sexta-feira, 17 de julho de 2009

Poesia de Carlos Costa...

sou deus ,
para mim eu sou um deus
pois creio nas minhas ações a perfeição do mundo
mesmo que eu erre, creio que meu erro é um ato divino
em benefício social.
Sou deus,
acredite
tenho a capacidade de julgar
de não julgar
de punir
de aceitar...
Sim eu sei
isso pode me fazer, por definição um deus,
que escreve seus textos com ar de professor da vida
descreve situações de um homem (santíssima trindade)
que sofre sem julgar seu próximo, mas
com um sentimento de abandono.
Pois é
sou deus
(santíssima trindade)
que vive o mundo que eu mesmo criei
como um homem
que por mais generoso que seja
comete erros como um simples mortal
Talvez eu não seja o deus da bíblia (e não sou)
Mas sou o deus (santíssima trindade)
da minha vida.
Carlos Eduardo Moreira da Costa

É bom abrir o olho....

O espirro de Honduras e o resfriado da América Latina

por Renato Rovai

Não sou adepto de teoristas conspirativas, mas como dizia o Brizola, se tem dente de jacaré, pele de jacaré, boca de jacaré, só pode ser jacaré. A manutenção do golpismo em Honduras é uma séria ameaça aos governos progressistas na América Latina, em especial a de países menos centrais como El Salvador, Nicarágua, Paraguai e Bolívia.

Pelo que percebi ontem [15/07/2009] no debate realizado pelo Cebrapaz no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, onde dividi a mesa com os colegas Gilberto Maringoni e José Reinaldo Carvalho, muitos pensam como eu, inclusive os dois citados.

A questão é simples. A direita truculenta organizada pela doce mídia latino-americana busca desde 11 abril de 2002 (quando Hugo Chávez foi seqüestrado e retirado à força de Miraflores) reativar o golpismo no Continente.

Foram várias as tentativas na mesma Venezuela, como também na Bolívia, onde os conflitos de rua mataram dezenas. No Brasil, em outras proporções, em 2005 um ex-presidente da República chegou a propor que o atual assumisse que não seria candidato à reeleição para que pudesse terminar o seu então primeiro mandato.

Mais recentemente, no Paraguai, até a fertilidade do atual governante deu combustível para que se tentasse articular seu impeachment.

Em Honduras, o impeachment não é possível constitucionalmente. Por isso, a turma do Continente que gosta do porrete e que conta com “simpáticos” intelectuais como Mario Vargas Llosa preferiu seqüestrar o presidente e mandá-lo de pijamas para Costa Rica.

Agora, um “acordo” é apresentado pelos golpista com a anuência da Igreja e da doce mídia local. O presidente constitucional Manuel Zelaya se entregaria à Justiça do país e neste caso poderia lhe ser oferecida uma anistia. Mas nada de volta à presidência. Isso os golpistas julgam inconstitucional. Entenderam?

É como se alguém assaltasse sua casa, estuprasse sua mulher, matasse seus filhos e depois seu vizinho chamasse você e o assassino para conversar na casa dele. Buscando um acordo para que você pudesse andar pelo bairro de cabeça baixa. Nada de voltar pra casa. Nada de punição aos bandidos.

É um escândalo odioso. Mas mesmo assim a solução começa a ganhar adesões em nome de uma suposta paz. Como o calendário é favorável aos golpistas que já falam em antecipar as eleições que estavam marcadas para 29 de novembro próximo, o golpe pode acabar sendo um sucesso.

Se isso vier a acontecer, a retomada democrática no Continente pode sofrer seu primeiro grande revés. E nada nos garante que isso que parece um espirro localizado possa vir a se tornar um longo resfriado continental.

Se eu fosse presidente do Brasil, chamaria o Itamaraty e exigiria que me apresentasse várias possibilidades de ações mais duras contra esse golpe. Ações que pudessem ser desencadeadas a partir da próxima semana.

O colega Maringoni falou de um bloqueio a Honduras. Não tenho convicção a respeito dessa solução. Como diz meu vizinho de sala e editor executivo da Fórum, Glauco Faria, condenamos essa solução em Cuba. Não devemos defendê-la contra outros povos.

