quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Turquia, na vanguarda da Primavera Árabe


Pepe Escobar, Asia Times Online, Tradução: Vila Vudu

Finalmente. Cristalinamente claro. Alguém, afinal, disse o que todo mundo – exceto Washington e Telavive – sabe no fundo do coração coletivo mundial: o reconhecimento de um estado palestino “não é escolha, é obrigação”.
E foi prodigioso que o homem que o disse tenha sido o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no Cairo, para a Liga Árabe, à frente de todos os ministros árabes de Relações Exteriores, com virtualmente todo o mundo árabe de olhos colados às telas de televisão conectadas por satélite, e cada palavra de Erdogan sob cerrado escrutínio.
O atual tour de Erdogan pela Primavera Árabe – como noticiou a imprensa turca – passando por Egito, Tunísia e Líbia, já o havia catapultado ao status de equivalente geopolítico de cruza de Bono, do U2, com o argentino Lionel Messi, superstar da equipe de futebol do Barcelona.
Erdogan teve recepção de estrela do futebol/rock no aeroporto do Cairo – completada com faixas e “Erdogan Herói” brandidas pela Fraternidade Muçulmana. Até falou em árabe à multidão (de “Saúdo a juventude e o povo do Egito. Como vão vocês?” até “Que a paz esteja com vocês”).
Erdogan repetiu várias vezes que “Egito e Turquia andam de mãos dadas”. Mas o subtexto foi ainda mais incendiário. No momento em que dois bons ex-amigos de Israel, Egito e Turquia andam de mãos dadas, Israel foi deixada isolada, de cara para um muro. Não poderia haver desenvolvimento mais radicalmente redemarcador em todo o Levante – coisa que jamais se viu desde os acordos de paz de Camp David, entre Israel e o Egito, em 1978.
Divulgador militante modelo
O tour de Erdogan é lição magistral de realpolitik. Está posicionando a Turquia como vanguarda do apoio à causa dos palestinos. Também está posicionando a Turquia no núcleo duro da Primavera Árabe – como apoiador e modelo inspiracional, apesar de, até agora, ainda não ter havido revolução às veras. Está enfatizando uma sólida unidade turco-árabe – planejando, por exemplo, um conselho de cooperação estratégica entre Egito e Turquia.
Além do mais, a coisa toda faz bom sentido em termos de business. A caravana de Erdogan inclui seis ministros e quase 200 empresários turcos – interessados em investir pesadamente em todo o norte da África. No Egito, talvez não igualem os bilhões de dólares já prometidos pela Casa de Saud à junta militar liderada pelo marechal-do-ar Mohammed Tantawi. Mas em 2010, o comércio turco com o Oriente Médio e Norte da África já era de quase $30 bilhões, 27% das exportações da Turquia. Mais de 250 empresas turcas já investiram $1,5 bilhão no Egito.
Crucialmente importante, Erdogan disse ao canal Dream da televisão egípcia: “Não desconfiem do secularismo. Espero que haja estado secular no Egito.” Erdogan referia-se sutilmente à constituição secular da Turquia; ao mesmo tempo, cuidadosamente, lembrava aos egípcios que o secularismo é compatível com o Islã.
O atual modelo turco é enormemente popular na rua egípcia, com partido islâmico moderado no poder (o partido Justiça e Desenvolvimento, AKP); constituição secular; militares – embora fortes – na caserna; e florescente boom econômico (a Turquia foi a economia que mais cresceu, em todo o mundo, no primeiro semestre de 2001).[1]
Esse modelo não é exatamente o que deseja a reacionária Casa de Saud. Prefeririam governo pesadamente islâmico controlado pelas facções mais conservadoras da Fraternidade Muçulmana. Pior: no que tenha a ver com a Líbia, a Casa de Saud adoraria ter lá um emirado amigo, ou, pelo menos, governo salpicado com islâmicos fundamentalistas.
