sábado, 22 de outubro de 2011

Integração da Infraestrutura Regional da América: Caminhos e agentes da pilhagem na América Latina

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La Haine - [Ana Esther Ceceña, Tradução de Diário Liberdade] Há um enorme peso do capital estadunidense nas atividades mais importantes. Isso autoriza a seguir falando do sujeito estadunidense como sujeito hegemônico.

Encontramo-nos atualmente em um momento de crise. Crise sistêmica que não anuncia uma queda ou estalar imediato, mas que é a expressão da vocação mutante do capitalismo e de sua capacidade de adaptação ou readequação às condições mutantes do acontecer não só econômico, mas também social. O caráter sistêmico da crise mostra a insustentabilidade civilizatória do capitalismo, mas não o elimina de maneira natural nem o impede de buscar sua recomposição. A crise dá passo a uma concentração de poder e riqueza muito maior e concede condições de força e ao mesmo tempo de vulnerabilidade um poder cada vez mais exclusivo e excludente que, em sua arrogância, vai colocando em operação mecanismos variados de suporte e de articulação ou coesionar em um entorno crescentemente contraditório.
A crise cíclica, nas circunstâncias atuais, é indicativa da incapacidade do mercado para garantir por si mesmo as condições gerais do processo de acumulação do capital e de apropriação privada da riqueza e, nesse sentido, apela aos mecanismos de contenção social para assegurar aquele que o mercado não consegue fazer coesão e controlar, sobretudo quando a economia capitalista é ao mesmo tempo legal e ilegal. A ninguém escapa que a crise econômica não está tocando os setores ilegais que, sem dúvida, contribuíram a gerá-la e muito provavelmente serão parte de sua solução.
Como queira, a crise exige uma mudança de estratégia e uma mudança de modalidade de dominação que abarca todas as dimensões da organização social, territorial e política do sistema, sobretudo porque a necessidade de restabelecimento das condições gerais de valorização correspondente aos momentos de ajuste cíclico, característicos do funcionamento regular do processo de acumulação de capital, ocorre agora em um contexto de questionamento integral, de crise sistêmica, de incapacidade para resolver internamente a contradição progresso-depredação que provém dos fundamentos mesmos da sociedade capitalista como lugar do domínio da natureza pelo homem.
Por esse motivo, a crise atual não é somente financeira e nem se resolver com subsídios e ajustes estatais ou com fusões e centralização de capital. Isso permite seguir adiante, mas simultaneamente agrava a situação do suicídio técnico no qual se encontra irremediavelmente o capitalismo, apesar de sua capacidade para manter o mundo inteiro sob suas regras de funcionamento, ainda que sabendo que tendem, paradoxalmente, à insustentabilidade da própria vida.

