sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Televisão: fábrica de mais-valia ideológica

Elaine Tavares no PALAVRAS INSURGENTES

A televisão é uma usina ideológica. Gera milhares de megawatts de ideologia a cada programa, por mais inocente que pareça ser. E ideologia como definiu Marx: encobrimento da realidade, engano, ilusão, falsa consciência. Então, se considerarmos que a maioria da população latino-americana, aí incluída a brasileira, se informa e se forma através desse veículo, pensá-la e analisá-la deveria ser tarefa intelectual de todo aquele que pensa o mundo. Afinal, como bem afirma Chomsky, no seu clássico “Os Guardiões da Liberdade”, os meios atuam como sistema de transmissão de mensagens e símbolos para o cidadão médio. “Sua função é de divertir, entreter e informar, assim como inculcar nos indivíduos os valores, crenças e códigos de comportamento que lhes farão integrar-se nas estruturas institucionais da sociedade”. Não é sem razão que bordões, modas e gírias penetram nas gentes de tal forma que a reprodução é imediata e sistemática.

Um termômetro dessa usina é a famosa “novela das oito”, que consolidou um lugar no imaginário popular desde os anos 60, com a extinta Tupi, foi recuperado com maestria pela Globo e vem se repetindo nos demais canais. O horário nobre é usado pela teledramaturgia para repassar os valores que interessam à classe dominante, funcionando como uma sistemática propaganda que visa a manutenção do estado de coisas. É clássica, nos folhetins, a eterna disputa entre o bem e o mal, o pobre e o rico, com clara vinculação entre o bem e o rico. Sempre há um empresário bondoso, uma empresária generosa, um fazendeiro de grande coração, que são os protagonistas. E, se a figura principal começa a novela como pobre é certo que, por sua natural bondade, chegará ao final como uma pessoa rica e bem sucedida, porque o que fica implícito que o bem está colado à riqueza, vide a Griselda de Fina Estampa, a novela da vez.

Outro elemento bastante comum nas novelas é o da beleza da submissão. Como os protagonistas são sempre pessoas ricas, eles estão obviamente cercados dos serviçais, que, no mais das vezes os amam e são muito “bem-tratados” pelos patrões. Logo, por conta disso, agem como fiéis cães de guarda. Um desses exemplos pode ser visto atualmente na novela global. É o empregado-amigo (?) da vilã Tereza Cristina. Ele atua na casa da milionária como um mordomo, cúmplice, saco de pancadas, dependendo do humor da mulher. Ora ela lhe conta os dramas, ora lhe bate na cara, ora lhe ameaça tirar tudo o que já lhe deu. E ele, premido pela necessidade, suporta tudo, lambendo-lhe as mãos como um cachorrinho amestrado. Tudo é tão sutil que não há quem não se sinta encantado pelo personagem. Ele provoca o riso e a condescendência, até porque ainda é retratado de forma caricata como um homossexual cheio de maneios, trejeitos e extremamente servil.

Mas, se o servilismo de Crô pode ser questionado pela profunda afetação, outros há que aparecem ainda mais sutis. É o caso da turma da praia que, na pobreza, hostilizava Griselda e, agora, depois que ela ficou rica, passou para o seu lado, vindo inclusive trabalhar com a faz-tudo, assumindo de imediato a postura de defensores e amigos fiéis. Ou ainda a relação dos demais trabalhadores com os patrões “bonzinhos”, como é o caso do Paulo, o Juan, o homem da barraquinha de sucos, e o Renê. Todos são “amigos” e fazem os maiores sacrifícios pelos patrões, reforçando a ideia de que é possível existir essa linda conciliação de classe na vida real. O grupo que atua com o cozinheiro Renê, por exemplo, foi demitido pela vilã, não recebeu os salários, viveu de brisa por um tempo e retomou o trabalho com o antigo chefe por pura bem-querença. Coisa de chorar.