Erdogan também destacou que a “agressividade” de Israel “é ameaça ao futuro do povo israelense”. É música aos ouvidos da rua árabe. O presidente palestino Mahmoud Abbas encontrou-se com Erdogan no Cairo – e confirmou que levará adiante o pedido para que a Palestina seja reconhecida como estado pelo Conselho de Segurança da ONU ainda nesse mês de setembro.
A Palestina será definitivamente aceita como estado membro sem direito a voto pelo plenário da Assembleia Geral da ONU. O problema é o Conselho de Segurança extremamente não representativo – ao qual compete sancionar o direito dos membros plenos, que votam. Claro que Washington vetará. A União Europeia fraturada, fiel ao próprio caráter, ainda não decidiu se votará como bloco. Há forte possibilidade de que Grã-Bretanha e França também vetem o pedido dos palestinos ao Conselho de Segurança.
Mas mesmo que só alcancem o prêmio de consolação de tornar-se estado membro sem voto, ainda assim os palestinos alcançarão uma vitória moral – alinhada com o que deseja a opinião pública mundial. Como estado membro, e mesmo sem o direito a voto, a Palestina poderá tornar-se estado membro da Corte Criminal Internacional, indispensável para processar Israel até o Juízo Final, por violação serial da legislação internacional.
Seguir o chefe
O jogo da Turquia vai muito além de algum ‘neo-otomanismo’ – ou nostalgia de reviver dias de superpotência dos séculos 16 e 17. É desenvolvimento natural da política de “zero problemas com nossos vizinhos” do ministro Ahmet Davutoglu das Relações Exteriores – que se move para criar vínculos mais profundos com a maioria desses vizinhos e consolidar o que o próprio Davutoglu define como destino estratégico da Turquia[2].
A Turquia, há alguns anos, abandonou decididamente uma deriva isolacionista do nacionalismo turco. O país parece ter afinal superado o trauma associado ao sonho de unir-se à União Europeia; para todas as finalidades práticas, o sonho foi destruído por França e Alemanha.
Quanto à aliança Israel-Turquia, de fato afastou o mundo árabe e confinou a Turquia a um papel passivo, de marginal sem qualquer ação efetiva no Oriente Médio. Já não é assim. Erdogan pode agora enviar várias mensagens simultâneas a Israel, EUA, União Europeia, a um sortido de líderes árabes e, sobretudo, diretamente à rua árabe.
Davutoglu tem sido relativamente magnânimo em relação a Israel, dizendo que “está sem contato com a região e incapaz de ver as mudanças que estão acontecendo, o que impossibilita que [Israel] mantenha relações saudáveis com os vizinhos”.
Poderia ter acrescentado que com ‘amigos’ como aqueles – Benjamin Netanyahu, como primeiro-ministro; o ex-leão-de-chácara na Moldávia Avigdor Lieberman como ministro de Relações Exteriores; colonos judeus fanáticos ditando políticas – Israel não precisa de inimigos ou, então, que produz inimigos em massa. Foi o próprio governo de Israel que acelerou a aproximação entre Turquia e Egito – o que está deixando Israel totalmente isolada.
O toque de gênio de todo o processo é que Erdogan representa uma democracia em país de maioria muçulmana, fortemente apoiado tanto pelos palestinos quando pelos verdadeiramente pró-democracia na Primavera Árabe. Assim se gera uma conexão direta entre a tragédia dos palestinos e o espírito da Primavera Árabe (que nada tem a ver, vale destacar, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, bombardear a Líbia, ou com uma junta militar governar o Egito).