A IIRSA como estratégia de poder hegemônico

A força interna do capitalismo se defende e se reconstrói permanentemente através do desenho de um conjunto de estratégias integrais, multidimensionais, que se difundem planetariamente, entre as que se encontram nos megaprojetos de reordenamento territorial, que são necessariamente também de reordenamento político, como o da Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul, a IIRSA. A principal virtude de projetos como IIRSA é a de ser capazes de restabelecer e potencializar as condições gerais da valorização, mais que a de gerar negócios suculentos em sua própria colocação em prática, coisa que também ocorre.
Observados desde uma perspectiva ampla, a IIRSA e o Plan Plueba Panamá são duas partes de um mesmo projeto: os dois foram supostamente idealizados por algum Presidente da região, em um caso Vicente Fox, no México, e em outro Fernando Henrique Cardoso, no Brasil. Com toda distância cultural, intelectual e política que há entre ambos, supostamente ao mesmo tempo desenharam dois projetos semelhantes e geograficamente empatados. As negociações e colocação em prática específicas variam de acordo com as condições sub-regionais, mas os fundamentos dos projetos não: construir uma infraestrutura de comunicações, transporte e geração de energia que constitua um ágil e dinâmico sistema circulatório que permita enlaçar as economias regionais ao mercado mundial.
Um único projeto de mercantilização total da natureza para uso massivo desde o centro do México até a ponta da Terra do Fogo (extremo sul da Argentina). Não se trata da exploração dos elementos naturais para o uso doméstico, nem local nem nacional, mas de sua exploração de acordo com as dimensões de um comércio planetário sustentado, em cerca de 50%, por empresas transnacionais. A infraestrutura que se propõe – e que se requer – é justamente a que permitirá a América Latina a se converter em uma peça chave no mercado internacional de bens primários, ao custo da devastação de seus territórios, abrindo novamente essas veias de abundância que sangram a Pachamama e que alimentam a acumulação de capital e a luta mundial pela hegemonia. O desenho desta infraestrutura vai do coração às extremidades, do centro da América do Sul até os portos no caso de IIRSA e de Colômbia-Panamá até a fronteira com os Estados Unidos no caso do Projeto Mesoamericano, novo nome do Plan Puebla Panamá.
A dimensão da exploração do território da América Latina e de extração de seus elementos valiosos se encontram em relação com dois níveis crescentes demandados por uma economia mundial que responde às vertiginosas necessidades de multiplicação dos próprios lucros, muito mais que as necessidades reais da população do mundo, e chama a uma agilização da circulação de mercadorias para reduzir ao máximo os momentos improdutivos do capital. O nível de extração e produção das empresas envolvidas, mesmo quando sua origem seja local, modificou-se em proporção a esta nova demanda de recursos. Casos como o da Vale do Rio Doce são sintomáticos das novas dinâmicas: empresa enraizada na produção mineira em uma zona de grande abundância de minerais é pouco a pouco estrangeirada através da colocação de ações na bolsa de valores de Nova Iorque ou semelhantes e seus níveis de produção, já grandes, multiplicam-se de acordo com as necessidades de valorização dos capitais proprietários. O ritmo dos trens que transportam o ferro ao porto se incrementou e a quantidade de vagões com cargas se multiplicou nos últimos anos, assegurando com isso a possessão privada, fora da terra, já em qualidade de mercadoria, de um elemento natural que se converteu em parte importante da disputa hegemônica. Com isto se gera a energia que constitui um ágil e dinâmico sistema circulatório que permite enlaçar as economias regionais ao mercado mundial.
A dimensão da exploração do território da América Latina e de extração de seus elementos valiosos se encontra em relação com os níveis crescentes demandados por uma economia mundial que responde às vertiginosas necessidades de multiplicação dos próprios lucros muito mais que das necessidades reais da população do mundo, e chama a uma agilização da circulação de mercadorias para reduzir ao máximo os momentos improdutivos do capital. O nível de extração e produção das empresas envolvidas, mesmo quando sua origem seja local, modificou-se em proporção a esta nova demanda de recursos.
O ritmo dos trens que transportam o ferro ao porto se incrementou e a quantidade de vagões carregados se multiplicou nos últimos anos, assegurando assim a possessão privada, além da terra, já em qualidade de mercadoria, de um elemento natural que se converteu em parte importante da disputa hegemônica. Com isto se acrescenta a pilhagem que foi objeto os povos latino-americanos desde há mais de 500 anos, com os inícios da conquista-colonização, e se submete os territórios, espaço da relação natureza-sociedade em uma depredação selvagem e irreversível.
A exportação de matérias-primas, vista pelos analistas macroeconômicos como um sinal de desenvolvimento e prosperidade, está alterando as condições mesmas da vida por seu caráter massivo e por responder a necessidades alheias às das sociedades locais. E o mesmo que ocorre com as modernas vias de transporte que se propõem e estão sendo habilitadas com a IIRSA. As rotas da IIRSA colocam o enorme território sul-americano à disposição das necessidades de pilhagem dos recursos estratégicos, como se pode observar no mapa abaixo que mostra o que eu considero o desenho estratégico da IIRSA.
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Agora os canais interoceânicos não buscam a rota mais curta entre oceanos, mas a mais vasta, a mais rica. Os 80km do Canal do Panamá são agora substituídos pelos 20 mil km da rota amazônica. Esta diferença de critérios põe em evidência que a conexão tem outros propósitos que os buscados no passado, em conformidade com o aumento de capacidades e envergadura da apropriação capitalista. Com as rotas da IIRSA se assegura não somente a extração de recursos de cada uma de suas partes, mas que essa extração se realize de maneira articulada. Vinculam-se interesses nacionais ou locais com interesses transnacionais e inclusive estratégicos.
As rotas da IIRSA passam pelas fontes d'água, minerais, gás e petróleo; pelos corredores industriais do subcontinente; pelas áreas de diversidade genética mais importantes do mundo, pelos refúgios indígenas e por tudo aquilo que é valioso e apropriável na América do Sul. A ampliação das margens dos rios para dedicá-los ao trânsito intenso está colocando em risco os pantanais e degradando as condições de vida de espécies animais e vegetais ao mesmo tempo que violenta os modos de vida de comunidades aldeãs ou vinculadas; a exploração e exportação massiva de minerais castiga à selva com um tráfico pesado constante que vai se comendo rapidamente a mancha amazônica e ameaça os glaciares; as modalidades locais de organização da vida se veem confrontadas com uma dinâmica vertiginosa que não lhes corresponde e que as altera externa e irreversivelmente.

