terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

My name is Panamá


Um país sob o jugo da dominante cultura americana, o Panamá vive intensa crise de identidade e assiste à economia ficar cada vez mais atrelada aos EUA com a assinatura do TLC.



Sétimo país do qual os Latinautas mandam relatos, o Panamá vive uma profunda crise de identidade após um século de domínio dos EUA. Mesmo com o canal, principal fonte de divisas do país, tendo já passado ao controle panamenho desde 1999, a cultura e a economia do país continuam sob forte jugo americano.

O relato que segue apresenta um pouco daquilo que, na História do Panamá, serve de indícios para a descaracterização da cultura local, além de apresentar o papel da Teologia da Libertação que, a exemplo de outros países da América Central, mostra-se como uma das principais referências de lutas sociais. O controverso tema da assinatura do Tratado de Livre Comércio com os EUA é avaliado sob a ótica de economistas locais. Há ainda, o registro do lançamento do Partido dos Trabalhadores Panamenhos, que aconteceu durante a estada dos Latinautas no país.

Canal do Panamá; invasão dos Estados Unidos
O desejo de construir um canal na região da América Central, que ligasse os Oceanos Pacífico e Atlântico, sempre esteve presente nas mentes dos comerciantes europeus e norte-americanos. Diversos projetos surgiram ao final do século XIX. O que obteve maior destaque foi o dos Franceses, os quais, por já possuírem a experiência de terem construído o canal de Suez, ganharam a concessão e escolheram o Panamá como local ideal para sua construção.

Entretanto, a construção do canal começou a apresentar diversos problemas, os gastos eram muito maiores do que o orçamento inicial e milhares de homens perderam suas vidas por causa de doenças tropicais. A idéia inicial era a de construir um canal em linha reta, ao nível do mar. Aos poucos, os franceses demonstraram-se inaptos para dar seqüência à construção do canal do Panamá e, então, passaram seus direitos sobre a área para os Estados Unidos.

O Canal foi administrado pelos Estados Unidos durante o século XX. Toda a área que a eles “pertencia” funcionava como um país diferente do Panamá. Os panamenhos não podiam freqüentar os espaços norte-americanos, sendo privados do direito de circular dentro de sua própria nação.

Em 1989, os Estados Unidos invadiram oficialmente o Panamá com a justificativa de retirar o ditador Noriega do poder. Entretanto, a luta contra a ditadura deveria ser do povo panamenho e a invasão foi vista com bons olhos apenas pelos setores de elite da população, os quais teriam seus ganhos econômicos garantidos. Vale lembrar que o ditador Noriega sempre foi um fiel amigo estadunidense e trabalhou durante anos para a CIA. Quando seus serviços não mais contavam, os EUA decidiram então “proteger seus interesses”.

Em 1999, o Canal do Panamá passou, finalemnte, para as mãos panamenhas. Entretanto, muita pouca coisa mudou, pois o Canal segue operando voltado para os interesses de uma pequena elite local.

Identidade Panamenha
A moeda corrente panamenha é o Balboa. O Balboa é uma moeda fictícia. Existe somente como um nome, pois, na realidade, é sinônimo de dólar. Sim, o dinheiro que circula no país não se chama dólar, mas é o dólar. “Estranho” pensamos. Descobrindo isso, estávamos prontos para presenciar outros indícios de colonização norte-americana na região.

Os outdoors nas avenidas mais importantes da capital, Cidade do Panamá, são todos escritos em inglês. A grande maioria dos anúncios imobiliários também. Até mesmo a seção de oferta de emprego no jornal é em inglês, ou quem sabe, bilíngüe. Mas qual seria a língua oficial do país?

Demoramos um pouco para entender o que acontecia naquela nação. Durante os primeiros dias não sabíamos exatamente o que ocorria. Procurávamos manifestações da identidade local, mas era difícil encontrar algo autêntico. A população justificava-se dizendo que a Cidade do Panamá é uma capital moderna, onde vivem pessoas de diversas nacionalidades. Mas e o povo panamenho, onde se encontrava?

