terça-feira, 14 de setembro de 2010

Eduardo Galeano: 70 anos de América Latina



No último 3 de setembro aniversariou um importante nome do jornalismo e da literatura latino-americanos: o uruguaio Eduardo Galeano completou 70 anos de vida. E, com a data, celebra-se também sua importante contribuição para o imaginário social dos povos da América Latina, e também o marcante papel na luta contra o regime militar uruguaio, que durou de 1973 a 1984.

“Para os que concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América Latina são o resultado de seu fracasso. Perdemos, outros ganharam. Mas acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já se disse, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial”, escreveu Galeano em 1971, no livro As Veias Abertas da América Latina, que fala sobre o processo de exploração colonial pelo qual passou o continente americano desde sua descoberta até o neo-colonialismo da Revolução Industrial.
Anos mais tarde, em 1976, deixou o Uruguai rumo ao exílio na Espanha após ter seu nome incluído em uma lista de execuções do regime militar, liderado pelo ditador Jorge Videla.

Para falar sobre vida e obra do jornalista uruguaio, a Revista Fórum entrevistou o professor Alexandre Barbosa, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Especialista em Jornalismo Internacional, Borges é o idealizador do site www.latinoamericano.jor.br.

Fórum: Na sua opinião, qual a importância de Eduardo Galeano para o jornalismo e literatura latino-americanos?

Alexandre Barbosa: Galeano foi além do jornalismo e da literatura. Muitos, tanto na academia quanto no jornalismo, enxergam sua obra apenas do ponto de vista literário. De fato, ele escreveu obras belíssimas, como Palavras Andantes e Memórias do Fogo. Esta última, uma crônica da história latino-americana contada de maneira poética. Porém, mesmo na literatura e principalmente no jornalismo, Galeano é essencial para a construção de um pensamento de resistência latino-americana. Sua obra mais conhecida, As Veias Abertas da América Latina, é uma leitura que não pode faltar na vida de qualquer cidadão deste continente.

Fórum: De que maneira ele contribuiu para o imaginário histórico do continente latino-americano?

Barbosa: Enquanto a indústria jornalística insistia na visão de que as alianças com os países centrais do capitalismo eram uma alternativa para o atraso da região, Galeano mostrou como a riqueza da Europa e dos EUA foi construída com base na exploração dos recursos naturais e humanos da América Latina. A cidade boliviana de Potosí, que tem mina de estanho e prata, hoje é uma região pobre, que enriqueceu os cofres dos países ibéricos. A miséria da América Central é a riqueza dos comerciantes norte-americanos.
Como a escrita de Galeano tem forte apelo de denúncia, seu texto flui e serve de inspiração para os movimentos que hoje pregam uma nova ordem da política e da economia latino-americana. Ao ler a obra de Galeano, é possível entender melhor como funcionam os governos de Evo Morales e Rafael Correa. Quem leu As Veias Abertas da América Latina jamais teria coragem de criticar a ação boliviana de nacionalização dos recursos minerais.

Fórum: Galeano participou ativamente de movimentos culturais contrários à ditadura uruguaia de 1973. Para você, qual obra dele melhor representa a resistência contra o regime militar?

Barbosa: Galeano e outros da classe artística e jornalística podem ser considerados parte de um movimento que Michael Löwy chamou de Romantismo Revolucionário que, entre outras características, entende as manifestações artísticas como instrumentos de denúncia, resistência e revolução.
Há contos e crônicas belíssimas de Galeano sobre a ditadura uruguaia. Recomendo a leitura de um texto sobre os desenhos que a filha de um preso levava para o pai no cárcere. O guarda proibia imagens e desenhos de pássaros, pois eles eram sinônimos de liberdade. Um dia, a filha desenhou uma árvore com frutas e o desenho passou. O pai elogiou o desenho e filha confidenciou-lhe que os pássaros estavam escondidos entre as folhas...

