domingo, 9 de janeiro de 2011

Derivados de um país à deriva

João Ferreira
João Ferreira no Odiario.info*
 
“À entrada na segunda década do século XXI, o número de seres humanos a passar fome aproxima-se dos mil milhões. (…) As razões profundas da crise alimentar encontramo-las nas contradições e nos limites intrínsecos ao modo de produção capitalista, na sua irracionalidade. A pulsão especulativa procura a todo o custo contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, continuando o processo de acumulação. Assim se criam activos financeiros fictícios e se alimentam bolhas especulativas, acentuando a desproporção entre os meios financeiros em circulação e base material que lhes dá suporte. Muitos dos que ganham milhões especulando com os produtos alimentares não tocam sequer num único grão de milho ou bago de arroz


À entrada na segunda década do século XXI, o número de seres humanos a passar fome aproxima-se dos mil milhões. De acordo com a FAO, 925 milhões de pessoas não têm o suficiente para comer e a subnutrição contribui para mais de metade das 9,7 milhões de mortes de crianças até aos 5 anos de idade, que ocorrem por ano, nos países subdesenvolvidos. [1]
Nos últimos meses adensaram-se os receios de uma nova escalada nos preços dos bens alimentares a nível mundial, à semelhança da que conduziu à crise alimentar de 2007-2008. Ainda segundo a FAO, só durante o ano de 2008 pelo menos 40 milhões de pessoas foram levadas à fome em resultado dessa escalada.
Um relatório recente, da responsabilidade do relator especial da ONU para o direito à alimentação, aborda algumas das causas que então levaram ao aumento súbito dos preços dos produtos alimentares. [2]
Entre 2005 e 2008, o preço do milho nos mercados internacionais quase triplicou. Entre Abril de 2007 e Abril de 2008, o preço do arroz aumentou 165%. Esta variação não é explicada por alterações fundamentais na oferta ou na procura destes produtos, mas sim, fundamentalmente, pela especulação financeira exercida sobre estas mercadorias.
É certo que são diversos os factores que podem influir sobre a oferta dos bens alimentares e, consequentemente, sobre o seu preço. O aumento tendencial do preço do petróleo – uma matéria-prima essencial para a actividade agrícola – em resultado da sua progressiva e inexorável escassez, constitui um factor importante. Tal não deverá ser ignorado e esta é aliás a principal causa que alguns apontam para a recente subida dos preços de algumas mercadorias (commodities) nos mercados internacionais, incluindo de produtos alimentares como o milho e o trigo (em média, o preço das commodities subiu 25% nos últimos 6 meses). [3] Outros exemplos são a utilização crescente de terra fértil para produção não de alimentos mas de matérias-primas como biocombustíveis e a ocorrência de catástrofes naturais que destroem ou inviabilizam volumes de produção significativos.
Mas voltando à crise alimentar de 2007/08 e aos seus ensinamentos, as variações dos preços então registadas não poderão ser inteiramente explicadas senão pela especulação financeira; especulação que, tendencialmente, é (será) tanto maior quanto maior for a variabilidade e instabilidade associadas aos outros factores que influem na procura e/ou na oferta – aumentando exponencialmente os seus riscos. Vejamos o exemplo do trigo: entre Janeiro e Fevereiro de 2008, no prazo de um mês e meio apenas, o preço deste cereal aumentou 46%, descendo novamente quase outro tanto até Maio e aumentando novamente a partir daí 21% até ao início de Junho; são mudanças demasiado bruscas para poderem ser explicadas por alterações significativas na procura e/ou na oferta.
«Especulam porque está na sua natureza especular» [4]
As razões profundas da crise alimentar encontramo-las nas contradições e nos limites intrínsecos ao modo de produção capitalista, na sua irracionalidade.
A pulsão especulativa procura a todo o custo contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, continuando o processo de acumulação. Assim se criam activos financeiros fictícios e se alimentam bolhas especulativas, acentuando a desproporção entre os meios financeiros em circulação e base material que lhes dá suporte. Muitos dos que ganham milhões especulando com os produtos alimentares não tocam sequer num único grão de milho ou bago de arroz. A FAO estima que apenas 2% de todos os contratos de futuros resultem na entrega da mercadoria física subjacente.
Foi à medida que outras bolhas foram «secando» ou rebentando (novas tecnologias, mercado imobiliário, subprime) que os especuladores (fundos de investimento, hedge funds, fundos de pensões, grandes bancos) se concentraram nas commodities, incluindo nos produtos alimentares. Aos olhos dos especuladores, trata-se de uma bolha difícil de «secar», já que ao contrário do que sucede com outras mercadorias, mais ou menos dispensáveis, as pessoas terão sempre que comer.
A única maneira de impedir a especulação é acabar com os instrumentos que a viabilizam – nomeadamente com alguns «produtos financeiros», como os derivados OTC. Mas são as Nações Unidas, através do seu relator especial, que vêm agora reconhecer que as medidas adoptadas pela UE neste domínio estão longe de poder travar a especulação, sendo pouco mais do que uns pozinhos numa engrenagem que a UE vem dando provas de querer manter e servir…