Tratado de Livre Comércio sob a ótica de um economista
Nossa primeira entrevista em solo panamenho foi com o economista Aléxis Sotto, representante da organização nacional de agricultores e produtores (ONAGRO). Sotto é também analista econômico de diversos setores do governo e de empresas privadas. Aléxis Sotto foi muito atencioso, dirimiu nossas duvidas e interou-nos da situação econômica do país, mais precisamente sobre a assinatura do Tratado de Livre Comercio (TLC) com os Estados Unidos.

Para Sotto, o TLC pode representar vantagens e desvantagens. Entretanto, o que mais preocupa o economista é que o Panamá possa, em algum ponto, perder sua soberania. “O país deve produzir seus produtos básicos, ou, ao final, ficaremos nas mãos dos Estados Unidos e teremos que comprar todos os produtos deles, com o preço que eles desejarem”.

Aléxis Sotto repetiu-se diversas vezes sobre a questão da soberania econômica. Disse também que um país deve sim participar de acordos econômicos desde que os mesmos beneficiem sua própria economia. Ao perguntarmos sobre a questão da moeda nacional, o economista respondeu que foi algo “natural” uma vez que, pelo país, passe carga de diversas procedências e a moeda corrente entre os negociantes sempre foi o dólar.

Saímos da entrevista com algumas dúvidas respondidas, mas a questão da identidade nacional ainda estava longe de ser resolvida e, para nós, era difícil aceitar que as coisas naquele nação acontecessem assim, tão “naturalmente”.

Igreja Católica
Assim como nos demais países da América Central, a Teologia da Libertação foi bastante difundida no Panamá. Atualmente, um dos principais representantes da mesma é a Fundação Pastoral Cáritas. Ainda que menos “radical” do que nos anos anteriores, a Pastoral segue com a filosofia de que a Igreja é para todos, as pessoas possuem os mesmos direitos independente de cor, gênero e/ou situação econômica.

O Panamá é o segundo país da América Latina com a pior distribuição de renda, perdendo apenas para o Brasil. A linha divisória entre ricos e pobres vem aumentando ao longo dos anos, fator que assusta muitos e é uma das principais preocupações do grupo Cáritas.

Conversamos com o Diácono César Carraquilla Vasquez, coordenador da Fundação. Segundo ele, diversos projetos de “desenvolvimento” presentes atualmente no Panamá possuem características neoliberais.

“Qualquer projeto que não leve em conta as pessoas que estão ao redor possuem uma característica neoliberal (...) as pessoas devem tomar consciência de que devem lutar por uma melhor qualidade de vida. Isso não surgirá de maneira espontânea. Nós temos que lutar pela vida, a vida que nos deu Deus. Uma vida em que todas as pessoas tenham direito a um pão, à assistência medica, à educação e à recreação. Se tivermos isso claro, concluímos que qualquer projeto deve promover o desenvolvimento integral do ser humano”, concluiu o diácono.

Um Canal ao serviço de um país ou um país ao serviço de um canal?
O encontro com o professor universitário e radialista Miguel Antonio Bernal foi, sem dúvida alguma, o mais esclarecedor de todos. Bernal demonstrou-se muito direto e claro em suas palavras, trazendo-nos a compreensão da atual situação do país num contexto amplo.

Para ele, a crise de identidade que o país enfrenta é tão séria que o Panamá encontra-se em um momento decisivo dentro do qual terá que decidir se será um país ou apenas um Canal. Leia a entrevista na íntegra com Miguel Antonio Bernal (leia aqui).

(*) Latinautas é o apelido dado pela Carta Maior à equipe da expedição "Da América para as Américas", formada por Milena Costa de Souza, Pedro José Sorroche Vieira, Thiago Costa de Souza e Ligia Cavagnari. Eles atravessam as Américas, passando por 17 países, percorrendo mais de 25 mil km em busca de uma identidade de resistência à hegemonia política, econômica e cultural exercida pelos EUA.
Fonte : cartamaior