Afinal, quem vai sofrer suas conseqüências não é apenas Micheletti, a Igreja e a doce mídia de lá. Também não defendo a invasão do país por tropas externas. Mas ao mesmo tempo algo precisa ser feito. Com urgência.

Honduras é um pequeno país, mas pode ser um bom exemplo para que essa corja se anime a fazer o mesmo Continente afora. E essa corja é uma corja.

Renato Rovai é editor da revista Fórum.

A imprensa gaúcha pegou leve demais

A governadora gaúcha Yeda Crusius perdeu a linha ontem (http://www.midiamundo.com/2009/07/sem-bola-de-cristal.html).
Hoje os jornais do Rio Grande mediram palavras para falar do incidente.
Zero Hora fala em "reação ao cerco".
O Sul publica "protesto" e "confusão".
O Correio do Povo consegue ir um pouco mais longe e fala em "protestos e fúria".
Mas é preciso ir às capas do centro do país para entender o que aconteceu na capital gaúcha.
O Estado de S. Paulo dá o incidente na foto principal de capa e fala que Yeda "bate boca".
O Globo não perde tempo e diz "O grito".
E a Folha de S. Paulo vai além de todos os jornais, gaúchos ou não, e como foto principal de capa fala em "Um dia de fúria".

Por que os jornais gaúchos não conseguem ser mais específicos, como a Folha de S. Paulo?
Por que a imprensa gaúcha só começou a falar dos escândalos da governadora depois que a revista Veja trouxe o fato, mesmo que o Ministério Público já esteja com o caso desde o ano passado?
Por que os jornais gaúchos, exemplos de sucesso para todo o Brasil, têm tanta dificuldade em falar do governo e da governadora?









Entrevista com Mohammed Hassan


Afeganistão – Paquistão: o buraco negro do Império
MOHAMMED HASSAN Que razões levaram George W Bush à guerra no Afeganistão? E Obama, ao que é que o motivou a intensificar a guerra ao Afeganistão? Quem são os beneficiários da cultura da papoila do ópio e por que razões se generalizou a sua produção no Afeganistão? O Paquistão pode pulverizar-se em vários pequenos estados? Estas são algumas das questões a que Mohammed Hassan procura responder na entrevista que hoje publicamos concedida a Michel Collon e Gregóire Lalieu

Grégoire Lalieu e Michel Collon - Odiario.info

É possível ganhar a guerra no Afeganistão? Não, respondem os especialistas. No entanto, a NATO prossegue os seus esforços para vencer os Talibãs e é o Paquistão que se incendeia. Quais são as verdadeiras razões desta guerra? Os desígnios hegemónicos dos EUA mergulharão a região no caos? Neste novo capítulo da nossa série «Compreender o mundo muçulmano», Mohamed Hassan responde a estas questões. E explica-nos porque cabe ao povo do Paquistão salvar o seu pais de uma possível extinção.


Grégoire Lalieu e Michel Collon (GL e MC): Em 2001, os EUA lançavam a operação «Enduring Freedom» no Afeganistão porque, segundo eles, os Talibans recusavam entregar Osama Ben Laden. Sete anos mais tarde, ninguém mais fala do inimigo público número um. Quais são hoje as razões para esta guerra ?
Mohammed Hassan (MH) : Primeiro, devemos considerar que os Talibãs nada têm que ver com Osama Ben Laden. Em 1996, Ben Laden, recambiado da Arábia Saudita, encontrou refúgio no Sudão. Os Sauditas fizeram então pressão sobre este país para expulsar o célebre terrorista. Foi neste momento que Ben Laden foi para o Afeganistão. Mas os atentados de 11 de Setembro não tiveram qualquer relação com este país. Há mesmo esta reacção dos Talibãs quando Washington reclamou Ben Laden: «Se quereis que Ben Laden seja julgado, dai-nos as provas e deixai-nos julgá-lo por um tribunal islâmico em qualquer país muçulmano». Os neoconservadores da administração Bush utilizaram este acontecimento trágico sobretudo como um álibi.