Notas:
 

* Biólogo, Deputado no Parlamento Europeu

Dilma tira crucifixo do gabinete. Falta o resto do país


Por Leonardo Sakamoto em seu blog

A Folha de S. Paulo, deste domingo, traz a informação de que a presidenta Dilma Rousseff, em sua primeira semana de trabalho, retirou o crucifixo da parede de seu gabinete e a bíblia de sua mesa.
Helena Chagas, ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social, através de seu twitter, contradisse a informação divulgada pela Folha na tarde de hoje – depois deste post já ter sido publicado. Segundo ela, “a presidenta Dilma não tirou o crucifixo da parede de seu gabinete. A peça é do ex-presidente Lula e foi na mudança. Aliás, o crucifixo, que Lula ganhou de um amigo no início do governo, é de origem portuguesa”. Segundo Chagas, a bíblia continua lá, em uma sala contígua, em cima de uma mesa.
A meu ver, a discussão sobre a propriedade do crucifixo é indiferente – se Dilma não repuser a peça. O que importa é a existência de símbolos religiosos no gabinete da Presidência da República e a sua retirada. A Secretaria de Comunicação Social não informou se o símbolo foi trocado por outro. Pode não ser a opção dela não ter tirado, mas é uma decisão recolocar ou não. Do jeito que é o Brasil, não fazer nada, será um ato simbólico surpreendente.
Defendo fortemente que a retirada de símbolos religiosos seja realizado por todos os que ocupam cargos públicos no país. Dilma afirmou ser católica durante as eleições (ok, como disse na época, eu ainda aposto que ela e José Serra são, no limite, agnósticos – mas vá lá), mas não foi eleita para representar apenas cristãos e sim cidadãos de todas as crenças – inclusive os que acreditam em nada.
A questão da retirada de crucifixos, imagens e afins de repartições públicas gerou polêmicas ao longo da história a partir do momento em que um Estado se afirma laico (e não desde o lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, como querem fazer crer o pessoal do “não li, mas não gostei”). A França retirou os símbolos religiosos de sedes de governos, tribunais e escolas públicas no final do século 19. Nossa primeira Constituição republicana já contemplava a separação entre Estado e Igreja, mas estamos 120 anos atrasados em cumprir a promessas dos legisladores de então.
Em janeiro do ano passado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou uma nota em que rejeitou “a criação de ‘mecanismos para impeder a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União’, pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas”.
Adoro quando alguém apela para as “raízes históricas” para discutir algo. Na época, lembrei que a escravidão está em nossas raízes históricas. A sociedade patriarcal está em nossas raízes históricas. A desigualdade social estrutural está em nossas raízes históricas. A exploração irracional dos recursos naturais está em nossas raízes históricas. A submissão da mulher como reprodutora e objeto sexual está em nossas raízes históricas. As decisões de Estado serem tomadas por meia dúzia de iluminados ignorando a participação popular estão em nossas raízes históricas. Lavar a honra com sangue está em nossas raízes históricas. Caçar índios no mato está em nossas raízes históricas. E isso para falar apenas de Brasil. Até porque queimar pessoas por intolerância de pensamento está nas raízes históricas de muita gente.
Quando o ser humano consegue caminhar a ponto de ver no horizonte a possibilidade de se livrar das amarras de suas “raízes históricas”, obtendo a liberdade para acreditar ou não, fazer ou não fazer, ser o que quiser ser, instituições importantes trazem justificativas fracas como essa, que fariam São Tomás de Aquino corar de vergonha intelectual. Por outro lado, o pessoal ultraconservador tem delírios de alegria.
Em 2009, o Ministério Público do Piauí solicitou a retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos, atendendo a uma representação feita por entidades da sociedade civil e o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou recolher os crucifixos que adornavam o prédio e converteu a capela católica em local de culto ecumênico. Algumas dessas ações têm vida curta, mas o que importa é que percebe-se um processo em defesa de um Estado que proteja e acolha todas as religiões, mas não seja atrelado a nenhuma delas.
É necessário que se retirem adornos e referência religiosas de edifícios públicos, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Não é porque o país tem uma maioria de católicos que espíritas, judeus, muçulmanos, enfim, minorias, precisem aceitar um símbolo cristão em um espaço do Estado. Além disso, as denominações cristãs são parte interessada em várias polêmicas judiciais – de pesquisas com célula-tronco ao direito ao aborto. Se esses elementos estão escancaradamente presentes nos locais onde são tomadas as decisões sem que ninguém se mexa para retirá-las, como garantir que as decisões serão isentas?
Como já disse aqui antes, o Estado deve garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus cultos, tenham seus templos, igrejas e terreiros e ostentem seus símbolos (tem uma turma dodói da cabeça que diz que isso significaria a retirada do Cristo Redentor do morro do Corcovado – afe… por Nossa Senhora!). Mas não pode se envolver, positiva ou negativamente, em nenhuma delas. Estado é Estado. Religião é religião.
Como é difícil uma democracia respeitar suas minorias.