Será crucialmente decisivo observar o que acontecerá com o partido AKP, de raízes islâmicas, de Erdogan. É praticamente certo que, nas próximas eleições no Egito, a Fraternidade Muçulmana aparecerá jabeando. É também praticamente certo que a Fraternidade pressionará na direção de relacionamento minimalista com Israel, inclusive com revisão completa dos acordos de Camp David. Teoricamente, a Turquia apoiará tudo isso.
E há ainda o front líbio. No primeiro discurso em Trípoli, o presidente do sinistro Conselho Nacional de Transição, Mustafa Abdel Jailil, destacou que a lei islâmica, Xaria, seria a principal fonte da legislação. Mas acrescentou, rápido: “Não aceitaremos nenhuma ideologia extremista, à esquerda ou à direita. Somos povo muçulmano, por um Islã moderado.”
Não há qualquer sinal ainda, sequer, de que o Conselho de Transição consiga manter a integridade do país, para nem falar de ter condições para promover “Islã moderado”. Os abutres (estrangeiros) continuam rondando. O secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, andou avisando que a Líbia corre o risco de cair em mãos de extremistas islâmicos, que podem “tentar explorar” o atual vácuo de poder. Não se sabe com clareza que papel terá a Turquia – membro chave da OTAN – numa OTAN plenamente implantada na Líbia.
Dores heavy metal do parto
E tudo isso, enquanto as petromonarquias do Golfo Persa – horrorizada com a Primavera Árabe – propuseram ajuda direta anual de $2 bilhões à Jordânia, que assim se integraria ao Conselho de Cooperação do Golfo, também conhecido como Clube Contrarrevolucionário do Golfo. Como clube monarquista, o CCG quer a Jordânia e o Marrocos como novos membros. Mas a cereja do bolo seria, isso sim, uma Líbia monárquica.
Em trilha paralela, os contrarrevolucionários foram forçados pela Turquia a garantir – pelo menos verbalmente, apoio à Palestina. Até o rei Abdullah da Jordânia, sólido aliado dos EUA e único “amigo” de Israel que sobrou no Oriente Médio, já disse que “os futuros palestinos são mais fortes que Israel é hoje”.
Ora, Israel procurou por isso – depois da invasão do Líbano em 2006, do massacre de Gaza, em 2008 e do ataque à flotilha turca em 2010. Em termos de opinião púbica, Israel está frita – e até a contrarrevolução árabe teve de perceber.
Inclui-se aí a Casa de Saud. Ninguém menos que o ex-supremo da inteligência saudita, o príncipe Turki al-Faisal, publicou coluna no New York Times em que diz claramente, “líderes sauditas serão forçadas por pressões domésticas e regionais a adotar política exterior muito mais independente e assertiva”[3] se os EUA vetarem o pedido dos palestinos no Conselho de Segurança.
O príncipe Turki também destacou que tudo deve evoluir em torno de uma solução de dois estados baseado nas fronteiras de antes de 1967 – o que todos os grãos de areia do Sinai sabem que Israel jamais aceitará.
No caso de os EUA vetarem, o príncipe Turki ameaçou que a Arábia Saudita “fará oposição ao governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki no Iraque” e “se separará de Washington no Afeganistão e também no Iêmen”.
Imaginem, então, a Casa de Saud financiando prodigamente uma dupla guerra de guerrilhas por todo o “arco de instabilidade” do Pentágono – sunitas contra xiitas no Iraque, mais os já super hiper turbinados Talibã no Afeganistão –, ao mesmo tempo em que fazem lobby a favor de governos islâmicos no Egito e na Turquia; e, isso, enquanto Egito e Turquia, por sua vez, unem-se plenamente contra uma isolada e furiosa Israel. É. São essas as tais “dores do parto do novo Oriente Médio”.
NOTAS
           [1] “Robust private sector gives Turkey fastest H1 growth worldwide” Zaman, 12/9/201.
[2] Ver “Turkey: the sultans of swing”, Pepe Escobar, 7/4/2011, Asia Times Online, em inglês, e “Fazer andar outra vez o fluxo da história”, Ahmet Davutoglu, Al-Jazeera, 16/3/2011, em portuguê [NTs]

