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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Para aonde vai a “Democracia Socialista”? Final

 


Andreas Maia no ESQUERDA MARXISTA
 
A DS, o Estado e a Revolução
 
Chegamos na última parte de nossa polêmica com a DS, a mais importante¸ dedicada ao Estado capitalista. A discussão sobre o papel do Estado capitalista sempre esteve presente na polêmica entre todos os defensores da estratégia reformista e os revolucionários marxistas. Os dirigentes da DS conhecem bem esta discussão, pois ela sempre esteve presente em todos os grandes debates ocorridos no movimento operário brasileiro, e em particular, dentro da luta interna no PT. Desde o 5º ENPT, em 1987, que consagrou o reformismo das Frentes Populares, até o recente 4º Congresso que ratificou a política do governo Dilma Roussef, o fio condutor de toda a discussão entre as tendências do partido, no fundo, estava a questão do papel do Estado.
Vejamos o que a DS diz hoje sobre o Estado:
“Uma tradição do socialismo democrático deve ser capaz de superar estes limites teóricos e históricos da social-democracia a partir da perspectiva de construção de um novo Estado, baseado no autogoverno e no planejamento democrático, que conduza a uma afirmação inédita dos direitos dos trabalhadores e a um planejamento púbico democrático, capaz de se projetar continentalmente e internacionalmente em torno de um programa de mudanças da ordem capitalista”. E continua:
“A construção de um Estado da Solidariedade, Feminista, Multiétnico, a partir dos valores do socialismo democrático, é possível e viável historicamente pela conquista do governo por parte de uma coalizão liderada por um partido do socialismo democrático por longo período em uma dinâmica crescente de revolução democrática e, pelo caráter semi-periférico do país que já construiu elementos públicos importantes de formação de um Estado do Bem-Estar social, apresentando um quadro crescente de formalização da mão-de-obra e de cobertura previdenciária. A possibilidade de que o Brasil viva um novo ciclo sustentado, inclusivo e distributivo, de crescimento significa exatamente a criação de uma massa crescente de excedentes que podem e devem ser reinvestidos em políticas sociais de caráter universalizante, conformando uma macro-economia dinâmica do setor público na área de bens e serviços fundamentais”.
Que Estado é esse da “Solidariedade, Feminista, Multiétnico” e do “Bem Estar Social”? Qual o caráter de classe deste Estado? Que coalizão é essa “liderada pelo partido do socialismo democrático” que vai construir esse novo Estado? A linguagem ambígua e rebuscada do texto serve para ocultar a verdadeira natureza da proposta. Um militante da DS para entender a política dos seus chefes vai ter que fazer uma enorme ginástica intelectual. Vamos tentar entender. A DS afirma em suas teses que não está na ordem do dia a abolição do capitalismo, pois “o país não tem cultura” para isso. Portanto estamos falando do Estado capitalista, mas isso eles não dizem. Falam do Estado da “Solidariedade, Feminista, Multiétnico”  que vai gerar o “Estado de Bem Estar Social”. Se nesta proposta consiste em preservar as relações de propriedade existentes, então a DS acabou de inventar o capitalismo de “Bem Estar Social” e um Estado burguês “solidário, feminista e multiétnico”, pois é disto que eles estão falando só que usam expressões sofisticadas e rebuscadas para deliberadamente  ocultar o fato de que o único poder que eles reconhecem é o poder da burguesia.
Isto é tão verdadeiro que a “coalizão liderada por um partido do socialismo democrático” que vai implementar “uma dinâmica crescente de revolução democrática” é a coalizão que existe, com a base aliada, com os partidos burgueses, com Sarney, Collor, Michel Temer e Sergio Cabral & Cia. Pois até agora são esses os aliados do PT no governo, e não os sindicatos, a CUT, as organizações populares. Pois do contrário, a DS deveria exigir que o PT rompa com os ministros capitalistas, com os partidos burgueses. Mas isso ela não faz. A resposta para esta atitude vem adiante:
“A possibilidade de que o Brasil viva um novo ciclo sustentado, inclusivo e distributivo, de crescimento significa exatamente a criação de uma massa crescente de excedentes que podem e devem ser reinvestidos em políticas sociais de caráter universalizante, conformando uma macro-economia dinâmica do setor público na área de bens e serviços fundamentais”.
Não podia ser mais claro. Trata-se aqui de expandir o capitalismo, o agro negócio, as commodities, o poder dos monopólios multinacionais, a especulação financeira, as privatizações, a devastação ambiental, o regime social de exploração da classe trabalhadora, e gerar com isso, quem sabe, um “excedente” para as compensações sociais. Ou seja, as migalhas que caem da mesa dos capitalistas, empresários e banqueiros e que vão desaparecer como fumaça na hora em que capitalismo entra em crise. E tudo isso em nome de uma república fictícia chamada de “Solidariedade Feminista Multiétnica” e de uma via para um socialismo a ser comemorada nos dias festas. Dessa forma, esse “novo Estado” refundado, com um caráter tão nobre e democrático, não passa do velho aparato burocrático militar do Estado capitalista, que se mascara na política oficial do “governo para todos”. A função dos reformistas no governo consiste em mascarar a natureza do Estado através das políticas de colaboração de classes, que no fundo, consistem em enganar a classe trabalhadora e sabotar a sua força reivindicativa.
Mas fazemos questão de desmascarar estes oportunistas mostrando o que o marxismo revolucionário entende pela natureza do Estado capitalista. Vamos retomar aqui alguns conceitos clássicos do marxismo.
O Estado é produto de contradições de classe inconciliáveis. Segundo o marxismo revolucionário, o Estado é um organismo de dominação de classe, um organismo de opressão de uma classe por outra; é a criação de uma “ordem” que legaliza e fortalece esta opressão diminuindo o conflito de classes.
Lênin deixa bem claro a natureza do estado que os reformistas fazem questão de ocultar:
“Mas perde-se de vista ou se oculta o seguinte fato: se o Estado nasce do fato de que as contradições de classe são inconciliáveis, se ele é um poder colocado acima da sociedade e que se torna cada vez mais estranho a ela, está claro que a libertação da classe oprimida é impossível, não sómente sem uma revolução violenta, mas também sem a supressão do aparelho do poder do Estado que foi criado pela classe dominante e no qual está materializado este caráter estranho.” (Lênin, O Estado e a Revolução).
Aí está de forma clara e cristalina o verdadeiro conceito marxista acerca do Estado burguês. Esse aparelho burocrático do Estado capitalista “cada vez mais estranho à sociedade” é um instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado e a todas as massas oprimidas. É um instrumento de opressão que pode e deve ser destruído por meio de uma revolução e não por reformas graduais como dizem os reformistas. O esqueleto do aparelho de estado burguês deve ser destruído osso por osso. Por se recusarem a romper com a burguesia, expulsando-a do poder, os reformistas podem ter o governo mas não o poder. É por isso que a política reformista sempre fracassa, não faz reforma alguma e aplica duramente todas as políticas preconizadas pela burguesia.
O Estado é um comitê para melhor gerir os negócios da burguesia. Os reformistas dentro da classe operária fazem de tudo para mistificar o papel do Estado, um “Estado para todos”, onde seria possível introduzir reformas sociais no sentido de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. Na realidade não conseguem. O Estado capitalista é um instrumento de dominação de classe e portanto tem como meta regular a economia capitalista favorecendo a expansão dos negócios da burguesia. Qualquer que seja a politica econômica adotada, o Estado capitalista não vai contra os interesses da classe dominante. Conforme vimos acima, quando o Estado faz o contrário, sob pressão das massas – que obriga os dirigentes operários reformistas a introduzirem medidas sociais que prejudicam os capitalistas – estes deixam de investir gerando uma crise econômica e política generalizada. Foi o que acontecu no Chile durante a Unidade Popular em 1973 e que agora acontece na Venezuela. Sabendo disso, os reformistas acabam fazendo o papel de facilitadores da economia capitalista ao invés de defenderem as reivindicações dos trabalhadores. É o que faz o PT nos governos Lula-Dilma. Governam para os capitalistas. Quer melhor exemplo disso qe o propagado PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) cujo objetivo é aplicar no país a política do “quanto mais capitalismo melhor”? O problema é que a economia capitalista entra em crises periódicas, decorrentes do fato de que as forças produtivas da sociedade estão contidas dentro dos marcos estreitos da apropriação privada dos meios de produção e dentro dos limites dos Estados nacionais. A Grécia hoje é um bom exemplo disso onde a crise econômica deslocou os reformistas, o partido socialista, PASOK, que a despeito da maioria da população, insistiram em aplicar no país as medidas draconianas e anti-populares preconizadas pela Comunidade Européia. O que acontece hoje na Grécia é uma projeção do que pode acontecer com o PT no Brasil.
Reduzido a sua forma mais pura, o Estado é um destacamento de elementos armados para defesa da propriedade privada. Esta é uma das características do Estado burguês que conhecemos muito bem. Desde 1964 o Brasil foi governado por uma ditadura militar, por quase duas décadas, oriunda de um golpe que derrubou o governo reformista burguês de João Goulart que tinha perdido o controle sobre os movimentos de massa da classe operária. A ditadura militar criou as condições de uma brutal repressão sobre o proletariado e as suas organizações o que permitiu uma expansão dos negócios do capitalismo no Brasil durante um longo período, chamado na época de “milagre brasileiro”, tendo como base uma superexploração dos trabalhadores e uma integração crescente da economia brasileira com o capital estrangeiro. Mas a ditadura não resistiu ao impetuoso movimento operário grevista de massa que eclodiu a partir de 1978. O capitalismo gerou a sua própria negação. Hoje os reformistas esquecem este fato e alegam que agora as instituições militares e policiais do Estado são “democráticos”. Mas não são. Continuam, mesmo sob a fachada do “estado democrático”, a cumprirem o papel de destacamento armado da burguesia a serviço da preservação da propriedade privada. Na verdade, os reformistas do governo, é que são reféns deste aparato burocrático policial-militar que se eleva por cima da sociedade. Está aí para demonstrar esta verdade o acordo do governo Dilma com a cúpula das Forças Armadas para garantir a impunibilidade dos militares envolvidos com as torturas e assassinatos durante a ditadura. Está aí para demonstrar esta verdade os constantes assassinatos de trabalhadores no campo praticados por forças policais e para-policiais. Está aí para demonstrar também a brutal repressão policial sobre a ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, para garantir a reintegração de posse de um terreno abandonado em favor de uma mega especulador da Bolsa, o sr. Naji Nahas, sem que o governo reformista nada pudesse fazer. A lista de exemplos é infinita mas destacamos que, até mesmo a nossa tendência, a Esquerda Marxista, vem sendo alvo de uma tentativa de criminalização por parte do “Estado de direito democrático” por estar a frente do movimento das fábricas ocupadas, que foram falidas e abandonadas pelos seus proprietários, defendendo as reivindicações dos operários, em defesa do emprego e do trabalho.
O velho Engels, em fins do século XIX, um pouco antes de morrer, escreveu uma introdução polêmica do livro de Marx, “As lutas de classes na França”. Nesta introdução Engles sublinhava a mudança que estava ocorrendo nas forças policais e militares dos Estados capitalistas que cada vez mais se profissionalizavam e que tornava inviável o assalto a cidadela capitalista por forças revolucionárias limitadas, Muitos enxergaram neste texto que o coração e a mente do velho tinham amolecido e que o velho companheiro de Marx tinha se transformado em um reformista vulgar. Mas pelo contrário, Engels reafirmava que o aparato policial militar da burguesia só poderia ser destruído, e é disto oque Engels falava, a não ser por uma grande e massiva ação da maioria do proletariado. Foi por esta razão que os guerrilheiros no Brasil foram massacrados e os operários do ABC paulista em 1978-79, ao estimularem uma onde de greves em escala nacional, conseguiram botar a ditadura abaixo.
O Estado capitalista é um aparato burocrático, que se eleva por cima da sociedade, com a finalidade de exercer a dominação de classe, ou seja, a ditadura da burguesia, mesmo sob a forma de uma “república democrática”. Aí está a verdadeira natureza do Estado burguês. Ele é uma ditadura da burguesia. Não importa a forma de governo – fascista, bonapartista ou república democrática – pois é a burguesia, como classe possuidora dos meios de produção, quem “dita” as leis. A ditadura da burguesia é uma ditadura de uma minoria sobre a grande maioria da população. Não adianta mistificar o papel do Estado como faz o PT ao dizer que existe “para todos”. Ou como quer fazer crer a DS em dizer que luta pela “refundação do Estado”. No fundo, defendem a ditadura da burguesia contra a maioria do povo brasileiro. Este é o sentido reacionário, em toda a linha, da política reformista da DS, que acompanha a política de colaboração de classes praticada pela direção do PT, em comum acordo com os governos Lula-Dilma.
Os marxistas revolucionários não defendem a “refundação” do Estado, Mesmo quando defendemos as reivindicações democráticas ou quando chamamos a convocação de uma Assembleia Constituinte, o fazemos, não em nome da defesa da república burguesa “democrática” (a ditadura velada da burguesia) mas sim em nome da defesa das reivindicações dos trabalhadores com o o claro objetivo de destruir, derrubar tijolo por tijolo, do edifício burocrático militar do poder de Estado da burguesia. Nós defendemos a formação de um governo dos trabalhadores como forma de governo de transição na direção da “abolição da ordem existente” (Marx).
Em outras palavras, a tarefa central de um governo dos trabalhadores consiste em não só atender as reivindicações dos trabalhadores da cidade e do campo, mas sobretudo em destruir o Estado burgues, seu aparato burocrático, suas instituições corruptas e o exercito e a polícia permanentes, substituindo por um Estado Comuna, uma República de Conselhos, constituída por delegados eleitos e revogáveis, onde a maioria da população, as grandes massas de trabalhadores possam “ditar” as leis. Este regime, de transição ao socialismo, um processo oque só pode ocorrer em escala internacional, nos chamamos de ditadura do proletariado. Este regime o proletariado “expulsa a burguesia do poder” (Gramsci), dita as leis e a política, governa para a maioria e garante as mais amplas liberdades democráticas, estabelecendo um governo muito mais democrático do que a mais democrática das repúblicas burguesas pode realizar historicamente.
 
