domingo, 14 de novembro de 2010

O Western Americano e o Western Europeu- Conclusão

Créditos: Paulo Néry em seu blog Filmes Antigos Club

Terminando esta série de artigos sobre as diferenças entre o gênero estritamente feito nos EUA, mas que os europeus (italianos e espanhóis) moldaram que um pouco mais que realisticamente, vou falar sobre como os americanos reagiram ao sucesso dos europeus, o fim dos “faroestes spaghetti”, e a decadência do gênero nos EUA, embora com um “leve retorno” ao gênero no início dos anos de 1990.

Todo aquele sucesso dos westerns europeus acabou de fato provocando uma nova onda de faroestes americanos, pois aparentemente enciumados, Hollywood voltou a dar atenção ao gênero, mas desta vez, todos os clichês e moldes mitológicos do tema, e a legenda áurea de seus cowboys, eram substituídos por assuntos mais sérios e polêmicos dentro do Velho Oeste.

Nos Estados Unidos, a partir de 1964, foi feito faroestes quase que similares aos europeus, pois seus “mocinhos” já não eram os mocinhos dos áureos tempos, mas sim personagens perturbados, sofridos, e muitas vezes traumatizados, ou como outras vezes, pessoas frias que impunham o medo dentro de comunidades, como foi o caso de Yul Brynner (1915-1985) em Convite a um Pistoleiro (Invitation to a Gunfighter), que foi uma produção de Stanley Kramer. Já o diretor Martin Ritt resolveu seguir os passos de Sergio Leone, em Quatro Confissões (The Outrage), um western violento abordando estupro e assassinato, algo nada visto anteriormente nos faroestes americanos. No elenco, Paul Newman, Claire Bloom, Laurence Harvey e Edward G. Robinson.

O outro, dos bons mas ignorado Rio Conchos (idem), dirigido por Gordon Douglas, de estrelado por Stuart Whitman e Richard Boone; e Crepúsculo de uma Raça (Cheyenne Autumm), último western dirigido pelo Mestre John Ford (1895-1973), onde ele defendeu a causa dos índios e procurava se redimir pela matança deles durante toda sua carreira. Como ele mesmo disse: “Matei mais índios no cinema do que o General Custer nos campos de batalha!”. O filme, com locações no Monument Valley – como grande parte dos westerns do diretor que faleceu em 1973- resultou lento e cansativo em seus quase 160 minutos de projeção, e nem o elenco all-star, como Richard Widmark (grande mocinho dos faroestes americanos da década de 1950), Carroll Baker, Ricardo Montalban, Gilbert Roland, Edward G. Robinson, Dolores Del Rio, e numa participação, James Stewart.


Mas nem todos em Hollywood queriam aceitar estas mudanças. Os heróis dos faroestes Classe B americanos (conforme explicado na parte 1), ainda representados por Rory Calhoun, Audie Murphy, e Dale Robertson (este ainda vivo), ainda preferiram ser os mocinhos “limpinhos e barbeados”, muito embora Murphy (que morreu em maio de 1971 num acidente aéreo) foi o mais assíduo e aproveitou o embalo dos westerns spaghetti e protagonizou Bandoleiro Temerário (The Texican), dirigido por Sidney Salkow e rodado na Espanha, onde ainda tinha no elenco (e como vilão) um ator ganhador do Oscar (e com a carreira em declínio) – Broderick Crawford (1911-1986).


Em 1969, Elvis Presley (1935-1977) também estrelou um western americano com moldes “Spaghetti”, Charro (idem). Elvis, cujo seu primeiro filme era um western (Ama-me com Ternura/Love-me Tender, 1956) e em 1960 foi o astro de Estrela de Fogo (Flaming Star), em papel reservado para Marlon Brando, não ficou nada mal como um pistoleiro a lá Django, com barba por fazer e tudo mais.

