforma da legislação da previdência, que teve ramificações muito além do domínio dos benefícios sociais.

Os republicanos exigiam trabalho de beneficiários da previdência social, a maioria dos democratas concordou, mas exigiu um novo suporte para trabalhadores de baixa renda: uma expansão do EITC, Medicaid e elegibilidade do vale-refeição mais amplos, novos (embora não suficientes) subsídios para cuidados infantis. (Como senador do estado de Illinois, Obama era crítico da ideia, mas, mais tarde, aprovou o acordo.) Os novos programas de apoio também ajudaram milhões de trabalhadores de baixa renda, que nunca tinham necessitado de benefícios; enquanto os salários continuaram estagnando e até mesmo diminuindo, mais pessoas passaram a ser elegíveis.

Mas quando os defensores trabalhistas começaram a perceber e protestar que os empregadores estavam contando com os contribuintes para apoiar a sua força de trabalho há uma década, alguns liberais lhes disseram para não se preocuparem com isso. Respondendo a uma onda anterior de organização contra as práticas trabalhistas do Wal-Mart, o presidente do Conselho de Assessores Econômicos (CEA, na sigla em inglês) do presidente Obama, Jason Furman, escreveu um artigo muito influente em 2005 intitulado "Wal-Mart: uma historia de sucesso progressista" (Oito anos depois, isso soa como se ele estivesse debochando de nós.) O ex-conselheiro econômico de Clinton argumentou que os preços baixos das grandes redes ajudaram os pobres, e que a dependência de seus funcionários à assistência pública não foi um erro, mas uma característica da política social progressista.

Furman reconheceu o presidente Clinton como aquele que presidiu "a transformação da nossa rede de segurança social de um suporte para os indigentes para um sistema que faz o trabalho pagar (…) expansões em apoio aos trabalhadores de baixa renda, incluindo um crédito de imposto sobre rendimento (EITC) mais generoso e esforços para garantir que as crianças não perdessem o seu Medicaid se seus pais conseguissem um emprego de baixa remuneração". Essencialmente, a dependência dos empregados do Wal-Mart em tais programas representou uma boa política social-democrata, Furman argumentou. E em uma troca memorável com Barbara Ehrenreich no site Slate, ele repreendeu os críticos progressistas do Wal-Mart por "brincar com os instintos primitivos antibenefício, antigoverno, anti-imposto de alguns conservadores". (Deixe para um democrata da era Clinton culpar os progressistas pelos bem estabelecidos "instintos primitivos antibenefícios" da direita.)

Embora o artigo de Furman sobre o Wal-Mart seja de oito anos atrás, ele foi amplamente citado como uma razão para os progressistas para questionar a sua nomeação como presidente do CEA no início deste ano (embora economistas progressistas desde Jared Bernstein a Paul Krugman endossaram a sua seleção). Apenas alguns meses atrás, quando a câmara municipal de Washington aprovou uma lei exigindo que grandes varejistas não-sindicalizados pagassem um salário mínimo de 12,50 dólares por hora, o Wal-Mart enviou aos repórteres o artigo de Furman na defesa.

Curiosamente, eu nunca vi Furman defender ou qualificar ou atualizar o artigo, mesmo em face de uma nova onda de movimentos anti-Wal-Mart. Eu não estava completamente confortável em usar um documento de oito anos de idade para defender seus pontos de vista, então pedi aos funcionários de comunicação da Casa Branca se ele falaria comigo sobre isso. Eu não obtive resposta.

Como social-democrata, eu não acho que Furman esteja errado em defender o papel dos programas sociais em melhorar a vida dos trabalhadores de baixa renda. Muitos progressistas acreditam que devemos separar o plano de saúde do emprego por completo, por exemplo, e torná-lo um benefício universal pago por impostos corporativos e impostos de valores máximos, mais as contribuições individuais de escala móvel. Em todo o mundo desenvolvido, os trabalhadores de quase todos os níveis podem contar com planos de saúde, puericultura, formação profissional e de treinamento, e até mesmo (em níveis salariais mais baixos) suplementos salariais financiados pelo governo.

Mas não é calvinismo punitivo ou vergonha dos benefícios em questionar até que ponto que agora é certo que trabalhadores de baixa renda tenham que contar com o vale-refeição e outras intervenções públicas, muitas vezes por um longo tempo, talvez permanentemente. Por não exigirem também aumentos regulares do salário mínimo ou colocar mais força na organização sindical, os democratas ajudaram a criar um vasto conjunto de empregos de baixos salários que paira um pouco acima da linha de pobreza, e às vezes ainda abaixo dela, graças à assistência pública, e não tem a força econômica e política para melhorar os salários e as condições de trabalho. Isso não pode ser bom para ninguém.