GL e MC: Com que intenções?
MH: Três grandes obras permitem-nos compreender as raízes da visão dos EUA. A primeira, O Fim da História, de Francis Fukuyama. Ele pretendia que a História da humanidade tinha chegado ao fim com o afundamento da União Soviética e o domínio da democracia liberal. Em seguida, O Choque das Civilizações, de Samuel Huntington. Segundo ele a História não dependia já da luta de classes mas sim de um conflito entre civilizações. Huntington dividiu então o mundo entre diferentes civilizações, decretando que a mais agressiva seria a islâmica. A última obra, O Grande Tabuleiro, de Zbigniew Brzezinski, considera que aquele que dominar a Eurásia será a única potência do século XXI. Com efeito, a maioria da humanidade vive nesta zona e a actividade económica é aí a mais importante.

Por agora, recuemos ao final da administração Clinton. O ano de 1997 foi marcado por uma séria crise económica: com o rebentamento da bolha financeira na Ásia, o NASDAQ afundou-se. Quando os neoconservadores desembarcaram na Casa Branca com Georges W. Bush em 2001, a situação económica não era brilhante. Apesar disso, eles expuseram muito claramente os seus objectivos: ninguém deve ser capaz de rivalizar com os EUA. Para aí chegar, a nova administração procurava controlar o mundo controlando os recursos mais importantes, essencialmente o gás e o petróleo.

Sob a influência de Brzezinski, Clinton queria primeiro dominar a Europa alargando a NATO, e em seguida ganhar a Ásia Central. Mas os neoconservadores disseram: « Não, nós não temos tempo para isso. Face a esta crise, nós devemos controlar o Grande Médio-Oriente para dispor do petróleo». Sente-se esta mudança no discurso de Bush depois dos atentados de 11 de Setembro, quando ele diz: «Vocês estão connosco ou contra nós».

Com a sua concepção de Eixo do Mal, ele queria alargar a guerra. A guerra do Afeganistão - que pela primeira vez na História foi planeada pela CIA sem a colaboração do Pentágono – não era mais que um pretexto para treinar as tropas dos EUA e dar-lhes a experiência necessária para em seguida atacar o Iraque. Como deveis saber, o derrubamento de Saddam Hussein estava planeado bastante antes dos atentados do 11 de Setembro.

GL e MC: Obama pretende encarnar a mudança. Porque é que ele concentra os esforços militares no Afeganistão em lugar do Iraque?
MH: Primeiro, a guerra no Iraque provocou dificuldades não previstas. O governo dos EUA pensava que era a solução mais fácil, porque Saddam Hussein não dispunha de um grande exército e uma larga fatia da população iraquiana detestava o regime. Não foram precisos mais que uns dias, de 20 de Março a 10 Abril de 2003, para que os EUA tomassem Bagdad. Depois, dedicaram-se a proteger a indústria petrolífera e deixar o resto rebentar. Paul Bremer, o governador dos EUA no Iraque, destruiu as bases do antigo regime iraquiano, desmobilizando a polícia e a estrutura do exército.

Neste momento a resistência aumentou, e com ela o custo da ocupação EUA: oito milhões de dólares cada mês, (aos quais se podem juntar um milhão e meio para o Afeganistão! Durante oito anos a administração neoconservadora despendeu todo o seu dinheiro nesta guerra, sem nenhum resultado: não conseguiram, pacificar o país, nem criar o governo que queriam, nem obter uma base popular, nem controlar o petróleo.

Desde que a resistência iraquiana revelou a fraqueza do imperialismo americano e a sua incapacidade para vencer o conflito, o povo dos EUA tornou-se mais atento no plano político. A falta de apoio da opinião pública a esta guerra também levou Obama a uma mudança. Do mesmo modo que na cena internacional, esta guerra não obtinha unanimidade: a França, a Alemanha e outros países recusaram-se a partir para o Iraque. Resumindo, a decisão de Obama é também um meio de manter a aliança da NATO. Mas um malogro no Afeganistão poderia marcar o fim da NATO.