Ainda na década de 60, e em seus meados, a disputa continuava cada vez mais acirrada entre os americanos e europeus, e por isto, alguns diretores hollywoodianos deixaram o orgulho de lado e passaram a imitar os Spaghetti, como é o caso de A Marca do Vingador (Ride Beyond), estrelado pelo astro da série de TV O Homem do Rifle, Chuck Connors (1921-1992), e contando ainda com Michael Rennie, Bill Bixby (da série O Incrível Hulk), e Claude Akins, com quem tem com Connors uma sensacional cena de luta num saloon, onde é explícito a violência e o tema da vingança, muito comum nos faroestes italianos.

OS PROFISSIONAIS (The Professionals), de Richard Brooks, situou esta obra no México como a maioria dos concorrentes latinos, e estrelado por um elenco de primeira grandeza: Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, Jack Palance, e não por coincidência, uma atriz italiana, se não mais que a bella Claudia Cardinale.

SANGUE EM SONORA (Appaloosa), em 1966, dirigido por Sidney J. Furie, também utilizou locações mexicanas. Western racista e muito violento, estrelado por Marlon Brando e John Saxon.
E quem diria, o MAIS SPAGHETTI WESTERN AMERICANO DE TODOS: A MARCA DA FORCA (Hang em High), em 1968, produzido e estrelado por Clint Eastwood, já consagrado, que tão logo voltou ao Estados Unidos resolveu projetar uma película aos moldes de seu grande Mestre, Sergio Leone. Para dirigi-lo, Clint chamou Ted Post, um velho conhecido dos tempos em que ele estrelava a série de TV Couro Cru (Rawhide). A boa acolhida da maioria desses filmes deixou claro que o público agora dava preferência a faroestes mais realistas, e que aqueles “cowboys imaculados” portando revólveres reluzentes de coronha de marfim, estavam com seus dias contados.
Apesar daquela nova tendência, John Wayne (1907-1979), com seus faroestes tradicionais, ainda continuava sendo sinônimo de bilheteria. Com o sucesso estrondoso de Meu ódio será sua Herança (The Wild Bunch), em 1969, de Sam Peckimpah (1928-1983), os produtores acharam que era o momento oportuno para o veterano ator de 62 anos voltar ao seu habitat e experimentar o novo estilo. Wayne concordou, mas com uma condição: teria que ser a sua maneira.

O resultado foi Bravura Indômita (True Grit), dirigido por Henry Hathaway, não era propriamente um western desmistificador e nem muito violento, mas certamente, era diferente dos filmes que o velho Duke vinha fazendo por quase 40 anos. Seja como for, Wayne ficou perfeito no papel do delegado gordo, bêbado e falastrão, usando um tapa-olho, tão perfeito que acabou ganhando o Oscar de melhor ator do ano (que mereceria muito mais por Rastros de ódio/The Searchers, 1956 caso fosse indicado). Uma nova versão de Bravura Indômita em breve chegará aos nossos cinemas, com Jeff Bridges no papel que foi de Wayne.


A PARTIR DA DÉCADA DE 1970, Hollywood mergulhou de cabeça no Western violento e desmistificador (algo que não agradava John Wayne, este um tradicional e devoto admirador da legenda áurea do gênero), para competir com os europeus. Um bom exemplo disso é um western dirigido por Michael Winner (o mesmo de “Desejo de Matar”, com Charles Bronson), que escolheu a dedo dois dos maiores atores que o cinema já teve: Burt Lancaster (1913-1994) e Robert Ryan (1909-1973), amigos na vida real e que pela segunda vez voltavam a trabalhar juntos (a primeira foi também no Western “Os Profissionais” (1966), e a terceira e última no drama político “O assassinato de um Presidente” (1973), que foi o último filme de Ryan, que morreu em julho de 1973), em MATO EM NOME DA LEI/Lawman , em 1970. Lancaster ainda participaria em Quando os Bravos se encontram e A Vingança de Ulzana, que abusaram da violência ao extremo, temperando o filme com psicologia e racismo.

E OS FAROESTES ITALIANOS?

