segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Adib Jatene defende exame de ordem para formados em medicina


Nos EUA, essa avaliação é feita há quase cem anos

Do sitio Diario Gauche

O ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, que presidiu a comissão do Ministério da Educação responsável por supervisionar a qualidade dos cursos de medicina, defendeu em 05 de dezembro a criação de um provão para ser aplicado aos estudantes no final do curso. A informação é da Agência Brasil.

A avaliação seria semelhante ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil que é obrigatório para o exercício da advocacia.

“A escola que prepara mal dá o diploma e os Conselhos Regionais de Medicina funcionam como cartório. Registram o diploma e dão a carteira profissional autorizando o exercício. Isso precisa ser corrigido”, defendeu.

Ele argumentou que nos Estados Unidos, desde o início do século 20, os alunos são submetidos a um exame obrigatório para o exercício da profissão.

“Aqui no Brasil esse problema já vem sendo discutido há muito tempo. Em 1988 isso foi proposto, mas houve uma grande reação por parte dos alunos e dos sindicatos. Passaram-se quase 20 anos e aos poucos vai se consolidando a idéia de que é preciso esse exame. Tanto que em São Paulo, por exemplo, já há vários anos se faz uma avaliação não-oficial que tem resultados insatisfatórios. Na última edição, 61% dos alunos não se saíram bem”, explica o médico cardiologista Adib Jatene.
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Aqui no RS, muitos dirigentes de corporações médicas são contra exame de ordem para formados em medicina. Preferem continuar reivindicando ajuda federal para “Universidades” caça-níqueis. E ainda insistem que médico (ou médica) com apenas o curso de graduação, sem mestrado nem doutorado, deva ser reverenciado como “doutor/doutora”.

Coisas da vida.

Enquanto isso na África....

Na Mauritânia, uma “Guantánamo” européia

Com múltiplas ofertas, Espanha e França aliciam governos africanos para que reprimam, eles mesmos, a migração rumo à Europa. Símbolo da cooptação: na capital de um dos países mais pobres do mundo, uma antiga escola transforma-se em prisão para os que buscavam acesso à banda rica do planeta

Zoé Lamazou

Com um humor pouco convencional, os moradores de Nouadhibou, cidade portuária da Mauritânia, batizaram alguns de seus bairros com nomes de capitais estrangeiras como Acra, Bagdá e Dubai. Em 2006, quando as autoridades espanholas instalaram lá um centro de detenção para imigrantes clandestinos, a tradição se manteve e a prisão recebeu o apelido de “Guantánamo”.

O local escolhido é estratégico: Nouadhibou fica a apenas 800 quilômetros, em linha reta, da Espanha, via Ilhas Canárias. A forma mais comum de tentar a travessia é em barcos de pesca. Algumas vezes, os imigrantes ainda nem haviam deixado o litoral da Mauritânia quando foram pegos pela guarda costeira local, com o auxílio de oficiais espanhóis. Onde hoje funciona o presídio, existia uma escola. Atrás de muros de concreto muito altos e cercados de grades há um grande pátio de areia, vazio. Nouadhibou faz fronteira com o Saara ocidental. Ao fundo, uma longa construção rosa que antes abrigava estudantes e professores.

Os habitantes da periferia vizinha entram e saem livremente para encher garrafões de água na torneira central. Dois jovens policiais mauritanos fazem a vigia, sem grande preocupação. Nos últimos dias do mês de junho, uma cela foi ocupada. Era uma antiga sala de aula de 8 por 5 metros, agora com camas de campanha amontoadas. Uma dezena de homens amedrontados emerge da penumbra. Quase todos dizem ser malineses. Um deles pergunta ao policial quando será repatriado. “Não podemos esperar mais!”, diz. outro se queixa: “Faz dez dias que estamos aqui!”. “Uma semana”, corrige o guarda. Segundo o presidente do comitê local da Cruz Vermelha, Mohamed Ould Hamada, os detentos não podem ficar mais de 72 horas entre os muros da antiga escola.

Um preso aponta para o seu estômago, demonstrando que tem fome. O mais jovem diz ter 18 anos. Caminha com dificuldade, pois suas pernas estão machucadas. As feridas, ainda em carne viva, podem ser vistas através do curativo feito algumas horas antes por um médico da Cruz Vermelha espanhola.