[3] 12/9/2011, New York Time.

‘Chutamos a bunda dos policiais!’


Estudantes impediram a entrada da PF na Unicamp. Foto: Divulgação

Uma operação da Polícia Federal foi frustrada hoje por um cordão de estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que impediu a entrada dos agentes. Segundo estudantes, a PF entrou no campus à paisana e sem mandado judical para levar equipamentos de uma rádio comunitária organizada por alunos. A Rádio Muda, alvo da operação, é um dos principais meios de comunicação usados pela comunidade acadêmica na Unicamp, segundo Carolina Filho, estudante de Ciências Sociais e coordenadora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade.
A operação ocorreu às 11h30 da quinta-feira 15. Segundo a estudante, não foi a primeira vez que a polícia tenta fechar a rádio, que não é oficializada. “Para os estudantes, é sempre mal vista a entrada da polícia no campus”, diz Carolina. Como o episódio já havia acontecido outras vezes, os alunos já estavam em alerta quanto a possíveis abordagens de policiais à paisana – provavelmente com intenção de sondar o ambiente.

Quando perceberam a aproximação, alunos da rádio se uniram para impedir a passagem. Estudantes que passavam pelo local se uniram, formando um aglomerado de cerca de 30 pessoas. Os policiais foram embora, mas indicaram que retornariam com o mandado.
Banner da Rádio Muda, organizada por estudantes da Unicamp. Foto: Divulgação

A Rádio Muda existe há mais de 10 anos e foi criada pelos próprios estudantes. Atualmente, conta com mais de 200 programadores, que tocam uma programação de hip-hop, MPB, reggae, rock, heavy metal, samba, hard-core e noise e falam sobre “futebol, esperanto e movimentos sociais” , segundo o site da instituição. Surgiu a partir de uma iniciativa de estudantes da Física e Engenharia Elétrica em 1994 e desde 1999 sua transmissão atinge diversos bairros da zona Norte de Campinas.
Ilustração de Larte para rádio Muda

No site da emissora, há relato de operações anteriores, em que equipamentos foram levados. Sobre o episódio desta quinta-feira, postaram: “Chutamos a bunda dos policiais!” e “Rádio Muda 4 X 1 PF+Anatel”. A rádio divulga também uma campanhas contra os grandes conglomerados da comunicação e pela democratização da radiodifusão. Conhecidas por muitos como rádio piratas, a Muda autodenomina-se como rádio livre. Segundo eles, não permitir funcionamento do veículo vai contra o artigo  5 da Constituição Brasileira: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
A entrada de policiais (estes militares, ligados ao governo estadual) no campus da Universidade de São Paulo (USP) também mobilizou estudantes no início do ano, depois do assassinato de estudante Felipe Ramos de Paiva. Após o crime, a reitoria da instituição fechou acordo com a PM paulista que, a partir de então, pode atuar normalmente na Universidade e fazer patrulhamentos. Antes, sua entrada só era permitida se fosse solicitada em alguma ocorrência. Na época, o DCE da USP se manifestou contra a decisão.

Clara Roman

Centro-esquerda vence eleição na Dinamarca com primeira mulher a assumir governo‎

Do sitio ESQUERDOPATA


 A centro-esquerda venceu nesta quinta-feira as eleições gerais na Dinamarca e pôs fim a uma década no poder da direita, além de eleger pela primeira vez na história do país uma mulher para comandar o Governo: a social-democrata Helle Thorning-Schmidt.