Enquanto isso, na Europa, os últimos cineastas a explorarem o estilo “tradicional” (que eles já consideravam violento), davam uma releitura em um estilo cômico (como nas séries de “Trinity”, com Terence Hill e Bud Spencer), mas depois de uma dúzia de filmes como estes, já mostravam sinais de extremo desgaste, e o tradicional Bang Bang à Italiana, apesar de ter durado bem, estava com seus dias contados como o gênero em geral (mesmo os americanos). Mas mesmo assim, os faroestes spaghetti poderiam contar com diretores como Sergio Corbucci, Sergio Leone, Duccio Tessari, entre outros, e mocinhos europeus como Franco Nero (que para quem não sabe, recentemente participou de uma minisérie sobre a vida de Santo Agostinho, interpretando o religioso na fase da velhice), Giuliano Gemma, Tomas Milian, Terence Hill, entre outros.


Entre 1963 a 1978, foram produzidos cerca de 600 westerns europeus. E foi nesse ano de 1978 que veio a acabar definitivamente a munição do Bang Bang à Italiana. Sella D’ Argento (Sela de Prata- 1978), dirigido por Lucio Fulci, e estrelado por Giuliano Gemma e Ettore Manni, é considerado oficialmente o último faroeste europeu do cinema.

Odiado pelos puristas e considerado trash pela crítica, mas queira ou não, os westerns spaghettis foram responsáveis pelo revigoramento dos faroestes de Hollywood, que não saíam dos mitos, e deram uma retomada. Se não fosse pelos europeus, teríamos sido privados de obras como “Meu ódio Será sua Herança”, “Josey Wales”, e “O Pequeno Grande Homem”.


CONTUDO, a retirada dos Westerns europeus não significou a vitória dos americanos. O premiado diretor Michael Cimino (5 Oscars por Franco-Atirador, incluindo melhor diretor) tinha a plena convicção que o western em estilo épico que estava prestes a dirigir para a United Artist seria um dos grandes ápices de sua carreira. O Portal do Paraíso, entretanto, não conseguiu repercussão nos Estados Unidos, embora os franceses tenham gostado. Isto motivou a expulsão de Cimino em Hollywood e o início da falência da United Artist. A maioria dos estúdios evitavam o gênero, e com isto, o Western, gênero americano por excelência, parecia estar com seus dias contados.

Em 1985, Clint Eastwood produziu e dirigiu O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider), onde estrelou como um “Pistoleiro sem nome e sobrenatural”, mas um pistoleiro do bem. O roteiro escolhido por Eastwood era uma mistura de Shane e Matar ou Morrer, dois clássicos por excelência do gênero, mas nem por isso, fez tanto sucesso. Eastwood voltaria novamente ao gênero em 1992, dessa vez em um tema psicológico e desmistificador, em Os Imperdoáveis (Unforgiven), onde estrelou e dirigiu. No elenco, Gene Hackman como um bom vilão, Morgan Freeman, e o talentoso Richard Harris.

Aqui, Eastwood fazia o papel de um ex-pistoleiro frio e sanguinário perseguido pelos fantasmas do passado, que embora regenerado, volta a empregar em armas para ajudar uma prostituta que foi estraçalhada. O filme foi um grande sucesso de crítica e público, e possibilitou uma pequena volta ao gênero na década de 1990 aos cinemas (Wyatt Earp, Tombstone- A Justiça esta Chegando, Quatro Mulheres e um Destino, Rápida e Mortal, este estrelado por Sharon Stone), principalmente, graças aos 4 (quatro) Oscars conquistados, onde Clint Eastwood, então com mais de 30 anos em Hollywood, subiu ao palco para receber a estatueta de melhor diretor; Gene Hackman foi o melhor ator coadjuvante; OS IMPERDOÁVEIS ganhou o Oscar de melhor filme de 1992, além de quebra, ter ganho também um Oscar de melhor edição.
 
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BIBLIOGRAFIA: 100 ANOS DE WESTERN- Autor: Primaggio Mantovi- Editora Opera Graphica.