BES VAKIT / O TEMPO E O VENTO - 2006-Cinema Turco


Título Original: Bes Vakit
Direção: Reha Erdem
Roteiro: Reha Erdem
Gênero: Drama
Origem: Turquia
Ano De Lançamento: 2006
Música: Arvo Pärt
Fotografia: Florent Herry
IMDB


POST EM PARCERIA COM O FONFAGU !!

SINOPSE:

Em um pequeno vilarejo do interior da Turquia, um grupo de crianças tenta sobreviver às dificuldades do cotidiano por meio da imaginação e da integração com a natureza suas estações do ano. Obra-prima do cinema turco (vencedora do Prêmio Especial do Júri no Festival de Roma/2006) dirigida com notória emoção por Reha Erdem. Remete a outro sucesso infanto-juvenil, o israelense "Exuberante Deserto".

Informações Do Arquivo:

Formato: MVCD
Qualidade: DVDRip
Áudio: Turco
Duração: 111 Min
Cor
Tamanho: 781 MB (dividido em 4 partes)

DOWNLOAD:

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legendas português/BR:

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Elenco:

Ozen Ozkan
Ali Bey Kayali
Bulent Yarar
Taner Birsel
Yigit Özsener
Selma Ergeç
Tarik Sönmez
Köksal Engür
Tilbe Saran
Sevinç Erbulak
Nihan Asli Elmas
Cüneyt Türel
Utku Baris Sarma
Eren Akan
Sükran Üçpinar
Sencer Sagdiç
Ali Sahinbas

O Filme:

Bes Vakit é um retrato da vida familiar nas áreas rurais da Turquia centrada na vida de três crianças: Omer, Yakup e Yildiz. A aldeia em que vivem é um tanto desorganizada, muitas casas já demonstram sua idade e as estradas desgastadas e vacilantes. O ambiente, por outro lado, é extremamente belo, que vão desde florestas verdejantes a espetaculares falésias e ao mar brilhando gloriosamente. O Diretor Reha Erdem faz uso da Steadycam para controlar os personagens quando eles viajam através da aldeia e da paisagem rural, criando uma sensação de que o pequeno povoado e seus arredores são um grande todo.
A vila, porém, não é um lugar harmonioso: há grande desconfiança entre gerações diferentes, do mais velho ao mais novo, e Omer, Yakup e Yildiz estão nesse meio. Os três filhos mais novos ganham o desgosto e a decepção de seus antepassados, e por sua vez, tornam-se desiludidos e rancorosos.

O pai de Omer está sempre desapontado com seu filho mais velho, e pouco faz para esconder a sua preferência por Ali, o irmão mais jovem brilhante de Omer. Omer começa a planejar maneiras de matar seu pai, que já está sofrendo com os efeitos de uma doença. Enquanto isso, Yakup, amigo de Omer, é repreendido por seu pai, por tentar roubar cigarros, mas descobre - para sua consternação - que está sendo ministrado por uma hipócrita moral. As mulheres da aldeia não estão livres deste ciclo fútil onde os velhos alienam os jovens e os jovens se ressentem da idade: Yildiz, uma menina jovem e inteligente, tem que cuidar do seu irmão, ainda bebê, em nome de sua mãe, e sofre cada vez mais sob o estresse da responsabilidade.

Não é à toa que, em suas complicadas famílias ingratas a vida destas crianças anseiam por uma fuga, e assim eles se reúnem no deserto em torno de sua aldeia para planejar , brincar e sonhar. Imagens recorrentes mostram os jovens filhos de bruços - morto ou dormindo - no deserto, um triste reflexo de um mundo onde já se sente o desapontamento.

Isso não quer dizer que este é um retrato sombrio da vida na Turquia rural. Ele está torcendo para ver o trabalho feito pelos membros da comissão de vila, que se reúnem para discutir questões prementes do local. Eles condenam o espancamento de um jovem pastor local por seu pai e organizam a construção de um novo telhado para uma senhora idosa melhor se ajustar com a proximidade do inverno. Existem também alguns momentos engraçados em Bes Vakit, incluindo as cenas onde as crianças riem com a procriação dos animais. Embora, mesmo tais cenas, sejam, em última análise permeada com a mesma tristeza encontrada ao longo do filme: os meninos pegam as meninas assistindo a um par de cavalos copulando e afastá-as, na crença de que as meninas não devem ter permissão para ver tais coisas. Em um lugar onde as figuras religiosas, aquém dos altos ideais a que aspiram, é triste ver o comportamento errado inspirado na cabeça dessas crianças.

O filme encontra a companhia perfeita na música do compositor finlandês Arvo Part. As cordas sombrias e assustadoras que incham periodicamente ao longo do filme mistura-se com os sons da natureza e da vida cotidiana, e chama-nos a refletir o tormento das relações humanas contra o mais sereno e belo de cenários. Apesar de quase duas horas de duração Bes Vakit não se torna um filme lento. Há tantos personagens e incidentes que o filme pode ser um pouco confuso em alguns pontos, mas é implacável e envolvente. Bes Vakit é notável por ter surgido aparentemente do nada e ter chamado (merecidamente) a atenção para o novo cinema oriundo da Turquia.