Conclusão: A DS e a política dos três macaquinhos
 
Abordamos nas duas partes deste texto sobre a tendencia Democracia Socialista o seu curso regressivo, que passou da defesa da IV Internacional de 30 anos atrás para a posição reacionária de hoje, expressa no apoio ilimitado à política de colaboração de classes da direção do PT e na participação nos governos Lula-Dilma que aplicam descaradamente a política da burguesia e do grande capital. Denunciamos a farsa da “revolução democrática” como uma forma de “revolução permanente” tentando utilizar o legado de Trotsky e do programa da IV Internacional para justificar uma política completamente oportunista de defesa do Estado capitalista. Igualmente denunciamos a ursupação indevida do pensamente de Antonio Gramsci com o objetivo de, em nome de formar “blocos históricos para conquista da hegemonia”, legitimar a aliança do PT com os partidos burgueses. Mas esta política de duplicidade, de falar uma coisa e fazer outra começa a ter o seu prazo de validade vencido.
A crise economica internacional do sistema capitalista aperta a economia brasileira que por sua vez impele o governo Dilma a agir em benefício dos patrões e dos capitalistas, o que implica em criar as condições para aumentar a taxa de exploração da mais valia sobre o proletariado. Ataques contra as greves (como na greve dos servidores públicos federais), decretos para implementar os fura-greves, processos judiciais e criminalização dos movimentos populares. Ao mesmo tempo amplia os benefícios do dinheiro público para financiar o capital privado (investimentos do BNDES) em detrimento de investimentos sociais e promove uma nova escalada das privatizações. A fúria anti-operária e anti-popular do governo Dilma é uma evidencia de que no fim do maravilhoso arco-íris da economia brasileira, propagado pelo Palácio do Planalto, não existe nenhum pote de ouro. A crise do capitalismo é mundial mesmo que afetando os países de diferentes maneiras e ritmos. Assim como a exacerbação da luta de classes, decorrente do esgotamento do regime capitalista, é também um fenômeno mundial.
Nesse contexto, não há nada que o governo brasileiro possa fazar para viabilizar a paz social preconizada pela demagogia do reformismo “lulista” Para se credenciar perante o patronato o governo Dilma vai atacar cada vez mais forte o movimento operário organizado. O resultado vai ser a intensificação das lutas de classes. O que pode levar, pela primeira vez em trinta anos, a um deslocamento político do PT enquanto a principal representação da classe operária no Brasil.
A DS está selando o seu destino ao futuro incerto que ameaça o PT. Agarrada às instituições do Estado burguês como marisco na pedra, a DS aplica a política dos três macaquinhos: não vê, não escuta e não fala. Como seus dirigentes, Raul Pont, Juarez Guimarães, Arlete Sampaio e outros, vão explicar para seus militantes sindicais a política do governo, do qual fazem parte, de ataque contra a luta dos trabalhadores, como no caso da greve dos servidores federais? Como eles vão explicar o crescimento das privatizações (estradas e ferrovias por ex.) para os seus militantes se nas suas teses aprovadas em congresso dizem defender o contrário? Como a “ecológica” e “multietnica” DS vai se explicar diante da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e da recente instrução 303 promulgada pelo Advogado Geral da União que permite o governo construir em terras indígenas sem dar satisfação alguma? Como é que fica a “feminista” DS diante da posição do governo brasileiro contrário a introdução do direito ao aborto na resolução final da Rio+20?
Ao que tudo indica os seus dirigentes vão continuar se fingindo de mortos. Parecem aqueles soldados que desertaram da guerra e foram se esconder no meio do campo de batalha. Mas a base de militantes nem pode e nem deve aceitar esta política. As rupturas podem ocorrer mais cedo ou mais tarde, como aconteceu recentemente no Congresso da CUT com delegados da DS do nordeste. Todo militante sincero e honesto, que acredita na emancipação dos trabalhadores e na alternativa socialista deve ser perguntar: para onde está indo a DS?
O único caminho é a ruptura com a política da burguesia, é a defesa da ruptura do PT com a coligação com os partidos burgueses. O único caminho consiste na defesa de um governo de frente única de todas as organizações operárias constituindo um governo socialista dos trabalhadores que expulse a burguesia do poder e atenda as reivindicações das massas. Pois do contrário, significa acompanhar o trágico destino da DS, o de marchar em direção à lata de lixo da História.

sábado, 4 de agosto de 2012

As quatro crises e a teoria da grande unificação


Vaz de Carvalho
 
A compreensão profunda da realidade só é conseguida numa teoria que mostre a unidade e as contradições dos diversos fenómenos sociais do mundo atual e que estude as suas transformações. Essa teoria é o marxismo.

1 – METAFÍSICA NEOLIBERAL VERSUS MATERIALISMO DIALÉTICO
A ciência é pela sua própria natureza materialista e dialética. A ciência representa o esforço para compreender e explicar os fenómenos naturais, tanto no nosso mundo terrestre como no universo, procura as relações entre esses fenómenos, estuda as suas transformações. Uma fórmula da física é por si só um exemplo de dialética: as diversas variáveis estão unidas entre si num resultado, essa unidade exprime as contradições internas – as variações de umas opõem-se às de outras; as transformações quantitativas dão origem a transformações qualitativas. Por exemplo, conforme a escala em que se processam os fenómenos à física clássica sucede a da relatividade generalizada (escala do universo) ou a quântica (ao nível das partículas atómicas e subatómicas); conforme a pressão e temperatura um gás pode passar ao estado líquido, ao sólido ou tornar-se plasma.
Assim, as ciências sociais se pretendem ser ciência, só podem ser materialistas e dialéticas. Pelo contrário a ideologia conservadora, seja de direita, seja dita reformista da social-democracia, na defesa do sistema capitalista, adopta a metafísica. (1)
A metafísica opõe-se à dialética, no sentido em que analisa os fenómenos de forma parcial ou isolada, independentes das suas relações objetivas, considera o seu circunstancialismo invariável, remete vulgarmente a sua explicação para condicionalismos subjetivos ou imateriais, não reconhece mudanças qualitativas nem explica as contradições internas dos sistemas. É essencialmente estática. O raciocínio metafísico constitui na atualidade o instrumento da ideologia reacionária para a manipulação e alienação das populações, de que é exemplo a “austeridade”, atribuindo as causas da crise ao endividamento ao Estado, responsabilizando os desempregados pelo desemprego, atribuindo aos “custos salariais” e direitos dos trabalhadores a falta de incentivos que o capital especulador teria para proporcionar investimento.
A análise do défice e do endividamento do Estado, mesmo estando tecnicamente correcta no seu detalhe, mas não estabelecendo as relações com todas as outras componentes do sistema económico e social e as suas contradições, revela-se especulação de natureza metafísica. Em consequência verificamos o falhanço das previsões e a incapacidade de evitar o prolongamento e agravamento das crises, embora - pelo menos desde Aristóteles e da sua Lógica - se saiba que raciocínios baseados em verdades parciais conduzem a conclusões falseadas…
Um dos aspetos mais evidentes da desconexão da realidade a que a metafísica neoliberal procede é a dissociação entre o económico e o financeiro, que se manifesta nas proclamações de manter a austeridade, a ”consolidação orçamental”…para ter crescimento. É como se estas variáveis ou fossem independentes ou estivessem relacionadas por simples equações lineares.
Desligada das verdadeiras causas – como a especulação bancária e a distorção na repartição dos rendimentos - a crise é apresentada ora como um somatório de “inevitabilidades” contra as quais nada se pode fazer senão submeter-se aos “mercados” e reduzir as prestações sociais do Estado “despesista”: Chamam a isto: “rigor orçamental”, enquanto se desbarata a riqueza nacional nas PPP e concessões, nas rendas do sector energético, nas absurdas privatizações de empresas lucrativas, na livre transferência de lucros e rendimentos para paraísos fiscais.
O raciocínio metafísico em economia é evidente ao considerarem “os mercados” como entidades abstratas, absolutas, independentes da vontade humana, às quais nos teríamos de sujeitar.
“As pessoas são levadas a acreditar que a economia tem uma lógica por si própria a qual depende da livre inter-actuação de forças de mercado e que os poderosos atores financeiros não poderiam, sob quaisquer circunstâncias, ter deliberadamente influenciado o curso dos acontecimentos económicos” (2)
A análise metafísica da crise e das suas causas acentua os processos de austeridade a que se associa o presidente da República demarcando-se em público do que aprova no gabinete; ou o governador do Banco de Portugal num “estudo” em que se diz ser necessário reduzir a “rigidez laboral”; ou o ministro das finanças que vê a crise financeira como “insuficiente liquidez de capital” e “aversão ao risco” e não fruto da especulação e da corrosão económica permitida pela ausência de controlo sobre o movimento de capitais e pela proliferação dos paraísos fiscais, forma de fuga aos impostos e sabotagem das finanças públicas.
A política de direita assume a sociedade capitalista como “eterna” sem considerar as suas contradições, concluindo pelo conformismo das “inevitabilidades” antisociais e pelas consequências de uma globalização neoliberal considerada imutável e acima de quaisquer outros critérios.
O neoliberalismo é uma metafísica destinada a defender interesses inconfessáveis sob o eufemismo da “economia”. Daqui os apelos à “ética” e aos “sacrifícios para todos”, como soluções. A sua argumentação e compreensão das causas das crises assemelha-se à das querelas medievais sobre as quais se faziam extensos tratados e teses de doutoramento, como a questão dos “universais” ou de saber se “um porco conduzido para a feira é seguro pelo camponês ou pela arreata”.