EUA: Indignação mal orientada


Os cidadãos querem respostas e não as estão a obter, excepto de vozes que contam histórias com alguma coerência interna para quem entre no mundo deles, de irracionalidade e mentira. Por Noam Chomsky
Manifestação do Tea Party. Foto de Fibonnaci Blue, FlickR

As eleições intercalares nos EUA registaram um nível de raiva, medo e desilusão no país como não me lembro em toda a minha vida. Desde que estão no poder, os democratas carregam o peso da revolta contra a nossa actual situação socioeconómica e política.
Numa sondagem da Rasmussen, no mês passado, mais de metade dos americanos da corrente dominante disseram que encaram positivamente o movimento Tea Party, um reflexo do espírito de desencanto.
Os ressentimentos são legítimos. Há mais de 30 anos que os rendimentos reais da maioria da população estagnaram ou baixaram, enquanto que as horas de trabalho e a insegurança aumentaram, juntamente com a dívida. Foi acumulada riqueza, mas em muito poucos bolsos, conduzindo a uma desigualdade sem precedentes.
Estas consequências surgiram principalmente da financeirização da economia a partir dos anos 1970 e do correspondente esvaziamento da produção nacional. A impulsionar o processo está a obsessão pela desregulamentação apadrinhada por Wall Street e apoiada por economistas fascinados pelos mitos do mercado eficiente.
As pessoas assistem ao regozijo dos banqueiros, que foram em grande parte responsáveis pela crise financeira e que foram salvos da bancarrota pela comunidade, com os lucros recorde e os enormes bónus. Entretanto, o desemprego oficial permanece em cerca de 10 por cento. A indústria transformadora está nos níveis da Depressão: um em cada seis estão desempregados, os bons empregos têm poucas hipóteses de voltarem.
Os cidadãos querem justamente respostas e não as estão a obter, excepto de vozes que contam histórias com alguma coerência interna para quem suspenda o cepticismo e entre no mundo deles, de irracionalidade e mentira.
Contudo, ridicularizar o Tea Party é um erro grave. É muito mais útil perceber o que está por trás da atracção popular pelo movimento e perguntarmo-nos por que é que são precisamente as pessoas enraivecidas que estão a ser mobilizadas pela extrema-direita e não pelo tipo de activismo construtivo que cresceu durante a Depressão, como o CIO (Congresso das Organizações Industriais).
Agora, os simpatizantes do Tea Party estão a ouvir dizer que todas as instituições, o governo, as empresas e os sectores profissionais, estão podres e que nada funciona.
No meio do desemprego e das execuções de hipotecas, os democratas não se podem queixar das políticas que conduziram ao desastre. O presidente Ronald Reagan e os seus sucessores republicanos podem ter sido os maiores responsáveis, mas essas políticas começaram com o presidente Jimmy Carter e prosperaram sob a presidência de Bill Clinton. Durante a eleição presidencial, a base de apoio eleitoral de Barack Obama eram as instituições financeiras, que adquiriram notável supremacia sobre a economia na geração anterior.
O incorrigível radical do século XVIII Adam Smith, falando da Inglaterra, observou que os principais arquitectos do poder eram os donos da sociedade; na sua época, os comerciantes e os fabricantes, que se certificaram de que a política do governo atenderia escrupulosamente aos seus interesses, por mais "doloroso" que fosse o impacto sobre o povo de Inglaterra, e pior, sobre as vítimas da "injustiça selvagem dos europeus" no exterior.