Sagrados elos imobiliários


Comerciantes árabes da rua Al-Silsila tentam resistir ao assédio de empresários judeus

Imagine uma corrente. Você vê as extremidades, mas não vê o elo entre as duas pontas. Você precisa juntar os pontos extremos para entender o todo”, diz, com ar de mistério, Ahmad, jovem comerciante da rua Al-Silsila, em Jerusalém. O árabe palestino explica sua metáfora e diz que, para entender a cidade sagrada para as três grandes religiões monoteístas do mundo é necessário ver todos os elos da corrente e juntá-los. Chamada de rua de Davi pelos judeus, Al-Silsila significa “corrente” em árabe. A estreita via é uma das principais passagens entre dois mundos: o caminho do bairro judeu ao árabe, ou vice-versa. Repleta de lojas de comidas típicas e de artesanatos palestinos, não poucos feitos na China, leva da Porta de Jaf-fa Grande Mesquita do Domo da Rocha e traça o limite com o bairro judeu, onde se encontra o Muro das Lamentações.
No meio da “rua da Corrente”, dois policiais – um israelense de origem árabe e outro judeu – perguntam aos que se encaminham à mesquita se são muçulmanos. É sábado e os turistas não têm permissão para entrar. Para os judeus, é onde Abraão ofereceu seu filho Isaac em sacrifício a Deus e o rei Salomão construiu o primeiro templo. Já os muçulmanos acreditam ter sido o local de onde o profeta Maomé viajou aos céus (Al-Miraaj). “Eu, particularmente, não vejo problema que os turistas passem, mas os policiais o fazem para evitar confusão. Pode entrar algum judeu com uma Torá e irritar os muçulmanos”, explica Ahmad. “Os judeus fazem isso para prejudicar o comércio aqui na rua e forçar-nos a vender nossas lojas”, opina Omar Jobah.
Jobah apareceu no início de dezembro em um canal de televisão palestino denunciando o movimento de empresários judeus que tentam comprar lojas de árabes em Jerusalém. Aos 58 anos, casado e pai de sete filhos, tira por mês cerca de 3,5 mil shekels (cerca de 2 mil reais, salário mínimo em Israel). Por ano paga 5 mil shekels em impostos pela propriedade do estabelecimento comercial ao governo israelense, 12% sobre as vendas e mais 5% em taxas extras. “Toda hora eles aparecem aqui querendo comprar. Os judeus já me ofereceram 750 mil dólares, mas não vendo nem por 1 milhão. Minha família está aqui há 200 anos.”
O comerciante tenta convencer os demais a não vender suas lojas a judeus. “Ele é como nosso líder aqui na rua. Eu não venderia minha loja (que está em frente a uma madrassa, escola da religião islâmica), nem por 5 milhões de dólares. Se começarmos a vender tudo aos judeus, a rua vai perder seu caráter”, explica Hamed, dono da última loja árabe no caminho à mesquita.
O judeu Itzik Gurevich, da Organização de Construtores de Israel, explica: “Há grupos que tratam de adquirir, de comprar propriedade dos árabes palestinos, sob a ideologia religiosa de direita de Israel”. Na cidade sagrada, muitos empresários organizam-se na Elad, associação de colonos judeus ativa nos bairros árabes de Jerusalém Oriental. “Eles pensam que toda a parte de Jerusalém onde estão os palestinos também pertence a eles.” Segundo Gurevich, a compra de propriedades é uma transação legal – não há qualquer legislação que impeça transações imobiliárias entre judeus e árabes, palestinos e israelenses. “Mas quando esses grupos adquirem a propriedade e se instalam, começam a formar centros de provocação. Isso aumenta a tensão nesta zona da cidade.”
Ao mesmo tempo, os palestinos não se sentem livres para vender suas lojas a judeus. “Há uma espécie de castigo para os árabes que vendem os imóveis. Na longa rua de Al-Silsila, com um total de 123 lojas, há apenas dois proprietários judeus que conseguiram comprar o estabelecimento de árabes. “Os dois (árabes) ficaram muito malvistos pela comunidade por terem vendido suas lojas”, afirma Jobah. “Há posições radicais por ambas as partes. A base da aquisição das propriedades é provocativa, não é econômica. Não é algo ingênuo”, analisa Gurevich.
Na outra ponta da corrente, dezenas de rabinos estimulam os cidadãos a não vender nem alugar casas para não judeus. No início de dezembro, uma carta aberta de 41 rabinos alegou que a tensão entre árabes e judeus aumentou com o impasse do processo de paz e reclamaram da entrada de imigrantes ilegais africanos. “A terra de Israel é destinada ao povo de Israel”, disse à rádio do Exército de Israel, Yosel Shainin, rabino-chefe da cidade portuária de Ashdod e um dos signatários do texto. A Associação de Direitos Civis de Israel (Acri) e parlamentares de oposição exigiram que o premier israe-lense, Benjamin Netanyahu, condenasse a carta e punisse os rabinos. “Isso obriga, de uma vez por todas, o indiciamento deles por incitação racial”, disse o parlamentar árabe israelense Ahmed Tibi. De forma surpreendente, Netanyahu considerou a carta antidemocrática e afirmou que contradizia os livros sagrados, recordando a história de discriminação sofrida pelo povo judeu. “Israel rejeita completamente estes comentários (dos rabinos).”
Na cidade de Hebron, na Cisjordânia, em território palestino, o lobby para compra e venda de lojas de palestinos por israelenses judeus se repete. Aos 77 anos, Mohamed é um dos poucos que mantêm sua loja de ferragens aberta na rua Ashuhadek. Muitos negociantes venderam os imóveis ou simplesmente fecharam as portas. “A rua está praticamente fechada e quase ninguém passa por aqui. A Autoridade Palestina me dá mil shekels por mês. Venho trabalhar para me divertir.”
Uma mureta com cerca de 60 centímetros de altura e um check point com dois soldados israelenses separam o comerciante palestino Munear Abid, 58 anos, de seus clientes árabes no final da Ashuhadek. Ele é um dos donos das quatro últimas lojas árabes que ficaram do “lado judeu” de Hebron. Munear lembra que, quando era pequeno, árabes e judeus circulavam pela cidade livremente. Mas em 1994, durante o processo de paz de Oslo, o colono judeu Baruch Goldstein disparou contra muçulmanos que rezavam na Mesquita de Ibrahim – ou na Cava de Machpela, onde se diz que estão enterrados os restos de Abraão –, e matou 29 pessoas. Em fevereiro de 1997, um acordo para a redistribuição das forças de defesa israelenses dividiu a cidade em duas áreas: H1, controlada pela Autoridade Palestina, e H2, sob controle militar israelense. Depois da segunda Intifada, em 2000, e o aumento da violência entre os dois lados, as FDI tomaram o controle de toda a cidade e vários check points foram criados a partir de 2003 na área H1.

