sexta-feira, 19 de junho de 2009

enquanto isso no Afeganistão...

A nova Elite de Cabul
Afeganistão - ódio ao invasor





A guerra de ocupação do Afeganistão, tal como aconteceu e acontece no Iraque é um negócio chorudo, não só mantém elevada taxa de lucro da indústria de guerra como constitui, neste tempos de crise, uma “oportunidade” de elevados lucros para empresas contratadas e de elevados salários para os mercenários civis e militares.
Patrick Cockburn* - www.odiario.info

As agências de ajuda ocidentais estão, generosamente, a gastar elevadas quantidades de dinheiro com os seus altos cargos no Afeganistão, ao mesmo tempo que a extrema pobreza está a levar jovens afegãos a lutar juntamente com os talibans. O preço normal pago pelos talibans por um ataque a um posto de controlo da polícia naquele país é 4 dólares, mas os assessores estrangeiros em Cabul, pagos com os orçamentos de ajuda estrangeiros, podem dispor de salários anuais entre 250.000 e 500.000 dólares.

Os elevados custos para pagar, proteger e alojar num estilo de vida faustoso os altos funcionários das agências ocidentais ajudam a compreender por que razão o Afeganistão ocupa um lugar entre 174º e 178º na classificação da riqueza dos países elaborada pelas Nações Unidas. Isto, apesar do esforço de ajuda internacional em que só os Estados Unidos gastaram 31.000 milhões de dólares desde 2002 até ao final deste ano.

Durante muito tempo o elevado montante de dinheiro gasto na ajuda ao Afeganistão foi um segredo sussurrado. Em 2006, o então director no país do Banco Mundial, Jean Mazurelle, calculou que entre 35% e 40% da ajuda tinha sido «mal gasta». «O esbanjamento da ajuda é elevadíssimo», disse. «Está a dar-se um autêntico saque, fundamentalmente por parte das empresas privadas. É um escândalo».

Do ponto de vista político, a reputação que o esforço da ajuda estadunidense no Afeganistão tem de disfuncional é crucial porque, com o apoio de Gordon Brown, Barack Obama prometeu enviar para o Afeganistão uma vaga de peritos não militares para fortalecer o governo e fazer com que os acontecimentos se voltassem contra os talibans. O número destes técnicos poderá chegar aos 600, incluindo agrónomos, economistas, juristas, ainda que Washington tivesse admitido há semanas que estava a ter dificuldades no recrutamento das pessoas suficientes e com o perfil adequado.

Ocuparam-se zonas inteiras de Cabul ou foram reconstruídos para alojar os trabalhadores ocidentais da agência de ajuda ou das embaixadas. «Acabo de alugar este edifício por 30.000 dólares mensais a uma organização de ajuda», afirmou Torialai Bahadery, director de Property Consulting Afganistán, especializado em alugueres a estrangeiros. «Foi tão caro porque tem 24 quartos com casa-de-banho, portas blindadas e janelas à prova de bala» explicou, ao mesmo tempo que mostrava uma foto de uma enorme e horrorosa mansão.

Ainda que 77% dos afegãos não tenha acesso a água limpa, o sr. Bahadery afirmou que as agências de ajuda e as empresas estrangeiras contratadas que trabalham para elas tinham insistido em que cada quarto devia ter casa-de-banho privada, o que faz duplicar o preço do alojamento.

Além deste caro alojamento, os trabalhadores estrangeiros em Cabul estão invariavelmente protegidos por companhias de segurança, caras, e cada casa converte-se numa fortaleza. Os estrangeiros têm uma liberdade de movimentos muito limitada. «Nem sequer posso ir ao melhor hotel de Cabul» queixou-se uma mulher que trabalha numa organização de ajuda governamental estrangeira. Acrescentou que para viajar até uma zona que os afegãos considerem completamente livre de talibans teve de ir de helicóptero e depois num veículo blindado até onde ela queria ir.

