domingo, 16 de maio de 2010

PNDH3: a grande mídia vence mais uma


O curto período entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que militares, ruralistas, Igreja Católica e a grande mídia conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do PNDH.

O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia.

Em editorial com o sugestivo título de “O Poder da Pressão”, publicado no dia 15 de maio, o jornal O Globo não poderia ter sido mais explícito. Para o jornalão carioca, os interesses dessas forças políticas são confundidos deliberadamente com “um forte sentimento coletivo” e com o interesse da “sociedade”. Afirma o editorial:

“Decorridos cinco meses do seu lançamento, o PNDH foi alvo de críticas de militares, da Igreja, de agricultores e de órgãos de comunicação, pela visão unilateral com que abordava questões polêmicas. Entre estas, a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar de 64, o aborto, as invasões de terra e a liberdade de expressão. (...) O recuo do Planalto não deixa de corresponder a uma vitória significativa da sociedade, cujo poder de pressão ficou evidente no episódio.”

Direito à Comunicação
No que se refere especificamente ao direito à comunicação, o novo Decreto mantém a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe "a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados". Agora, no entanto, foram excluídas as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas. Foi também excluída a letra d, que propunha a elaboração de “critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.

Abaixo o que foi alterado:

Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos.

Objetivo Estratégico I:

Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos.

Ações Programáticas:


Era assim:

a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Ficou assim:

a) Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados.
(...)


A ação programática contida na letra d foi revogada:

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

O poder da grande mídia
Na verdade, os principais grupos de mídia atingiram seus objetivos em período ainda menor do que o necessário para as outras forças políticas: entre 8 de janeiro e 12 de maio, pouco mais do que quatro meses.
Na primeira data foi publicada uma Nota à Imprensa conjunta, assinada pela ABERT, pela ANJ e pela ANER. A Nota terminava afirmando:

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros esperam que as restrições à liberdade de expressão contidas no decreto sejam extintas, em benefício da democracia e de toda a sociedade.”

Agora, logo depois da publicação das alterações do plano (Decreto n. 7.177/2010), as mesmas entidades voltam a publicar Nota à Imprensa, dessa vez considerando “louvável” o recuo do governo.

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros consideram louvável a iniciativa do governo de suprimir pontos críticos que ameaçavam a liberdade de expressão do Decreto nº 7.037, que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3.”

Não vou repetir aqui os argumentos de que o PNDH3 original não propunha nada que fosse inconstitucional ou que ameaçasse a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa.

Registro apenas que a realidade fala mais alto e confirma que ainda não foi dessa vez que o interesse público prevaleceu sobre os interesses da grande mídia.

E, assim, caminhamos.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010 (no prelo).

Um jornalista de(a) Verdade...


 