2 - AS QUATRO CRISES (3)

O capitalismo mergulhou o mundo em 4 crises insuperáveis neste sistema que apenas as agrava: a crise económica e financeira, a crise social, a crise ambiental e a crise extreminista.
A crise económica e financeira atual é consequência das teses monetaristas de criar dinheiro a partir de dinheiro, sem valor acrescentado pelo trabalho. O endividamento generalizado através do apelo ao crédito, foi o entorpecente que levou largas camadas das populações a aceitarem que era possível o aumento do consumo sem passar pela produção e pelo seu rendimento salarial, entregando o seu poder de decisão – e o seu futuro - na mão de mixordeiros da política populista e dita reformista
O valor acrescentado nas empresas, passou a ser absorvido pelos accionistas, pelo sector rentista e especulador – a “engenharia financeira” - em vez de dar lugar à correspondente retribuição salarial e ao investimento produtivo. Desde o predomínio neoliberal as crises sucederam-se de forma praticamente ininterrupta através do mundo inteiro: bolsa de Nova York em 1987; falências de instituições de crédito EUA em 1989-1990; Japão 1990; México, 1994-95; crise asiática 1997-98; Rússia 1998; crise bolsista de 2000 – 2001; Argentina em 2001-02. As medidas adoptadas apenas prolongaram e agravaram estas situações até que a partir de 2007 a crise atingiu os EUA e a UE.
A crise económica e financeira que se tornou e endémica é consequência da criação de capital fictício, apenas números nas contas dos bancos, sem contrapartida de valor real criado na produção, dando origem a dívidas absolutamente impossíveis de serem pagas. Trata-se, pois, de uma crise sem fim nem solução dentro do sistema actual. A austeridade é a forma de transformar o capital fictício em valor real aumentando a taxa de exploração e apropriando-se do património público.
Sabe-se como o BCE promove e financia a especulação cujas custas recaem sobre os povos, financiando a banca a uma taxa de juro muito baixa (1%), não sendo impostos quaisquer condicionamentos à utilização desse dinheiro, para depois os bancos obterem lucros extra à custa de elevadas taxas de juro que cobram aos Estados, às famílias, às empresas.
Sem regulação, em nome de uma hipotética eficiência, o grande capital financeiro criou um caos de corrupção e especulação. A economia, a vida política e social foi colocada ao sabor de gente egoísta, corrupta, fraudulenta que se disfarça com a mistificação de “os mercados”.
Apesar dos biliões de dólares aplicados em “resgates financeiros “ e “políticas de estímulo” - mais de 13 biliões de dólares nos EUA e 4,5 biliões de euros na UE - estas economias permanecem estagnadas ou em recessão; a pobreza e o desemprego não param de aumentar.
A crise social tem origem no facto dos sectores monopolistas e financeiros drenarem em seu benefício a riqueza criada. A estagnação económica resulta assim da insuficiência dos investimentos produtivos e da desequilibrada distribuição dos rendimentos nacionais, cuja evidência são as crescentes desigualdades e o empobrecimento relativo e absoluto das camadas trabalhadoras, de pequenos empresários e profissões liberais, temporariamente camuflado pelo crédito barato.
Em termos sociais podemos dizer que existe estagnação sempre que o crescimento não pode absorver a força de trabalho disponível e que existe recessão quando o desemprego tem tendência a aumentar. Apesar dos imensos progressos tecnológicos o desemprego, a pobreza, as desigualdades aumentaram entre as pessoas e entre os países. A livre circulação de capitais é ouro sobre azul para o crime organizado e para a corrupção que vive paredes meias com as intocáveis entidades financeiras, que os povos acabam por ter de salvar em nome do “risco sistémico”. Contudo, o único risco “sistémico” para os povos é o prosseguimento das actividades especuladoras que se sobrepõem ao tecido produtivo e aos direitos sociais. O avanço dos dogmas do mercado livre traduzido na “globalização” representou mais pobreza, mais crise global: “mais comércio livre mais fome” (4)
O sistema, incapaz de assegurar o pleno emprego e direitos sociais, apresenta-os quer como miragens quer como intoleráveis “privilégios”. Em nome dos dogmas da competitividade e da “eficiência” do mercado livre afirma-se então (como o presidente da República) que não possível manter o “Estado social”. Claro que não, atendendo à crescente riqueza levada para fora do país: mais de 73 mil milhões de euros nos últimos quatro anos.
A OIT considera que mais de 200 milhões de trabalhadores estão desempregados, situação que aumenta de ano para ano. Nas presentes condições, será praticamente impossível encontrar trabalho para os 80 milhões de pessoas que nos próximos dois anos se estima aumentarem o exército de reserva da força de trabalho, designado por “mercado de trabalho”.
A crise social trazida pelo sistema é uma crise de direitos; de desemprego e de precariedade – a patologia crónica do sistema capitalista. O neoliberalismo – o capitalismo da actualidade – não é democracia: é pauperização e depredação. “Milhões de crianças morrem cada ano porque os ricos recusam-lhes alguns centavos de ajuda”, escrevia Noam Chomsky em “A globalização excludente”.
“O principal objectivo das classes dominantes não é simplesmente administrar as consequências da crise financeira. Elas têm um plano a longo prazo para esmagar totalmente a classe trabalhadora, deitar abaixo o consumo e remodelar as expectativas de como o ser humano tem direito de viver. Como mencionou um responsável do Tesouro Britânico ao Financial Times: “Isto é uma oportunidade que só ocorre uma vez numa geração de transformar o modo como o governo funciona.” (5)
“Um quarto de todo o rendimento criado nos EUA vai para a 1% da população, enquanto a classe trabalhadora tem menores rendimentos que há uma década. Os mais ricos viram os seus impostos reduzirem-se, a desigualdade social disparou e arrancou uma ofensiva antisindical. Na UE há 115 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, 23% da população. Contudo nos últimos 15 anos os ativos dos 3 milhões de milionários europeus cresceu mais que a soma total das dívidas dos países europeus. Estes capitais poderiam resolver de uma assentada a crise das dívidas dos países europeus, porém a atual aristocracia financeira tem tão pouca intenção de ceder seus privilégios como a aristocracia francesa antes da revolução de 1789. (6)
A crise ecológica tem origem no sistema baseado numa competição que visa exclusivamente o aumento dos lucros das empresas dominantes do comércio mundial, segundo os critérios da OMC. Em consequência, verificamos o esgotamento dos recursos naturais. Apesar da pobreza e da fome (1 200 milhões de pessoas com rendimento inferior a 1,25 dólares por dia) o consumo de recursos naturais é superior em 57% à capacidade do planeta. Apesar dos cerca de 48 milhões de pobres nos EUA se toda a população mundial tivesse os mesmos níveis e padrões de consumo médios dos EUA seriam necessários 4,5 planetas. Seguindo as mesma vias de “sucesso” e “eficiência” da “economia de mercado” o Global Footprint Network estima que em 2030 sejam necessários 2 planetas para satisfação das necessidades. Registe-se que nos relatórios GEO das Nações Unidas, todas as medidas apontadas para defesa do ambiente incluem o reforço do papel do Estado e uma sua maior independência dos poderes privados.
É neste contexto que têm de ser avaliadas as ilusões de prosperidade pela “livre iniciativa privada”.
O esgotamento dos recursos naturais imporá alterações drásticas no modo de vida e no funcionamento das sociedades. Trata-se do fim da era da energia barata (peak oil); do esgotamento dos recursos naturais como a água, as florestas, os solos férteis, a pesca, que afectará milhares de milhões de pessoas. Mil milhões de seres humanos numa centena de países estão ameaçados pela desertificação. A biodiversidade declina rapidamente; milhões de toneladas de solo fértil são perdidos. Muitos minerais fundamentais atingem o ponto de esgotamento, implicado a sua extração cada vez maior dificuldade e maiores custos.
A incompreensão do que são custos e benefícios sociais e, por consequência também ambientais, está bem expressa pela afirmação de um dos homens mais ricos de Portugal, que se congratulava por ser possível colocar – nos seus supermercados – pescado fresco do Chile em 36 horas ou frutos tropicais em 9 horas, transportados de avião. Para ele e para quem pensa como ele “eficiência”” e “criação de valor” é isto, que represente desemprego na pesca e na agricultura nacionais, endividamento do país que tão superlativamente criticam, não parece ser relevante tal como os custos ambientais de tal “eficiência”.
A WWF, organização internacional para a conservação da natureza, lista 16 prioridades que passam pela alteração dos padrões de consumo, a valorização económica do capital natural ou a criação de estruturas legais e políticas para promover a gestão ao acesso equitativo à água, alimentos e energia. “Enquanto a biodiversidade revela uma tendência decrescente, a pegada ecológica aumenta, ilustrando bem como a nossa crescente procura pelos recursos naturais se tornou insustentável”.
De salientar ainda o impacto da urbanização, pois estima-se que em 2050 duas em cada três pessoas vão viver em cidades, o que implica uma forma completamente diferente da atual na gestão dos recursos naturais, mas também dos aspetos económicos e sociais.
A globalização corresponde à necessidade que o capitalismo tem de constante alargamento dos mercados, mas é também uma guerra para extorsão de mais-valia a nível mundial por um capitalismo decadente. Um sistema totalmente absurdo, atendendo aos limitados recursos materiais de que o planeta dispõe. Porém a economia conduzida sob a égide do FMI, da OMC e do BM, promove a chantagem da maximização do lucro privado, bloqueando controlos, fiscalização, autoridade eficaz. Os organismos que o poderiam fazer acabam por ficar ao serviço dos interesses privados sem interferência nos comportamentos que deviam regular.
O Prémio Nobel, Gary Becker afirmava que “O direito ao trabalho e a proteção do ambiente tornaram-se excessivos na maior parte dos países desenvolvidos. O comércio livre vai reprimir alguns destes excessos, obrigando cada um a tornar-se competitivo.” (7)
A crise exterminista, consiste nas crescentes agressões e ameaças militares, levadas a cabo pelos “EUA e os seus fantoches da NATO” (Paul C. Roberts) “Não há preocupações com o orçamento quando se trata de guerras ilegais ou ocupações militares que o governo dos EUA leva a efeito em pelo menos 6 países ou na ocupação de 66 anos no Japão e Alemanha ou o anel de bases militares construídos à volta da Rússia. O valor total do orçamento militar e segurança dos EUA anda à volta de 1,1 a 1,2 biliões de dólares, 70 a 75% do défice federal (8)
Em vez de segurança e justiça social para os povos encontramos “pirataria, “austeridade” e “guerra perpétua”: um extremismo destinado ao derrube da democracia. Aplicado a um indivíduo, isto identificaria um psicopata. Por que aceitamos isto? (9)
Os EUA dispõem de um número indeterminado de instalações militares espalhados por todo o globo que se estima serem mais de um milhar. O fim da URSS não representou mais segurança e paz para o mundo, pelo contrário, o orçamento militar dos EUA (5% da população mundial) aumentou, representando mais de 42% do total mundial procedendo a guerras “preventivas” e à “defesa de direitos humanos” com bombardeamentos sobre indefesas populações civis.
A corrida armamentista foi acelerada com a persistente instabilidade no Médio Oriente, a intenção do “escudo antimíssil” na Europa, a proliferação de bases militares. Recentemente a Rússia testou a sua última geração de mísseis intercontinentais dotados de múltiplas ogivas nucleares hipersónicas, e de contra medidas electrónicas que se considera tornar ultrapassado o escudo antimíssil que a na NATO pretende instalar. Poderão ser lançados de submarinos atómicos de 4ª geração.
Os EUA são um Estado falido que só o poder militar e a exacção sobre o resto do mundo através da aceitação do dólar como moeda global vão escondendo e adiando e que arrasta o esfrangalhado capitalismo da UE para as suas aventuras.
Os custos das guerras no Iraque e no Afeganistão custaram já mais de 1,3 biliões de dólares, porém considerando os custos assumidos em substituição de material, tratamentos médicos, pensões aos combatentes ou famílias, juros, etc., aquele valor, dentro do calendário estipulado pelo congresso, pode atingir globalmente uns 5 biliões de dólares.
Será bom lembrar que a História nos mostra que o destino de todas as nações agressoras foi destruírem-se também a si próprias.