Em Cabul houve muitos ataques a estrangeiros e os atentados suicida tem sido, sob o ponto de vista dos talibans, tão eficazes que obrigaram os trabalhadores estrangeiros a irem para complexos luxuosos, mas onde estão tão confinados como numa prisão. Isto significa que a maioria dos estrangeiros enviados para o Afeganistão para ajudar a reconstruir o país e a máquina estatal têm um contacto escasso com os afegãos, aparte os seus choferes e os afegãos com quem trabalham directamente.

«Evitar riscos tem inutilizado o esforço de ajuda internacional» disse um técnico em Cabul. «Se o governo está verdadeiramente preocupado com o risco, então não deveria mandar as pessoas para aqui e fazê-la trabalhar em condições tão limitadas».

No Iraque, a efectividade dos assessores e técnicos estrangeiros é ainda mais limitada, devido ao pouco tempo que permanecem no país. «Muitas pessoas vão-se embora ao fim de nove meses», disse um trabalhador estrangeiro que pediu anonimato. «Além disso, alguns trabalhadores têm duas semanas livres por cada seis de permanência no país, para lá das suas férias habituais».

A alguns quadros que trabalham para organizações não governamentais no Afeganistão preocupa-os a quantidade de dinheiro que os altos cargos dos governos estrangeiros e das suas agências de ajuda gastam com o pessoal, em comparação com a pobreza do governo afegão.

«Estive na província de Badakhshan no norte do Afeganistão, que tem uma população de 830.000 habitantes, a maioria dos quais dependentes da agricultura», afirmou Matt Waldman, director de política e serviços legais de Oxfam em Cabul. «Todo o orçamento do departamento local de agricultura, irrigação e pecuária, que é extremamente importante para os agricultores de Badakhshan, é de apenas 40.000 dólares. Isto é o que cobraria, em poucos meses um consultor estrangeiro em Cabul».

Matt Walkman, autor de vários e muito detalhados artigos sobre o fracasso da ajuda no Afeganistão, diz que nas mais altas esferas se investe um elevado montante de dinheiro, mas que ele é desviado antes de chegar aos afegãos comuns, os que estão ao mais baixo nível. Está de acordo que os problemas que há que enfrentar são horríveis, num país que sempre foi pobre, e que foi arruinado por 30 anos de guerra. Aproximadamente 42% dos 25 milhões de afegãos vivem com menos de um dólar por dia, e a esperança de vida é de apenas 45 anos. O índice total de alfabetização é de 34%, e no caso das mulheres é 18%.

Mas a maior parte do dinheiro da ajuda vai para as companhias estrangeiras que subcontratam até cinco vezes e cada contratado, por sua vez, ganha entre 10% e 20%, antes de fazer qualquer trabalho para o projecto. O maior doador do Afeganistão é os EUA, cujo departamento de ajuda ao estrangeiro, USAID, entrega a cinco grandes contratadores estadunidenses quase metade do seu orçamento de ajuda ao Afeganistão.

Os exemplos referidos num relatório de Oxfam incluem a construção de uma estrada pequena, entre o centro de Cabul e o aeroporto internacional, em 2005, que, depois da subcontratação a uma companhia afegã, custou 2,4 milhões de dólares o quilómetro ou, o que é o mesmo, quatro vezes o custo médio de construção de uma estrada no Afegnistão. Também é frequente a ajuda ser gasta no país doador.

Outra consequência do uso de contratadores estrangeiros é não ter havido qualquer impacto no desemprego entre os jovens afegãos, o que é fundamental para derrotar os talibans. De acordo com um relatóriodo Instiituto para Informar sobre a Guerra e a Paz, nas províncias do sul, como Farah, Helmans, Uruzgan e Zabul, mais de 70% dos combatentes talibans são jovens sem trabalho e sem motivação ideológica a quem se entrega uma arma e se lhes paga uma miséria antes de cada ataque. Ao recorrer a estes combatentes a tempo parcial como carne para canhão, os talibans podem ter poucas baixas entre os seus veteranos combatentes, ao mesmo tempo que infligem perdas entre as forças governamentais.