O quadro de interesses da IIRSA

Foram amplamente denunciados os danos presentes ou previsíveis que acompanham este projeto e ainda assim a insistência por mantê-lo é tenaz. Cabe se perguntar então que tipo de interesses prevalecem sobre os altíssimos riscos ecológicos e sociais que entranha a IIRSA.
Por um lado, o fato de contar com a anuência ou inclusive o entusiasmo de muitos dos governos latino-americanos é resultado de uma combinação na qual governos e empresas locais recebem alguns benefícios que, em seu nível, podem ser significativos.
Por outro lado, evidentemente uma rede infraestrutura das características planejadas é sem dúvida um facilitador das atividades extrativas, e econômicas em geral, dos grandes capitais do mundo em busca de recursos competidos e valiosos, que em muitos casos podem ser considerados estratégicos para a reprodução global do sistema e, portanto, para o asseguramento não só das condições de vida do capitalismo, mas também da hegemonia.
A construção mesma da infraestrutura parece não ser a chapa mais cobiçada. As grandes transnacionais tem como foco de interesse a exploração dos recursos, muito mais que os negócios grandes para os investidores locais, mas relativamente pequenos para elas, da construção de estradas, ferrovias, hidrovias, represas e outros semelhantes.
Pela maneira como se comportaram os governos e as empresas, parece ter quase um acordo de complementaridade no qual ambos se beneficiam e por isso mesmo ambos defendem o projeto como próprio. A variegação de interesses acrescentou ultimamente pela entrada de capitais estrangeiros em empresas locais, a maioria das vezes relacionadas com as atividades extrativas, como é o caso da Vale do Rio Doce. Estas empresas se potencializam, aumentam sua produção e, evidentemente, suas exportações; vinculam-se mais estreitamente ao mercado mundial, mas seguem aparecendo como nacionais quando em vários casos seu capital já é majoritariamente estrangeiro.
Talvez a empresa latino-americana mais favorecida pela IIRSA atualmente é a Odebrecht, que se anuncia como empresa brasileira. Por se tratar de uma empresa de engenharia e construção, nesta primeira etapa se envolveu em projetos em toda a região de IIRSA.
Odebrecht tem investimentos na América em 13 países, além do Brasil. Abarca geograficamente desde o México até a Argentina, com atividades também no Caribe (República Dominicana), América Central (Costa Rica, Panamá) e América do Sul (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai), como se pode observar no mapa abaixo, que mostra a proximidade das áreas de seus projetos de investimento com as que contém os recursos mais valiosos.
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Nas atividades extrativas historicamente se registrou a presença de grande transnacionais estrangeiras, e daí esta vinculação de interesses que mencionávamos. É um setor no qual a competência dificulta a entrada de capitais nacionais, sobretudo depois da desproteção e a mudança de critérios sobre os patrimônios nacionais induzidos pelo neoliberalismo.
Revisando as listas das 500 maiores empresas do mundo elaborada desde há um longo tempo pela revista Fortune, e aquelas das 500 maiores da América elaborada pela revista América Economia, o que se observa é a escassa participação de empresas latino-americanas nas atividades de maior envergadura. Ainda quando se encontrem nestas atividades, sua participação é de muito menor monta, exceto nos casos da Odebrecht, Aracruz e Votorantim, as três originalmente brasileiras.
A extração de petróleo e gás tem em alguns países exclusividade de empresas do Estado, mas, no que toca ao restante, as empresas principais neste setor são Exxon, Royal Dutch, British Petroleum, Chevron, CONOCO-Philips, ENI, Petrobras, Repsol-YPF, SK, Occidental Petroleum, Lukoil, EnCana e Oil and Natural Gas. A localização de projetos destas empresas não deixa dúvida de seu bom tino pois se encontram em todas as regiões de importantes jazidas, como se observa no mapa. Estas localizações ficam bem protegidas pelas facilidades infraestruturais projetadas pela IIRSA, de modo que seu acesso ao mercado mundial, já bastante ágil, se veria ainda muito melhor. Veja o mapa abaixo.