André Pereira no Sul21

Lula, o presidente mais amado da história da Nação, é simplesmente um gênio político, dotado de uma sabedoria inata. Esta definição, adjetivada e superlativa, poderia nascer da boca de um assessor presidencial “baba-ovos” - para ficar na contundência verbal do personagem a seguir aludido. Ou ser gestada pela credulidade de uma velhinha do agreste de Garanhuns. Ou, ainda, ser incorporada ao jargão dos marqueteiros em ritmo de campanha eleitoral para 2010. Mas, não: a frase é da autoria de um dos jornalistas mais respeitados do país, com reconhecimento internacional e dono de um acúmulo profissional invejável que inclui, no mais recente escaninho curricular, a revista Carta Capital, de leitura imprescindível como diz seu anfitrião, Ruy Carlos Ostermann, no "Encontros com o professor", em uma terça-feira de março, no StúdioClio inteiramente lotado.
Mino Carta, o jornalista genovês de 76 anos que adotou o Brasil desde os 14 anos, define Lula como "o presidente mais amado da história da Nação. É simplesmente um gênio político, dotado de uma sabedoria inata que foi sendo aperfeiçoada ao longo da sua trajetória de vida". Mino considera que a eleição de um ex-metalúrgico, um ex-operário que se identifica com o povo, para presidente do Brasil, é um divisor de águas na história de um país como o nosso que padece, entre outros males de origem, de uma colonização feita por predadores e de ostentar o título inglório de a última nação a declarar o fim da escravidão.
Sentado sobre uma das pernas, repuxando a calça cinza de bainha italiana e deixando à mostra botinas marrons de presumíveis origens itálicas que servem sobretudo para alimentar a fama de homem elegante que acompanha suas descrições pessoais, dividindo duas garrafas da cerveja artesanal Coruja com seu entrevistador, no palco, Mino foi aplaudido de pé,  por uns cinco minutos,  ao final de quase duas horas de descontraída conversa que contemplou algumas indagações do público mas abrigou, sobretudo, provocações certeiras do professor decidido a desvendar uma personalidade jornalística única na mídia atual.
Único mesmo? "Outros jornalistas talvez não tiveram as oportunidades que eu tive", especula. "Ou conquistei as oportunidades que tive porque sou como sou", filosofa ele, quando Ruy indaga se haveriam outros jornalistas da estirpe rebelada dele trafegando na imprensa nacional, do tipo que não manda recados para assumir suas posições, normalmente opostas as ideais camuflados da grande imprensa, da grande midia que ele define como continuadamente golpista e a favor dos senhores do poder, das elites. 
Para Mino, uma das geniais percepções de Lula está na proposta de criar um clima plebiscitário para o embate eleitoral deste ano, com Dilma Rousseff encarnando sua continuidade para opor-se ao candidato  José Serra travestido de retrocesso tucano vinculado a Fernando Henrique Cardoso. "Em todos os aspectos que se for comparar, o governo de Lula é infinitamente superior ao de Fernando Henrique", Mino não tem a menor dúvida. "O governo de Fernando Henrique levou o Brasil à bancarrota, quebrou o país, deixando um rombo enorme para Lula administrar."
Mino se orgulha de ter percebido a diferencial capacidade política do líder sindical antes da maioria dos colegas, mais precisamente  há 33 anos, quando colocou o operário Lula estrelando reportagem na capa da revista IstoÉ.
Em 2002, quando Lula venceu pela primeira vez o pleito presidencial, a população queria mudanças e o candidato petista soube interpretar o cenário forjado pelo anseio e pela sensibilidade geral. Hoje, ao contrário, o brasileiro quer continuidade das políticas de sucesso praticadas nos oito anos de gestão lulista. Nem tanto pelo bem sucedido programa Bolsa Família como querem alguns analistas, mas acima de tudo, pela abertura de crédito que permitiu à população ampliar o poder de compra. "O Bolsa Família abarca uma realidade que me entristece, assim como me entristece ver uma favela, ver a miséria. Por isso me cheira um pouco a algo como esmola", diz ele, assinalando que faltou audácia a Lula e que muito ainda precisa ser feito no Brasil para enfrentar seu mais agudo e violento problema: a má distribuição de renda. Segundo ele, "conquistar  a liberdade não é importante se não existir a igualdade".
Mino acredita que o golpe de 1964 impôs danos terríveis, que o Brasil ainda não compensou. "Naqueles idos formava-se um proletário que se robustecia e poderia ter resultado em uma classe econômica e social que faria grande diferença no país". Ele também minimiza o protagonismo militar no episódio. "Quem deu o golpe foram os donos do poder, as elites; os milicos fizeram o trabalho sujo".
Conhecido pelos textos primorosos e pelo nível superior dos veículos impressos que criou (Veja, IstoÉ, Senhor, Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Jornal da República, Carta Capital), Mimo fez TV, também, mas como relembrou, sofreu contrariedades. Um desses programa, da extinta TV Tupi, sequer foi ao ar, proibido no nascedouro pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, que considerou uma discussão sobre o machismo, atentatória à moral e aos bons costumes da ditadura brasileira. Para diversão da platéia, ele lista entre os convidados do debate o que classifica como atores garanhões do cinema pornô tupiniquim como David Cardoso e Jece Valadão.O outro programa sobreviveu por alguns meses.
 E a terceira experiência televisa, "Jogo de Carta", exibido na antiga TV Record, este, sim, vingou por  três anos em sua pretensão de fazer a defesa disfarçada de Tancredo Neves contra o indigitado Paulo Maluf. Até que o governo incomodou demais os proprietários da família de Paulo Machado de Carvalho (aquele mesmo bonachão Marechal do Bicampeonato Brasileiro de Futebol) pressionando e pedindo sua cabeça.
Mino incomoda-se com a pergunta de um estudante de Jornalismo que, na platéia, menciona, de passagem, sua polêmica demissão da revista Veja. O menino quer sua apreciação sobre outro tema que se perde porque Mino fixa este episódio e ressalta definitivo: "Eu me demiti, não fui demitido", diz para repetir, várias vezes depois, como se sua honra profissional estivesse em jogo. Narra, indignado, que contou sua saída da revista em uma entrevista de quatro horas de duração para o autor do livro "Notícias do Planalto", Mario Sérgio Conti, que, entretanto, cunhou a versão indesejável do pé no traseiro na obra que ele trata como abominável e hediondo. 
Na autoconcepção pública que ele próprio divulga, Mino é "muito chato" porque impõe um relacionamento difícil a quem está nas suas cercanias: perde o controle, costuma gritar, esbraveja e gesticula, teatraliza colérico e sanguíneo. "Mas me recomponho rapidamente. Só gostaria de ser mais sábio e sereno", afirma, sem convencer muito quem ouve recortes de sua preciosa jornada jornalística, empreendida ainda hoje com a companhia da sua inseparável máquina de escrever Olivetti onde diz que batuca sem grande habilidade pois, às vezes,os dedos intrometem-se entre as teclas, mas segue fidelíssimo a uma imperturbável e intransferível missão de vida: "No final das contas isto é bem simples: eu só quero mesmo ser um jornalista de verdade".