Uma versão moderna e mais sofisticada da máxima de Smith é a "teoria do investimento na política" do economista político Thomas Ferguson, que encara as eleições como ocasiões em que grupos de investidores se juntam para controlar o estado, seleccionando os arquitectos das políticas que irão servir os seus interesses.
A teoria de Ferguson acaba por ser um indicador muito eficaz da política durante longos períodos. Dificilmente isto surpreende. As concentrações de poder económico procurarão naturalmente alargar a sua influência a todo o processo político. Acontece que a dinâmica é extrema nos EUA.
Pode ainda dizer-se que os grandes especuladores das empresas têm uma defesa válida contra as acusações de "ganância" e desrespeito pelo bem-estar da sociedade. A sua missão é maximizar o lucro e a quota de mercado; na verdade, é a sua obrigação legítima. Se não cumprirem essa função, serão substituídos por alguém que o faça. Eles ignoram também o risco sistémico: a probabilidade das suas operações prejudicarem a economia em geral. Essas "externalidades" não os preocupam, não por serem más pessoas, mas por razões institucionais.
Quando a bolha estoura, os que arriscaram podem fugir para o abrigo do Estado protector. Os resgates financeiros, uma espécie de apólice de seguro governamental, estão entre os muitos incentivos perversos que aumentam as ineficiências do mercado.
"Há um reconhecimento crescente de que o nosso sistema financeiro está a aproximar-se do dia do Juízo Final", escreveram os economistas Peter Boone e Simon Johnson, no Financial Times, em Janeiro. "Sempre que ele falha, contamos com o dinheiro e as políticas fiscais negligentes para o resgatar. Esta resposta aconselha o sector financeiro: aposta em grande para seres pago regiamente, não te preocupes com os custos, que serão pagos pelos contribuintes" através de resgates e outros mecanismos, e o sistema financeiro "é, assim, ressuscitado para voltar a jogar e voltar a falhar".
A metáfora do Juízo Final também se aplica fora do mundo financeiro. O Instituto Americano do Petróleo, apoiado pela Câmara de Comércio e outros lobbies empresariais, tem intensificado os seus esforços para persuadir o público a descartar as preocupações sobre o aquecimento global antropogénico, com considerável sucesso, como as sondagens indicam. Entre os candidatos republicanos ao Congresso nas eleições de 2010, praticamente todos rejeitam o aquecimento global.
Os executivos por trás da propaganda sabem que o aquecimento global é real e que as nossas perspectivas são sombrias. Mas o destino da espécie é uma externalidade que os executivos têm de ignorar, na medida em que prevalecem os sistemas de mercado. E o público não conseguirá caminhar para a salvação, quando se desenrola o pior cenário.
Tenho idade suficiente para me lembrar daqueles dias deprimentes e ameaçadores do declínio da Alemanha, da decência para a barbárie nazi, para usar as palavras de Fritz Stern, o ilustre estudioso da história alemã. Num artigo de 2005, Stern refere que tinha o futuro dos Estados Unidos em mente quando reviu "um processo histórico em que o ressentimento contra um mundo secular desencantado encontra alívio no escape extático da irracionalidade."
O mundo é demasiado complexo para que a história se repita, mas há, todavia, lições a reter à medida que notamos as consequências de mais um ciclo eleitoral. Não faltam tarefas aos que tentam apresentar uma alternativa à raiva e indignação mal orientadas, ajudando a organizar os inúmeros descontentamentos e a mostrar o caminho para um futuro melhor.
Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net