Fórum: Hoje em dia, Eduardo Galeano figura como um dos maiores nomes da literatura na América Latina, ao lado de Gabriel García Marquez e outros. O que ainda podem fazer para estabelecer um ponto de reflexão nos povos do continente contra a dominação cultural e ideológica?

Barbosa: É essencial seguir estudando as obras desses dois autores. Além de As Veias Abertas da América Latina, um latino-americano não pode se considerar latino-americano sem ler Cem Anos de Solidão, de García Marquez. Um curso sobre América Latina tem de incluir uma discussão sobre “As Veias Abertas” e um debate sobre a metáfora da cíclica história do continente que está encarnada em “Cem Anos”.
Tanto Galeano quanto Gabo continuam fortes em suas posições. Continuam a defender a América Latina e suas lutas. Gabo mantém a FPNI (Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano), que incentiva a construção de um jornalismo que tenha olhar latino-americano. A última obra de Galeano, Espelhos, se dedica às histórias esquecidas não só da América Latina, mas de todo o mundo.

Fonte: Revista Fórum

Ramadã à brasileira: como os muçulmanos de São Paulo passam o mês sagrado do Islã

O relógio da família Jarouche, que mora em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, toca às cinco horas da manhã. Eles acordam, fazem uma refeição leve e se preparam para fazer a fajr, primeira oração do dia. A mãe, Fátima, e a filha mais velha, Tamara, fazem o wudu, o ritual de lavar as mãos antes das orações e rezam em casa. O pai e o filho Youssef vão à mesquita e, em seguida, saem para o trabalho.

Por volta do mesmo horário, a chegada dos fiéis para a primeira oração do dia na mesquita xiita do Brás, na zona leste de São Paulo, se mistura com a de lojistas que montam barracas. Dentro da mesquita, alguns poucos fiéis começam a ler o Alcorão em voz alta, e o som da frase “Allahu Akbar" (“Deus é o maior!”, em árabe), a voz do imame (sacerdote), transmitida pelos alto-falantes chamando para oração, mistura-se com o sucesso de Lady Gaga que toca do outro lado da rua.

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Em um cenário nada típico, começa o dia dos muçulmanos que vivem no Brasil durante o Ramadã, mês sagrado do calendário islâmico. Durante 30 dias, a rotina dos fiéis é alterada. Do nascer ao pôr do sol, não podem comer nem beber nada. A exceção ao jejum é para pessoas doentes, mulheres grávidas, lactantes ou em período menstrual. As crianças começam a praticá-lo aos poucos, a partir dos sete anos e começam completamente aos 14 anos.

Laisa Beatris/Opera Mundi 
 
A mesquita xiita do Brás em São Paulo, instantes antes da primeira oração

Esta segunda-feira (6/9), é o 27º dia do Ramadã, uma data especial porque foi na noite entre os dias 26 e 27 do mês sagrado do islamismo que o profeta Maomé teria recebido a primeira revelação do Alcorão.

Vizinhos

Se não fossem pelas reclamações dos não-muçulmanos que moram perto da mesquita, os fiéis da mesquita do Brás seriam chamados para fazer oração pelo adhan – som emitido pelos alto-falantes no minarete, como acontece em algumas mesquitas do Brasil e é comum em outros países. Em São Bernardo do Campo, os vizinhos fizeram uma reclamação e a prática foi proibida.

“Chamava antes, aí o povo começou a reclamar. A gente reza às cinco da manhã, mas não tocava às cinco da manhã. Tocava meio-dia, tocava às 15h e às 20h. Ai o povo [os vizinhos] começou a fazer abaixo assinado, começou a reclamar”, contou Tamara Jarouche. Segundo Fátima, os vizinhos se sentiam incomodados porque o chamado é feito em árabe e eles diziam não poder entender o que estava sendo dito.

Laisa Beatris/Opera Mundi

Tamara mostra o relógio que a família usa para saber o horário das orações

Este é apenas um dos contratempos que os brasileiros que são fiéis do Islã enfrentam para fazer a resignação do Ramadã. No Brasil, alguns muçulmanos encontram dificuldades para interromper o trabalho e rezar, contou o jovem xeque Mohamad al-Bukai, da mesquita sunita do Brás. O problema é mais comum entre aqueles que não são autônomos e que não trabalham para outros muçulmanos.