GL e MC: Os Talibãs nem sempre foram inimigos dos EUA. A antiga secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, saudou a sua chegada ao poder em 1996 como um «passo positivo». Consta mesmo que esse passo foi encorajado. O que a antiga primeira-ministra paquistanesa, Benazir Bhutto, resumia assim: «A ideia era inglesa, o financiamento saudita, a supervisão paquistanesa e o armamento americano».
MH: No final dos anos 70, os Soviéticos vieram ao Afeganistão para apoiar o governo revolucionário ameaçado por combates internos. Brzezinski, conselheiro do presidente Carter, entendeu fazer do Afeganistão o Vietname dos Soviéticos, para dar assim um golpe fatal na influência do socialismo na região. Para combater a União Soviética e o governo revolucionário do Afeganistão, os Estados Unidos e a Arábia Saudita sustentaram os mujadines por intermédio do Paquistão. Quando o Exército Vermelho deixou o Afeganistão em 1989, os Estados Unidos sabiam que os Soviéticos atravessavam uma séria crise. Tendo em atenção o seu propósito, eles lavaram as mãos e deixaram a região, que se encontrava mergulhada no caos. De facto, Washington utilizou os mujadines como um preservativo: quando não tinham mais utilidade foram atirados fora. Quem sofreu? Os povos do Afeganistão e do Paquistão.

Com efeito, quando os serviços secretos paquistaneses sustentaram os mujadines para combater os comunistas, não unificaram este movimento, mas apoiaram cada senhor da guerra separadamente. Após os Estados Unidos terem partido, uma severa competição opôs os senhores da guerra afegãos. O país foi totalmente destruído por esta guerra civil. Milhões de refugiados fugiram para o Paquistão, também ele próprio atingido por uma grave crise e a economia em declínio com a chegada de numerosos Afegãos e barões da droga.

Neste contexto, apareceram os Talibãs, estudantes saídos da mais jovem geração de refugiados. A sua chegada ao poder oferecia uma oportunidade aos Estados Unidos e ao Paquistão. Na realidade, cada um, destes três actores tinham interesses muito diferentes.

GL e MC: Isso quer dizer que?
MH: Quando os países da Ásia Central se tornaram independentes, o Paquistão tomou consciência de que o seu principal inimigo, a Índia, era forte, e então ele próprio se encontrava numa posição delicada. A burguesia paquistanesa decidiu, para se desenvolver economicamente e concorrer com a Índia, utilizar o Afeganistão como porta de acesso aos mercados da Ásia central. Favoreceu assim o acesso ao poder dos Talibãs no Afeganistão.

O interesse dos EUA era controlar e dominar as riquezas da Ásia central. A companhia petrolífera US Unocal pretendia construir um pipeline na região. Mas para isso, era preciso que o Afeganistão fosse pacificado.

O interesse dos Talibãs era pacificar o país e instaurar um revolução islâmica. O que ia ao encontro dos interesses da Arábia Saudita que sonhava exportar a ideologia islâmica para a Ásia central, para enfraquecer a Rússia e controlar o gás nesta região.

Assim, apoiados por potências estrangeiras, os Talibãs combateram os senhores da guerra e tomaram o poder. Fatigado, o povo do Afeganistão queria a paz. Os Talibãs foram bem acolhidos.

GL e MC: Mas esse planoacabou por não surtiu efeito: os Estados Unidos não conseguiram pacificar a região, o Paquistão não pôde aceder aos mercados da Ásia central e os Talibãs foram afastados. Porquê?
MH: O Afeganistão comporta diferentes grupos étnicos. O mais representativo é o dos Pachtunes, quase 50% da população. Depois, há os Tadjiques, os Hazaras e os Kazaques, á volta dos quais a rivalidade dos senhores da guerra se articula. Por fim há outras minorias. Os Talibãs são Pachtunes. Um traço característico deste grupo é que eles são muito independentes! Os Estados Unidos e o Paquistão queriam utilizá-los como mercenários, mas os Talibãs tinham a sua própria visão das coisas. Para mais, os Pachtunes não reconheciam a fronteira que separa o Afeganistão do Paquistão.