A oposição obteve 50,5% dos votos e 89 cadeiras contra 48,7% e 86 cadeiras do bloco governamental, já com 81% das urnas apuradas. Com este resultado, a centro-esquerda ficaria a uma cadeira das 90 que marcam a maioria no Parlamento dinamarquês, que, no entanto, alcançaria se recorrer a algum dos quatro deputados dos territórios autônomos da Groenlândia e as Ilhas Faroe.
Nesse sentido, três dos quatro partidos autônomos que partem como claros favoritos para conseguir representação em Copenhague anunciaram com adiantamento que apoiarão Thorning-Schmidt. Embora os social-democratas, que dominaram a política dinamarquesa na segunda metade do século XX, tenham recuperado o poder após dez anos, conseguiram a vitória em uma situação precária. O Partido Liberal do primeiro-ministro, Lars Loekke Rasmussen, despontou como vencedor com uma ligeira vantagem na frente dos social-democratas, que além disso poderiam piorar por alguns décimos o resultado de quatro anos atrás e transformá-lo no pior em um século. 
O triunfo da centro-esquerda se deve em boa medida ao resultado dos dois partidos menores: a coalizão Lista Única e principalmente o centrista Partido Radical Liberal. Porém, os radicais recuperam sua condição de "árbitros" da política dinamarquesa, que na última década tinha sido arrebatada pelo ultradireitista Partido Popular Dinamarquês, que desde 2001 impôs sua ferrenha política imigratória em troca de garantir a maioria absoluta do Governo liberal-conservador. 
 Thorning-Schmidt, que ocupará a Presidência rotatória da União Europeia (UE) a partir do próximo 1º de janeiro, deverá abusar da cautela para conciliar as notáveis diferenças no seio da centro-esquerda, principalmente em política econômica e de imigração. Enquanto os membros da Lista Única defendem uma linha mais aberta em imigração que a de socialistas e social-democratas, os radicais apoiam as reformas do Governo anterior do sistema de aposentadorias e pré-aposentadorias e de amplos cortes sociais, algo ao qual se opõem o resto dos partidos de centro-esquerda. As diferenças internas na centro-esquerda e na direita evidenciam o fim da ferrenha política de blocos que impera desde 2001 e apontam para o retorno a uma linha de pactos entre ambos lados do espectro político, mais de acordo com a história política dinamarquesa. 
 Apesar de ceder o poder, os liberais obtêm um resultado muito melhor do que indicavam as pesquisas de semanas atrás, além de manter sua condição de partido mais votado. Pior saiu o Partido Conservador, seu antigo parceiro de coalizão, que vê reduzido à metade seu apoio e se vê igualado à Aliança Liberal. Porém, o grande perdedor é o Partido Popular Dinamarquês e sua líder Pia Kjærsgaard, não só pela baixa votação pela primeira vez desde sua criação em 1995, apesar de seguir sendo a terceira força, mas porque perde toda a influência que a havia transformado na "rainha" da política dinamarquesa. Seu discurso centrado quase exclusivamente nos imigrantes, especialmente nos muçulmanos, ficou em segundo plano na campanha, dominada pelo debate sobre as reformas necessárias para superar a crise econômica e manter o modelo de bem-estar. 
 As eleições que consagraram o fim de uma década da direita no poder e colocaram pela primeira vez uma mulher à frente do Governo serão recordadas também por uma participação histórica da população que pode superar 90%.

Estudantes querem saber: quando é que vou ganhar dinheiro na rede?