No Egito, onde 90% da população é muçulmana, o governo implementou o horário de inverno para adiantar em uma hora o pôr do sol durante o Ramadã. Nos Emirados Árabes Unidos, um decreto religioso autorizou os operários expostos ao calor a quebrar o jejum para não terem problemas de saúde. Na Arábia Saudita, a jornada de trabalho foi trocada.

Convivência

Para Youssef Jarouche, um dos maiores problemas de fazer o Ramadã no Brasil é que a maioria da população não está de jejum.

“Sinto uma boa dificuldade no Brasil. Porque, como não tem muitos muçulmanos, você vê todo mundo na rua diferente de você, todo mundo comendo, fazendo outras coisas que você não pode fazer”, disse Youssef.

Sua irmã Tamara conta que, atualmente, estuda em um colégio islâmico e, portanto, as dificuldades diminuíram. Mas nem sempre foi assim: quando estudava em outro colégio, ela ficava com outros colegas muçulmanos, sentada na escada durante o intervalo para não ver os outros comendo.

Já Aisha – como prefere ser chamada Jeane Pires Manzolini, que se converteu ao Islã há um ano e meio – afirma que não sente dificuldades para conviver com não-islâmicos, mas que o mais difícil é suportar a sede nos dias quentes e secos. “Sinto falta da água; da água eu sinto bastante”, disse. Atualmente, ela recorre à Justiça para incluir em seu registro o nome islâmico que escolheu, em homenagem à terceira esposa do profeta Maomé.

Purificação

O jejum – um dos cinco pilares do Islã, praticado por cerca de 1 bilhão de fiéis pelo mundo e mais de 1,5 milhão no Brasil – não é visto pelos muçulmanos como punição, mas como uma “purificação espiritual que enfraquece o corpo e fortalece a alma”.

“O jejum serve para que você também pense nas pessoas que não podem comer, que não podem beber, que têm dificuldades para isso. Para que você se compadeça, seja solidário com eles e entenda o que eles estão passando”, afirmou Aisha.

Além do jejum, há o acréscimo de uma oração não obrigatória, o tarawih, que significa " oração dos descansos", feita após a quinta reza do dia, o ichá. As outras orações diárias são fajr, zuhr, asr e maghrib.

Desjejum

O relógio da família muçulmana no ABC volta a tocar pouco depois das 17h. Enquanto Fátima prepara o jantar, pega uma tâmara, come, e grita para avisar a filha que é hora de quebrar o jejum. Fátima, Tâmara e Leila, a caçula de sete anos, esperam os homens para fazer a refeição.

O Ramadã – que, em árabe, significa “ser ardente” – começou no dia 11 de agosto no Egito, na Arábia Saudita, na Indonésia, nos Emirados Árabes Unidos, na Jordânia, na Síria, nos territórios palestinos, no Marrocos, na Argélia, na Tunísia, na Líbia, no Afeganistão, na Malásia e em Cingapura. Os xiitas do Irã e do Iraque começam no dia 12, assim como os indianos e os paquistaneses, que esperam que a lua marque o início do nono mês do calendário islâmico. O Ramadã é considerado sagrado porque se acredita que foi nesse período que o Alcorão, o livro sagrado para o islamismo, foi revelado ao profeta Maomé em Meca.
 
Para o ano gregoriano de 2010, o equivalente ao último dia do Ramadã será 9 de setembro. Ao chegar ao final do mês sagrado, os muçulmanos se reúnem em clubes, associações, nas mesquitas e nas próprias casas para um almoço em família, e realizam grande festa religiosa.
 