Na verdade, a noção de que tantos milhões de pessoas trabalham tão duro e ainda são pobres o suficiente para receber ajuda pública está aumentando: ela ajuda a mostrar que os salários baixos, não a falta de esforço ou "dependência", são, em parte, aquilo que está fazendo encolher a classe média. Não apenas os contribuintes, mas também os trabalhadores de baixa renda acham que sair da pobreza, com a ajuda de vale-refeição, Medicaid e o EITC, deve ser apenas uma vitória temporária a caminho de um lugar sólido no mercado de trabalho onde o trabalho é devidamente remunerado.

Eu certamente não estou demonizando a assistência pública. Nós ainda gastamos uma ninharia para ajudar os trabalhadores de baixos salários em comparação com o apoio social desfrutado por seus pares em outras nações prósperas. Os progressistas certamente estão orgulhosos de um estudo recente que mostrou que os programas de combate à pobreza, de fato, tiram as pessoas da pobreza – cerca de um quarto dos americanos viveriam abaixo da linha da pobreza se não fosse pelo apoio social, em oposição a um triste 16 por cento hoje. Isso deve obliterar a história infundada de Reagan de que "nós lutamos uma guerra contra a pobreza, e a pobreza venceu".

Mas a cada dólar que o contribuinte paga para subsidiar as empresas que pagam salários de miséria é um dólar não gasto em programas de primeira infância, na construção de universidades ou no financiamento da educação universitária. Sim, precisamos de redes de segurança, mas também precisamos de escadas de oportunidade. O gasto do governo que construiu a classe média depois da Segunda Guerra Mundial foi em educação e pesquisa, e foi apoiado pela mais eficaz iniciativa antipobreza do New Deal: a Lei Wagner, que facilitou a organização sindical.

Hoje, temos uma rede de segurança puída, mas essas escadas de oportunidade são ainda mais frágeis e pouco confiáveis. Nós simplesmente não estamos construindo-as – e é por isso que nós estamos enfrentando uma crise de desigualdade de renda e uma estagnação da mobilidade social, que costumava ser o coração do sonho americano.

Questão trabalhista

O presidente Obama pareceu reconhecer ao menos alguma conexão entre a proliferação de empregos de baixos salários e a crise de desigualdade de renda em seu discurso marcante de 4 de dezembro. Condenando o aumento do número de postos de trabalho que pagam salários a nível de pobreza, ele declarou que "já está mais do que na hora de aumentar o salário mínimo que, em termos reais, agora está abaixo de onde estava quando Harry Truman estava no governo", e acrescentou que "está em tempo de garantir que as nossas leis coletivas de negociação funcionem como deveriam, e assim os sindicatos terão condições de concorrência equitativas para organizar um acordo melhor para os trabalhadores e melhores salários para a classe média". Ele também se comprometeu a reconstruir as "escadas de oportunidade" que fizeram a sua família e milhões de outras, incluindo a minha, subir da classe trabalhadora para a classe média. Dado o balanço de extrema-direita do Partido Republicano, no entanto, não é provável que ele seja capaz de fazer muito disso acontecer.

O que me leva ao outro problema dos trabalhadores de baixa renda que estão sendo obrigados a depender da assistência pública: eles são, infelizmente, vulneráveis a serem bode expiatório político e política baixa. O deputado Paul Ryan chama a rede de segurança de "rede de praia", o que é horrível quando sabemos que muitas pessoas tem pelo menos um, e talvez dois, empregos e ainda permanecem pobres. Mitt Romney investiu contra os 47% dos norte-americanos que não pagam imposto de renda federal, o que inclui milhões de trabalhadores de baixa renda que recebem o crédito fiscal dos rendimentos auferidos (EITC), mesmo que esse tenha sido uma ideia republicana, assinada em lei pelo presidente Gerald Ford e expandida por ambos os presidentes Bush.

Mas os republicanos não estão fazendo pressão para aumentar o salário mínimo ou tornar mais fácil para os trabalhadores de baixa renda organizar sindicatos. A resposta deles é retirar a rede de segurança dos trabalhadores sem a construção de escadas que os fariam subir. E com cortes do vale-refeição, eles estão conseguindo o que eles querem.

Neste momento, a melhor resposta é um movimento operário revigorado em nome dos trabalhadores com baixos salários, e é revitalizando vê-lo se desenvolver. Em um nível, é surpreendente que tenha levado tanto tempo. Muitos empregos de baixos salários têm a vantagem de serem de base territorial, eles não podem se mudar para países em desenvolvimento. Os drones não vão entregar o seu hambúrguer do McDonald's num futuro próximo, e o Wal-Mart não pode vender tudo online, senão ele iria. Os caixas de banco já foram dizimados por caixas eletrônicos e pelos serviços bancários online; aqueles que ainda têm emprego os têm porque são necessários.