Divisão do Sudão pode gerar problemas internos e externos, alertam especialistas africanos

por Eduardo Castro no OperaMundi

Apontado pela comunidade internacional como um “marco para a consolidação da paz” no Sudão, a consulta popular que deve dividir o maior país da África inquieta estudiosos africanos consultados pela Agência Brasil.

De hoje (09/01) até 15 de janeiro, os sudaneses do Sul votam na consulta popular prevista no acordo de paz que pôs fim à guerra civil, que durou mais de 20 anos no país. Quatro milhões dos 40 milhões de sudaneses irão dizer se querem ou não que a parte Sul torne-se uma nação independente. Os resultados serão homologados em fevereiro.


Para o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, um dos observadores internacionais, “o referendo é um passo crítico no sentido da implementação do acordo de paz”. Segundo ele, citado pelo Carter Center, a expectativa é de que “o processo ajude o povo do Sudão a trabalhar em um futuro pacífico, independentemente do resultado [da votação]”.


O centro presidido por Carter enviou mais de 100 observadores para acompanhar a consulta popular sudanesa. O ex-secretário-geral da ONU, o ganês Kofi Annan, também estará presente. “É importante que todos os líderes políticos honrem os compromissos para manter a paz no Sudão, como o previsto no acordo de paz”, afirmou.