Fonte: OperaMundi

A batalha Venezuela

 
Por Ignacio Ramonet - Adital

Na pugna pela supremacia ideológica na América Latina, dois confrontos decisivos se desenvolverão nas próximas semanas: eleições legislativas na Venezuela, no dia 26 de setembro; votação presidencial no Brasil, no dia 3 de outubro. Se a esquerda democrática não ganhar nesse país gigante, o pêndulo político se inclina majoritariamente, em escala continental rumo às direitas que já governam no Chile, na Colômbia, na Costa Rica, em Honduras, no México, no Panamá e no Peru. Porém, essa eventualidade é pouco provável: é inverossímil que José Serra, do PSDB (centro-direita) consiga impor-se a Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), apoiada pelo muito popular Luiz Inácio Lula da Silva, presidente atual, que, se não fosse impedido pela Constituição, facilmente poderia ser reeleito para um terceiro mandato.
Em consequência, as forças conservadoras internacionais concentram todos os seus ataques sobre a outra frente -a Venezuela- para tentar debilitar ao presidente Hugo Chávez e à revolução bolivariana. O eu está em jogo é a eleição dos 165 deputados da Assembleia Nacional (não existe Senado na Venezuela). Com uma particularidade: quase todos os legisladores que estão terminando seus mandatos são chavistas, pois a oposição, na eleição anterior de 2005, boicotou o processo eleitoral. Dessa vez não o fará; existe um sem fim de partidos e de organizações díspares (1), aglutinados pelo rancor antichavista; apresentam-se sob o estandarte comum da Mesa da unidade Democrática (MUD) contra o Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV) (2), do Presidente Chávez.
Inevitavelmente, o governo bolivariano contará com menos deputados na nova Assembleia. Em que proporção? Poderá continuar executando seu programa de grandes reformas? A oposição terá a força de colocar freio à revolução?
Tais são os desafios. 60% dos cargos são repartidos de modo nominal; os 40% restantes, de modo proporcional. A lista que obtenha mais de 50% dos votos receberá 75% das vagas reservadas ao escrutínio proporcional. Isso é importante porque a Constituição prevê que as leis orgânicas devem ser votadas pelos dois terços dos deputados e as leis que habilitam o presidente a legislar por decreto devem ser votadas pelas quintas partes dos legisladores. Em outras palavras: bastaria à oposição obter 56 vagas (sobre 165) para impedir a adoção de leis orgânicas e 67 vagas para impossibilitar a aprovação de leis habilitantes. Quando, até agora, as principais reformas puderam ser realizadas graças precisamente a leis habilitantes.
Daí que a batalha Venezuela mobiliza tantas energias e que as campanhas internacionais de difamação contra o presidente Hugo Chávez resumem malignidade. Nesses últimos meses, as investidas têm sido alternadas. Primeiro, insistiram nos problemas de abastecimento de água e de cortes de energia elétrica (já solucionados), jogando-os para o Governo, sem mencionar sua causa climática: a seca do século que atingiu ao país. Depois, continuaram repetindo até a exaustão as imputações sem provas do ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, sobre uma suposta "Venezuela santuário de terroristas". Denúncias abandonadas hoje pelo novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, após seu encontro com Hugo Chávez, em Santa Marta, no dia 10 de agosto, no qual este, uma vez mais, reiterou que as guerrilhas devem abandonar a luta armada: "O mundo de hoje não é o dos anos 60. Não há condições na Colômbia para que possam tomar o poder. Em troca, converteram-se na principal desculpa para o império penetrar na Colômbia a fundo e daí agredir a Venezuela, o Equador, a Nicarágua e Cuba" (3).
Contra toda evidência, os meios de ódio continuam sustentando que, na Venezuela, as liberdades políticas estão cerceadas e que uma suposta censura impede a liberdade de expressão. Omitem assinalar que 80% das emissoras de rádio e dos canais de televisão pertencem ao setor privado, enquanto que somente 9% deles são públicos (4). Oo que, desde 1999, foram realizadas quinze eleições democráticas nunca questionadas por nenhum organismo supervisor internacional. Como realça o jornalista José Vicente Rangel: "Cada venezuelano pode filiar-se a qualquer partido político, sindicato, organização social ou associação e mobilizar-se por todo o território nacional para debater suas ideias e pontos de vista sem nenhuma limitação" (5).
Após a chegada de Hugo Chávez à presidência, foi quintuplicado o investimento social em comparação ao investido no período de 1988 e 1998; decisão chave para que a Venezuela tenha alcançado quase todas as Metas do Milênio fixadas pela ONU para 2015 (6). A pobreza baixou em 49,4% em 1999; a 30,2% em 2006; e a indigência passou de 21,7% a 7,2% (7).
Esses resultados esperançadores merecem realmente tanto ódio?
Ignácio Ramonet, jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.
Notas:
(1) Acción Democrática (social-demócrata), Alianza Bravo Pueblo (derecha), Copei (demócrata cristiano), Fuerza Liberal (ultraliberal), La Causa R (ex comunistas), MAS (Movimiento al socialismo), Movimiento Republicano (neoliberal), PPT (Patria para todos), Podemos (Por la democracia social), Primero Justicia (ultraliberal) e Un Nuevo Tiempo (social-liberal).
(2) Criado em 2007, agrupa a maioria das forças políticas que apóiam a revolução bolivariana (Movimiento Quinta República, Movimiento Electoral del Pueblo, Movimiento Independiente Ganamos Todos, Liga Socialista, Unidad Popular Venezolana, etc.). O Partido Comunista da Venezuela (PCV) não se integrou no PSUV, porém, o respalda e é seu aliado nessas eleições.
(3) Clarín, Buenos Aires, 25 de julho de 2010.
(4) Também não divulgam que em Honduras, por exemplo, nos seis primeiros meses deste ano, nove jornalistas já foram assassinados.
(5) www.abn.info.ve/node/12781
(6) http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/specials/2009/chavez_10/newsid_
7837000/7837964.stm
(7) www.radiomun