3 - A TEORIA DA GRANDE UNIFICAÇÃO NO CAMPO POLÍTICO E SOCIAL É O MARXISMO

A ciência atual mais avançada procura na física unir na mesma teoria, num mesmo sistema de equações, as quatro forças fundamentais da natureza. (10) O mesmo se deveria passar com a análise social ao tratar das atuais crises.
Análises, medidas, comentários normalmente apresentados na comunicação social sobre a crise ou as crises esforçam-se por não pôr em causa o sistema capitalista. Admite-se uma crise económica e financeira, uma crise social, uma crise ambiental, uma crescente insegurança bélica a nível mundial, como se pudessem ser resolvidas de forma independente.
É neste contexto que o esquema financeiro, defendido contra a ineficiência e despesismo do Estado – nas prestações sociais, mas não na corrupção e na fiscalidade distorcida – se tornou responsável pelas graves crises que atingem os diversos países como uma forma de espoliação da mais-valia produzida, com uma redistribuição do rendimento em desfavor dos trabalhadores e pequenos e médios empresários, em nome da do dogmatismo da ortodoxia financeira.
O “despesismo” do Estado está bem documentado com a entrega de biliões de euros ao “racional e eficiente” sector bancário, às grandes transnacionais e na entrega de serviços públicos a oligopólios.
A questão é na sua essência simples. Não há solução para estas crises no sistema capitalista. As propostas apresentadas – imposições de troikas – são confessadamente apenas para resolver os problemas que a especulação provocou, aliás com as medidas que lhes deram origem. Fazer as mesmas coisas à espera de resultados diferentes configura um quadro de insanidade mental (um mundo dirigido por loucos…) caso não se tratasse de puro dogmatismo para uns, de oportunismo para outros, de ganância sobretudo para os que controlam estes.
Vemos títeres criticarem aquilo que efectivamente defenderam e praticam, enunciarem promessas de reformas e fazerem apelos à ética, fraseologia oca de conteúdos concretos, inconsequente e irrelevante, como o “ganhar credibilidade” – o que quer que isto queira dizer – obviamente perante “os mercados”, que o ministro espanhol das finanças considerou agora agirem de forma “irracional”.
O sistema capitalista não tem quaisquer soluções para resolver os problemas das 4 crises, pelo contrário é a sua própria natureza, as suas leis fundamentais que as provocam, ignorando custos e benefícios sociais, funcionando em função do lucro privado, precisamente em sentido contrário do que seria desejável e necessário.
O sistema capitalista nas nossas sociedades, já não tem condições de criar emprego senão em precariedade e sem direitos – a “flexibilidade” - nem garantir serviços sociais, nem proporcionar mais democracia, uma significativa redução do desemprego está confessadamente fora de causa.
Este sistema é imune à ética e ao reformismo, porque a questão não reside em razões práticas, ou de competência dos seus medíocres dirigentes, que são aqueles que o grande capital define e apoia, colocou-se, na sua deriva metafísica, à margem da realidade.
A evidência dos factos mostra que a questão de reforma ou revolução está ultrapassada. O que se designa por “reformas” são tão-somente retrocessos civilizacionais de décadas, largas décadas em muitos casos, cuja tendência é a generalização do trabalho sem ou com um mínimo de direitos: trabalho semiescravo. O mito social-democrata de criar mais riqueza para melhor a distribuir, sem ter em conta as relações de produção, cai pela base com a livre circulação de capitais, o domínio dos paraísos fiscais e dos critérios de especulação financeira.
As crises exprimem a incapacidade do capitalismo para criar valor real, estando a acumulação capitalista atulhada de capital fictício e de ativos tóxicos. “Além disto, sendo os recursos naturais limitados, a necessidade de crescimento constante do capitalismo é estritamente impossível. Manter o capitalismo indefinidamente é matematicamente impossível. O seu desaparecimento é imperativo” (11)
A análise não dogmática, materialista e dialética da realidade, permitiu prever com exactidão o ocorrer da crise e sua evolução, quando a propaganda ao serviço da oligarquia a negava, afirmando o seu fim sempre adiado de ano para ano. Agora se evidencia que mais austeridade só traz mais austeridade, o governo e os seus propagandistas, continuam a propagar uma metafísica de equilibrar as contas públicas – custe o que custar. A única entidade que reconhecem é uma abstração a que chamam “mercados” - a especulação financeira de indivíduos corruptos, mais uma vez comprovada no caso do Barclays Bank - a ditadura à qual os povos são submetidos.
A compreensão profunda – materialista e dialética – da realidade só é conseguida numa teoria que mostre a unidade e as contradições dos diversos fenómenos sociais do mundo atual e que estude as suas transformações. Essa teoria é o marxismo.

1 – A metafísica constitui uma forma de pensamento ultrapassada, no entanto necessária à sua evolução no passado, permitindo a análise e classificação de fenómenos da natureza. Esta designação tem origem em Aristóteles, dado na sua obra filosófica seguir-se à física, significando depois (meta) da física, tratando das questões que ultrapassavam os limites da experiência.
2 A crise económica global A Grande Depressão do século XXI - Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marshall* - www.odiario.info - 20.mai.2010
3 – Não temos a pretensão nem poderíamos desenvolver neste texto o muito que há a dizer sobre as crises do capitalismo. O odiario.info, bem como o resistir.info, têm relevantes textos sobre este tema. Desejaríamos destacar pela abordagem global – e pelo seu nível – como bibliografia, “Crise e Transição Política – Metabolismo social e material”, de Rui Namorado Rosa, Edições Avante.
4 - Más libre comercio, más hambre - Esther Vivas - www.rebelion.org – maio.2008
5 – “Unidos contra nós, divididos entre si” por Ben Hiller - Colaborador de Socialist Alternative O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org
6 – “Alemania en la Gran Desigualdad” - Rafael Pochla – Vanguardia – www.rebelion.org – 24-maio.2012
7 - A Ilusão Neoliberal – René Passet – Ed. Terramar – 2002 - p.109
8 – “An Economy Destroyed” Paul Craig Roberts –July 22 / 24, 2011 – www.couterpunch.org - Paul Craig Roberts was Assistant Secretary of the US Treasury, Associate Editor of the Wall Street Journal, and professor of economics in six universities.
9 – “A história é o inimigo quando as psy-ops se tornam notícia”, John Pilger, www.resistir.info – 23.junho.2012 - O original encontra-se em www.johnpilger.com/…
10 – Trata-se da designada GUT (Great Unification Theory). As 4 forças fundamentais da natureza são: a força electromagnética, a força nuclear fraca, a força nuclear forte e a força gravitacional. Em 1850 James Maxwell estabeleceu no mesmo sistema de equações a força eléctrica e a força magnética, levando ao posterior desenvolvimento teórico e tecnológico da electricidade, electrónica, emissão de ondas electromagnéticas. A força nuclear fraca - responsável por certos tipos de radiação quando algumas partículas atómicas se transformam noutras mais leves (diz-se que “decaem”). Está atualmente unida ao electromagnetismo constituindo a força electrofraca. A força nuclear forte é responsável pela constituição de protões e neutrões e a estabilidade dos núcleos atómicos. As tentativas a associar à força electrofraca não têm sido conclusivas. Quanto á gravitação considera-se um passo final da unificação de que se tem ocupado a física quântica.
11 - Jean Mathieu - http://www.papamarx.wordpress.com - Crise Economique : Un changement d’époque.- Le fruit de la misère ne tombe jamais loin de l’arbre de l’exploitation.

sábado, 30 de junho de 2012

Fundamentalismo: muçulmano, judeu ou cristão?

Quem é o fundamentalista?


 
Definitivamente a mídia continua tratando seus leitores como idiotas.
Insiste em criar slogans usurpadores para catequizar os incautos.
De um lado temos o Ocidente Cristão “tolerante e democrático”.
De outro o Oriente muçulmano  “intolerante e fundamentalista”.
O Ocidente é representado por Estados Unidos e Europa.
O Oriente por Iraque, Líbia e Afeganistão ( não por coincidência nações invadidas, ocupadas e saqueadas”).
E a estes três últimos querem acrescentar a Síria e Iran e em quem mais eles estiverem cobiçando.
Enfim, de um lado temos os “tolerantes cristãos” e de outro os “fundamentalistas muçulmanos”.
Mas espera aí.
O Iraque de Saddam Hussein tinha como vice-presidente um cristão.
Em que país cristão há algum vice-presidente muçulmano?
No Afeganistão dos Talibãs  havia uma Mesquita de Maria.
Alguém conhece alguma igreja ou templo no Ocidente democrático de nome Muhamad?
Isso, claro, para ficar na superfície do texto.
Alguém pode dizer quando o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, a Síria ou Iran invadiram o Ocidente Cristão?
Não preciso perguntar quantas vezes o Ocidente cristão invadiu aqueles países.
Qualquer leitor minimamente ilustrado sabe  que o Ocidente Cristão fez e ( e continua fazendo) de sua razão a invasão, ocupação e saque de nações.
E não precisa ir longe.
A nossa maltratada America é um excelente exemplo.
Claro também que posso citar a África e a Ásia.
Agora falemos de Israel que, segundo seus psicopatas dirigentes, estaria ameaçado pelo muçulmano Iran.
Porque um dirigente iraniano “teria ameaçado os judeus de extinção”.
O interessante é que no Iran vivem mais de 35 mil judeus que vivem de acordo com os preceitos da religião judaica.
E jamais foram perseguidos ou maltratados.
Mas falemos de Israel, lamentavelmente, um posto militar euro-ocidental a serviço dos Estados Unidos.
Como os “judeus” foram parar ali?
Fugindo dos cristãos ocidentais.
Que jamais cessaram de persegui-los.
Basta consultar menos a mídia e mais a História para verificar essa verdade.
Foram os ocidentais cristãos que perseguiram  e maltrataram os judeus durante séculos.
Ao contrario dos muçulmanos, que sempre os abrigaram.
A lista é longa, longuíssima, mas esse é um simples blog e não uma defesa de tese.
Mas se você tiver algum tempo consulte a História e veja como Ocidente Cristão manipula vergonhosamente os fatos.
E veja quem é o fundamentalista.
E como a mídia trata os seus leitores como idiotas.
Depende apenas de você.
E abaixo você ouve Moshe Habusha, acompanhado por Ariel Cohen, cantando em árabe Ya Jarat Al Wadi, do egípcio Mohamad Abel-Wahab. Ressalte-se que Moshe possui um conjunto musical especializado em canções clássicas árabes. Muitas delas ele verteu para o hebraico. Eu o considero um dos melhores interpretes de musica árabe em todo o Oriente Médio.
 