GL e MC: Porquê?
MH: Regressemos ao séc. XIX, quando a Índia era a preciosa colónia do Império britânico, que perturbava a expansão dos Russos na Ásia central. Para proteger a sua colónia, os Britânicos queriam utilizar o Afeganistão. Isso originou três guerras anglo-afegãs. O que nos interessa particularmente é o resultado da segunda guerra: em 1893, o governador da Índia, Sir Durand, traçou uma linha sobre o território Pachtune, afim de proteger a sua colónia, criando uma zona tampão entre o Afeganistão e a Índia britânica. Esta linha é a fronteira actual entre o Afeganistão e o Paquistão. É por isto que muitos Pachtunes não reconhecem a existência do Paquistão. Quando este país se tornou independente, o único membro a votar contra a sua entrada nas Nações Unidas foi o Afeganistão!

Era claro, portanto, que os Talibãs, assim que tomassem o poder não se iriam submeter a estes interesses estrangeiros. Em Maio de 2001, seis meses antes do ataque ao World Trade Center, Washington atribuía, sem qualquer resultado, uma subvenção de 43 milhões de dólares ao regime talibã no quadro do projecto de pipeline da Unocal. Mas com o 11 de Setembro, todo o programa foi por água abaixo.

GL e MC: As forças da coligação surpreenderam facilmente o regime talibã mas não conseguiram tomar o controle do país. Porquê ?
MH: Em primeiro lugar, o actual governo do Afeganistão não é reconhecido pelos Pachtunes. Quando os Talibãs foram derrubados, os Estados Unidos colocaram Hamid Karzai como presidente. Karzai, que trabalhou para a Unocal. É um Pachtune mas não tem base social no Afeganistão. De facto os Pachtunes, primeiro grupo étnico do país, não estão verdadeiramente representados neste governo. Mas há mesmo algumas marionetas de Washington sem nenhuma legitimidade junto da população. Á partida, os Estados Unidos tentaram comprar os Pachtunes representativos para participar no governo, mas estes pegaram no dinheiro e retiraram-se: como lhes disse os Pachtunes são muito independentes!

Em segundo lugar, os senhores da guerra presentes no governo trabalham cada um no seu próprio interesse. Eles não pagam taxas ao governo central, mas apropriam-se das riquezas. Cada ministério é o ministério independente de um senhor da guerra. Uma situação caótica que paralisa o governo.

Em terceiro, os senhores da guerra não têm confiança nos Pachtunes. Eles acham que se estes tiverem a maioria no governo imporão a sua visão. Em resumo, é um governo onde todos estão contra todos. Todos os cenários que o ocidente estabeleceu não resultaram.

Podemos dizer igualmente que as forças da NATO não ajudam Hamid Karzai no seu trabalho, ao bombardearem camponeses nas suas terras, nas mesquitas, em casamentos ou em funerais… o actual governo é entendido por uma boa parte da população como um instrumento do agressor.

Todas estas mortes criaram um levantamento popular e unificaram a resistência dos Talibãs.

Como consequência desta guerra, a produção de ópio aumentou mais de 3.000% depois da queda do regime talibã. O Departamento de Estado dos Estados Unidos acusou os Talibãs de utilizarem a droga para financiar a resistência…

O ópio é um produto químico proveniente da papoila. Quando a flor de papoila aparece, corta-se, apanha-se o leite que corre e vende-se. É o que fazem os camponeses afegãos. Depois, secam este leite, trabalham-no numa máquina juntando produtos químicos para finalmente obter o ópio. Para produzir esta droga, é preciso um laboratório e conhecimentos de química. Não creio que os camponeses afegãos sejam todos diplomados em química. Se assim fosse o Afeganistão seria um país muito desenvolvido! Para retirar dinheiro do tráfico do ópio, é ainda precisa uma certa logística para poder enviar o produto para o ocidente. Os Talibãs não dispõem de nada disso. De facto, o ópio é proveniente dos senhores da guerra, com a ajuda da CIA. A maior parte das vezes esta droga provém dos serviços secretos dos Estados Unidos que a utilizam como um fundo rentável, transportando a droga para os países ocidentais, vendendo-a a preços de mercado e utilizando em seguida este dinheiro para financiar as suas guerras.