Descuidaram-se algumas formas simples e óbvias de gastar dinheiro em benefício dos afegãos. Will Beharrell da organização caritativa Turquoise Mountain, que fomenta o artesanato tradicional afegã e a reconstrução da cidade velha, afirma que as melhorias simples e tangíveis são importantes. «Participámos na limpeza do lixo porque é simples e proporciona emprego. Nalguns lugares, com a limpeza fizemos com que o nível das ruas baixasse dois metros, afirmou.

Um facto surpreendente em Cabul é que, enquanto as ruas principais estão pavimentadas, as ruas laterais não passam de terra batida com montes e buracos e enormes poças de água suja. Construíram-se novas estradas entre as cidades, como Cabul e e Kandahar, mas são muito perigosas de percorrer, devido aos pontos de controlo móveis dos talibans onde quem quer que tenha a ver com o governo é imediatamente abatido.

O programa de ajuda internacional é particularmente importante no Afeganistão, pois o governo tem poucas fontes de receitas para além dessa. As doações dos governos estrangeiros representam 90% da despesa pública. A ajuda é muito mais importante que no Iraque, onde o governo tem receitas provenientes do petróleo. Um salário mensal de um polícia no Afeganistão é de apenas 70 dólares, que não é suficiente para viver sem subornos.

Desde a queda dos talibans que o governo afegão tem procurado dirigir um país em que a infra-estrutura física foi destruída. Cabul recebe a electricidade do Uzbequistão, mas 55% não tem qualquer electricidade e apenas 20% a tem durante todo o sai. O exército estadunidense pode distribuir o dinheiro mais rapidamente, mas isto pode não acabar com o apoio político aos talibans na medida esperada.

Os próprios afegãos estão entusiasmados com os planos do presidente Obama de um maior comprometimento civil e militar dos Estados Unidos no Iraque. E o fracasso da ajuda estrangeira no momento de proporcionar uma vida melhor aos afegãos também contribui para explicar a queda a pique do apoio ao governo de Cabul e aos seus aliados estrangeiros. Matt Waldman, da Oxfam, acredita que uma ajuda melhor organizada poderia proporcionar os benefícios que os afegãos esperavam obter quando se derrotou os talibans, em 2001, mas adverte: «Está a começar a ser demasiado tarde para fazer bem as coisas».

Vejamos os números: gastos ocidentais no Afeganistão:
• 57 dólares de ajuda estrangeira per capita ao Afeganistão, face aos 580 per capita depois do conflito bósnio.
• 250.000 dólares é o salário médio dos consultores estrangeiros no Afeganistão, incluindo cerca de 35% de subsídio por trabalho em condições difíceis e 35% de subsídio de perigosidade. Os funcionários afegãos têm um salário de cerca de 1.000 dólares anuais.
• 22.000 milhões de dólares é o deficit das doações em relação ao que a comunidade internacional calcula que o Afeganistão necessita, aproximadamente 48%.
• Cerca de 40% é a percentagem do orçamento de ajuda internacional que regressa aos países de procedência, soba a forma de lucros das empresas e salários dos consultores, mais de 6.000 milhões de dólares desde 2001.
• 7 milhões de dólares diários de ajuda são gastos no Afeganistão. A despesa militar diária do governo estadunidense é de aproximadamente 100 milhões de dólares.


* Jornalista irlandês, presentemente correspondente do The Independent no Médio Oriente


Este texto foi originalmente publicado em www.counterpunch.org/patrick05012009.html


Tradução de José Paulo Gascão

Esta no Correio da Cidadania...

Apoteose da pequena política




Escrito por Léo Lince

O presidente Lula, tudo indica, fez escola. Com a imagem do Senado Federal em petição de miséria, chegou a vez do seu presidente, José Sarney, declamar em discurso solene o velho refrão: "não sabia de nada". O que lhe imputam, ele não nega, aconteceu de fato. Mas nada fora dos conformes, da prática habitual entre os seus pares; ou, quando ilegal, executado à sua inteira revelia. Impoluto, ele que preside a Casa pela terceira vez e nomeou o indigitado Agaciel, se julga injustiçado. Prometeu investigar tudo, "doa a quem doer", e declarou sem corar: "eu não sei o que é ato secreto".