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Os minerais, elementos que formam a estrutura material básica dos processos produtivos, tem na América Latina um de seus espaços de maior diversidade e abundância. Os minerais metálicos são foco de atração de grandes empresas de dimensão planetária como Anglo American, BHP Billinton, Río Tinto, Vale, Xstrata e Nippon Mining Holdings, e sua distribuição territorial as leva a diversas regiões sul-americanas que em todos os casos terão a virtude de ser articuladas através das rotas de IIRSA (ver mapa abaixo).
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A apropriação de bosques, naturais ou gerados artificialmente, tem suas principais zonas em pontos muito específicos. Seu distribuição territorial é muito menos extenso que os das atividades anteriores, mas se trata também de capitais de grande envergadura, vinculados com a produção de celulose e papel (mapa abaixo).
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Basta observar o que está acontecendo no estado brasileiro do Pará, originalmente selvagem, hoje cheio de pastos para o gado e crateras mineiras que desflorestam, transformam lógicas locais de socialidade e organização da reprodução.
As principais empresas que se encontram no setor são Stora Enzo, Weyerhauser, Aracruz Celulose, Votorantim Celulose, Kablin, Suzano Papel e Celulosa, CELCO e CMPC, as duas últimas com investimentos no sul do Chile.
Evidentemente, além de todas as empresas mencionadas há um quadro de empresas menores vinculadas com as atividades das grandes, entretanto são completamente dependente destas, ou seus níveis de produção não repercutem nos grandes mercados e nem definem as dinâmicas da economia.
A ideia de mostrar a distribuição geográfica destes grandes investimentos provém do interesse de revisar a capacidade destes agentes capitalistas para ocupar e definir o território e suas dinâmicas. Uma das coisas que nos deve preocupar é como o território está sendo expropriado e como projetos como IIRSA reforçam essa tendência.
E, em realidade, ainda que neste terreno possamos constatar a grande quantidade e diversidade dos interesses em jogo, é o sujeito hegemônico que marcha à cabeça do processo. Nós temos um cálculo do território estrangeiro ocupado por bases militares estadunidenses mas seria necessário medir o ocupado pelas propriedades das empresas para ter uma ideia cabal da dimensão territorial da dominação.
Com esses cálculos poderíamos nos encontrar em melhores condições para analisar se a IIRSA é um projeto dos Estados sul-americanos ou uma exigência desses grandes capitais que arrastam os Estados a formularem as políticas que os beneficiam, porque quais são os Estados hoje se não uma parte desse sujeito econômico, desse sujeito dominante que às vezes se chama capital brasileiro, às vezes capital equatoriano, muitíssimas vezes capital estadunidense mas que, finalmente, revela uma fusão de interesses em relação com o grande capital das empresas transnacionais, impulsionadas, protegidas e representadas pelo Estado norte-americano.
Inclusive hoje, ainda que seja difícil de falar da nacionalidade do capital, efetivamente há um enorme peso do capital estadunidense em todas mais importantes atividades, mais dinâmicas e com maior futuro no mundo. Isso autoriza a seguir falando do sujeito estadunidense como sujeito hegemônico, ou seja, esse grande capital que se aglutina em torno do Estado estadunidense, ainda que tenha alguns mexicanos, brasileiros, japoneses ou capitais provenientes de qualquer outro lugar, mas incorporados organicamente a essa estrutura de poder.