Correntes do PT-RS se movimentam para conquistar mais espaço no governo Tarso


Wilson Dias/ABr
Tarso: impostos de micro e pequenas empresas serão desonerados / Foto: Wilson Dias/ABr

Rachel Duarte no Sul21

Dos nove nomes anunciados pelo governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), para o secretariado, cinco são quadros do PT, que contemplam três das sete principais correntes que compõem o partido no estado. Passado pouco mais de um mês da sua eleição, em primeiro turno, Tarso já tem definido um terço do primeiro escalão.
Os critérios adotados pelo futuro governador para a escolha dos nomes são: competência técnica; votação obtida na última eleição por candidatos das correntes petistas e dos partidos aliados; relação de confiança do indicado com o próprio Tarso; peso político do escolhido e, ainda, a busca pela maioria na Assembleia Legislativa. Integrantes das mais diversas correntes do PT afirmaram ao Sul21 que Tarso Genro não tem privilegiado nenhuma das correntes.

Partido Plural

A composição do secretariado tem se mostrado uma tarefa complexa para Tarso, porque o PT é um partido plural, formado desde a sua origem por diferentes grupos de pensamento. Ao mesmo tempo, em seus oito anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ensinou que a governabilidade passa por uma ampla coalizão. Tarso Genro, responsável pela articulação politica no governo Lula, seguirá o exemplo do líder. Com base na experiência obtida em dialogar com partidos das mais diferentes tendências, o governador eleito vem conversando com as legendas da Coligação Unidade pelo Rio Grande (PSB, PCdoB e PR), que o elegeu, e com as que convidou a participar do seu governo, como o PDT e o PTB.
Ao viajar para a Europa, Tarso deixou o vice-governador eleito, Beto Grill (PSB), e o futuro secretário do Planejamento, João Motta (PT), encarregados de dar seguimento ao diálogo com os demais partidos, incluindo o PMDB, adversário do PT na disputa pelo Piratini.
Fabiano Pereira /Divulgação Assembleia Legislativa

Diálogo essencial

Para o deputado estadual Fabiano Pereira (PT), da corrente PT de Luta e Massa, o diálogo dentro do partido é essencial para lidar com os descontentamentos individuais que eventualmente surjam quando o governo é amplo. “É preciso manter a representatividade de um governo plural. As correntes não podem estar acima do partido e dos interesses do estado. Para um governo de coalizão ampla, o essencial é consenso”, explica. Ele revela que, desde o início do processo eleitoral, o PT já tinha claro que seria necessário ampliar a governança. “A decisão pela coligação com PCdoB e PSB foi acordada entre todas as correntes, bem como com os apoiadores trabalhistas e petebistas. Ninguém quer avançar o sinal, para não eliminar os espaços para os apoios que darão maioria na Assembleia para o governador governar”, afirma.
Apesar dos constantes diálogos e das sugestões das correntes, a decisão final dos nomes está sendo do próprio governador. Com a divisão dos cargos entre os partidos aliados, “o que sobrar será conversado entre as correntes”, disse Fabiano Pereira. As estatais mais fortes, como a Corsan e a CEEE, estariam no páreo desta disputa interna do PT.
Na avaliação do presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell (PT), da corrente Construindo um Novo Brasil, Tarso pode ter se precipitado em alguma das indicações, mas nenhuma escolha que fez compromete a relação com o PT. “Sempre haverá disputa e pessoas não contempladas, mesmo porque os espaços no governo são limitados”, disse. O vereador explica que a disputa se dá na área do convencimento e não pela determinação de cotas por correntes. Adeli lembra que o debate entre as correntes leva em conta também o espaço para os demais partidos e a eleição para a prefeitura de Porto Alegre. “Com a participação do PDT no governo Tarso até podemos vir a apoiar a candidatura de José Fortunati (PDT) à reeleição na prefeitura. Mas, isso exigiria a retirada de alguns secretários que hoje estão com ele e o ingresso do PCdoB ou do PSB na chapa”, opinou.
Adeli Sell / Divulgação CMPA

A razão das correntes do PT

Num partido, como o PT, composto por mais de 30 grupos distintos, a disputa por espaço é legítima. A organização do PT foi se modificando ao longo de seus 30 anos de existência. Atualmente, as correntes estão abrigadas em dois campos: Construindo um Novo Brasil e Mensagem.
A maioria das correntes petistas, como a Unidade na Luta, Ação Democrática e os grupos independentes, estão no campo Construindo um Novo Brasil. Já no campo Mensagem, estão as correntes PT Amplo, Democracia Socialista e Esquerda Democrática. Há ainda correntes importantes, como a Articulação de Esquerda e o Movimento PT. Recentemente, um grupo liderado pelo deputado Fernando Marroni e o prefeito de Canoas, Jairo Jorge, gerou uma nova corrente, o Novo Grupo, integrada ambém pela deputada eleita Miriam Marroni, mulher de Fernando. O casal deixou há bastante tempo o PT Amplo para integrar o movimento Maioria Nacional, bem como o grupo de Jairo Jorge, uma dissidência recente do PT Amplo. O Novo Grupo surgiu este ano, durante a campanha eleitoral e os movimentos para a formação do governo Tarso. O grupo pretende emplacar o nome do sociólogo Jorge Branco, ex-superintendente da Metroplan no governo Olívio Dutra. Ele está cotado para a secretaria de Meio Ambiente e parece ter recebido sinal verde de Tarso Genro.
As pretensões futuras de Tarso e o papel que ele pretende desempenhar no cenário nacional vão influenciar na composição do governo e na participação das correntes. Tarso precisar ser uma alternativa à maioria nacional, ainda comandada direta ou indiretamente por José Dirceu.
Bruno Alencastro/Sul21
Raul Pont / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Particularidades regionais

