quinta-feira, 9 de junho de 2011

Gilad Atzmon: Eu tenho zero respeito pela grande mídia


O saxofonista de jazz Gilad Atzmon tem um blogue onde denuncia a política de seu país de origem, Israel. Ele não tem medo de dizer sem rodeios aquilo que acredita ser a verdade, é impenetrável ao conceito de autocensura. E fala aqui sobre o quão pouco respeito tem pela mídia ocidental.

Por Silvia Cattori  na REVISTA FÓRUM

O saxofonista de jazz Gilad Atzmon tem um blogue onde denuncia a política de seu país de origem, Israel. Ele não tem medo de dizer sem rodeios aquilo que acredita ser a verdade, é impenetrável ao conceito de autocensura. E fala aqui sobre o quão pouco respeito tem pela mídia ocidental.

Silvia Cattori - Suas análises políticas, traduzidas para dezenas de línguas, atingem um grande número de leitores na web. Para quem exatamente você escreve?

Gilad Atzmon - Escrevo principalmente para mim. Tento entender o mundo à minha volta. Há uns anos, entendi que muita gente por aí está interessada nos pensamentos com os quais me deleito, então eu comecei a deixar outras pessoas terem acesso à minha mente destrutiva em ebulição.

Cattori - Num tempo em que a imprensa chegou ao seu ponto mais baixo, você está entre aqueles que continua a ler jornais?

Atzmon - Não, há muitos anos não compro jornais porque estou interessado no Oriente Médio, e a grande mídia tem muito pouco a oferecer nesse sentido. Provavelmente o único especialista na mídia britânica ou mesmo na mídia que fala inglês é Robert Fisk. Se eu quiser saber o que acontece no Oriente Médio, eu vou ao “Counterpunch”, ao “Information Clearing House”, “Veterans Today”, “Rense.com”, “Uprooted Palestinian”, “PalestineTelegraph”, “Palestine Chronicle”, “Dissident Voice”, “Uruknet”, e outros ótimos sites. Nossos websites e blogues são muito mais informativos que a grande mídia. Somos os especialistas, estamos nos tornando a maior fonte de informação. E vejo o tanto de pessoas que visita meu site. Se há uma crise em Gaza, por exemplo, eles querem saber o que Gordon Duff, Ramzy Baroud, Alan Hart, Israel Shamir, Alex Cockburn ou Ali Abunimah tem a dizer sobre. E tenho zero respeito pela grande mídia. Se a grande mídia deseja sobreviver, é melhor se mexer rapidamente, do contrário, estará acabada.

Cattori - A desinformação sobre Israel não se relaciona ao fato de que jornalistas honestos são, eles mesmos, objetos da propaganda israelense?

Atzmon - No que concerne à Grã-Bretanha, está longe de ser um segredo que os maiores apoiadores da guerra criminosa de Blair contra o Iraque foram os jornalistas David Aaronovitch e Nick Cohen, ambos que escrevem também para o notório. Acho que essas pessoas agora estão expostas. Como digo frequentemente, “a maré mudou”.

Cattori - Nós vemos os mesmos mecanismos de censura e controle de informação funcionando na nova mídia alternativa. Qualquer um que possa discordar do programa dos donos dos sites é censurado.

Atzmon - Acho que isso é normal. Você tem que se lembrar que todo discurso é, na prática, um conjunto de limites. Isso deve explicar porque o artista é muito mais efetivo do que o agitador marxista ou mesmo que o acadêmico. Enquanto o marxista ou o acadêmico estão ali para manter os limites, o artista está ali para apresentar uma realidade alternativa. Minha escolha é obviamente clara, sou um artista.

Cattori - Em sua opinião, a imprensa israelense é mais livre que a nossa?

Atzmon - Interessantemente, a imprensa israelense não é livre, mas ainda é mais aberta do que a mídia ocidental. Apesar da censura, é aberta a discussões sobre questões judaicas e mais crítica sobre o Estado de Israel do que o Guardian, o The New York Times ou mesmo o Socialist Worker. Aliás, mesmo o Zionist Jewish Chronicle (JC) do Reino Unido é mais aberto que o Guardian. Eu estive no JC onde li uma reportagem sobre as implacáveis tentativas de David Miliband em alterar as leis britânicas universais de jurisdição.

Cattori - Apesar da dureza de suas críticas contra Israel, o jornal diário israelense Haaretz ou o canal Arte não te censuraram. É o grande músico de jazz ou o oponente israelense que ganha o interesse da mídia? Isso seria um sinal de que alguma coisa mudou?

Atzomn - Ambos, acredito. Eu sou interessante para eles em sentidos diferentes. Ofereço a eles uma oportunidade de dizer o que pensam exatamente onde eles não têm coragem de dizê-lo. De qualquer forma, o título de meu novo álbum é “The Tide Has Changed” (A Maré Mudou). Algo está mudando e é grande, muito muito grande, na verdade. Vejo que mais pessoas admitem que meus escritos tem se tornado influentes. Na Grã-Bretanha posso dizer que sou bastante famoso em certos círculos. Quando eu faço turnês ao redor do mundo eu dou muitas entrevistas e palestras. Eu também tenho alguns inimigos que tentam me silenciar e se esforçam para cancelar meus shows e palestras. Como você vê, eles falharam todas as vezes. Eu ainda estou chutando e não tenho planos de parar.