Reprodução/Wikipedia
 
A área em azul votará sobre separação; verde é Darfur


Mas, entre os analistas africanos, a certeza não é tão grande. “Isto não é bom na história política de África”, afirma Aly Jamal, doutor em Relações Internacionais e especializado em conflitos africanos. “Isso pode ser um mal exemplo para alguns países onde as circunstâncias não são iguais, mas podem ser procuradas para justificar o uso do mesmo caminho”, disse. “Já temos o caso do Congo, a República Centro Africana... se um rastilho semelhante ocorre por aquelas bandas, vamos fazer referendo para autodeterminação?”, pergunta Aly Jamal.


Citado pelo jornal moçambicano O País, o investigador do Instituto de Ciências Políticas em Paris, o sudanês Roland Marchal, chama o processo no Sudão de “Berlim 2”, lembrando que foi na Conferência de Berlim, em 1885, que as potências europeias dividiram a África entre si, demarcando fronteiras sem levar em conta, em muitos casos, aspectos culturais, sociais e étnicos das comunidades atingidas.


Para a professora Iraê Baptista Lundin, do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique e que participou do grupo que negociou a paz para guerra civil do país (entre 1992 e 1994) trata-se da quebra de outro tratado, mais recente. “Em 1963, quando foi criada a Organização dos Estados Africanos, foi definido que as fronteiras iriam permanecer, para não criar mais problemas. Já quebramos esse tratado quando separou-se Eritreia da Etiópia (em 1993). Se acontecer a separação do Sudão será a segunda vez.”


Entretanto, lembra a professora, a Eritreia já havia existido como estado separado, o que não ocorre com o Sudão do Sul. Em 1962, logo depois da independência da Itália, a Eritreia foi anexada à Etiópia. Após uma guerra de mais de 30 anos, votou a favor da sua separação em 1993.


“O ideal teria sido discutir mais autonomia, instituir o federalismo”, defende Iraê Lundin. “Nigéria e África do Sul têm, hoje, estados federados. A história mostra que é possível encontrar outras saídas. Tenho receio de que [a possível divisão] vá exacerbar um conflito que, neste momento, está latente – e é um dos mais antigos de África.”


O professor Aly Jamal concorda. “A comunidade internacional ficou satisfeita com a simples ideia de 'vamos fazer a paz. Vamos determinar o que que eles querem'... Mas não foi atrás daquilo que, objetivamente, tem a sido causa de todos os problemas”, afirma. “Se, pelo menos, o referendo ocorresse com uma delimitação bastante clara sobre o traçado de fronteira, traria mais tranquilidade. Mas isso ficou para depois”.


Os especialistas dizem, porém, que o temor não é de um conflito imediato. “O Sul não tem interesse em entrar numa guerra logo depois de formar-se como estado autônomo”, diz Aly Jamal. “Nem o Norte, certamente, quererá se envolver nisso”. O tempo até que a tesão renasça não depende só dos sudaneses. “Quem tem interesse no petróleo e nas outras riquezas que estão ali vai tem um importante papel na moderação”, diz Aly Jamal. “Com um país ou dois, elas vão continuar existindo”. Apontado pela comunidade internacional como um “marco para a consolidação da paz” no Sudão, a consulta popular que deve dividir o maior país da África inquieta estudiosos africanos consultados pela Agência Brasil.


Pesadelo sionista: Israel nunca foi, não é e jamais será um Estado judeu


Ramez Philippe Maalouf* via blog do bourdoukan


Um dos maiores mitos já disseminados na mídia internacional e, inclusive, nos meios acadêmicos, é definir Israel como “Estado judeu” (motivo pelo qual uso aspas sempre que escrevo a referida alcunha).

Israel jamais foi, não é e jamais será um Estado judeu.

Até porque é pouco provável que governo e população do Estado de Israel sigam os princípios do judaísmo.

