Wall Street, descanse em paz:
o fim de uma era
Wall Street. Duas palavras simples que, assim como Hollywood e Washington, conjuram um mundo. Um mundo de grandes egos. Um mundo onde pessoas adoram apostar com dinheiro emprestado. Um mundo de negócios realizados na corda-bamba, impulsionados por computadores.
Em busca de retornos cada vez maiores -e iates maiores, carros mais rápidos e coleções de arte mais caras para seus altos executivos- as firmas de Wall Street reforçaram suas mesas de negociação e contrataram gênios da física quântica para desenvolver programas à prova de falhas.
Os fundos hedge colocavam os mercadores no vermelho (a alta da coroa dinamarquesa) ou no preto (a queda do PIB da Tailândia). E firmas de private equity reuniam fundos gigantes e saíam em uma onda de compras, adquirindo empresas como se fossem uma segunda esposa comprando sapatos Jimmy Choo em liquidação.
Este mundo está em grande parte chegando ao fim.
O imenso pacote de resgate que está sendo debatido no Congresso poderá ter sucesso em estabilizar os mercados financeiros. Mas é tarde demais para ajudar firmas como Bear Stearns e Lehman Brothers, que já desapareceram. O Merrill Lynch, cujo touro de sua marca registrada simbolizava Wall Street para muitos americanos, está sendo absorvido pelo Bank of America, localizado a centenas de quilômetros de Nova York, em Charlotte, Carolina do Norte.
Para a maioria dos financistas que permanecem, com a exceção de alguns poucos superastros, os dias de dinheiro fácil e bônus gigantes são coisa do passado. O boom do crédito que levou ao crescimento explosivo de Wall Street secou. Os reguladores que ficaram de lado por muito tempo agora estão ávidos para refrear os bad boys de Wall Street e as práticas que se proliferaram nos últimos anos.
"Os dias aventureiros nos negócios das firmas de Wall Street, basicamente transformando a si mesmas em fundos hedge gigantes, acabaram. A verdade é que não eram tão bons", disse Andrew Kessler, um ex-administrador de fundo hedge. "Você não mais verá pessoal de nível médio ganhando um número de sete dígitos ou múltiplos números de sete dígitos que ninguém conseguia entender exatamente como conseguiram aquilo."
O início do fim é sentido mesmo nos corredores do elitista e conservador Goldman Sachs, que, entre seus pares de Wall Street, resumia e definia a cultura de alto risco, alto retorno.
O Goldman é uma firma que as outras firmas de Wall Street adoram odiar. Ele conta com alguns dos maiores fundos hedge e de private equity do mundo. Seus banqueiros de investimento são os mais inteligentes. Seus corretores, os melhores. São eles que ganham mais dinheiro em Wall Street, dando à firma o apelido de Goldmine (mina de ouro) Sachs. (Seus 30.522 funcionários ganharam em média US$ 600 mil no ano passado -uma média que inclui tanto secretárias quanto corretores.)
Apesar dos executivos de outras firmas torcerem secretamente para que o Goldman cometesse pelo menos um grande erro, ao mesmo tempo eles se esforçavam ao máximo para copiá-la.
Apesar do Goldman permanecer excelente na prestação de consultoria para fusões e na intermediação do lançamento de ações no mercado, o que ele faz melhor do que qualquer outra firma de Wall Street é negociar bens mobiliários. Isso envolve o uso de seus próprios fundos, assim como uma pilha de dinheiro emprestado, para fazer grandes apostas globais.
Outras firmas tentaram seguir seu exemplo, acumulando risco e mais risco, na tentativa de capturar uma pitada da mágica do Goldman e de seus lucros estelares trimestre após trimestre.
Ninguém chegou perto.
Enquanto a crise de crédito tomava Wall Street ao longo do ano passado, levando o Merrill, Citigroup e Lehman Brothers a sofrerem prejuízos pesados em grandes apostas em ativos ligados a hipotecas, o Goldman continuava navegando sem grandes problemas.
Em 2007, no mesmo ano em que o Citigroup e o Merrill demitiram seus presidentes-executivos, o Goldman registrou receita e lucros recordes e pagou a seu chefe, Lloyd C. Blankfein, US$ 68,7 milhões -o maior valor pago a um presidente-executivo de Wall Street.
Mas até mesmo o menino de ouro de Wall Street não conseguiu suportar a turbulência que sacudiu o sistema financeiro nas últimas semanas. Após os problemas no Lehman e no American International Group (AIG), e do Merrill ter acertado às pressas sua compra pelo Bank of America há duas semanas, as ações do Goldman sofreram um golpe.
A crise do AIG foi particularmente problemática. O Goldman era o maior parceiro de negócios do AIG, segundo várias pessoas ligadas à seguradora, que pediram anonimato por causa dos acordos de confidencialidade. O Goldman assegurou aos investidores que sua exposição ao AIG era imaterial, mas clientes e investidores nervosos abandonaram a firma, temerosos de que os bancos de investimento -mesmo um tão estimado quanto o Goldman- poderiam não sobreviver.
"O que aconteceu confirmou meu sentimento de que o Goldman Sachs, independente de quão bom fosse, não estava imune à sorte", disse John H. Gutfreund, o ex-presidente-executivo do Salomon Brothers.
Assim, no último fim de semana, diante de poucas opções, o Goldman Sachs engoliu a pílula amarga e se transformou, entre todas as coisas, em algo simples e ordinário: um banco de depósitos.
A ação não significa que o Goldman dará, tão cedo, torradeiras como brinde pela abertura de uma conta em uma agência em Wichita. Mas a mudança é um ataque à cultura do Goldman e ao âmago de seus lucros excepcionais nos últimos anos.
Nem todos acham que a máquina de fazer dinheiro do Goldman ficará totalmente restrita. Na semana passada, o Oráculo de Omaha, Warren E. Buffett, fez um investimento de US$ 5 bilhões no banco, e o Goldman levantou outros US$ 5 bilhões em uma oferta separada de ações.
Ainda assim, dizem muitas pessoas, diante de mudanças tão amplas, o Goldman Sachs poderá perder o que o tornava tão especial. Mas, até aí, poucas coisas permanecerão as mesmas em Wall Street.
Créditos:Vermelho
Fonte: The New York Times
Julie Creswell e Ben White
Tradução: Tradução: George El Khouri Andolfato
UOL Mídia Global