por Luiz Carlos Azenha no VIOMUNDO

É uma pergunta frequente, nas palestras que faço por aí.
Jovens jornalistas, jovens que pretendem ser empresários ou que já são microempresários, de mídia ou não, querem que eu diga quando eles vão ganhar dinheiro na internet.
Diz-se que a rede é o grande equalizador, que basta você ter uma boa conexão de banda larga — mesmo que seja numa lanhouse — para competir em igualdade de condições.
Hoje, no Brasil, isso é uma ilusão para a imensa maioria, diria eu.
Primeiro é preciso qualificar: a existência de lanhouses não garante que a grande maioria dos brasileiros tenha acesso a internet suficientemente rápida e de forma ininterrupta que tocar um negócio através da web.
Existem, sim, algumas exceções, mas não são a regra. Frequentar lanhouse envolve um custo significativo e o mesmo vale para quem quer trabalhar em casa: é preciso pagar o equipamento e a conexão.
Sim, eu sei, as novas tecnologias de informação rebaixaram enormemente os custos para montar um negócio, jornalístico ou não.
Mas, a não ser que você tenha uma ideia genial que não envolva produção/estoque/venda/entrega e cobrança, é forçar a barra dizer que a mera existência das novas mídias cria um campo de negócios em que todos possam competir.
Acesso a capital, portanto, continua sendo tão essencial quanto antes. A não ser que você ganhe na loteria, receba herança ou seja de família rica, precisa de dinheiro para tocar o negócio. Para muitos significa dupla de jornada de trabalho.
Muito embora o acesso a empréstimos no Brasil tenha melhorado muito nos últimos anos, ainda estamos longe do ideal. Os candidatos a pequenos empresários precisam oferecer bens como garantia para obter empréstimos. O capitalismo dos ‘pequenos’ envolve, portanto, riscos relativamente muito maiores. O capitalista corre o risco de perder seu capital. Você corre o risco de perder a casa!
Se uma grande empresa tem capital para manter uma equipe de advogados e para se desvencilhar dos trâmites burocráticos — para não falar do poder de pressão — o que dizer dos jovens empresários?
Dito isso, falemos especificamente do mercado para jornalistas na rede.
Há dinheiro neste negócio que justifique tentar a sorte por conta própria?
Por enquanto, não.
A não ser pelos anúncios do Google, hoje adotados por um grande número de blogs e sites — este, inclusive –, anúncios aleatórios escolhidos pelo Google para casar com o conteúdo publicado, não há nenhuma outra forma de renda constante para um blogueiro em início de carreira, até porque os anúncios do Google dependem de um tráfego de visitantes que ele ainda não tem.
Portanto, também aqui, não há um campo equilibrado.
Como escreveu o publicitário Maurício Machado, há distorções no assim chamado ‘livre mercado’ que são responsáveis pela gigantesca concentração das verbas em alguns grandes grupos de mídia, verbas muitas vezes públicas, já que as três esferas de governo controlam as maiores verbas publicitárias do Brasil.
E os grupos que hoje recebem estas verbas, muitas vezes, exercem um verdadeiro terrorismo para garantir que tudo continue como está. Qualquer ameaça, comercial ou ideológica, ao modelo concentrador, é tratada, no extremo, com assassinatos de reputação.
Há mais um aspecto a considerar, neste caso específico para jovens jornalistas ou estudantes que querem garantir a própria sobrevivência na internet.
Se fazem isso ainda empregados, correm o risco de não ter acesso às ferramentas que poderiam utilizar para promover seus próprios negócios.
Praticamente todos os grupos de mídia exercem controle sobre o uso que seus funcionários fazem das mídias sociais, como blogs, facebook, twitter.
Como escreveu Leandro Fortes, neste texto, existe um caráter de controle ideológico nisso.
Mas há uma questão comercial, também: quem é que vai arriscar o emprego por causa de um post no blog que pretende transformar em seu futuro negócio? Qual o grau de liberdade que pode ser exercido por um jornalista sob estas condições?
Mas, sem o emprego que garante a atividade paralela, qual a perspectiva de sobreviver na rede?
Bem, se você tiver ou conseguir dinheiro privado, por exemplo, para investir em seu próprio negócio jornalístico na rede, sem que o empréstimo limite sua capacidade de produzir conteúdo — o que é, digamos, raro –, se eu fosse você investiria em um blog local ou regional, para aproveitar os buracos deixados pelas grandes mídias na cobertura local, especialmente considerando que os grupos regionais quase sempre estão conectados a um projeto político reprodutor do ‘pensamento único’.
Essa concentração regional é fortemente incentivada pela ausência de leis que limitem a propriedade cruzada, ou seja, que impeçam o mesmo dono/grupo de controlar emissoras de TV, jornais e emissoras de rádio locais.
Temos, portanto, no Brasil, mecanismos fortemente enraizados para promover e manter a concentração do poder político, do dinheiro e da mídia nas mãos de alguns, tanto na esfera federal quanto na local.
Isso não deve servir de desalento a nenhum de vocês, jovens estudantes, jornalistas ou empresários.
É apenas a constatação de que, para sobreviver exclusivamente de negócios na rede, especialmente os ligados à atividade jornalística, não basta querer, ter boas ideias e trabalhar duro.
É preciso ao mesmo tempo lutar por acesso a financiamento a custo baixo, pela pulverização das verbas publicitárias e de fomento e por limites à propriedade cruzada.
Ou isso ou vamos continuar na toada daquele antigo slogan, usado durante o governo Sarney:

Brasil, Tudo pelo Social.