Marxismo, crise e capital fictício - Dois capítulos do novo livro de Belluzzo


Trinta e seis anos depois de sua tese de doutorado, à luz de um colapso desencadeado pela reprodução do capital fictício, deixado à própria sorte pelo desmonte do aparato regulatório do pós-guerra, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, agora aos 68, volta à tese da juventude para uma releitura que encadeia a produção de um novo livro ainda inconcluso. Dele, Carta Maior publica dois capítulos inéditos: a introdução –[i]“Capital e Capitalismo”[/i], uma dissecação marxista da vida sob um sistema que tritura cada molécula de sanidade ao prometer mais do que seu DNA está apto a entregar; e o capítulo V, [i]‘Sistema de Crédito, Capital Fictício e Crise’[/i].


Em 1975, aos 33 anos, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo defendia sua tese de doutorado cujo título antecipava um interesse e uma filiação: "Estudo sobre a Crítica da Economia Política”. Publicada cinco anos depois pela Brasiliense –‘Valor e Capitalismo, um Ensaio sobre a Economia política’ - tornou-se uma referência para a compreensão do sistema capitalista de produção.

Em 117 páginas que ofuscam a juventude do autor, o texto cerca os antecessores de Marx para esmiuçar aproximações e hesitações dos clássicos na conceituação da sociedade desenvolvida para/pela produção de mercadorias. Sobre Marx, ele logo avisa: "enquanto a indagação clássica parte do conceito abstrato de valor, Marx simplesmente se pergunta em que condições os produtos do trabalho humano assumem a forma-valor (...) O objeto de sua investigação não é, pois, o 'valor' como o imaginam os espíritos chegados à metafísica, senão a mercadoria, forma elementar que assumem os produtos do trabalho humano nas sociedades mercantis".

Fiel ao método que reconhece o humano no desumano (e vice versa), embaralhado nos dentes da engrenagem capitalista, Belluzzo pilota o materialismo histórico com a mesma destreza com que se afasta da servidão maniqueísta das aparências. Se o que parece ser não é numa sociedade pasteurizada pelo liquidificador da mercadoria, a efetiva compreensão das relações de produção que a distinguem não poderia jamais preceder a sua completa materialidade sócio-econômica.

Falecido em 1790, o escocês Adam Smith a quem caberiam os royalties pela expressão mercados auto-reguláveis --‘mão invisível’, na formulação original-- não conseguiria de qualquer modo concluir a decifração avant la lettre de um capitalismo industrial ainda em fraldas no seu tempo. Tal façanha distinguiria um velho barbudo nascido 28 anos depois, na Alemanha, quando a fumaça e a fuligem consolidavam a supremacia das novas formas de viver e de produzir sob o reino da mercadoria.

Além da argúcia analítica, o escrito de 1975 revela o fino narrador que transita com elegância e clareza pelo difícil objeto da economia política. Reconhecido como uma espécie de Ademir da Guia da análise crítica dos dias que correm, cultivada em prolífica e prestigiada presença em livros, artigos e intervenções políticas, o palmeirense Belluzzo dribla os ardis da chamada ‘Ciência Triste’ interligando-os à matriz das inquietações e incertezas que determinam o jogo bruto do sistema deixado à própria sorte. Ao fustigar a possibilidade de um equilíbrio imanente a esse vale-tudo, crendice cara aos neoclássicos que mergulharam o planeta na mazorca atual, a tese de 1975 advertia que num sistema produtor de mercadorias o suposto pendor à autoregulação dependeria de fatores alheios à história. Afora essa hipótese, de “um Deus ex-machina, não há como explicar a forma pela qual se chegou a ele”, fuzila.

O capitalismo aceita tudo. Menos a violação do seu impulso vital imiscível, como água e óleo, com ideais de harmonia e estabilidade. “Tal coisa’, lembra Belluzzo, “seria possível se as necessidades comandassem a produção, e não o inverso”. Sem os contrapesos de forças em sentido contrário, o capitalismo quanto mais dá certo, mais dá errado, nos seus próprio termos. Ou melhor dito pelo autor, trata-se da “própria contradição em processo, na medida em que a mesma lei que o compele a uma valorização progressiva acaba determinando um estreitamento da base sobre a qual se apóia esse processo de valorização”. É nesse percurso avesso à convergências que as crises regurgitam de uma desordem constitutiva e assumem invariavelmente a forma de superprodução - “de capital e não de mercadorias”, pontua o doutorando em sua exposição.

Trinta e seis anos depois, à luz de um colapso desencadeado justamente pela reprodução do capital fictício, deixado à própria sorte pelo desmonte do aparato regulatório do pós-guerra, o economista agora aos 68, volta à tese da juventude para uma releitura que encadeia a produção de um novo livro ainda inconcluso. Dele, Carta Maior publica dois capítulos inéditos: a introdução –“Capital e Capitalismo”, uma dissecação marxista da vida sob um sistema que tritura cada molécula de sanidade ao prometer mais do que seu DNA está apto a entregar; e o capítulo V, ‘Sistema de Crédito, Capital Fictício e Crise’. Aqui, trata-se de uma aula marxista para desvelar a mecânica estrutural da concentração de capitais que permite, de um lado, ‘antecipar’ o futuro através do crédito e do investimento; de outro, gerar massas de capital fictício, cujo supremacia sancionada desde Reagan/Tatcher resultou em conseqüências sabidas: auge e, portanto, ruína dos livres mercados.

Não são textos para apressados. Porém, ademais do prazer da leitura de longo curso, são dotados de urgência política. Mestre em erguer mirantes analíticos, Belluzzo eleva nossa visão além da neblina, para sofisticar a compreensão dos afazeres do nosso tempo.