Mas também seria importante para mais pessoas – mais democratas – reconhecer o papel que a política tem desempenhado na criação desse pântano de empregos de baixos salários que tem sido um pouco menos miserável devido aos subsídios públicos. Como a desigualdade de renda aumentou, a mobilidade social, marca registrada dos EUA, diminuiu. A crise dos empregos de baixos salários é cada vez mais reconhecida como parte daquilo que está ampliando a desigualdade e retardando a mobilidade social. No quinto ano de sua presidência, Obama está ficando melhor em descrever o problema, mas ele precisa fazer mais para apoiar os trabalhadores que estão tentando pressionar por soluções.

Notas:

1. Medicaid: programa de assistência médica dos EUA para famílias e indivíduos de baixa renda.

2.Earned Income Tax Credit: crédito recebido através do imposto de renda federal dado para trabalhadores ou casais – principalmente aqueles com filhos menores de idade.

*É editor, jornalista e blogueiro

Tradução: Moisés Sbardelotto

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Chora por Mandela, mas acha um absurdo pobre querer os mesmos direitos



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Precisamos de mais pessoas como Mandela.
Pessoas que são capazes de usar a força quando necessário e adotar uma atitude conciliadora quando preciso. Mas que não descartam qualquer uma das duas acões políticas.
Por conta da morte de Mandela, estamos sendo soterrados por reportagens que louvam apenas um desses lados e esquece o outro, como se as folhas de uma árvore existissem sem o seu tronco e os galhos. O apartheid não morreu apenas por conta do sorriso bonito e das falas carismáticas do líder sul-africano, mas por décadas de luta firme contra a segregação coordenada por uma resistência que ele ajudou a estruturar.
É fascinante como regimes execrados pelo Ocidente foram, muitas vezes, os únicos que estenderam a mão a Mandela e à luta contra o apartheid. E como, décadas depois, muitos países prestam suas homenagens a ele, sem um mísero mea culpa por seu papel covarde durante sua prisão. Ou, pior: como veículos de comunicação desse mesmo Ocidente ignoram a complexidade da luta de Mandela, defendendo que o pacifismo foi o seu caminho.
Desculpem, mas a necessária conciliação para curar feridas ou a tolerância são diferentes de injustiça. E ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações em que um grupo de pessoas é aviltado por outro.
“Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer'', disse ele, ao ser condenado a 27 anos de prisão.
As histórias das lutas sociais ao redor do mundo são porcamente ensinadas. Ao ler o que os jovens aprendem nas carteiras escolares ou no conteúdo trazido por nós jornalistas, fico com a impressão que a descolonização da Índia, o fim do apartheid na África do Sul ou a independência de Timor Leste foram obtidas apenas através de longas discussões regadas a chá e um pouco de desobediência. Dessa forma, a interpretação dos fatos, passada adiante, segue satisfatória aos grupos no poder.
Muitos que hoje lamentam por Mandela detestam manifestações públicas e mudanças no status quo.
Adoram um revolucionário quando este é reconhecido internacionalmente e aparece em estampas de camisetas, mas repudiam quem ocupa propriedades, por exemplo, “impedindo o progresso''.
Leio reclamações da violência de protestos quando estes vêm dos mais pobres entre os mais pobres – “um estupro à legalidade” – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e facões. Ou contra povos indígenas, cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes com flechas, enxadas e paciência. Ou ainda professores que exigem melhores salários e resolvem ir às ruas para mostrar sua indignação e pressionar para que o poder público mude o comportamento. Todos eles são uns vândalos.
Daí, essa pessoa que ama Mandela, mas não sabe quem ele é, pensa: poxa, por que essa gente maltrapilha simplesmente não sofre em silêncio, né?
Muitas das leis criticadas em protestos e ocupações de terra ou mesmo no apartheid não foram criadas pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estavam ou estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está. Nem sempre a legalidade é justa. E essa frase assusta muita gente.
Mandela é a inspiração. Com ele, é possível acreditar que manifestações populares e ocupações resultem nos pequenos vencendo os grandes. E, com o tempo, os rotos e rasgados sendo capazes de sobrepujar ricos e poderosos.
Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações sobre a violência inerente ou involuntária desses atos. Ou na tentativa de reescrever a história editando aquilo que não interessa.
Enquanto isso, mais um indígena foi morto no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser apenas mais um vândalo, não um homem de bem como Mandela.
Enfim, precisamos de mais pessoas como Mandela. Pois os bons do século 20 estão morrendo antes que realmente entendamos suas mensagens.