 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Brasil de Fato lança “Especial Privataria Tucana”

 
do Brasil de Fato

Após dois meses de campanha, o jornal Brasil de Fato encerrou, no dia 31 de maio, a arrecadação de fundos para levar o conteúdo do livro A Privataria Tucana a todos os recantos do Brasil.
Graças à colaboração de 497 brasileiras e brasileiros, nos foi possível arrecadar um total de R$ 56.883,13 – o que nos possibilitou a impressão de 400 mil jornais que já estão sendo distribuídos gratuitamente por várias regiões do país.
O jornal especial, obviamente, não reproduz todo o livro. Mas, com esta edição, o Brasil de Fato pretende somar-se ao corajoso e incansável trabalho feito pela blogosfera (blogueiros progressistas) na tarefa de popularizar as denúncias feitas pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. em seu livro.
Mais do que isso, o especial conclama a população a pressionar os parlamentares para que instalem uma CPI da privataria tucana, no Congresso, em Brasília.
Você que contribuiu e que deseja receber em sua casa alguns exemplares, por favor, entre em contato com o jornal pelo email juliana@brasildefato.com.br
O jornal Brasil de Fato agradece a tod@s na certeza de que a divulgação do conteúdo desse livro é um grande serviço à sociedade brasileira, pois, acreditamos ser necessário que a população brasileira saiba quem sucateou e roubou o patrimônio público desse país, construído e legado pelas gerações que nos antecederam.
 

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Mészáros: o partido como ferramenta de luta ofensiva dos trabalhadores


Demétrio Cherobini - no DIARIO LIBERDADE
Todo mandato é minucioso e cruel
eu gosto das frugais transgressões
Mario Benedetti

Nos últimos anos, com as manifestações mais explosivas da crise do capital, muitas foram as tentativas de construção de mediações de combate que possibilitassem aos trabalhadores do mundo realizar reivindicações de variados tipos. Diversos foram os países em que homens e mulheres saíram organizadamente às ruas para questionar uma multiplicidade de acontecimentos, entre eles o fato de que as decisões fundamentais, de cunho político, econômico e social, que afetavam diretamente suas vidas, estavam sendo tomadas à revelia de suas vontades (1). Até mesmo o Brasil, guardadas as devidas proporções, foi palco para o pronunciamento de numerosas vozes, que, descontentes, clamavam por melhores condições de existência (2).
Essas organizações desempenham uma tarefa verdadeiramente árdua e indispensável: tomam ruas, ocupam praças, elaboram modos criativos de protesto, montam piquetes, pressionam, fazem agitação, enfrentam a repressão violenta do Estado, executam princípios de uma ação que se pode considerar como negativa em relação a essa ordem na qual a dinâmica sócio-metabólica se desenvolve sem que os sujeitos que a sustentam tenham a possibilidade de dar a ela um rumo consciente e coletivamente planejado.
A grande limitação de tais movimentos - e este é o seu calcanhar de Aquiles - é que são incapazes de transcender a ação meramente negativa (ou defensiva) e avançar no sentido deafirmar, na prática e em escala de massa, uma nova forma de regulação do metabolismo social que aponte para a superação definitiva do complexo contraditório do capital enquanto controlador fetichista e destrutivo da atividade produtiva humana.
Portanto, por mais valorosas que possamos considerar essas mediações, devemos forçosamente concluir que elas precisam, para levar suas batalhas adiante, até as últimas conseqüências, orientar-se de maneira ofensiva contra o capital. E esse salto programático só pode ser efetuado se os trabalhadores souberem fazer bom uso do instrumento cuja tarefa essencial é a de organizar as lutas de classes de uma forma em que se consiga ir além das reivindicações concernentes aos interesses parciais (econômicos) dos diversos setores da classe e, conseqüentemente, colocar em questão a própria relação antagônica - uma relação que épolítica, isto é, que envolve poder - existente entre capital e trabalho, que permeia a classe como um todo.
Esse instrumento de que estamos falando é o partido (3). A atribuição específica do partido é a de, justamente, politizar as lutas econômicas dos trabalhadores, ou seja, tornar-se veículo para que a consciência proletária ultrapasse o nível da particularidade e atinja o da totalidade concreta acerca do ser da sociedade na qual estão inseridos e que atualmente é controlada pelo sistema do capital. Numa palavra: o partido deve servir de mediação entre a classe revolucionária e a consciência revolucionária (4).
Para tanto, o partido necessita ter a melhor preparação teórica e política possível -profissionalizar-se, em todos os âmbitos da práxis revolucionária -, ao mesmo tempo em que se mantém organicamente vinculado às fileiras proletárias. Ele não é, nesse contexto, o causador da revolução, mas a ferramenta dialética que ensina e aprende com os trabalhadores e que lhes possibilita apreender concretamente as múltiplas determinações sócio-metabólicas que afetam as suas existências.
Comprando diariamente as lutas da classe trabalhadora, inserindo-se em seu interior, realizando denúncias sobre as arbitrariedades do capital, fazendo agitação político-ideológica, usando as palavras de ordem adequadas, educando e preparando material, tática e estrategicamente as massas para a atividade revolucionária – as batalhas ofensivas com o fim de formar mediações alternativas de regulação da produção -, o partido se converte em elemento efetivo de emancipação.
O partido não pode, portanto, em hipótese alguma, permanecer a reboque das causas economicistas dos trabalhadores, mas sim buscar a elevação da consciência das massas a partir da conjugação de ações negativas afirmativas em todos os espaços passíveis de intervenção política.
Sua própria forma de constituição interna, nesse contexto, precisa ser prenunciadora de uma formação social qualitativamente superior. Organização e orientação estratégica são, aqui, duas faces de uma mesma moeda. Isso quer dizer, em outras palavras, que as mediações alternativas da luta proletária – partido incluso - não podem se estruturar de uma maneira que reproduza a lógica de funcionamento sócio-metabólico do capital – um modo de controlehierárquico e fetichista da atividade produtiva.
A proposta da ofensiva socialista de que fala Mészáros exige dos interessados na superação do sistema esforços para a efetivação progressiva, já no presente, de um tipo de organização diverso do que está posto pela realidade alienante do capital.

Notas:
(1) O ano de 2011 foi marcante nesse sentido. Para uma boa leitura acerca de tais acontecimentos, vale a pena conferir a entrevista de Ricardo Antunes para Valéria Nader e Gabriel Brito, “Luta pelos direitos do trabalho é hoje vital diante da crise cabal do capitalismo”, Correio da Cidadania, 08/09/2011, disponível emhttp://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&;view=article&id= 6262. Como explica o sociólogo brasileiro, ainda que cada uma dessas manifestações tenha tido a sua singularidade, todas elas revelam um traço comum: expressar um profundo descontentamento em relação à ordem em que se inserem - ordem esta marcada, de uma forma ou de outra, pela grave crise do capital.

(2) Sobre esse ponto, é útil ler o bom artigo de Fernando Marcelino “Quatro lições sobre a nova dinâmica da luta de classes no Brasil”, Correio da Cidadania, 17/02/2012, disponível em http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&;view=article&id=6816:submanchete140212&catid=25:politica&Itemid=47. Ressalte-se, ainda, nesse contexto, o fato de que, entre os anos de 2009 e 2010, houve 964 greves no Brasil.

(3) Apesar de não ser um tema central de sua vasta obra, Mészáros afirma que os partidos podem ser mediações efetivas nas lutas de classes a favor dos trabalhadores. Apresentamos algumas de suas concepções a respeito num pequeno artigo, “Por um partido socialista de orientação estratégica ofensiva: notas a partir de István Mészáros”, Correio da Cidadania, 18/11/2011, disponível em http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&;task=view&id=6526&Itemid=79.

(4) Mészáros usa o termo – retirado d’A ideologia alemã – consciência socialista de massa para se referir à consciência revolucionária dos trabalhadores. Esse tipo de consciência deve dar conta de compreender não somente o que precisa ser negado pela práxis transformadora – o sistema de mediações do capital -, mas, também, fundamentalmente, aquilo que necessita ser afirmado em seu lugar, a comunidade dos homens e mulheres que regulam, de forma consciente e autônoma, o metabolismo social humano.

domingo, 27 de maio de 2012

A política da linguagem e a linguagem da regressão política


Os capitalistas subverteram em grande medida ganhos fundamentais da classe trabalhadora e estamos a cair outra vez em direção ao domínio absoluto do capital


James Petras no BRASIL DE FATO

O capitalismo e os seus defensores mantém a dominação através dos "recursos materiais" sob o seu comando, especialmente o aparelho de Estado, e suas empresas produtivas, financeiras e comerciais, bem como através da manipulação da consciência popular via ideólogos, jornalistas, acadêmicos e publicitários que fabricam os argumentos e a linguagem para enquadrar as questões do dia.

Hoje as condições materiais para a vasta maioria dos trabalhadores deterioram-se drasticamente, pois a classe capitalista descarrega todo o fardo da crise e da recuperação dos seus lucros sobre as costas das classes assalariadas. Um dos aspectos gritantes deste contínuo rebaixamento de padrões de vida é a ausência, até agora, de um grande levantamento social. A Grécia e a Espanha, com mais de 50% de desemprego na faixa etária dos 16-24 anos e aproximadamente 25% de desemprego geral, experimentaram uma dúzia de greves gerais e numerosos protestos nacionais com muitos milhões de pessoas; mas não provocaram qualquer mudança real de regime ou de políticas. Os despedimentos em massa, os salários penosos, os cortes em pensões e serviços sociais continuam. Em outros países, como a Itália, França e Inglaterra, protestos e descontentamento manifestam-se na arena eleitoral, com governantes afastados e substituídos pela oposição tradicional. Mas no decorrer da agitação social e da profunda erosão socioeconômica das condições econômicas e de vida, a ideologia dominante que informa os movimentos, sindicatos e oposição política é reformista: apelos para defender benefícios sociais existentes, aumentar despesas públicas e investimentos, pela expansão do papel do Estado onde a atividade do setor privado deixou de investir ou empregar. Por outras palavras, a esquerda propõe conservar um passado em que o capitalismo estava arreado com o Estado previdência.

O problema é que este "capitalismo do passado" foi-se e um novo capitalismo mais virulento e intransigente emergiu forjando uma nova estrutura mundial e um poderoso aparelho de Estado obstinado e imune a todos os apelos por "reforma" e reorientação. A confusão, frustração e má direção da oposição popular de massa é, em parte, devido à adoção por escritores, jornalistas e acadêmicos de esquerda dos conceitos e linguagem adotados pelos seus adversários capitalistas: linguagem concebida para obscurecer as verdadeiras relações sociais de exploração brutal, o papel central das classes dominantes na reversão de ganhos sociais e as ligações profundas entre a classe capitalista e o Estado. Publicitários, acadêmicos e jornalistas elaboraram toda uma litania de conceitos e termos que perpetuam o domínio capitalista e desviam seus críticos e suas vítimas dos que perpetram o seu drástico deslizamento rumo ao empobrecimento em massa.