Nota

(1) Este trabalho contou com a valiosa contribuição de Rodrigo Yedra, membro do Observatório Latino-americano de Geopolítica.

Ana Esther Ceceña é Diretora do Observatório Latino-americano de Geopolítica no Instituto de Investigações Econômicas, Universidade Autônoma do México. Coordenadora do grupo de trabalho Hegemonias e Emancipações de CLACSO. Livros: Producción estratégica y hegemonía mundial (México: Siglo XXI); Hegemonías y emancipaciones en el siglo XXI (Buenos Aires-Sao Paulo: CLACSO); Desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado (Buenos Aires: CLACSO); Derivas del mundo en el que caben todos los mundos (México: Siglo XXI); De los saberes de la dominación y la emancipación (Buenos Aires: CLACSO).
Traduzido para Diário Liberdade por Lucas Morais

O dia do Saci Pererê

Elaine Tavares no PALAVRAS INSURGENTES

Não há nada mais servil do que se deixar dominar culturalmente. Quando a força das armas vem, pode-se até entender. Mas quando o domínio se dá de forma sub-reptícia, via cultura, parece mais letal. O Brasil vive isso de forma visceral. A música estadunidense invade as rádios e a juventude canta sem entender a mensagem. No comércio abundam os nomes de lojas em inglês e até as marcas de roupa ou sapato são na língua anglo-saxônica, “porque vende mais” dizem as atendentes. Nas vitrines, cartazes de “sale”, ou “50% off” embandeiram a escravidão cultural. E tudo acontece automaticamente, como se fosse natural. Não é!
Outra prática que vem invadindo as escolas e até os jardins de infância é a comemoração do Halloween, o dia das bruxas dos estadunidenses. Lá, no país de Obama, esta data, o 31 de outubro, é um lindo dia de festividades com as crianças, no qual elas saem fazendo estripulias, exigindo guloseimas. Tudo muito legal dentro da cultura daquele povo, que incorporou esta milenar festa irlandesa lá pelo início do 1800. Nesta festa misturam-se velhas lendas de almas penadas, de gente que enganou o diabo e outras tantas comemorações pagãs. Além disso, hoje, ela nada mais é do que mais uma boa desculpa para frenéticas compras, bem ao estilo do capitalismo selvagem, predador.
Aqui no Brasil esta festa não tem qualquer razão de ser, exceto por conta das mentes colonizadas, que também associam o Halloween ao consumo. Não temos raízes celtas, nem irlandesas ou inglesas. Nossas raízes são outras, Guarani, Caraíba, Tupinambá, Pataxó... Nossos mitos – e são tantos – guardam relação com a floresta, com a vida livre, com a beleza. O mais conhecido deles é ainda mais bonito, fala de alegria e liberdade. É o Saci Pererê. Uma figurinha buliçosa que tem sua origem nas lendas dos povos originários, como guardião das generosas florestas que garantiam a vida plena das gentes. Com a chegada dos povos das mais variadas regiões da África, o menino guardião foi agregando novos contornos. Ficou negro, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho na cabeça, símbolo da liberdade. Leva na boca um cachimbo (o petyngua), muito usado pelos mais velhos nas comunidades indígenas. Sua missão no mundo é brincar, idéia muito próxima do mito fundador de quase todas as etnias de que o mundo é um grande jardim.
Pois é para reviver a cada ano as lendas e mitos do povo brasileiro que vários movimentos culturais e sociais usam o 31 de outubro para comemorar o Dia do Saci. Com atividades nas ruas, as gentes discutem a necessidade da libertação - coisa própria do Saci - das práticas culturais colonizadas. Ao trazer para o conhecimento público figuras como o Saci, o Caipora, o Boitatá, o Curupira, a Mula Sem Cabeça, todos personagens do imaginário popular, busca-se, na brincadeira que é próprias destes personagens mitológicos, incutir um sentimento nacional, de brasilidade, de reverência pela cultura autóctone. Não como sectária diferença, mas como afirmação das nossas raízes.
Em Florianópolis, quem iniciou esta idéia foi o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, que decidiu instituir o 31 de outubro como o Dia do Saci e seus amigos. Assim, neste dia, durante vários anos, os mitos da nossa gente invadiam as ruas, não para pedir guloseimas, mas para celebrar a vida. Tendo como personagem principal o Saci, o sindicato discutia a necessidade de valorizarmos aquilo que é nosso, que tem raiz encravada nas origens do nosso povo. Mas, agora, sob outra direção, que não conspira com estas idéias de nacionalismo cultural, o Saci não vai sair com a pompa usual.
Mas, não tem problema, porque ainda assim, prenunciando seu dia, por toda a cidade, se ouvirão os loucos estalos nos pés de bambu. É porque dali saem, às carreiras, todos os Sacis que estavam dormindo, esperando a hora de brincar com as gentes. Redemoinhos, ventanias, correrias e muito riso. Isso é o Saci, moleque danado, guardião da floresta, protetor da natureza. Ele vem, com seus amigos, encantar o povo, fazer com que percebam que é preciso cuidar da nossa grande casa. Não virá pela mão do Sintufsc, mas pelo coração dos homens, mulheres e crianças que estão sempre em luta contra as maldades do mundo. O Saci é protetor da natureza e vai se unir a todos nós, os que batalham contra os vilões do amor. Ah Saci, eu vou te esperar... Que venhas com o vento sul...