No Afeganistão, a cultura da papoila começou com a guerra contra os Soviéticos e hoje, a indústria do ópio está nas mãos dos senhores da guerra. Ora, para um camponês, cultivar a papoila rende bastante mais que cultivar tomates. Para conseguirem uma base social, os senhores da guerra deixavam então os camponeses cultivar aquilo que quisessem.

Pelo contrário, quando os Talibãs tomaram o poder, nos anos 90, queimaram os campos de papoilas. Fazendo assim bastantes inimigos entre o campesinato. É por isso que, hoje, os Talibãs não impedem os camponeses de cultivar a papoila, mas interditam a produção de ópio. E retiram daí benefícios graças á contribuição financeira dos camponeses. De facto, o governo central não tem qualquer possibilidade de receber uma taxa no sul do país, porque tudo está nas mãos dos Talibãs. Ora, um governo incapaz de recolher uma taxa não é um governo!

GL e MC: Muitos especialistas consideram que a guerra no Afeganistão é impossível de ganhar. O General francês Georgelin classificou-a mesmo de «cagadouro ingerível» («merdier ingérable»). Quais são as dificuldades encontradas pelas forças da coligação ?
MH: A NATO mata civis todos os dias. Daí que a população se tenha aproximado dos Talibãs. Presentemente estes controlam o sul do país, com um governo de facto em cada cidade. Eles misturam-se com a população e as forças da NATO sofrem perdas. Desde que qualquer coisa suspeita mexa, os GI’s abrem fogo, matando civis ao mesmo tempo. Pelo que os Afegãos fazem frente, por um lado, aos senhores da guerra imperialistas, que bombardeiam civis e, por outro, aos senhores da guerra regionais, que pilham o país e vendem droga. Esta é a razão por que os Talibãs têm o apoio da população. Não que eles tenham ideias progressistas, mas porque esperam que devolvam a paz ao país. Exactamente como fizeram em 1992.

GL e MC: É por isso que Obama se diz pronto a negociar com os Talibãs moderados?
MH: Ele tenta proteger os Estados Unidos de uma crise que se acumulou durante as sete últimas décadas. E isso é muito difícil. Obama quer mostrar que não há mais guerra contra os muçulmanos, que rejeita o pretenso choque de civilizações. Diz-se pois pronto a negociar com os Talibãs moderados. Tal é a nova política dos Estados Unidos para numerosos pontos do mundo onde há movimentos muçulmanos: dividi-los entre os bons e os maus.

Eu não sei se este género de negociações poderá pôr fim ao conflito. Se Washington tenta esta via, deverá provavelmente promover uma nova imagem mostrando os Talibãs sob o seu lado bom. Mas eles têm mentalidades atrasadas: eles destruíram os templos budistas para instalar a revolução islâmica, as suas posições contra as mulheres são primitivas e a sua visão do mundo arcaica. Por outro lado, para obter o apoio popular, eles aprendem com os seus erros. Evoquei a cultura da papoila. Um outro exemplo: contrariamente ao que preconizaram no passado, os Talibãs estão hoje de acordo em que as raparigas possam ir á escola. Evoluíram e estão mais fortes para resistir. Mas isso não significa forçosamente que estejam abertos a negociações com os Estados Unidos. Por fim, deveis também ter em conta que daqui em diante o grosso da crise não está mais no Afeganistão mas no Paquistão.