Nesses folhetins também os preconceitos que interessam aos dominantes acabam reforçados sob a faceta de “promoção da democracia”. O negro já não aparece apenas como bandido, mas segue sendo subalterno. No geral faz parte do núcleo pobre, mas é generoso e sabe qual é o “seu lugar”. É o caso do ético funcionário da loja de motos. Um bom rapaz, que, no máximo, pode chegar a gerente da loja. As pessoas que discutem uma forma alternativa de viver aparecem como gente “sem-noção”, no mais das vezes caricaturada, como é o caso da garota que prevê o futuro, a mulher negra que era bruxa, o rapaz que brinca com fogo ou os donos da pousada que em nada se diferem de empresários comuns, a não ser nas roupas exotéricas. Ou o personagem do Zé Mayer, numa antiga novela, que via discos voadores, não aceitava vender suas terras e, no final, “fica bom”, entregando sua propriedade para a empresária boazinha que era dona de uma papeleira. Os homossexuais também encontram espaço nas novelas, dentro da lógica da “democratização”, mas continuam sendo retratados de forma folclórica, como é o caso do Crô, na novela das oito, ou do transexual da novela das sete. Já o índio, como é invisível na vida real, tampouco tem vez nas tramas novelistas e quando tem, como a novela protagonizada por Cléo Pires, vem de forma folclórica e desconectada da vida real. E assim vai...

Gente há que fica indignada com os modelos que as telenovelas reproduzem ano após ano, mas essa é realidade real. Os folhetins nada mais fazem do que reforçar as relações de produção consolidadas pelo sistema capitalista. Até porque são financiados pelo capital, fazendo acontecer aquilo que Ludovico Silva chama de “mais-valia ideológica”. Ou seja, a pessoa que está em casa a desfrutar de uma novela, na verdade segue muito bem atada ao sistema de produção dessa sociedade, consumindo não só os produtos que desfilam sob seu olhar atento, enquanto aguardam o programa favorito, mas também os valores que confirmam e afirmam a sociedade atual. Prisioneira, a pessoa permanece em estado de “produção”, sempre a serviço da classe dominante. Assim, diante da TV – e sem um olhar crítico - as pessoas não descansam, nem desfrutam.

É certo que a televisão e os grandes meios não definem as coisas de forma automática. Como bem já explicou Adelmo Genro, na sua teoria marxista do jornalismo, os meios de comunicação também carregam dentro deles a contradição e vez ou outra isso se explicita, abrindo chance para a visão crítica. Momentos há em que os estereótipos aparecem de maneira tão ridícula que provocam o contrário do que se pretendia ou personagens adquirem tanta força que provocam um explodir da consciência. E, nesses lampejos, as pessoas vão fazendo as análises e podem refletir criticamente. Mas, de qualquer forma, esses momentos não são frequentes nem sistemáticos, o que só confirma a função de fabricação de consenso que é reservada aos meios. Um caso interessante é o do transexual que está sendo retratado na novela da Record, que passa às dez horas. “Dona Augusta” é nascida homem e se faz mulher, sem a folclorização do que é retratado na Globo. É “descoberta” pelo filho que a interna como louca. Toda a discussão do tema é muito bem feita pelos autores, sem estereótipos, sem falsa moral. Mas, é a TV dos bispos evangélicos, que, por sua vez, na vida real pregam a homossexualidade como “doença”. São as contradições.


De qualquer sorte, a teledramaturgia brasileira deveria ser bem melhor acompanhada pelos sindicatos e movimentos sociais. E cada um dos personagens deveria ser analisado naquilo que carrega de ideologia. Não para ensinar aos que “não sabem”, mas para dialogar com aqueles que acabam capturados pelo véu do engano. Assim como se deve falar do que silencia nos meios, o que não aparece, o que não se explicita, também é necessário discutir sobre o que é inculcado, dia após dia, como a melhor maneira de se viver. Pois é nesse entremeio de coisas ditas, malditas e não ditas, que o sistema segue fabricando o consenso, sempre a favor da classe dominante.

Barão de Itararé, ALAI e ALER realizam debate sobre comunicação no FSM:


Resistência à crise, novos meios e alternativas de comunicação

Renata Mielli

O cenário de crise econômica mundial, que abala países da Europa e os Estados Unidos, tem contribuído para o surgimento de uma nova correlação de forças internacional. Emergem protestos contra o mercado financeiro e governos que adotam medidas restritivas e de desmantelamento dos direitos sociais e dos trabalhadores. Ocupe Wall Street, os Indignados, revoltas contra governos como na Primavera Árabe, tiveram nas redes sociais ponto essencial de apoio e disseminação das mobilizações.
 