Quem não couber use o de serviço.

No Fantástico, Dilma reforça política como show da vida

  Francisco Bicudo  no CORREIO DA CIDADANIA

  
Sem tergiversar (tenho certeza que a presidenta Dilma Rousseff prefere que seja dessa maneira): fiquei incomodado e lamentei profundamente que a entrevista exclusiva de vinte minutos em horário nobre tenha sido dada a um programa de entretenimento, o "show da vida". No domingão, final de noite, depois do almoço em família e da rodada do futebol, na maioria das vezes quem senta na frente da telinha e procura narrativas como as oferecidas pelo "Fantástico" está justamente disposto a manter a cabeça desligada, prolongando ao limite do impossível mais um final de semana que insiste teimosamente em escorregar pelos dedos, anunciando a agonia de mais uma segunda-feira de trabalho, transtornos, tarefas, reuniões e tensões. Estamos quase a dizer - 'não quero pensar, sem preocupações, só amanhã, mais um pouco, por favor'. É legítimo. Mas é preciso que se trate dessa maneira - como entretenimento.

A presidenta - e a assessoria dela - sabem disso. Não escolheram o Fantástico ao acaso. Não foi aleatório. Não foram obrigados. Foi feita uma opção. Antes de mais nada, depois de alguns dias em que se falou sobre propostas de regulação da mídia, seria bom mostrar afinidades, sintonias e encantamentos com a principal e mais poderosa emissora de TV do país, como a dizer "calma, nada muda, estamos no mesmo barco". A proposta da conversa também não era de forma alguma fazer pensar, mas tocar pelas sensações e emoções. Provavelmente a escolha foi mais uma peça de uma estratégia de popularização da imagem da presidenta, algo como "uma mulher como qualquer outra, informal, leve, risonha e brincalhona". As expectativas estavam explicitamente voltadas para a construção da marca de "alguém que também é comum, que tem desejos, vaidades, manias e vontades, como quaisquer outras brasileiras" - uma presidenta que cria empatias e identidades, capaz de cair no gosto popular. 

Não é difícil perceber que os marqueteiros (figuras cruciais da política como entretenimento) do Planalto não desgrudam os olhos dos tais índices de popularidade. Muitas das ações e das falas presidenciais têm sido guiadas por esses números mágicos de aprovação - ou trágicos de reprovação. Desde os recordes atingidos pelo ex-presidente Lula, a impressão que tenho é que se tornou uma obsessão conhecer como a opinião pública avalia ações de governo - o que obviamente tem lá sua importância, mas, ao mesmo tempo, quando elevada à enésima potência, faz dos administradores públicos reféns de institutos de pesquisas. Pensam em cada lance. Jogam para a platéia. Aguardam os aplausos. Ficam frustrados quando não os ouvem. E repensam suas ações e agendas. Egos precisam ser acariciados - sobretudo.

Mais uma vez, o Fantástico cai como uma luva para dar conta dessa demanda - depois de um período difícil, com turbulências, crises e demissões de ministros, eis agora a presidenta doce e meiga, que se reencontra com seu povo, arruma tempo para brincar com o neto, não gosta de ar condicionado (sabiam?), escolhe sem ajuda as roupas e está sempre muito bem alinhada (tem até usado mais saias, vejam só), faz a própria maquiagem (que bom!) e quer muito perder alguns quilinhos extras. A pauta da entrevista, que tragédia, poderia ter sido feita por uma criança de cinco anos, quem sabe até o neto da presidenta pensasse em questões mais relevantes, como chegou a ser comentado nas redes sociais. Mas e quem estava mesmo interessado no debate político?