O policial explica que uma embarcação transportando 76 pessoas afundou. Em um relatório de julho de 2008, a Anistia Internacional criticou o tratamento aos imigrantes clandestinos na Mauritânia, insistindo sobre a arbitrariedade das expulsões coletivas e sobre a situação em “Guantánamo” [1] Para Ahmed Ould Kleibp, presidente da Associação de Proteção do Meio Ambiente e da Ação Humanitária (Apeah), “as condições de detenção são terríveis”.

De outubro de 2006 a junho de 2008, 6.745 pessoas passaram pelo centro de detenção. Em média, 300 por mês, segundo. Em julho último, porém, o número passou de 500

O representante da Cruz Vermelha contesta essas declarações “alarmistas”, mas revela também que os comentários mordazes de seu predecessor lhe custaram o posto. Ould Hamada preocupa-se principalmente com as condições de recondução à fronteira: “Na estrada, de Nouadhibou à fronteira senegalesa, os migrantes não recebem nenhuma assistência”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol prometeu, em visita oficial a Nouadhibou em 8 de julho, que uma delegação de seu ministério, acompanhada por funcionários do ministério do Interior, iria ao centro “para verificar de perto a questão dos direitos humanos”.

De outubro de 2006 a junho de 2008, 6.745 pessoas passaram pelo centro de detenção. Em média são 300 por mês, segundo os números da Cruz Vermelha espanhola. Em julho último, porém, o número de detentos passou de 500.

Desde 2005, ano marcado pela intensificação da repressão, a travessia para a Europa é mais controlada no estreito de Gibraltar, onde apenas 15 quilômetros separam o Marrocos da Espanha. Os enclaves espanhóis no Marrocos, em Ceuta e Melilla tornaram-se quase inacessíveis e praticamente todos os campos informais de migrantes instalados nos arredores dessas cidades desapareceram.

Por isso, as embarcações estão partindo da costa sul do Marrocos, em Tarfaya, Laayoune e Dakhla. Ou até mesmo de Saint-Louis e de Dacar, no Senegal, que ficam a 1.500 quilômetros das Ilhas Canárias. A viagem torna-se ainda mais perigosa porque os barcos que fazem trajetos mais longos pelo mar aberto, para evitar as águas territoriais patrulhadas.

Na metade do caminho entre o oeste da África e o Magreb, Nouadhibou é considerada um ponto de partida privilegiado. As indústrias da pesca e da mineração atraem, desde o início dos anos 1950, a mão-de-obra subsaariana. O trecho mauritano da rodovia transaariana Senegal–Marrocos, concluído em 2004, estimulou ainda mais os movimentos migratórios para o porto.

Em 2006, como reação ao rápido recrudescimento dos desembarques clandestinos, a Espanha reativou um acordo de deportação assinado com a Mauritânia três anos antes: qualquer pessoa suspeita de ter passado pelo solo mauritano para alcançar ilegalmente as Ilhas Canárias seria obrigatoriamente reenviada a Nouadhibou ou a Nouakchott, a capital.

O plano parece não estar funcionando. Na Mauritânia, a idéia fixa sobre segurança é motivo de preocupação para as associações locais. Mas não desencoraja os “clandestinos”

Em abril do mesmo ano, a agência européia Frontex, encarregada do controle das fronteiras externas da União Européia, implantou um sistema de vigilância em Nouadhibou. Duas vedetes – um avião de patrulha e um helicóptero – foram colocadas à disposição das autoridades mauritanas. A cooperação com os países ditos “de origem” ou “de trânsito” dos imigrantes clandestinos é parte essencial das políticas européias adotadas, principalmente, pela França e Espanha. O Pacto Europeu para a Imigração, apresentado em 7 de julho pelo ministro francês da Imigração e da Identidade Nacional, Brice Hortefeux, a seus colegas encarregados da Justiça e dos Assuntos Internos da União Européia, reforça esse tipo de acordo e ressalta o papel central da agência Frontex. “Guantánamo”, na verdade, é apenas uma parte do dispositivo de dissuasão.