Usina de candidato mantém 207 em quadro de trabalho escravo

Aliciados no Nordeste, cortadores eram submetidos a condições de escravidão na usina Vale do Paranaíba, em Capinópolis (MG). Unidade pertence ao Grupo João Lyra, do candidato a deputado federal por Alagoas, João Lyra (PTB)

Por Bianca Pyl no Repórter Brasil

Aliciados em estados do Nordeste, 207 trabalhadores eram mantidos em condições análogas à escravidão nos canaviais da Laginha Agroindustrial, na unidade Vale do Paranaíba, em Capinópolis (MG). A empresa faz parte do Grupo João Lyra, do candidato a deputado federal por Alagoas, João Lyra (PTB). A libertação ocorreu entre 9 e 20 de agosto.

Parte do Programa Nacional de Investigação e Combate às Irregularidades do Setor Sucroalcooleiro no Estado de Minas Gerais, a fiscalização contou com a participação de integrantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE/MG), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Segundo o procurador do trabalho Fábio Lopes, que participou da ação, os contratantes se valeram dos contratados para dificultar a comprovação do crime de aliciamento (Art. 207 do Código Penal). "Os empregados da usina entraram em contato com conhecidos nos estados nordestinos e pediram para que viessem a Minas, pois havia trabalho garantido".

Os trabalhadores chegaram a Capinópolis (MG) entre janeiro e março deste ano e tiveram que alugar moradia por conta própria. A empresa não ofereceu abrigo. Superlotadas, as casas feitas de alojamentos estavam em péssimo estado de conservação. Algumas não tinham sequer luz elétrica e outras tinham mofo. O risco de incêndio era iminente: o fogão e o botijão de gás ficavam no quarto, próximo às camas. Não havia água filtrada nas residências e os trabalhadores consumiam água direto da torneira.

Além de pagar aluguel e arcar com os custos da viagem entre a Região Nordeste e o Sul de Minas Gerais, as vítimas tinham que comprar alimentos e preparar as refeições sem auxílio algum. Toda a estrutura das casas também era bancada pelos cortadores, como as contas de água e luz.