Os gangsters imperialistas

Kadafi foi assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal, onde poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores. O artigo é de Guillermo Almeyra.


Um vídeo, publicado pelo Le Monde, mostra Muammar Kadafi capturado vivo e lichado por seus inimigos. Ele não morreu, portanto, em um bombardeio da OTAN quando fugia em um comboio nem em consequência das feridas recebidas quando o levavam em uma ambulância.

Ele foi simplesmente assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal porque aí poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores.

A lista dos limões espremidos é longa: o panamenho Noriega, agente da CIA convertido em um estorvo, salvou-se do bombardeio ao Panamá que tentava assassiná-lo e jamais foi apresentado em um tribunal legítimo. Saddam Hussein, agentes dos EUA durante a longa guerra de oito anos contra os curdos e contra o Irã, teve sim um processo em um tribunal, mas composto por funcionários dos EUA e carrascos, nada de sua defesa política ganhou repercussão e terminou enforcado de modo infame.

Bin Laden, agente da CIA junto com os talibãs durante toda a guerra contra os soviéticos no Afeganistão e sócio do presidente George Bush na indústria petroleira, foi assassinado desarmado em uma grande operação típica de gangsters e foi lançado ao mar para que não falasse em um processo e para que nem sequer sua tumba pudesse servir como ponto de encontro a todos os que no Paquistão e no Afeganistão repudiam o colonialismo dos criminosos imperialistas.

Agora, os imperialistas franco-anglo-estadunidenses acabam de utilizar a barbárie e o ódio inter-tribal para se livrar de Kadafi que, como prisioneiro, era um perigo para eles. O novo governo líbio que surgirá depois de uma luta feroz entre os diversos clãs e interesses que integram o atual CNT, poderá renegociar assim a relação de forças entre as diferentes regiões e tribos sem o kadafismo e sob a tentativa imperialista de submetê-lo, mas afogou o passado em um banho de sangue e nasce coberto de horror e de infâmia perante o mundo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Kadafi não será lembrado pelos líbios como um novo Omar Mukhtar, o líder da resistência ao imperialismo italiano enforcado pelos fascistas, porque antes de ser assassinado por seus ex-sócios e servidores também foi responsável por inúmeros crimes e enormes traições. Mas seu linchamento cairá como uma mancha a mais sobre seus executores e sobre os mandantes da turba feroz que o despedaçou aplicando-lhe a pena de morte selvagem que os imperialistas decretam contra seus agentes que precisam despachar.

(*) Professor de Relações Sociais da UNAM ( Universidade Autônoma do México) e colaborador do jornal mexicano La Jornada.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

1.000 palestinos por 1 soldado israelense


Nossa correspondente traz da Palestina detalhes sobre o acordo histórico entre Hamas e Israel para troca de prisioneiros 




