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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
O Manifesto do Hezbollah
Líbano: O Manifesto do Hezbollah
Por Roberto Blum
Now Lebanon – Beirute
BEIRUTE, [capital do Líbano]: O Secretário Geral do Hezbollah,
Sayyed Hassan Nasrallah, na noite de segunda-feira [30/11], surgiu numa
tela gigante erguida no Al-Jinan Hall nos subúrbios do sul de Beirute e
leu o novo manifesto de seu partido. Foi a segunda plataforma política
já proposta pelo Hezbollah, que irá nortear seus projetos políticos e
ideológicos nos próximos anos.
O primeiro manifesto, lançado em 1985, apelava para o
estabelecimento da Lei Islâmica no Líbano, mas o partido desde então
tem suavizado seu discurso. Muitos esperavam mudanças mais
significativas no novo manifesto devido às muitas mudanças na cena
política local e regional, porém, exceto pela cláusula sobre o Estado
Islâmico e do partido expressar sua disposição de se envolver mais na
cena política libanesa, nada mudou realmente. Pelo contrário, o que
Nasrallah descreveu como o nível de envolvimento nos assuntos políticos
do Líbano desejado pelo partido não sinaliza nenhuma mudança no seu
comprometimento com seus aliados, a Síria e o Irã.
Durante seu discurso, Nasrallah destacou que a Resistência tem
descrito a si mesmo como o maior e mais bem sucedido agente político do
país. “Através de seu longo caminho e de suas vitórias, a Resistência…
tem crescido de um poder de libertação para um poder de defesa e
intimidação, em adição ao seu papel político interno como uma
influência na construção de um Estado justo e capaz”, disse ele aos
repórteres, indicando que seu partido teria um papel protagonista na
formulação de qualquer estratégia de defesa nacional.
Embora muitos jornalistas tenham considerado o manifesto como um
sinal de que o Hezbollah está “libanizando” – construindo uma
identidade nacional para si mesmo – o partido ainda vê a si mesmo como
um substituto válido para o Estado e de fato existe como um
Estado-dentro-do-Estado. Nasrallah deixou isso claro quando disse:
“Todas as decisões políticas deveriam caber ao Estado; o problema é a
ausência de Estado.”
No entanto, se realmente muito pouco mudou na plataforma política do
partido, por que anunciar isso agora, e por que fazer isso parecer tão
importante?
Claro que o momento era significativo. O Hezbollah comunicou seu
manifesto imediatamente depois que o governo do Líbano delineou o
estatuto ministerial e logo antes de tornar isso público. É quase como
se Nasrallah estivesse publicando o próprio estatuto ministerial do
Hezbollah ao lado do estatuto do governo nacional. O fato de que os
meios de comunicação e a classe política deram muita atenção ao anúncio
é um sinal claro de quão importante os libaneses acreditam que a agenda
política do Hezbollah é. Eles entenderam que, depois de quatro anos de
luta pela independência, a plataforma política do Hezbollah irá moldar
o futuro do país, assim como o partido continuará a agir como um
representante do Irã e da Síria que exerce grande controle sobre as
instituições do Estado e mantém o Líbano como um campo de batalha.
O Hezbollah não foi sempre o maior agente político no país. Por
anos, o partido pode se dar o luxo de ser capaz de focar no seu papel
de resistência no sul. Porém, o grande divisor de águas do partido, e
do Líbano como um todo, veio em 2005, quando o regime da Síria
retirou-se do país após quase 30 anos de ocupação e deixou o Hezbollah
livre para agir politicamente em seu benefício. O partido herdou o
papel de Damasco [capital da Síria] num momento em que os libaneses
estavam perturbados pela raiva contra a Síria e determinados em trazer
à justiça os responsáveis pelo assassinato do ex-Primeiro-ministro
libanês Rafik Hariri.
A primeira atitude do partido foi ir contra o pensamento geral e organizar uma contra manifestação ao 14 de março da Revolução dos Cedros
chamada “Obrigado Síria”- uma indicação das intenções do Hezbollah de
desafiar a aliança 14 de Março e aqueles que clamam por soberania e
independência. E foi exatamente o que eles fizeram nos quatro anos
seguintes.
No entanto, o partido sofreu alguns reveses ao longo de seu caminho,
por exemplo, os eventos de 7 de maio de 2008, quando atiradores da
oposição tentaram tomar Beirute e partes da província de Monte Líbano.
Embora a liderança do Hezbollah tenha conseguido convencer seus
apoiadores de que os eventos sangrentos e traumáticos de maio
representaram uma vitória para a Resistência Islâmica, a reputação do
partido foi duramente manchada entre o público maior do Líbano.
A comunidade xiita no Líbano pagou o preço. Muitos xiitas libaneses,
especialmente aqueles que viviam em Dahieh [principal distrito xiita ao
sul de Beirute] e que trabalhavam em outras áreas de Beirute, foram
submetidos à raiva que seus compatriotas sentiam pela tentativa de
golpe. Muitos perderam seus empregos. Nos estados do Golfo Pérsico
predominantemente sunitas, onde muitos libaneses xiitas têm trabalhado
por anos – em alguns casos sustentando mais de uma família – contratos,
vistos e permissões de trabalho de repente se tornaram mais difíceis de
serem renovados.
O resultado foi um declínio econômico localizado em Dahieh, que tem
levado a um preocupante aumento dos pequenos crimes, roubo de carros,
prostituição e tráfico de drogas. Essa é uma das principais razões pela
qual o Hezbollah pediu que as Forças Internas de Segurança [ISF, sigla
do nome em inglês] interviessem e lançassem a campanha “A Ordem vem da
Fé”.
O Hezbollah tem procurando então virar a página, por assim dizer, e
restabelecer a si mesmo como um partido libanês através de seu novo
manifesto, uma série de reuniões de reconciliação, a cooperação com as
ISF e com outras facções libanesas.
Porém, enquanto o Hezbollah tenta recuperar suas perdas e fazer um
nome para si mesmo na cena política doméstica, Damasco está entrando
novamente na equação, seguindo a recente aproximação entre Síria e
Arábia Saudita e pode querer tomar de volta o papel que entregou ao
partido quatro anos atrás.
Ao mesmo tempo, estão em andamento negociações entre o Irã e o
Ocidente a respeito do programa nuclear de Teerã, e independente de
como isso termine, o Hezbollah pagará o preço. Um acordo entre o
Ocidente e o Irã provavelmente significaria uma diminuição do apoio
financeiro e militar para o Hezbollah. Porém, se houver uma guerra com
Israel, o partido ainda teria que se envolver para defender o Irã.
Em ambos os casos, o Hezbollah precisa proteger a si mesmo. Por esse
motivo, seu novo manifesto foi significativo para sinalizar a
“libanização” do partido e sua integração ao sistema libanês, mas ao
mesmo tempo reafirma seu papel e poder como uma resistência armada com
uma ampla perspectiva.
Hanin Ghaddar
Tradução: Aline Oliveira
Para acessar o texto original, clique aqui.
Fotografia de Bertramz, retirada daqui.
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