Mesmo quando formulam suas críticas e denúncias, os críticos do capitalismo utilizam a linguagem e os conceitos dos seus apologistas. Na medida em que a linguagem do capitalismo entrou no linguajar geral da esquerda, a classe capitalista estabeleceu a hegemonia ou dominação sobre os seus antigos adversários. Pior, a esquerda, ao combinar alguns dos conceitos básicos do capitalismo com a crítica aguda, cria ilusões acerca da possibilidade de reformar "o mercado" para servir objetivos populares. Isto faz com que falhe a identificação das ideias mestras das forças sociais que devem ser expulsas dos comandos da economia e do imperativo de desmantelar o Estado dominado pela classe. Enquanto a esquerda denuncia a crise capitalista e os salvamentos do Estado, a sua própria pobreza de pensamento mina o desenvolvimento da ação política de massa. Neste contexto, a "linguagem" da ocultação torna-se uma "força material" – um veículo do poder capitalista, cuja utilização primária é desorientar e desarmar seus críticos intelectuais através do uso de termos, estruturas concetuais e linguagem que dominam a discussão da crise capitalista.

Eufemismos chave ao serviço da ofensiva capitalista

Os eufemismos têm um duplo significado: o que os termos implicam (conotação) e o que eles realmente significam. Concepções eufemísticas sob o capitalismo implicam uma realidade favorável ou comportamento aceitável e atividade totalmente dissociada do engrandecimento da riqueza da elite e da concentração de poder e privilégio. Os eufemismos disfarçam o impulso das elites do poder para impor medidas específicas de classe e para reprimir sem serem adequadamente identificados, responsabilizados e opostos pela ação popular de massa.

O eufemismo mais comum é a palavra "mercado", a qual é dotada de características e poderes humanos. Como tal, dizem-nos que "o mercado exige cortar salários", desligado da classe capitalista. Mercados, intercâmbio de mercadorias ou compra e venda de bens, têm existido há milhares de anos em diferentes sistemas sociais em contextos altamente diferenciados. Eles têm sido globais, nacionais, regionais e local. Envolvem diferentes atores socioeconômicos e compreendem unidades econômicas muito diferentes, as quais vão desde casas comerciais gigantes promovidas pelo Estado até ao nível de aldeias camponesas de semi-subsistência e praças de cidades. Existiram "mercados" em todas as sociedades complexas: escravocratas, feudais, mercantis e em primitivas ou tardias sociedades capitalistas competitivas, monopolistas industriais e financeiras.

Ao discutir e analisar "mercados" e compreender as transações (quem beneficia e quem perde), deve-se claramente identificar as classes sociais que dominam as transações econômicas. Escrever na generalidade acerca de "mercados" é enganoso porque os mercados não existem independentemente das relações sociais que definem o que é produzido e vendido, como é produzido e que configurações de classe modelam o comportamento dos produtores, vendedores e do trabalho. A realidade do mercado de hoje é definida por corporações e bancos multinacionais gigantescos, os quais dominam o trabalho e os mercados de commodities. Escrever de "mercados" como se operassem numa esfera acima e para além das brutais desigualdades de classe é esconder a essência das relações de classe contemporâneas.

Fundamental para qualquer entendimento, mas ignorado pela discussão contemporânea, é o poder incontestado dos proprietários capitalistas dos meios de produção e de distribuição, a propriedade capitalista da publicidade, os banqueiros capitalistas que concedem ou negam crédito e os responsáveis do estado nomeados pelos capitalistas que "regulamentam" ou desregulamentam relações de troca. Os resultados das suas políticas são atribuídos às eufemísticas exigências do "mercado" as quais parecem estar divorciadas da realidade brutal. Portanto, como insinuam os propagandistas, ir contra "o mercado" é opor-se ao intercâmbio de bens. Isto é claramente absurdo. Em contraste, identificar exigências capitalistas sobre o trabalho, incluindo reduções em salários, bem-estar e segurança, é confrontar uma forma exploradora específica de comportamento de mercado onde capitalistas procuram ganhar lucros mais altos contra os interesses e o bem-estar da maioria dos trabalhadores assalariados.

Ao confundirem relações de mercado exploradoras sob o capitalismo com mercados em geral, os ideólogos alcançam vários resultados: eles disfarçam o papel principal dos capitalistas quando evocam uma instituição com conotações positivas, isto é, um "mercado" onde pessoas compram bens de consumo e "socializam-se" com amigos e conhecidos. Por outras palavras, quando "o mercado", o qual é retratado como um amigo e benfeitor da sociedade, impõe políticas presumivelmente penosas para o bem-estar da comunidade. É o que os propagandistas dos negócios querem que o público acredite ao mercadejarem sua virtuosa imagem do "mercado"; eles mascaram o comportamento predatório do capital na caça por maiores lucros.

Um dos eufemismos mais comuns lançado em meio a esta crise econômica é "austeridade", um termo utilizado para encobrir as duras realidades de cortes draconianos em salários, pensões e bem-estar público e o aumento drástico de impostos regressivos (IVA). Medidas de "austeridade" significam políticas para proteger e mesmo aumentar subsídios do Estado a negócios, criar lucros mais altos para o capital e maiores desigualdades entre os 10% do topo e os 90% da base. "Austeridade" implica autodisciplina, simplicidade, parcimônia, poupança, responsabilidade, limites em luxos e gastos supérfluos, evitar a satisfação imediata em benefício da segurança futura – uma espécie de calvinismo coletivo. A conotação da palavra é o sacrifício compartilhado hoje para bem-estar futuro de todos.

Contudo, na prática "austeridade" descreve políticas que são concebidas pela elite financeira para implementar reduções no padrão de vida de uma classe específica e em serviços sociais (tais como saúde e educação) disponíveis para trabalhadores e empregados assalariados. Significa que fundos públicos podem ser desviados numa extensão ainda maior para pagar altos juros a possuidores de títulos ricos enquanto sujeitam a política pública aos ditames dos senhores do capital financeiro.
Ao invés de falar de "austeridade", com sua conotação de severa autodisciplina, os críticos de esquerda deveriam descrever claramente as políticas da classe dominante contra o trabalho e as classes assalariadas, as quais aumentam desigualdades e concentram no topo ainda mais riqueza e poder. Políticas de "austeridade" são portanto uma expressão de como as classes dominantes utilizam o estado para comutar o fardo do custo da sua crise econômica para cima do trabalho.
Os ideólogos das classes dominantes apropriaram-se de conceitos e termos, os quais a esquerda originalmente utilizou para o avanço de melhorias em padrões de vida e que se voltaram contra si. Dois destes eufemismos, tomados da esquerda, são "reforma" e "ajustamento estrutural". "Reforma”, durante muitos séculos, referia-se a mudanças, as quais diminuíam desigualdades e aumentavam a representação popular. "Reformas" eram mudanças positivas que promoviam o bem-estar público e a restrição do abuso de poder por regimes oligárquicos ou plutocráticos. Ao longo das últimas três décadas, contudo, importantes acadêmicos, economistas, jornalistas e responsáveis da banca internacional subverteram o significado de "reforma" transformando-o no seu oposto: agora refere-se à eliminação de direitos do trabalho, ao fim da regulamentação pública do capital e à redução de subsídios públicos que tornavam a alimentação e o combustível acessíveis aos pobres. No vocabulário capitalista de hoje "reforma" significa reverter mudanças progressistas e restaurar os privilégios de monopólios privados. "Reforma" significa acabar com a segurança de emprego e facilitar despedimentos maciços de trabalhadores pelo rebaixamento ou eliminação da indenização por despedimento. "Reforma" já não significa mudanças sociais positivas; agora significa reverter aquelas mudanças arduamente conquistas e restaurar o poder irrestrito do capital. Significa um retorno à fase primitiva e mais brutal do capital, antes de existirem organizações de trabalhadores e quando a luta de classe era suprimida. Portanto "reforma" agora significa restaurar privilégios, poder e lucro para os ricos.
De um modo semelhante, os cortesões linguísticos da profissão econômica puseram o termo "estrutural", como em "ajustamento estrutural", ao serviço do poder desenfreado do capital. Ainda na década de 1970 a mudança "estrutural" referia-se à redistribuição da terra dos grandes latifundiários para os destituídos de terra; uma mudança de poder dos plutocratas para as classes populares. "Estruturas" referia-se à organização do poder privado concentrado no Estado e na economia. Hoje, contudo, "estrutura" refere-se às instituições e políticas públicas, as quais tiveram origem nas lutas do trabalho e da cidadania para proporcionar segurança social, para proteger o bem-estar, saúde e aposentadoria de trabalhadores. "Mudanças estruturais" são agora o eufemismo para esmagar aquelas instituições públicas, acabar com os constrangimentos ao comportamento predatório do capital e destruir a capacidade do trabalho para negociar, lutar ou preservar seus avanços sociais.
O termo "ajustamento", como em "ajustamento estrutural" (AS), é em si próprio um eufemismo suave que implica sintonia fina, a modulação cuidadosa de instituições e políticas públicas que apoiam a saúde e o equilíbrio. Mas, na realidade, "ajustamento estrutural" representa um ataque frontal ao setor público e um desmantelamento geral de legislação protetora e de agências públicas organizadas para proteger o trabalho, o ambiente e os consumidores. "Ajustamento estrutural" mascara um assalto sistemático aos padrões de vida do povo em benefício da classe capitalista.
A classe capitalista tem cultivado uma safra de economistas e jornalistas que apregoam políticas brutais em linguagem suave, evasiva e enganosa a fim de neutralizar a oposição popular. Infelizmente, muito dos seus críticos "de esquerda" tendem a apoiar-se na mesma terminologia.
Dada a corrupção generalizada da linguagem, tão difusa nas discussões contemporâneas acerca da crise do capitalismo, a esquerda deveria cessar de se apoiar neste conjunto enganoso de eufemismos apropriados pela classe dominante. É frustrante ver quão facilmente as expressões seguintes entram no nosso discurso:

"Disciplina de mercado" - O eufemismo "disciplina" denota uma fortaleza de caráter sério e consciente em face de desafios em contraposição ao comportamento irresponsável, escapista. Na realidade, quando vai a par com "mercado", refere-se a capitalistas a aproveitarem-se de trabalhadores desempregados e utilizarem sua influência política e o poder de despedirem massas de trabalhadores e intimidar os empregados remanescentes para maior exploração e excesso de trabalho, produzindo, portanto, mais lucro por menos pagamento. Ela também cobre a capacidade de grandes senhores capitalistas de elevarem sua taxa de lucro cortando os custos sociais de produção, tais como proteção ambiental e do trabalhador, cobertura de saúde e pensões.

"Choque de mercado" - Refere-se a capitalistas ocupados com maciços e abruptos despedimentos brutais, cortes em salários e eliminação de planos de saúde e pensões a fim de melhorar cotações de ações, aumentar lucros e assegurar maiores bônus para os patrões. Ao ligar o termo suave e neutro de "mercado" com "choque", os apologistas do capital disfarçam a identidade dos responsáveis por tais medidas, suas consequências brutais e os imensos benefícios desfrutados pela elite.

"Exigências do mercado" - Esta frase eufemística é destinada a antropomorfizar uma categoria econômica, afastar a crítica de proprietários reais de carne e osso, dos seus interesses de classe e do seu despótico estrangulamento do trabalho. Ao invés de "exigências de mercado", a frase deveria ser lida: "a classe capitalista ordena aos trabalhadores que sacrifiquem seus próprios salários e saúde para assegurar mais lucro para as corporações multinacionais" – um conceito claro que provavelmente despertará a ira daqueles adversamente atingidos.