Em resposta às recentes críticas da Anistia Internacional, o secretário de estado espanhol encarregado da segurança, Antonio Camacho, observou que “a Espanha não fez, em momento algum, pressão sobre a Mauritânia ou sobre qualquer outro Estado soberano para que reforçassem sua política em matéria de imigração”. Segundo o jornal El País [2], isso não impediu Madrid de entregar, pela quantia simbólica de cem euros, três aviões de patrulha C-212 ao Senegal, à Mauritânia e a Cabo Verde.

O plano parece não estar funcionando. Na Mauritânia, a idéia fixa sobre segurança é motivo de preocupação para as associações locais. Mas não desencoraja os “clandestinos”. “Pelo menos uma embarcação parte toda semana para a Europa e esse é um segredo de polichinelo”, declara Ba Djibril, jornalista de Nouadhibou e secretário-geral da Apeah. “Os imigrantes se instalam aqui para trabalhar, às vezes por um longo período, mas, para eles, a partida para a Europa é uma certeza”, completa.

Armelle Choplin, geógrafa e mestra de conferências da Universidade de Paris-Est, observa que, “nem todos os 20 mil estrangeiros que vivem em Nouadhibou desejam partir. Mas é difícil estabelecer categorias de migrantes. Aquele que acredita apenas passar por Nouadhibou pode muito bem ver-se forçado a se estabelecer ali para sempre, enquanto o estrangeiro que não tem como projeto a travessia para a Europa pode, de repente, decidir tentar a sorte, porque apareceu uma oportunidade”. Claro, agora estamos longe das cinco partidas de imigrantes por noite, observadas pela geógrafa em 2006. Mas, para ela, “o dispositivo de controle implantado pela União Européia opera mais como um filtro do que como um obstáculo”.

Para a maioria, a repressão e os cadáveres não acabam com o sonho. Novos migrantes se dirigem a Nouadhibou: “Dizem que daqui é possível ver as luzes da Europa refletidas na água”

Em Nouadhibou, os relatos de travessias clandestinas são freqüentes. Certamente, existem aqueles que não querem mais ouvir falar da Europa. É o caso de Salimata, comerciante de peixe seco: como outros tantos senegaleses, malineses ou guineanos que vivem em Nouadhibou há anos, ela não tem nenhuma intenção de deixar a Mauritânia. “Meu marido e meu filho de 9 anos morreram no mar. Como eu poderia querer partir? Ele trabalhava no porto. Um dia, um homem veio lhe propor ser capitão e conduzir uma embarcação para a Espanha. Disseram que os espanhóis precisavam de braços para colher frutas. Eu tentei dissuadi-lo, mas ele partiu levando nosso filho único, acreditando que a Cruz Vermelha cuidaria dele, que poderia estudar.”

Para a maioria, a repressão e os cadáveres encontrados no litoral não acabam com o sonho. Há aqueles que fracassaram várias vezes, enganados por atravessadores ou presos pelos guardas. Todavia, basta juntarem novamente a soma necessária para a passagem – que pode chegar a mil euros – para voltarem ao mar. “Eu tentei a travessia duas vezes, com meu bebê de 2 anos. Na primeira vez, nos perdemos no mar. Navegamos por cinco dias e voltamos. Na segunda vez, a guarda costeira marroquina nos pegou”, conta Aissata, uma jovem guineana de 27 anos. Interrogada sobre sua determinação, ela responde, sorrindo: “Vocês sabem, a gente pode escolher entre o sofrimento e a morte”.

É impossível ter a conta exata de quantas pessoas desapareceram no mar. O governo espanhol arrisca a cifra de 67 afogamentos ao longo da costa da Península Ibérica e das Ilhas Canárias em 2007, mas o número de mortos estimado é muito mais elevado. Apesar das tragédias, algumas belas histórias bastam para sustentar o mito da partida fácil. “Aqueles que querem partir se baseiam na experiência dos que chegaram à Espanha, não nos naufrágios ou prisões”, diz Ba Djibril. Novos migrantes se dirigem a Nouadhibou, atraídos por um sonho de força irresistível, como testemunha Salimata: “Dizem que daqui é possível ver as luzes da Europa refletidas na água”.



[1] Mauritanie. ‘Personne ne veut de nous’. Arrestations et expulsions collectives de migrants interdits d’Europe, Londres, 1º de julho de 2008.

[2] “España despliega en África una armada contra los cayucos”, El País, Madri, 17 de julho de 2008.