Na América Latina, uma agenda de mudanças políticas está em curso em diversos países, fruto da luta anti-neoliberal que ocorreu na década de 1990. Nesta pauta de mudanças, o tema da democratização da comunicação e da integração regional tem tido caráter estratégico.
 
Os movimentos sociais têm impulsionado a luta pelo direito à comunicação como fator indissociável do aprofundamento das democracias. Nesta luta, a universalização do acesso à internet, o incentivo às novas mídias como blogs, redes sociais e instrumentos de comunicação alternativa compõem um desafio para atingir cada vez mais pessoas e constituir contraponto ao poder midiático exercido pelos meios de comunicação hegemônicos.
 
Neste cenário de resistência social, impulsionado pelos movimentos sociais e novas mídias é o tema da mesa de diálogo Resistência à crise, novos meios e alternativas de comunicação, organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em parceria com a ALAI – Agência Latinoamericana de Informação e ALER – Associação Latinoamericana de Educação Radiofônica, durante o FSM temático 2012, em Porto Alegre (24-29 de Janeiro).
 
Farão as intervenções inicias da mesa, a coordenadora geral do FNDC (Fórum Nacional pelo Democratização da Comunicação) Rosane Bertoti, Oswaldo León (ALAI) e Judith Gerbaldo (ALER).
 
- Renata Mielli, Barão de Itararé.
 
* O debate acontecerá no dia 25 de janeiro, às 13 horas.  UFRGS  - Faculdade de Direito (Av. Paulo Gama 110, Bairro Farroupilha, Porto Alegre).


http://www.alainet.org/active/52205

Internet, o novo front da resistência palestina contra o sionismo


As páginas da bolsa de valores e do governo de Israel foram os alvos


Baby Siqueira Abrão, para o BRASILdeFATO
Correspondente no Oriente Médio

Eram 10 horas da manhã de segunda-feira, 16 de janeiro, quando dois portais importantes de Israel saíram do ar: o da bolsa de valores de Tel Aviv (Tel Aviv Stock Exchange, TASE) funcionava apenas parcialmente, antes de fechar de vez, e o da companhia aérea El Al, israelense, estava inacessível. Não foi por falta de aviso. No domingo, um grupo de hackers autodenominado “Pesadelo” ameaçou atacar ambos os portais. Dito e feito.
Um porta-voz da bolsa de valores israelense declarou que as operações financeiras não foram afetadas, uma vez que não estão conectadas ao portal. Já a El Al disse que esse tipo de ataque “já era esperado” e anunciou a tomada de medidas de segurança nas operações do site, segundo informou o jornalista Oded Yaron, do diário israelense Haaretz.
O ataque ocorre um dia depois de o Hamas, partido palestino que governa Gaza, parabenizar os piratas que andam invadindo sites israelenses e incentivar a prática. Em comunicado oficial, o porta-voz Sami Abu Zuhri declarou, numa coletiva de imprensa na faixa costeira palestina, que as invasões são “a abertura de um novo campo de resistência, a eletrônica, e o início de uma guerra virtual contra a ocupação que Israel impõe à Palestina".
Zuhri fez um apelo "aos povos palestino e árabe para que continuem com a guerra eletrônica, buscando maneiras de estimulá-la e desenvolvê-la".
O comunicado foi feito três dias depois de um grupo de ativistas de Gaza ter conseguido entrar no sistema eletrônico do serviço de resgate e combate ao fogo de Israel. Eles substituíram a página oficial por uma foto de Danny Ayalon, vice-ministro israelense das Relações Exteriores, cobriram seu rosto com pegadas e acrescentaram a frase “Morte a Israel”.
Depois que o grupo Anonymous invadiu o site do exército israelense, no final de 2011 – notícia pouco divulgada e não confirmada por fontes oficiais, que alegaram “problemas técnicos” para justificar o fato de o portal ter saído do ar –, outros hackers parecem ter se animado com a ideia. Desde o início de 2012, sites de bancos e instituições financeiras de Israel vêm sendo visitados por piratas eletrônicos que se identificam como moradores de países árabes.
No início do ano, hackers autodenominados Group XP invadiram um portal israelense de venda de produtos esportivos, www.one.co.il, capturando e divulgando os dados dos cartões de crédito de milhares de clientes. Nome, endereço, telefone e número da carteira de identidade dos titulares dos cartões foram publicados na internet, em dias intercalados, por dois hackers, que usam o codinome “Ox-Omar” e “X”, declaram-se sauditas e garantem ter informações pessoais de 1 milhão de usuários de cartões de crédito em Israel.
Enquanto bancos e operadoras procuravam minimizar o problema e suspender as operações com os cartões pirateados, o vice-ministro Danny Ayalon vinha a público dizer que os ataques constituíam “uma violação à soberania israelense”, que eram comparáveis a “atos terroristas” e que seriam tratados como tais.
A resposta veio de imediato: o Group XP tirou do ar a página eletrônica do vice-ministro e prometeu intensificar a ciberguerra contra Israel, “pelos crimes cometidos contra o povo palestino”. Os hackers X e Ox-Omar desafiaram Ayalon em público: “Vocês nunca vão nos encontrar”.
Danny Ayalon é o segundo homem do ministério comandado por Avigdor Lieberman, um dos líderes da extrema-direita israelense e fundador do partido ultranacionalista Yisrael Beitenu. Lieberman, cuja posição contra a constituição do Estado da Palestina é bem conhecida, mora numa colônia ilegal construída por Israel em terras confiscadas ao povo palestino.