Segundo o cientista político Tarson Nuñes, o número de grupos dentro do PT tem particularidades regionais e se diferenciam nos estados brasileiros. “Cada corrente tem uma identidade própria e os campos são os aglutinadores dos pensamentos. A organização do partido em correntes pode gerar ambiente de conflito e tem uma necessidade de constantes reuniões, mas este formato evita o movimento excludente”, explicou.
Tarson falou que, historicamente o PT é um partido diferenciado, pois, reuniu pessoas de sindicatos, sobreviventes da clandestinidade no regime militar, religiosos e intelectuais de esquerda. Já o presidente do PT gaúcho, deputado estadual Raul Pont, diz que a existência das correntes tem ainda outra justificativa: O PT, partido de esquerda, não pode ser monolítico como foram outros partidos de esquerda no Brasil e no mundo.
“A nossa concepção de construção partidária é a de que, mesmo tendo programa definido, estratégico e claro, o partido de esquerda não pode ser de poucos tomando decisões para maiorias. Nós somos o único partido de esquerda de massas hoje no mundo dentro deste formato”, salientou Pont. Segundo o deputado, no estatuto do PT está assegurada a organização de tendências de opinião e seus integrantes têm direito a produzir boletins informativos e lançar chapas em momentos de eleição.
A composição do governo Tarso obedece ao seu jeito de fazer política, que, naturalmente, fortalece algumas lideranças, legitimando alguns quadros petistas. Algumas correntes, no entanto, podem divergir da forma de Tarso fazer política e se distanciar do seu governo.

A origem e os rompimentos

Nos primeiros anos, um bloco de sindicalistas e alguns intelectuais formavam o PT. Havia ainda os grupos que atuavam em outros setores da sociedade, como a Igreja, e que viviam na clandestinidade. Estes, lembra o deputado Raul Pont, foram classificados como petistas de duas camisetas. “Este debate foi muito forte no começo. E, a partir daí, se legitimaram os grupos em forma de correntes”, explica o presidente do PT RS, Raul Pont.
Durante os 30 anos do PT, alguns agrupamentos romperam com o partido ou foram expulsos. Entre os intelectuais de maior porte no PT, o sociólogo Chico de Oliveira passou para o PSol, assim como o economista Plínio de Arruda Sampaio. Da mesma forma, os setores mais à esquerda da Igreja Católica, também sofreram alguns afastamentos.
O PT, no entanto, foi se reciclando com o passar do tempo e as correntes conquistaram espaço proporcional na composição de governos, diretórios e demais instâncias partidárias. Em 2001, o partido decidiu por mudar a forma de escolha dos seus candidatos que era por meio de congressos e passou a ser por votação.
Na avaliação do deputado estadual Fabiano Pereira (PT), as correntes serviram para organizar o partido durante muito tempo, mas, apesar de serem boas, podem ser revistas. “As correntes ainda são boas, mas não podem ser utilizadas para um bloqueamento dentro do partido, de forma enfraquecida entre nós”, diz.
Para o presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell, o partido tem que se recriar e rever o sistema de muitas correntes. “Devemos apostar na organização do partido por setoriais e fortalecer os debates nas diferentes áreas para que possamos debater soluções para as diversas demandas da população”, acredita.