"Livre empresa" - Um eufemismo que é a combinação de dois conceitos reais: empresa privada para lucro privado e competição livre. Ao eliminar a imagem subjacente do ganho privado para os poucos contra o interesse dos muitos, os apologistas do capital inventaram um conceito que enfatiza as virtudes individuais de "empresa" e "liberdade" em oposição aos vícios econômicos reais da cobiça e da exploração.

"Mercado livre" - Um eufemismo que implica competição livre, justa e igual em mercados não regulados encobrindo a realidade da dominação de mercado por monopólios e oligopólios dependentes de maciços salvamentos do Estado em tempos de crise capitalista. "Livre" refere-se especificamente à ausência de regulamentações públicas e intervenção do Estado para defender a segurança dos trabalhadores bem como a do consumidor e a proteção ambiental. Por outras palavras, "liberdade" mascara a destruição desumana da ordem cívica por capitalistas privados através do seu exercício desenfreado do poder econômico e político. "Mercado livre" é o eufemismo para o domínio absoluto de capitalistas sobre os direitos e meios de vida de milhões de cidadãos, na essência uma verdadeira negação da liberdade.

"Recuperação econômica" - Esta frase eufemística significa a recuperação de lucros pelas grandes corporações. Ela disfarça a ausência total de recuperação de padrões de vida para as classes trabalhadora e média, a reversão de benefícios sociais e as perdas econômicas de detentores de hipotecas, devedores, os desempregados a longo prazo e proprietários de pequenos negócios em bancarrota. O que é encoberto na expressão "recuperação econômica" é como a pauperização em massa se torna uma condição chave para a recuperação de lucros corporativos.

"Privatização" - O termo descreve a transferência de empresas públicas, habitualmente aquelas lucrativas, para capitalistas de grande escala privados, bem conectados, a preços bem abaixo do seu valor real, levando à perda de serviços públicos, emprego público estável e custos mais elevados para os consumidores, pois os novos proprietários privados elevam preços e despedem trabalhadores – tudo em nome de outro eufemismo: "eficiência".

"Eficiência" - Eficiência aqui refere-se apenas ao balanço de uma empresa; não reflete os custos 
pesados da "privatização" arcados por setores relacionados da economia. Exemplo: "privatizações" dos transportes aumentam custos de negócios a montante e jusante tornando-os menos competitivos em comparação com competidores de outros países; "privatização" elimina serviços em regiões que são menos lucrativas, levando ao colapso econômico local e ao isolamento dos mercados nacionais. Frequentemente, responsáveis públicos, que estão alinhados com capitalistas privados, desinvestem deliberadamente em empresas públicas e nomeiam compadres políticos incompetentes como parte da política clientelista, a fim de degradar serviços e fomentar descontentamento público. Isto cria uma opinião pública favorável à "privatização" da empresa. Por outras palavras, a "privatização" não é um resultado das ineficiências inerentes das empresas públicas, como os ideólogos do capital gostam de argumentar, mas um ato político deliberado destinado ao ganho do capital privado às custas do bem-estar público.

Conclusão

Linguagem, conceitos e eufemismos são armas importantes na luta de classe "dos de cima", concebidos por jornalistas e economistas capitalistas, para maximizar a riqueza e o poder do capital. Na medida em que críticos progressistas e de esquerda adotam estes eufemismos e seu quadro de referência, as críticas e alternativas que propõem são limitadas pela retórica do capital. Colocar "aspas" em torno dos eufemismos pode ser um sinal de desaprovação, mas isto não promove o quadro analítico diferente que é necessário para o êxito da luta de classe dos "de baixo". Igualmente importante, deixa de lado a necessidade de uma ruptura fundamental com o sistema capitalista, incluindo sua linguagem corrompida e seus conceitos enganosos. Os capitalistas subverteram em grande medida ganhos fundamentais da classe trabalhadora e estamos a cair outra vez em direção ao domínio absoluto do capital. Isto deve relançar a questão de uma transformação socialista do Estado, da economia e da estrutura de classe. Uma parte integral desse processo deve à rejeição total dos eufemismos utilizados pelos ideólogos capitalistas e a sua substituição sistemática por termos e conceitos que verdadeiramente reflitam a implacável realidade, que claramente identifiquem os perpetradores deste declínio e que definam as agências sociais para a transformação política.
O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/?p=1898
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Segunda Guerra Mundial: vitória do socialismo


Por Osvaldo Bertolino no GRABOIS
 
Há exatos 67 anos, à meia-noite de 8 para 9 de maio de 1945, os canhões silenciaram fogo na Europa pela primeira vez desde 1939. Estava encerrada a mais sangrenta guerra de todos os tempos. A grande vítima e o grande vitorioso do conflito foi o socialismo.
 
Não deixarei o Volga! Não sairei de lá! Os gritos de Adolf Hitler, tomado por um acesso de cólera, eram a expressão do desastre causado pela sua ordem de manter o 6º Exército ao redor da simbólica cidade soviética de Stalingrado. A derrota nazista naquele local representou uma reviravolta na Segunda Guerra Mundial e um êxito incalculável dos comunistas em todo o planeta.
A reviravolta se consolidaria em janeiro de 1942, quando o Exército Vermelho lançou a ofensiva geral em uma ampla frente e em alguns setores avançou mais de 400 quilômetros para o ocidente, afastando a fera nazista que rugia às portas de Moscou. Os comunistas soviéticos, artífices da vitória, ganharam enorme prestígio internacional. A importância militar e política fora gigantesca — pela primeira vez durante toda a guerra o exército nazista sofria uma derrota séria.
Poucos meses antes, em 7 de novembro de 1941 — 24º aniversário da revolução socialista de 1917 —, o líder revolucionário Josef Stálin dissera ao Exército Vermelho e aos guerrilheiros comunistas que o mundo via neles “a força capaz de destruir as hordas rapaces dos invasores alemães”. Adolf Hitler, o senhor absoluto de Berlim, determinara que em 2 de outubro seria desencadeada a grande ofensiva. Tufão era o seu nome em código, um verdadeiro ciclone que devia abater-se sobre os soviéticos, destruindo as últimas forças combatentes diante de Moscou e fazendo desmoronar a pátria do socialismo.
 
Tudo para frente, tudo para a vitória!

A história não conhecia guerras libertadoras como aquela. Já nos primeiros movimentos, ficara demonstrado que na União Soviética os combates seriam diferentes dos que ocorreram na Europa. Além das debilidades daqueles exércitos, o trabalho de sapa dos colaboracionistas fora determinante para o avanço alemão. No país socialista, as bases sociais para a organização de contrarrevolucionários não existiam mais — ao contrário do que ocorreu na guerra civil, após a Revolução de 1917.
Os soviéticos, com o lema “Tudo para frente, tudo para a vitória!”, estavam conscientes do que representava aquela guerra. Em muitos locais os combatentes deixaram inscrições de loas à pátria gravadas nas ruínas. Eram exemplos do elevado moral comunista, que levaram os Estados Unidos e a Inglaterra a declarar, em 22 de junho de 1941, que estavam dispostos a prestar ajuda à União Soviética. Havia, até então, uma passividade das potências ocidentais. Para as velhas senhoras da Europa e seu aliado norte-americano, o problema de Adolf Hitler era com os soviéticos.
Em janeiro de 1933, quando se tornou chanceler alemão, Adolf Hitler já havia publicado sua plataforma política. Era o livro Mein Kampf  (Minha Luta), um best-seller que naquele tempo contava com mais de um milhão de exemplares vendidos. Nele, estavam claras as idéias do novo chanceler alemão: ódio aos comunistas, aos judeus, aos eslavos, aos proletários, etc. Logo, a venda da obra nazista explodiria. "Com exceção da Bíblia, nenhum outro livro foi tão vendido durante o regime nazista", escreveu William L. Shirer no livro Ascensão e Queda do 3° Reich, parcialmente traduzido para o português pelo histórico dirigente do Partido Comunista do Brasil, Pedro Pomar.
Na obra, Hitler expôs com clareza o modelo de governo que ele queria implantar na Alemanha. A "nova ordem" que o líder nazista pretendia impor ao mundo tinha no Estado de seu país — que um dia se tornaria "o soberano da terra" — o alicerce para uma ditadura absoluta. A "nova ordem" nazista também teria uma "ideologia universal". Para tanto, segundo Minha Luta, a Alemanha deveria ajustar contas com a França, "o inexorável e mortal inimigo do povo alemão". Hitler considerava esse passo decisivo como meio para mais tarde "dar ao nosso povo a expansão que venha a ser possível alhures".
 
Estratégia nazista
 
Ele estava dizendo que a Alemanha tinha como alvo final a União Soviética. "A Alemanha deve expandir-se para o Leste, em grande medida às custas da Rússia", escreveu. No primeiro volume de Minha Luta, Hitler discorreu longamente sobre o problema do "espaço vital" — Lebensraum, em alemão. "Se na Europa de hoje falarmos em terras, haveremos de ter em mente apenas a Rússia e as nações vizinhas a ela subordinadas", afirmou o líder nazista. Ele perseguiria esse objetivo até à morte. Para Hitler, o destino tinha sido generoso ao entregar a região à direção dos comunistas — o que, segundo sua teoria, era o mesmo que entregá-la aos judeus.
A estratégia nazista estava clara. Primeiro, era preciso aniquilar a França apenas como condição para o avanço de seus exércitos rumo ao Leste. No decorrer da guerra, essa promessa foi fielmente executada. Hitler tomou a Áustria, a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, e a parte ocidental da Polônia. Em setembro de 1938, os líderes da Alemanha, Inglaterra e França assinaram o "Pacto de Munique", permitindo ao exército alemão iniciar sua marcha para a Tchecoslováquia. A ameaça à União Soviética estava mais perto do que nunca.
 
Segurança coletiva
 
Logo depois da ocupação nazista da Tchecoslováquia, a União Soviética propôs uma conferência das seis potências (Alemanha, Itália, França, Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética) para debater formas de evitar futuras agressões. Mas a proposta foi considerada "prematura". Os movimentos no xadrez político ocidental deixavam claro a intenção de manter a União Soviética fora do concerto das potências européias. Moscou voltou a acenar, em vão, com um pacto de assistência mútua com a França e a Inglaterra. Esses movimentos evoluíram para a aproximação entre União Soviética e Alemanha.
Discursando no VIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em março de 1939, Josef Stálin disse que Inglaterra e França haviam abandonado o princípio da segurança coletiva, com a finalidade de orientar os Estados agressores para "outras vítimas". Stálin advertiu que os países ocidentais estavam empurrando os alemães ainda mais para o Leste, prometendo-lhes uma presa fácil. Segundo o líder soviético, os princípios orientadores do país socialista eram o de seguir uma política de paz, de fortalecimento das relações econômicas com todos os países e não permitir que a União Soviética fosse arrastada para conflitos pelos provocadores de guerra.
O recado foi entendido em Berlim. A Alemanha tinha interesse em atacar a Polônia sem temer uma intervenção soviética. As conversações evoluíram para o pacto de não-agressão mútua. Quando Hitler invadiu a Polônia, a União Soviética movimentou suas tropas para os Estados Bálticos. A etapa principal do pacto estava vencida. A Alemanha nazista preparava "uma campanha rápida" para "esmagar a União Soviética". Em junho de 1941, um ano depois da queda da França, as tropas nazistas atacaram o país socialista. Um general alemão disse que a guerra estaria ganha em catorze dias.
 