Pois esse é justamente o ponto fundamental da discussão, o que mais me incomoda e para o qual desejo chamar a atenção - ao escolher o Fantástico e favorecer mais uma vez a lógica e a estética do entretenimento, sempre grandiosas e arrebatadoras, a presidenta faz submergir o complexo exercício de racionalidade que marca o debate político. Diante dos olhares desejosos de distração da opinião pública, em horário nobre, a política aparece banalizada, surge como frivolidade, algo secundário, curioso, superficial, simplificado, leve, quase sem conflitos, professoral - vá lá, um tema até interessante, mas não exatamente importante. 

Esse movimento, aliás (o que é mais preocupante e acachapante), parece ser a tendência dominante do atual governo - e também do anterior. Quais são afinal de contas as iniciativas políticas que estão sendo sustentadas e bancadas pela administração Dilma Rousseff? Para além do gerenciar a herança lulista, quais as transformações de fato que estão acontecendo na área social, por exemplo? Quais suas bandeiras e prioridades? Pois não nos disseram que o tal presidencialismo de coalizão era fundamental exatamente para garantir maiorias, a governabilidade e a implementação das ações de governo? Ah, entendi... as alianças não foram ideológicas, mas fisiológicas; não foram programáticas, mas pragmáticas. 

O que acontece é que a Política (com "P" maiúsculo mesmo)... não acontece. O Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados não era o que Dilma queria - mas o governo também não fez força alguma no Parlamento para aprovar proposta alternativa. Temeu melindrar aliados ruralistas. Foi só a ala amiga-religiosa-reacionária gritar um pouco mais alto que o kit anti-homofobia que seria distribuído nas escolas públicas com intuito de combater o preconceito foi suspenso, sob a alegação que não é "consenso no governo". Dilma não quer a aprovação da emenda 29, diz ser contra a volta da CPMF, mas reconhece que a saúde de fato precisa de mais recursos. De onde virão, afinal? O governo não quer se comprometer. Abre mão de contrariar interesses - ou seja, de fazer política. Lava as mãos. Não quer se desgastar com a classe média (imagem é tudo, lembram-se?). Líderes de trabalhadores rurais são mortos. A presidenta não vem a público para condenar com veemência os assassinatos - e explicitar ao lado de quem está nessa disputa. Democratizar e regulamentar a mídia, quebrar monopólios da informação, cobrar impostos de grandes fortunas? Nem pensar. Podem achar que ela é muito radical, não? Sobre a abertura dos arquivos secretos, puxa vida, as mudanças de discursos já foram tantas que já nem sabemos mais o que Dilma pensa. E até mesmo a Comissão da Verdade, que era questão de honra, precisa das bênçãos do DEM (que patrocinou a ditadura militar) para ser aprovada, para "não causar traumas". Durma-se com um barulho desses.

Fica difícil. Respeitados os fundamentos e princípios da democracia, política significa tensão. Divergência. Debate. Disputa. Enfrentamento. Exige escolhas. E não aceita omissão. Nem medo. Como bem lembra o poeta, escritor e dramaturgo alemão Berthold Brecht, não adianta estufar o peito e nele bater dizendo "não gosto disso". Quando nos recusamos a fazer política, há certamente alguém disposto a fazê-lo por nós. Espaço vazio é espaço ocupado. Que o diga o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que em nome da conciliação, de afagos em republicanos e por imaginar que seus competentes discursos e belos olhos seriam suficientemente sedutores para governar o país, enfrenta atualmente a fúria fanática de um movimento chamado Tea Party. 

Não tenho dúvidas: lá, como cá, a desmobilização do debate que deveria marcar a esfera pública e ser a tônica da vida cotidiana, patrocinada por aqueles que tratam a política como mero produto do entretenimento, em grande medida é diretamente responsável pelo avanço do discurso e das práticas conservadoras.

Francisco Bicudo é jornalista e professor de Comunicação Social.