Baby Siqueira Abrão
de Ramallah (Palestina) para o BRASILDEFATO


Mães carregam fotos dos maridos, filhos e pais em protesto na
Praça Yasser Arafat, no centro de Ramallah - Foto: Baby Siqueira Abrão
Da semana passada até agora, o assunto na Palestina e em Israel é um só: o acordo entre o Hamas, partido político que dirige Gaza, e o governo de Israel. O fato em si já chamaria a atenção, porque um acordo entre inimigos declarados é sempre notícia. Mas um acerto como o que aconteceu no Oriente Médio, e que resultou na troca de prisioneiros de ambos os lados, comoveu as duas nações.
No caso palestino, havia muito a comemorar. Cerca de 30% das famílias têm ou já tiveram parentes presos – o número total de prisioneiros, de 1967 até agora, chega a 700 mil. E o acordo colocou em liberdade mais de mil dos atuais seis mil cativos. No caso israelense também havia motivo para celebração. Os detentos palestinos foram trocados pelo soldado Gilad Shalit, capturado pelo Hamas em 2006 e mantido em local secreto desde então. A epopeia de todos eles corresponde, na Palestina e em Israel, à última semana de uma telenovela de sucesso no Brasil: todo mundo acompanha. Com muita emoção.
A emoção, porém, durou até a lista dos 477 prisioneiros com direito à liberdade ser divulgada, pelo Hamas e por Israel. Essa primeira leva foi solta na terça-feira, 18 de outubro, quando Shalit atravessou a fronteira de Gaza com o Egito para ser entregue às autoridades egípcias e depois aos governantes de seu país. Pelo acordo, mais 550 palestinos devem ser libertados daqui a dois meses. Seus nomes ainda não são oficialmente conhecidos, mas a especulação, que corre solta pelas ruas, mantém a população tensa e descontente. A festa pela notícia da libertação transformou-se em anticlímax.
“Meus dois filhos não estão nas listas e continuarão na prisão”, lamenta Samia Abu Diaqiy, moradora de uma vila próxima a Jenin. Ela viajou duas horas para comparecer a uma manifestação em solidariedade à greve de fome dos presos políticos palestinos, no centro de Ramallah, dia 17. “Um deles foi condenado a 100 anos de prisão e o outro, a 85 anos. Por que ninguém pensou neles?”
Palestino protesta na Praça Yasser Arafat, no centro de Ramallah - Foto: Baby Siqueira Abrão
Sami e Sameer Abu Diaqiy, que cumprem pena há 10 e há 7 anos, respectivamente, tiveram a mesma sorte dos demais 4.971 presos políticos palestinos: estão fora das listas de soltura. E isso revolta os palestinos, tanto na Cisjordânia como em Gaza. Os militantes do Fatah e de outros grupos políticos acusam o Hamas de privilegiar seus correligionários. Os militantes do Hamas criticam a cúpula do partido por ter feito a escolha sozinha, sem discutir com as bases. E todos reclamam do fato de dois grandes líderes – Marwan Barghouti, do Fatah, e Ahmed Sa’adat, da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) – permanecerem atrás das grades. Segundo o Hamas, Israel vetou o nomes de Barghouti e de Saa’dat no momento da assinatura do acordo. Essa justificativa, entretanto, não convenceu muita gente.
Para Abdallah Abu Rahmah, um dos líderes da luta não violenta palestina, ligado ao Fatah, Barghouti, apesar de preso, ainda é um grande líder político e seria o vencedor das próximas eleições, caso fosse solto. Ele é o sucessor de Mahmoud Abbas, atual presidente da ANP e da OLP, que já anunciou seu desejo de retirar-se da vida pública. Sa’adat, mais à esquerda no espectro político, também é um nome importante na Palestina. Para Abdallah, ambos, se libertados, tirariam votos do Hamas e enfrentariam os sionistas sem a condescendência de Abbas. Por esse motivo, permanecerão presos.
Abdallah reconhece a importância da libertação dos prisioneiros – esteve num centro de detenção israelense durante 16 meses, até meados de março de 2011 –, mas questiona o fato de o acordo ter sido finalizado e divulgado só agora. Há um ano, segundo ele, as pessoas ligadas à direção da ANP e da OLP sabiam que os 64 meses de negociações difíceis entre o Hamas e os sionistas, com intermediação de Egito e Alemanha, já tinham apontado para um acerto entre as partes. “Eles só divulgaram agora porque precisavam de um fato político que tirasse Abu Mazen [antigo codinome de Mahmoud Abbas] da mídia local e internacional”, afirma Abdallah. “Hamas e Israel estão muito incomodados com a projeção de Abu Mazen e queriam ofuscá-lo.”
Não conseguiram porque Abbas apoiou o acordo e capitalizou-o, recebendo os prisioneiros, no dia da soltura, na sede da ANP/OLP. O Fatah, partido de Abbas, também aplaudiu o acerto. Para Abdallah, o Hamas não tem cacife para vencer o jogo político: “Eles apostam na resistência, enquanto a OLP quer construir o Estado e tem, para isso, respaldo popular”.

Parceria de futuro?