Chegada da reviravolta

A batalha de Stalingrado representou a chegada da reviravolta. Dali para diante, o poder de Hitler declinaria, minado pela crescente contra-ofensiva soviética. Um representante do "Ministério para os Territórios Ocupados do Leste", criado pelo governo nazista, disse na ocasião que os soviéticos "estavam lutando com excepcional bravura e com espírito de renúncia, nada mais visando que o reconhecimento da dignidade humana". O resultado seria o esmagamento da máquina de guerra criada por Hitler.
Em junho de 1944, as forças anglo-americanas atacaram na frente ocidental. A muralha nazista foi rompida em poucas horas. À meia-noite de 8 para 9 de maio de 1945, os canhões silenciaram fogo na Europa pela primeira vez desde 1939. O fim da contenda entre nazistas e soviéticos chegou quando as tropas motorizadas do Exército Vermelho capturaram o coração da cidadela nazista — Berlim. Um soldado anônimo hasteou a bandeira vermelha no topo do Reichstag. Em 2 de setembro de 1945, os japoneses renderam-se a bordo do encouraçado norte-americano Missouri, ancorado na baía de Tóquio. Era o fim de uma luta que se iniciara em meados de 1937, na China, expandindo-se mais tarde para praticamente todo o Pacífico.
A bandeira da liberdade e da democracia passou a flutuar por toda a Europa e em boa parte do mundo. O resultado da guerra fez com que o socialismo ganhasse muito respeito. Na luta pela existência, os povos aprendem a conhecer seus amigos e a reconhecer os seus inimigos. O socialismo bateu de frente com a Alemanha nazista e foi a principal barreira ao III Reich sonhado por Adolf Hitler. No combate, emergiu a União Soviética na sua verdadeira estatura e significação, com seus líderes, sua economia, seu exército, seus povos e, segundo o então secretario de Estado norte-americano, Cordell Hull, “a quantidade épica de seu fervor patriótico”.
 
A ordem de Adolf Hitler
 
Quando o Exército Vermelho empurrava as tropas nazistas para fora do território soviético, em fevereiro de 1942, o general Douglas Mac Arthur, que assinaria a rendição dos japoneses, disse: “Durante a minha vida eu participei de numerosas guerras e testemunhei outras tantas, assim como estudei pormenorizadamente as campanhas dos principais cabos de guerra do passado. Em nenhuma delas observei tão eficiente resistência (…). A escala e grandeza desse esforço assinala-o como o maior feito militar em toda a história.”
Segundo William L. Shirer, o tratamento aos prisioneiros de outros países, especialmente britânicos e americanos, era relativamente mais suave. “Havia, vez por outra, casos de assassínios e massacre deles, mas isso, geralmente, era devido ao excessivo sadismo e crueldade de certos comandantes”, escreveu ele. Quando a maré da guerra começou a virar contra Hitler, com a contra-ofensiva soviética iniciada na batalha de Stalingrado, o líder nazista ordenou o extermínio dos “comandos” aliados capturados, especialmente no ocidente. “Doravante, todos os inimigos em missões denominadas ‘de comando’, na Europa e na Ásia, (…) devem ser mortos até ao último homem”, dizia a ordem de Hitler.
 
Canhões de grande calibre

É impossível calcular o volume de perdas econômicas causadas pela guerra. Quanto à perda de vidas, há uma estimativa, embora longe de ser exata. Morreram cerca de 50 milhões de pessoas, fardadas ou não. Uma média de 8,3 milhões por ano de luta. Tomada em seu conjunto, a Segunda Guerra Mundial é um fato sem paralelo na história. Nunca tantos países haviam se envolvido num conflito armado. Nunca se produziu tanto armamento. Raramente se aplicou tanta pesquisa e dinheiro no desenvolvimento de equipamentos militares.
A guerra começou numa época em que os exércitos ainda usavam cavalos. Quando terminou, os caças a jato já voavam. No final da década de 30, as armas mais destrutivas ainda eram os canhões de grande calibre. Meia dúzia de anos mais tarde o planeta tomava contato com as armas nucleares e com os mísseis balísticos. O mundo não poderia ser o mesmo após o término da Segunda Guerra Mundial.
 
O julgamento de Nuremberg

No dia 20 de novembro de 1945, 21 acusados nazistas sentaram no banco dos réus no Palácio da Justiça, em Nuremberg, Alemanha, para o julgamento por crimes de guerra. Outro acusado, Martin Bormann, foi acreditado como morto. Pela primeira vez, ocorria um julgamento internacional. Para isso, foi criado o Tribunal Militar Internacional (TMI), que combinou elementos do direito anglo-americano e das leis civis do continente europeu, formado pelas quatro potências aliadas: União Soviética, Inglaterra, França e Estados Unidos.
Em agosto de 1945, os aliados reuniram-se em Londres para assinar o acordo que criou o TMI e acertar as regras do julgamento. O documento, conhecido como “Carta de Londres”, tem uma característica salutar: a ausência de palavras como “lei” ou “código”, num esforço para lidar com aquela questão delicada de forma eficiente.

A “Carta de Londres” criou as regras dos processos de julgamento e definiu os crimes a serem tratados: assassínio, extermínio, escravização, deportação, atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou durante a guerra e perseguição política, racial, ou religiosa. Os réus foram acusados de exterminar milhões de pessoas e espalhar a guerra na Europa.
 
O julgamento de Nuremberg

Os processos de Nuremberg certificaram o nascimento do direito internacional. O TMI faria ainda outros julgamentos, principalmente de médicos que realizaram experimentos brutais, e criou um documento que ficou conhecido como “Código de Nuremberg” — considerado um marco na história da humanidade por estabelecer uma recomendação internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com seres humanos.
Logo no início dos trabalhos, o juiz norte-americano Robert Jackson, que atuou como promotor-chefe da acusação, declarou: “Não devemos esquecer que os parâmetros pelos quais julgamos hoje estes acusados são os parâmetros pelos quais a história nos julgará amanhã. Passar a estes acusados um cálice envenenado é pôr esse cálice em nossos próprios lábios. Devemos observar em nossa conduta tal imparcialidade e integridade que a posteridade possa elogiar este julgamento por ter cumprido as aspirações da humanidade de que se faça justiça”. A duras penas, o mundo chegava a um ponto decisivo: o que fazer depois daquele conflito gigantesco?
 
Fenda no governo brasileiro
 
No Brasil, a Segunda Guerra Mundial abriu uma fenda no governo, que se estendeu depois que, em 7 de dezembro de 1941, realizou-se na cidade do Rio de Janeiro a Conferência de Chanceleres das Américas em apoio à entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ali se descortinaram caminhos políticos para o progresso do movimento patriótico e antifascista.
O país estava chocado com o torpedeamento de vários navios da Marinha brasileira por submarinos alemães e o governo reagia timidamente devido às suas diferenças internas — o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra — que viria a ser o sucessor de Getúlio Vargas na Presidência da República e aliado incondicional dos Estados Unidos no nascedouro da “Guerra Fria” —, e o aparelho repressivo chefiado por Filinto Muler eram abertamente a favor da Alemanha. Mas a pressão popular levaria, finalmente, o governo a declarar guerra ao Eixo nazi-fascista no dia 22 de agosto de 1942.
 
Manifestação organizada pelo Partido Comunista do Brasil na Praça da Sé, em São paulo, comemora derrota do nazi-fascismo

Outra manifestação da divisão no governo ocorreu quando os estudantes organizaram uma “passeata antitotalitária” no dia da Independência dos Estados Unidos, 4 de julho, que contou com o apoio do ministro das Relações Exteriores, o chanceler Osvaldo Aranha, e a repulsa de Filinto Muller. O chefe da repressão tentou impedir a passeata, desacatou o ministro da Justiça interino, Vasco Leitão da Cunha, foi preso e demitido. Em consequência do episódio, foram demitidos também Francisco Campos, ministro titular da Justiça, e Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Felisberto Batista Teixeira, diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), foi outro afastado.
 
Organização da FEB

 
Os avanços das forças soviéticas, que impulsionavam a luta democrática em todo o mundo, refletiram fortemente no Brasil. O Partido Comunista do Brasil se empenhou com tenacidade na luta anti-fascista e propôs a organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaria em Nápoles, Itália. Com essa finalidade, o Partido abriu duas frentes de trabalho — reforçou a União Nacional dos Estudantes (UNE) e relançou a Liga da Defesa Nacional, entidade fundada em 1916 no Rio de Janeiro pelos intelectuais Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon, sob a presidência de Rui Barbosa.
No dia 28 de novembro de 1943, o governo decidiu organizar a FEB. “Fomos os primeiros a reivindicar a participação militar do Brasil e o fizemos de maneira consequente”, segundo o histórico dirigente comunista João Amazonas. As Comissões de Ajuda, criadas às centenas em todo o território nacional, angariaram donativos, realizaram conferências e promoveram comícios populares. Todo esse trabalho foi coroado com a organização da FEB.
O desembarque do primeiro escalão da FEB em Nápoles, Itália, em 17 de julho de 1944, coroou o trabalho abnegado daqueles brasileiros que olhavam para o futuro e imaginavam o país livre da ditadura do Estado Novo e das ameaças nazi-fascistas. O Partido Comunista do Brasil mobilizou forças e organizou grandes ações em favor desse objetivo. E, após o término da guerra, enfrentaria seus efeitos.
 
Denúncia de Maurício Grabois
 
No dia 9 de outubro de 1946, o líder da bancada do Partido Comunista do Brasil na Assembléia Constituinte, Maurício Grabois, ocupou a tribuna para denunciar o perigo que a guerra ainda representava. Ele reagiu, indignado, às palavras de Gilberto Freyre (UDN-PE) que, “em nome da consciência universal cristã”, protestou contra a pena de morte imposta aos criminosos nazista julgados em Nuremberg. Grabois disse: “A clemência para com esses bandidos nazistas em Nuremberg poderá significar, para o futuro, a morte de milhões de homens livres.”
O líder da bancada comunista também denunciou a proibição da entrada de judeus no Brasil pelo governo do general Dutra. “Ainda ressoa o eco das bombas da última conflagração e os mesmos preconceitos, as mesmas perseguições, ainda persistem no cenário mundial”, disse Grabois. “Hoje, após a derrota do nazi-fascismo, vemos se levantar as tentativas dos imperialistas norte-americanos e seus aliados para reacender a fogueira ateada por Hitler”, afirmou.
 
Nascimento da “Guerra Fria”

A guerra mostrou ser um negócio lucrativo. Durante os anos da Primeira Guerra Mundial, estima-se que os monopólios americanos obtiveram um lucro líquido de US$ 38 bilhões. Durante a Segunda Guerra Mundial, o lucro líquido foi de US$ 53 bilhões. Logo, uma violenta tempestade se formaria debaixo da calma aparente do pós-Segunda Guerra Mundial. Enormes áreas coloniais e semicoloniais do globo, agitadas com as novas esperanças de liberdade pelo exemplo da vigorosa vitória das forças democráticas, estavam despertando e ameaçando subverter a pesada estrutura do imperialismo. A revolução socialista cintilaria na China e começava a irromper na Coreia.
Eram acontecimentos anunciados como o fim dos tempos, obras de uma “conspiração moscovita”. O mundo capitalista, que se debatia nas garras da crise antes do início da Segunda Guerra Mundial enquanto a União Soviética embarcava em uma era de progresso, armava-se febrilmente para impedir o avanço do socialismo. O mito-propaganda da “ameaça comunista” trazia de volta o rame-rame dos velhos chavões que inundaram o mundo pelas ações do nazi-fascismo no entreguerras. Era o surgimento da nova face do anticomunismo, a “Guerra Fria”.
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Editor do Portal Grabois