GL e MC: Porque é que a guerra afegã provocou esta crise no Paquistão?
MH: Como já lhe disse, a linha de Durand traçada no território histórico dos Pachtunes é a actual fronteira separando os dois países. O que significa que temos Pachtunes dos dois lados. No Paquistão, eles são o segundo grupo étnico depois dos Punjabis. Isto é muito importante. Porque a elite paquistanesa, após a independência do país, sempre sustentou o imperialismo dos EUA. Vós podeis trabalhar como agente do vosso patrão quando fazeis para ele um trabalho lá longe, na América do Sul ou na África por exemplo. Mas no caso da guerra do Afeganistão é um suicídio porque os dois países são vizinhos e partilham grupos étnicos. Também há Talibãs no norte do Paquistão. Diariamente eles atacam e destroem os reabastecimentos das forças da coligação que passam do Paquistão ao Afeganistão por um caminho estratégico da fronteira. Para resolver este problema, o governo paquistanês, marioneta de Washington, autoriza a NATO a bombardear os Pachtunes sobre o seu próprio território. Consequência de tudo isto, os Talibãs paquistaneses desenvolveram-se e consideram, agora, que o seu inimigo está no Paquistão. Declararam querer marchar sobre Islamabad.

E por isso a fronteira entre os dois países não faz qualquer sentido. E o povo paquistanês deve fazer face a este problema: onde está a legitimidade do governo paquistanês se ele deixa a NATO bombardear os seus próprios civis? O povo paquistanês tem agora duas soluções: tornar-se nacionalista e recusar o diktat dos EUA ou continuar nesta via que leva á destruição do seu país.

GL e MC: Quais poderiam ser as consequências desta crise?
MH: A chave está na estratégia dos Estados Unidos para bloquear a China. Quando aconteceu o tsunami, Washington enviou uma importante ajuda humanitária á Indonésia, na expectativa de aí construir uma base militar na província de Aceh. Esta base foi feita em frente ao estreito de Malaca e é por este estreito que passa o petróleo proveniente do Oceano Indico com destino á China.

Hoje, os Estados Unidos estão instalados neste lugar estratégico. Ao mínimo problema com a China, estão prontos a fechar este estreito e privar Pequim de petróleo. Tendo em conta esta situação, o gigante asiático – que tem cada vez mais necessidade de petróleo para desenvolver o país – procura outras vias de abastecimento. Uma solução passa pela Birmânia, que tem recursos e poderá permitir um acesso através do Bangladesh.

Uma outra possibilidade, é o porto de Gwandar, construído pela China no Baluquistão que é a maior província do Paquistão: aproximadamente 48% da superfície do país. Mas é também a província menos populosa: 5% da população total. Esta província tem importantes reservas de gás e de petróleo. Pequim poderia também construir um pipeline partindo do Irão e passando pelo Baluquistão antes de entrar na China ocidental. Mas os Estados Unidos pretendem absolutamente impedir esta província de passar para a esfera de influência chinesa. Daí o seu apoio ao movimento separatista do Baluquistão, afim de eles tomarem o controle do porto de Gwandar.

Com o problema dos Pachtunes e a possível secessão da maior província, o Paquistão arrisca-se a uma balcanização: a explosão numa série de pequenos estados. Hoje, o povo paquistanês está mais atento. É nele que reside o dever de deter este desastre e de remover os Estados Unidos do Paquistão. Mas essa é também a responsabilidade de todos os movimentos democráticos revolucionários da região. Com efeito, se o Paquistão conhecer a mesma sorte que a Jugoslávia, toda a região deverá ficar face a muito graves problemas.


Mohamed Hassan recomenda as seguintes leituras :

•Ahmed Rashid, Taliban. Militant Islam, Oil and Fundamentalism in Central Asia, Yale University Press, 2001 (existe em francês: Ahmed Rashid, L’ombre des Talibans, Autrement, 2001)
•Antonio Giustozzi, War, Politics and Society in Afghanistan, 1978-1992, Georgetown University Press, 2000
•Alfred W. McCoy, The Politics of Heroin in Southeast Asia. CIA complicity in the global drug trade, Harper & Row, 1972 (existe em francês: Alfred W. McCoy, La politique de l'héroïne l'implication de la CIA dans le trafic de drogues, Ed. du Lézard, 1998)•Michel Collon, Media Lies and the Conquest of Kosovo, Unwritten History, 2007 (existe em francês: Michel Collon, Monopoly, L’Otan à la conquête du monde, EPO, 2000)


Esta entrevista foi originalmente publicada em:
www.michelcollon.info

Tradução: Guilherme Coelho