Não surpreende, portanto, que a maioria dos judeus (ou aqueles que afirmam ser judeus) prefira viver fora do Estado que, a princípio, deveria protegê-los.

A despeito das questões éticas e morais, a realidade demográfica (Demografia é uma ciência maldita, banida da academia, especialmente no Oriente Médio, inclusive no mundo árabe) insiste refutar este mito.

Proporcionalmente, há mais árabes em Israel (cerca de 1.500.000 ou 20,1% da população israelense dentro das fronteiras de 1967,) do que curdos no Iraque (17%) e negros nos EUA (13%), só para termos de comparação.

Se considerarmos as populações da Faixa de Gaza (1.600.000) e da Cisjordânia (2.400.000), bloqueadas e sob ocupação militar sionista desde 1967, a proporção de árabes na população total sob o controle do governo israelense (11.600.000) sobe para cerca de 47,4%, alcançando 5.500.000 em termos absolutos, em  2010.

Como a população supostamente judia alcança a cifra de 5.700.000 (49,1% da população total e cerca de 75% dos habitantes dentro das fronteiras de 1967), calcula-se que em 2014, a número de árabes vivendo sob o domínio de Israel alcance a mesma cifra de judeus (50%/50%), colocando em xeque a suposta identidade judaica de Eretz Yisrael, expondo o fracasso do projeto sionista.

A bomba demográfica palestina está detonando Israel, explicando, em grande medida, os motivos do Massacre de Gaza, na virada de 2008 para 2009, que exterminou mais de 1.400 palestinos, dos quais 1/3 eram crianças. Um dos objetivos do Massacre era forçar a retirada dos palestinos para o Egito (cujo governo, irônica e covardemente, dera sinal verde para o ataque israelense), para diminuir a pressão demográfica palestina sob o domínio sionista.

Egito e Israel são aliados de velha data. Em 1948, durante a chamada Guerra de Independência de Israel, os egípcios fizeram um acordo com os sionistas (a semelhança do que os hachemitas transjordanos fizeram com os líderes sionistas com relação à Cisjordânia); a Faixa de Gaza e o Negev seriam “cedidos” ao governo de Cairo em troca da Paz com o “Estado judeu”. Entretanto, no decorrer da guerra, os sionistas preferiram “ceder” apenas a Faixa de Gaza, retendo o domínio sob o Negev.  Mais de 750 mil árabes palestinos foram expulsos da Palestina, destruída pela fundação de Israel, outros 160 mil árabes (incluindo milhares de druzos, que não se consideram palestinos) permaneceram no novo Estado hebreu. O Egito ocupou a Faixa de Gaza até 1967, quando foi atacado pela aviação israelense, que passou a ocupar também a Península do Sinai. As vitórias egípcias nas Guerras de Atrito (1967-70) e do Yom Kippur (1973) levaram os israelenses às negociações, acordos e tratado de Paz, concluídos com a devolução do Sinai ao governo de Cairo, em janeiro de 1982, para tão somente abrir caminho para a grande invasão israelense do Líbano em junho do mesmo ano, que exterminou mais de 25 mil árabes em 70 dias de ataques.

Calcula-se o total refugiados palestinos em todo mundo alcance a cifra de 5,6 milhões. Se metade deles retornassem à Palestina histórica, como demanda a resolução 194 da ONU, o país voltaria a ter a mesma proporção de árabes e judeus residentes no país (60%/40%) antes da Guerra de 1947-49, que resultou na expulsão de mais de 750 mil palestinos.

Acredita-se que em 2020 esta proporção alcance a cifra de 25% dos residentes no país, dentro das fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (1967). A demanda pelo caráter binacional do suposto Estado judeu continuaria.

A demografia, como visto, está fazendo com que a Palestina renasça como um Estado de maioria árabe, como sempre foi há milênios.


[*] Especialista em História das Relações Internacionais pela UERJ e Mestrando em Geografia Humana pela USP