Um dos aliciadores cobrava dos empregados valor acima de mercado pelo fornecimento de cama e de colchões de péssima qualidade. Até o seguro de vida era descontado diretamente da conta corrente dos empregados, no valor de R$ 78, de acordo com o MPT. A empresa também descontava a contribuição sindical dos salários mesmo sem nenhuma filiação.
Risco de ferimentos: empregados trabalhavam com equipamentos de proteção irregulares (MPT)
A usina não fornecia equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados e os cortadores compravam os materiais por conta própria. Alguns empregados tiveram que comprar até ferramentas de trabalho. Apesar do pagamento do salário em dia, pouco sobrava aos migrantes, já que tinham de arcar com muitas despesas para continuar trabalhando.
Os 13 ônibus que faziam o transporte dos empregados até as três frentes de trabalho da usina eram irregulares. Nas frentes de trabalho a Norma Regulamentadora (NR) 31, que estabelece regras para o trabalho rural, era ignorada. Os empregados comiam sentados no chão, no meio do canavial, sem nenhuma proteção contra o sol forte ou chuvas. Além disso, não havia banheiros ou fornecimento de água potável.
Após a conclusão da fiscalização, auditores fiscais da SRTE/MG lavraram 56 autos de infração pelas irregularidades encontradas e 13 termos de interdição. A empresa fez a rescisão indireta de contrato dos empregados e mais de R$ 670 mil foram pagos. As vítimas também foram indenizadas em R$ 348 mil por gastos relativos ao trabalho realizado, como o custeio da passagem de ida e a compra de EPIs, camas e colchões.

O objetivo da ação foi verificar o cumprimento das obrigações determinadas em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pela usina com a Procuradoria do Trabalho no Município de Uberlândia (MG) em 2004.

HistóricoEsta não foi o primeiro flagrante de escravidão em áreas ligadas às usinas do Grupo João Lyra. Na usina Laginha de União dos Palmares (AL), em 2008, foram libertados outros 61 trabalhadores.

Na época, o auditor fiscal Dercides Pires da Silva, que chefiou a operação na área a 85 km da capital Maceió (AL), assim descreveu o cenário encontrado. "O alojamento é de alvenaria, mas é muito sujo, fedido. Os trabalhadores não recebem colchões, mas espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro". Outro problema grave, conforme relato de Dercides, foi a má condição dos EPIs.

Em 2007, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Uberlândia (MG) encontrou 15 trabalhadores que foram aliciados na mesma Usina Laginha, unidade Vale do Paranaíba, em Capinopólis (MG), mas o quadro foi regularizado e não houve libertação. 

Os trabalhadores foram aliciados por um empregado da usina nos estados do Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte. Os cortadores se endividaram para pagar a passagem de ida  Segundo os auditores fiscais, as condições encontradas no alojamento eram precárias. Pessoas dormiam em colchões estendidos no chão e em redes e vizinhos chegaram a doar comidas porque os empregados da usina não conseguiam comprar no comércio local, devido as dívidas que tinham com os comerciantes de Ipiaçu (MG).

Na ocasião, a usina assinou a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) dos cortadores com data retroativa e regularizou a situação dos alojamentos, além de doar cestas básicas. Os cortadores continuaram trabalhando na usina até o final da safra daquele ano.
Grupo
No site do Grupo João Lyra, é possível ler que a "atuação empresarial com visão de futuro e responsabilidade social" é o principal lema do conglomerado de empresas. A empresa tem sede em Alagoas, com ramificações nos estados da Bahia e de Minas Gerais. São dez empresas dos ramos da agroindústria sucroalcooleira e de fertilizantes e adubos, além das que pertencem aos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar.

Só no setor sucroalcooleiro, possui cinco usinas de grande porte: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas, além da Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais. Juntas, as unidades produzem de mais de 300 mil metros cúbicos de álcool e de mais de 6,5 milhões de sacas de açúcar dos tipos VHP, cristal e refinado, de acordo com o site corporativo.

O candidato João Lyra declarou R$ 240 milhões em bens. A Repórter Brasil tentou contato por vários meios com o deputado e não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

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