As correntes e seus líderes

No Rio Grande do Sul, há correntes em que a lidernça é exercida por apenas uma pessoa, enquanto em outras, ela aparece dividida, ou sendo disputada, por duas ou mais. A liderança pode sofrer altos e baixos de acordo com os resultados das eleições. Veja aqui quais são as correntes e seus líderes gaúchos:
Divulgação
Estilav Xavier / Foto: Divulgação

PT Amplo

O deputado Federal Paulo Pimenta e o ex-deputado federal Luiz Fernando Mainardi lideram o PT Amplo. No entanto, Estilac Xavier, pelo lugar conquistado no governo de Tarso (Secretaria Geral de Governo), voltou a ser uma das lideranças mais importantes da corrente, como era quando foi deputado. Ao defini-lo como secretário, Tarso reforçou a liderança de Estilac. Pimenta e, principalmente, Mainardi têm maiores ligações com os setores moderados do PT, enquanto Estilac, hoje, encontra-se mais próximo da Democracia Socialista – corrente do deputado estadual e presidente do PT, Raul Pont, e do futuro chefe da Casa Civil, Carlos Pestana. Com estas escolhas – Estilac e Pestana – Tarso sinaliza uma aproximação maior com a DS.
Elvino Bohn Gass/ Divulgação AL

Democracia Socialista

Apesar de estar muito dividida, a Democracia Socialista é, majoritariamente, liderada pelo presidente do PT, deputado estadual Raul Pont. Carlos Pestana, na prática um moderado, é homem de confiança de Pont. Eleito para a Câmara Federal, o deputado estadual Ronaldo Zulke expressa uma posição mais pragmática. Já o deputado Elvino Bohn Gass, que também é liderança importante na corrente, tem uma posição mais ligada ao sindicalismo.
Adão Villaverde / Marcos Eifler/ AL

Construindo um Novo Brasil

A maioria nacional, agrupada no Construindo um Novo Brasil, agrega muitas correntes, sendo a maior delas a Unidade na Luta, do deputado Villaverde. Outra corrente que compõe a Construinhdo um Novo Brasil é a Ação Democrática, do deputado federal Marco Maia e o deputado estadual Ivar Pavan. Diante dos resultado das eleições 2010 e de sua expressão pública, o deputado Adão Villaverde surge como um dos nomes mais importantes do Bloco. Já Marco Maia, reeleito para a Câmara Federal com 122.134 votos é uma figura importante na montagem tanto do governo de Tarso quanto no de Dilma. Ex-presidente da Assembleia, o deputado Ivar Pavan não conseguiu eleger-se para a Câmara Federal e a derrota transformou-o em figura secundária na corrente, abrindo espaço para outros nomes como o do deputado eleito Valdeci Oliveira, que poderá conquistar espaço no primeiro escalão de Tarso.
Divulgação
Maria do Rosário/ Divulgação

Movimento PT

A figura pública da corrente Movimento PT é a deputada federal reeleita Maria do Rosário. Seu marido, Eliezer Pacheco, é o “pensador estratégico” da corrente. Ele chegou a ser cotado para a secretaria de Educação do governo Tarso, mas espera manter-se no governo federal.
Bruno Alencastro/Sul21
Ary Vanazzi / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Articulação de Esquerda

A maior liderança do grupo é o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi, que inclusive conseguiu eleger a vereadora leopoldense Ana Affonso como deputada estadual. Desta corrente, o cotado para o governo Tarso é o secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano de São Leopoldo, Marcel Frison, bancado pelo próprio Vanazzi.
Fabiano Pereira / Divulgação AL

PT de Luta e Massa

Esta corrente é liderada praticamente por uma única pessoa: o deputado estadual Fabiano Pereira.
Flávio Koutzii /Divulgação

Esquerda Democrática

A Esquerda Democrática foi fundado por Flavio Koutzii, que vai assessorar o gabinete de Tarso. A corrente, que nasceu como uma dissidência dentro do partido, atua como braço auxiliar da Democracia Socialista. Apesar de ter se retirado da atividade parlamentar e da direção da corrente, Koutzii segue sendo o comandante de fato da Esquerda Democrática, integrada, também, pelo deputado federal Henrique Fontana. Esta é uma corrente que se identifica com o governo Lula.