E a força-tarefa?

Os ataques tornam patente uma verdade que o governo israelense não quer assumir: a força-tarefa contra ciberataques, anunciada em maio de 2011 pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e que devia ter começado a operar na primeira semana de 2012, não existe. Oficialmente, o governo declara que cuidar de cartões de crédito e de interesses privados não é o objetivo do grupo, e que Eviatar Matanya, o diretor de operações, já iniciou o trabalho de “criar e estruturar” a força-tarefa. Mas recusa-se, “por razões de segurança”, a revelar a verba destinada a estruturá-la.
Na verdade, de acordo com uma fonte não oficial ligada às forças de segurança israelenses, essa verba também não existe. A força-tarefa não conta com “verba, pessoal, jurisdição nem com seu diretor de operações predileto [o general da reserva Yair Cohen, ex-chefe da central militar de inteligência], que se recusou a aceitar o posto ao saber que não teria recursos para o trabalho”, escreveu Anshel Pfeffer, jornalista do Haaretz, em 4 de janeiro, dia em que o grupo deveria ter iniciado suas atividades.
No lançamento do programa, há oito meses, Netanyhau declarou, numa entrevista coletiva à mídia, que aceitara as recomendações de uma equipe de oito especialistas, capitaneados pelo general da reserva Isaac Ben-Israel, para formar um grupo de defesa contra ciberataques “que podem paralisar os sistemas que mantêm o país em funcionamento. Eletricidade, cartões de crédito, água, transportes, semáforos, tudo é computadorizado e portanto suscetível a ataques”. Repare o leitor que o primeiro-ministro incluiu os cartões de crédito na relação de sistemas a receber atenção da força-tarefa.
A mesma fonte não oficial afirma que, embora a necessidade da criação do cibergrupo exista, “há órgãos que não desejam ajudá-lo, e ninguém realmente apoiou o projeto ou se esforçou para viabilizá-lo”.
O pessoal do exército treinado para lidar com o cibermundo dedica-se somente à inteligência militar. “A segurança das redes de infraestrutura vital, como eletricidade e água, está nas mãos da Autoridade Nacional de Informação em Segurança [NISA], uma unidade do Shin Bet”, informa Pfeffer. “O Conselho Nacional de Segurança decide quais sistemas de companhias civis devem ser protegidos pela NISA, mas, como algumas delas, incluindo bancos, operadoras de telefone celular e de internet se opõem a isso, a legislação concernente à segurança dessas empresas foi posta de lado.”