Protesto na Praça Yasser Arafat,no centro de Ramallah - Foto: Baby Siqueira Abrão
E daqui para a frente, como ficarão os novos parceiros? As Brigadas Al-Qassam cumprirão a ameaça de sequestrar outros soldados israelenses porque, segundo um de seus líderes, Abu Obeida, não aceitarão “nada menos do que a libertação de todos os prisioneiros palestinos”? O governo sionista recolocará na cadeia os prisioneiros que libertar, desonrando o acordo com o Hamas? Ou ambos, estimulados pela primeira negociação, serão levados a outra, essencial, pelo fim do bloqueio a Gaza?
Difícil prever. Sempre inflexíveis, as duas partes teriam de fazer concessões ainda maiores, e talvez isso não esteja em seus planos. “Seja como for, tanto Israel como o Hamas continuarão a levar adiante aquilo que julgam ser de seu interesse”, responde Mazin Qumsieh, ativista da luta popular palestina, militante de direitos humanos e professor da Universidade de Belém. “Israel continuará a ser um Estado terrorista e racista. O sionismo seguirá sendo o núcleo de sua ideologia (não separação entre a sinagoga e o Estado). O Hamas continuará a ser um movimento de resistência que não acredita na separação entre a mesquita e o Estado”, avalia ele.
Segundo Mazin, pondo tudo na balança, o Hamas obteve uma vitória política. Abbas está perdendo apoio público por suas posições contra a resistência. Mas ambos, Hamas e Fatah, terão poucas opções de agora em diante, a menos que mudem de rota. “Podem começar pela implementação do acordo que fizeram no Cairo, e que inclui a democratização da Organização para a Libertação da Palestina [OLP], a convocação de novas eleições para o Palestinian National Council [PNC, corpo legislativo da OLP que elege seu comitê executivo] e a elaboração de um novo programa político, discutido e aceito pelos palestinos da Palestina e de todo o mundo”, propõe ele.  

Leia mais na edição 451 do Brasil de Fato, nas bancas

Audiência discute demarcação de terras indígenas e quilombolas


Reunião lotou teatro da Assembleia Legislativa gaúcha | Foto: Marcelo Bertani/Agência ALRS

Igor Natusch no SUL21

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado promoveu nesta sexta-feira (21) um debate sobre os impactos da demarcação de áreas quilombolas e terras indígenas. A política fundiária provoca revolta entre agricultores, que não querem ser forçados a abandonar terras que garantem ter adquirido de forma legal. O debate ocorreu em Porto Alegre (RS) e foi mediado pela senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS).
A tensão entre os diferentes grupos era visível desde o lado de fora do Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa. A maior parte dos presentes na plateia era formada por pequenos e médios produtores rurais, ainda que muitos representantes de quilombolas e grupos indígenas também estivessem presentes. Alguns grupos foram barrados na entrada do auditório e só tiveram seu ingresso autorizado após retirarem os suportes de madeira de faixas e bandeiras. Já dentro do Dante Barone, alguns gritavam contra a disposição dos convidados na mesa, uma vez que somente políticos identificados com o agronegócio estavam presentes. “Não é para ser um debate? Onde estão os índios nessa mesa?”, gritou uma voz em dado momento.
“Debater a questão da regularização fundiária e da demarcação de áreas quilombolas e indígenas no Brasil e no Rio Grande do Sul diz respeito a todos nós”, disse a senadora Ana Amélia Lemos na abertura da atividade, garantindo que o assunto não seria analisado de forma parcial para nenhum dos lados. Os deputados estaduais presentes, de modo geral, garantiram ser favoráveis ao pagamento de dívidas históricas com índios e negros, mas de uma forma que não implique na remoção de produtores rurais. “O que precisamos é construir com o governo outro contrato social que permita ao estado fazer justiça, sem gerar uma injustiça de igual tamanho”, argumentou Alceu Moreira (PMDB), em uma linha que acabou sendo seguida pela maioria dos presentes à mesa.
O prefeito de Getúlio Vargas, Pedro Paulo Prezzotto (DEM), elevou o tom da discussão, garantindo que os proprietários rurais não sairão de suas casas. “Ou se cumpre a Constituição, que garante a propriedade, ou vamos para o confronto”, garantiu, acrescentando que os que querem desapropriação das terras estão pedindo, na verdade, que as crianças e jovens “morem debaixo de lonas pretas”, aludindo de modo pouco disfarçado ao MST.
A resposta veio em seguida, por meio do indígena Francisco dos Santos, de São Leopoldo. “Eu não sou da cidade grande, não era para eu estar aqui. Estou aqui porque destruíram o meu povo e tiraram a minha terra”, acusou. “Hoje, todos nós estamos sofrendo. Os índios, mas os quilombolas e os agricultores também. Respeito quem comprou terra, vocês não têm culpa, mas não aceito que alguém compre a terra que é minha”.
Participam do debate representantes de órgãos como o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Fundação Nacional do Índio (Funai), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Federação das Associações de Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (Famurs), Fundação Cultural Palmares e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) do governo federal, entre outros. Grupos que lutam pelos direitos de negros e comunidades indígenas também estiveram presentes no ato.