Uma frase chave foi destacada pelos jornais no pronunciamento em pauta: "a crise não é minha, é do Senado". Na sequência, sem deixar claro se dava ao plural o uso majestático, enfatizou: "nós não temos nada a ver com isso". Inútil buscar nelas mesmas o sentido de tais frases. Que diabo disso é aquilo só saberemos no desdobrar dos acontecimentos. Pode ser um mero freio de arrumação, um aviso aos navegantes, um cala-boca geral. Pode ser também uma volta a mais na espiral da crise que, para muito além do Senado, envolve o conjunto das instituições e valores republicanos. Ou até mesmo uma nova teoria sobre a impessoalidade da corrupção sistêmica, aquela que por si move e sobre a qual ninguém é responsável.

Neste momento, as luzes da ribalta estão focadas em Sarney, uma figura cada vez mais emblemática. Depois da morte de ACM, ele se tornou a mais luzida expressão do peso das oligarquias regionais na política brasileira. Quando jovem, na chamada "banda de música" da UDN, ostentava fumos progressistas: desbancou o oligarca de sua região para ocupar, com os mesmos métodos, o seu posto. Na ditadura, foi prócer da ARENA e "evoluiu" de opinião quando a transição para a democracia se afigurava inevitável. Na época, por conta de tal deslocamento, ele foi definido por Fernando Lira, então um autêntico do MDB, como sendo a expressão mais lídima da "vanguarda do atraso". Embora não pareça, era um elogio. Por golpes do acaso, a morte de Tancredo, se fez o primeiro presidente da chamada "Nova República". Sempre bem composto com os governos que lhe sucederam, ostenta no momento atual a condição de conselheiro e lulista de carteirinha.

Apesar de imortal, por ser titular da Academia Brasileira de Letras, como pessoa política Sarney deve ao governo Lula a longevidade de sua condição de oligarca regional. Aliás, dos males provocados contra o Brasil pelo lulismo, a revitalização das oligarquias regionais está entre os mais danosos. Prometia alvoradas – outro modelo econômico, ética na política, nova gramática do poder - e se realizou como continuidade do ocaso. Desmobilizou o ímpeto mudancista dos movimentos sociais e agora, na condição de "atraso da vanguarda", chafurda no pântano comum da mais desqualificada política de negócios.

Daí a fieira interminável de escândalos, cidadania desencantada, crise da representação política, apodrecimento das instituições. Um momento particularmente perigoso. Lula e Sarney são peças chaves do quebra-cabeças, onde a junção da "vanguarda do atraso" com o "atraso da vanguarda" resulta no que aí está: a apoteose da pequena política.

Léo Lince é sociólogo.

A voz da oposição…no Irã: fatos novos, velhas escolhas…


Um novo ato em defesa do afastamento da governadora Yeda Crusius (PSDB) foi realizado ontem em Porto Alegre. A imagem ao lado mostra a dimensão do mesmo. Milhares de pessoas saíram às ruas mais uma vez. Estudantes lavaram a calçada em frente ao Palácio Piratini. Os dois jornais de maior circulação no Estado, Zero Hora e Correio do Povo, optaram por dar um tratamento discreto ao mesmo. Nenhuma foto ou chamada de capa, registro apenas nas páginas internas. Zero Hora preferiu destacar uma manifestação da oposição…no Irã. E o Correio do Povo achou mais relevante estampar a foto de um avião da Continental Air Lines, cujo piloto morreu em pleno vôo.


Essas escolhas editoriais obedecem à uma lógica similar àquela daqueles que se opõem à instalação de uma CPI para investigar as denúncias de corrupção no governo estadual pela suposta ausência de fatos novos. Um novo protesto no Rio Grande do Sul? Não é fato novo. Fatos novos são o protesto no Irã e a morte de um piloto em um vôo entre Bruxelas e Nova York. Isso ajuda a entender a natureza do fio que ainda sustenta um governo paralisado, desacreditado e com data de validade vencida.

Fotos: Caco Argemi