quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Editorial do Sul21: Expansão de vagas e matrículas no ensino universitário para além do corporativismo

Três matérias veiculadas ontem (7) pelo Sul21 se relacionam e merecem atenção especial dos leitores. O debate sobre a educação pública no Rio Grande do Sul, a entrevista com o presidente da Marcopolo S. A. e a notícia sobre o crescimento das matrículas no ensino universitário no Brasil. Recomende-se a leitura e o acompanhamento das três, mas destaquem-se aqui as duas últimas.


Depois de quase uma década de desmonte do ensino universitário público no Brasil, ocorrido durante o período FHC e baseado na idéia de que as instituições privadas poderiam substituir as públicas na tarefa de formar a elite intelectual e científica, renasce agora o ensino universitário público no país, com o crescimento do número absoluto de matrículas de estudantes universitários na rede privada e na pública.
Os dados do Censo da Educação Superior são alentadores, mostrando um crescimento de 7% no número de alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil nos dois últimos anos e um aumento de 110%, considerando-se o período de 2001 a 2010. Entre 2008 e 2010 o crescimento das matrículas na rede pública de ensino universitário foi quase 300% superior ao  da rede privada. O Financiamento do Ensino Superior (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI) possibilitaram, além disso, que as matrículas no ensino privado se mantivessem elevadas, por meio do financiamento público das mensalidades.
O Estado reassumiu, pois, finalmente, sua tarefa de formar os jovens brasileiros e de dotá-los de condições para promover o desenvolvimento do país e de sua população. Não se trata de coibir o ensino privado, mas de reconhecer que cabe ao Estado a tarefa de financiar e apoiar o ensino universitário e a pesquisa de ponta no país, irmãos siameses e indissociáveis. O ensino universitário de qualidade só é possível se acompanhado de altíssimos investimentos em pesquisa, cujo retorno, ainda que garantido, só ocorre a longo prazo e, portanto, é dificilmente assumido pela iniciativa privada.
Mesmo nos EUA, frequentemente citados como exemplo de país onde a educação e a pesquisa universitária são assumidas pela iniciativa privada, a maior parte das instituições de ensino e de pesquisa é pública. Naquele país, as instituições de ensino e pesquisa privadas são mantidas, não apenas pelas mensalidades pagas pelos alunos, mas também, em sua grande maioria, por doações de ex-alunos financeiramente bem sucedidos que, por gratidão e reconhecimento de sua importância para o desenvolvimento do país, destinam a elas quantias volumosas.
Além, entretanto, do regozijo com o crescimento das matrículas no ensino universitário brasileiro, um outro dado, contido também em matéria publicada na edição de ontem (07) do Sul21, merece reflexão.
Citado pelo presidente da Marcopolo S. A. e resumido ao final de sua entrevista, um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Empresarial da FIESP (IED) sobre a China dá conta de que, naquele país, existiam, em julho de 2009, 20,3 milhões de estudantes de graduação em um total de 2.618 instituições universitárias (1983 universidades públicas, 334 universidades não-públicas e outras 387 instituições públicas de ensino superior). Desta forma, considerando-se o número de estudantes universitários de graduação na China, verifica-se a existência de um número médio de 7.715 alunos por instituição de ensino superior. O mesmo cálculo aplicado ao Brasil, considerando-se os 6,3 milhões de alunos de graduação constatados pelo censo e as 2.377 instituições universitárias (públicas e privadas), resulta na existência de uma média de apenas 2.650 alunos por instituição universitária.
Fica clara a desproporção do número de alunos por instituição em cada um dos dois países citados. Na China, cada instituição de ensino superior acolhe, em média, mais do que o dobro das instituições brasileiras. Ressalte-se que este desequilíbrio não é encontrado apenas na comparação com a China, mas se evidencia na comparação com os países europeus e com os EUA. Para se ter uma idéia, uma turma de primeiro ano de engenharia em uma universidade pública alemã, um país que prima pela qualidade do ensino e que valoriza as áreas técnicas, acolhe hoje não menos do que 150 alunos, enquanto no Brasil o número de matriculados oscila entre 50 e 80 alunos por turma.
Um grande número de alunos por turma, mesmo que pareça elevado para os padrões brasileiros, é encontrado também na maioria das universidades européias e norte-americanas. Em um país com tanta escassez de recursos como o Brasil, o Ministério da Educação e o governo precisariam enfrentar com coragem esta questão. A visão elitista de boa parte dos dirigentes e professores universitários precisa ser enfrentada com determinação. Não serve de justificativa o discurso monocordiamente repetido de que a qualidade do ensino ficaria comprometida com um número maior de alunos por sala de aula. Se fosse assim, os alunos das grandes universidades do mundo, todas com ao menos o dobro de estudantes por turma do que no Brasil, seriam péssimos frente aos brasileiros. Não é o que ocorre.
Aumentar o número de alunos por turma nas universidades públicas brasileiras implicaria na necessidade de reformular radicalmente as carreiras universitárias, modificando as atribuições de cada categoria de docentes. Hoje, nada distingue os professores auxiliares dos professores titulares das universidades públicas federais e estaduais, a não ser os títulos que detêm e os salários que recebem. Suas atribuições, no entanto, são idênticas, tanto em termos das pesquisas que realizam quanto em termos das aulas e orientações que ministram.
Para ampliar o número de estudantes por turma, seria necessário reorganizar a carreira universitária de forma a expandir a carga horária para a docência, sem prejuízo da pesquisa e da produção científica da instituição. Nesta situação, os professores não poderiam dedicar-se na mesma proporção à docência, à pesquisa e à extensão, que se constituem nos pilares da atividade universitária.  O corporativismo, entretanto, faz com que, hoje, as carreiras se mantenham intocadas e o número de alunos por turma quase inalterável.
Com o mesmo número de docentes universitários hoje em atividade e com as mesmas instalações físicas e equipamentos hoje disponíveis, com certeza, seria possível ao menos dobrar o número de matrículas nas universidades públicas brasileiras. Fazer as reformas necessárias, entretanto, que economizariam recursos escassos e os fariam render mais satisfatoriamente, requer determinação e vontade política para enfrentar um corporativismo arraigado e que têm inúmeros e bem falantes defensores.